Sumário: 777. Conceito. 778. Entrega de coisa certa. 779. Procedimento. 779-a. Cominação de multa diária. 780. Efeito dos embargos. 781. Alienação da coisa devida. 782. Execução da obrigação substitutiva. 783. Execução de coisa sujeita a direito de retenção. 784. Títulos especiais de entrega de coisa: ações executivas lato sensu. 784-a. A generalização da sentença executiva lato sensu (Lei no 10.444, de 07.05.02). 784-b. Providências cabíveis para reforçar a efetividade da tutela às obrigações de entrega de coisa. 784-c. Embargos de retenção. 785. Execução para entrega de coisa incerta. 786. Medidas de coerção e apoio.
A execução para a entrega de coisa corresponde às obrigações de dar em geral, sendo indiferente a natureza do direito a efetivar, que tanto pode ser real como pessoal.1
No feito – contra o alienante (possuidor direto) – baseado numa escritura pública de aquisição de imóvel, com constituto possessório, devidamente assentada no Registro Imobiliário, o adquirente (possuidor indireto) que reclama a posse direta do bem retido injustamente pelo primeiro, ter-se-á uma execução lastreada em direito real. Já no caso de o comprador da coisa móvel que o vendedor não lhe entregou, a execução do contrato se referirá a um direito pessoal, já que o domínio só será adquirido pelo credor após a tradição. Ambas as hipóteses, no entanto, ensejarão oportunidade ao exercício da execução para entrega de coisa.2
Compreende essa modalidade de execução forçada prestações que costumam ser classificadas em dar, prestar e restituir. Diz-se que a prestação é de dar quando incumbe ao devedor entregar o que não é seu, embora estivesse agindo como dono; de prestar, quando a entrega é de coisa feita pelo devedor, após a respectiva conclusão; e de restituir, quando o devedor tem a obrigação de devolver ao credor algo que recebeu deste para posse ou detenção temporária.3
O objeto da prestação, em tais obrigações, nem sempre vem completamente individuado. Por isso, o Código separou em seções distintas a execução da entrega de coisa certa (art. 621) e a de coisa incerta (art. 629), já que no último caso deve-se passar, preliminarmente, por uma fase de individualização das coisas indicadas no título executivo apenas pelo gênero e quantidade.
A área de abrangência da execução forçada para entrega de coisa certa passou, nos últimos tempos, por marcantes modificações legais, sucessivamente adotadas, ao mesmo tempo em que o respectivo procedimento, antes único, se adaptou ao propósito da busca da maior utilidade e eficácia, graças ao recurso de opções modernas recomendadas pela técnica das tutelas diferenciadas.
Tal como a definia o art. 621, em sua redação primitiva, a execução para entrega de coisa certa tinha cabimento contra “quem for condenado a entregar coisa certa”. Assim, para o Código só era admissível essa modalidade de execução forçada nos casos de títulos executivos judiciais.
A Lei no 8.953, de 13.12.94, no entanto, modificou o texto do art. 621, eliminando a referência que outrora limitava esse tipo de execução às sentenças condenatórias. De tal sorte, passou a ser cabível a execução de obrigação de dar coisa certa ou incerta tanto com base em título judicial como extrajudicial.
Finalmente, a Lei no 10.444, de 07.05.02, separou as execuções de títulos judiciais e extrajudiciais. Apenas para estas destinou a actio iudicati, nos moldes dos arts. 621 a 631. Para as sentenças condenatórias a entrega de coisa, o regime adotado é o da executio per officium iudicis. Não há mais a ação de execução em sucessivo processo. O sistema é o da sentença executiva lato sensu, como já anteriormente se passava com as ações de despejo e com as possessórias. Ao julgamento do pleito segue-se a expedição do mandado de entrega da coisa perseguida pelo autor, sem necessidade da abertura do processo de execução (art. 461-A, § 2o, com a redação da Lei no 10.444, de 07.05.02).
Em qualquer das duas modalidades de execução, porém, o objeto é a coisa certa, isto é, coisa especificada ou individualizada, que pode ser: a) imóvel (casas, terrenos, fazendas etc.); ou b) móvel (uma joia, um automóvel etc.).
A execução, sob a modalidade de ação executiva autônoma (apoiada em título extrajudicial), inicia-se sempre por provocação do interessado, mediante petição inicial.
Deferida a petição, o devedor será citado para, em dez dias, satisfazer a obrigação, entregando a coisa prevista no título executivo (art. 621, caput). Fala o mesmo dispositivo legal em citação alternativa para, seguro o juízo, apresentar embargos, nos termos do art. 737, II. Esta segunda hipótese ficou, após a Lei no 11.382, de 06.12.2006, prejudicada. Na nova sistemática da execução dos títulos extrajudiciais, os embargos, em qualquer das modalidades de obrigação, independem de penhora, depósito ou caução (art. 736, na atual redação). Foi justamente por isso que a Lei no 11.382 revogou expressamente o art. 737. Infelizmente, o legislador esqueceu-se de completar a obra renovadora, no tocante ao art. 621. De qualquer maneira, a redação deste velho dispositivo ficou implicitamente derrogada no que diz respeito à segurança do juízo. O prazo para entrega corre da juntada do mandado cumprido aos autos. O de embargos, que é de quinze dias, começa a fluir também da data da juntada aos autos no mandado de citação (art. 738, caput, com a redação da Lei no 11.382/2006). As regras que previam prazos para defesa contados da juntada do mandado de imissão de posse ou de busca e apreensão, quando o devedor não depositasse ou não entregasse a coisa devida, perderam eficácia em face da revogação dos incisos do art. 738 pela Lei no 11.382, de 06.12.2006. Doravante, só há um prazo para embargar a execução de título extrajudicial relativo à obrigação de entrega de coisa, que é o de 15 dias, contado sempre da juntada aos autos do mandado citatório.
Cumprida a citação, poderão ocorrer três situações distintas:
a) Entrega da coisa: o devedor, acatando o pedido do credor, entrega-lhe a coisa devida. Lavra-se, então, o competente termo nos autos, dando-se por finda a execução (art. 624). Se houver sujeição, também, ao pagamento de frutos e ressarcimento de perdas e danos, o processo prosseguirá sob a forma de execução por quantia certa. Naturalmente, se o quantum for ilíquido, ter-se-á que proceder à prévia liquidação (arts. 475-A a 475-H), medida que, entretanto, só seria viável, em regra, quando se tratasse de execução de título judicial. Havendo iliquidez em título extrajudicial, a questão não se resolve, de ordinário, em incidente da execução. Tem de ser submetida à solução em processo de conhecimento, pelas vias ordinárias. No caso, todavia, de título extrajudicial líquido quanto à coisa devida, e cuja execução específica se frustra por ato do devedor, o Código abre uma exceção e permite a liquidação de seu valor e dos prejuízos sofridos pelo credor em simples incidente, nos moldes dos arts. 475-A a 475-H, tal como se faria ordinariamente com as sentenças ilíquidas (art. 627, § 2o).
b) Inércia do devedor: o executado deixa escoar o prazo de dez dias sem entregar a coisa e sem depositá-la. Será, então, expedido em favor do credor mandado de imissão de posse, se se tratar de imóvel, ou de busca e apreensão, se móvel. Em tal situação, a medida executiva é definitiva se já transcorrido o prazo de quinze dias para embargos, contado da citação. Oferecidos embargos, se ainda oportunos, não terão eles necessariamente efeito suspensivo, de sorte que a imissão na posse ou a busca e apreensão conservarão o seu feitio de definitividade. Poderá, contudo, o executado pleitear efeito suspensivo, porque a execução já está segura. Para lograr deferimento, deverá, ainda, demonstrar a relevância da fundamentação dos embargos e que o prosseguimento da execução pode manifestamente causar-lhe grave dano de difícil ou incerta reparação (art. 739-A, § 1o, acrescentado pela Lei no 11.382, de 06.12.2006). A imissão e a apreensão, diante do efeito suspensivo dos embargos, tornam-se provisórias, ficando a solução definitiva da execução na dependência da decisão do incidente. Se são julgados improcedentes, a posse do credor passará a definitiva; caso contrário, devolver-se-á a coisa ao executado.
c) Depósito da coisa: dentro do prazo de dez dias da juntada do mandado citatório, o devedor, em lugar de entregar, deposita a coisa devida em juízo, lavrando-se termo nos autos. Com essa providência, ficará habilitado a pleitear efeito suspensivo para os embargos, se atendidas as exigências do art. 739-A, § 1o. Repita-se que o depósito, após a Lei no 11.382/2006, deixou de ser requisito para os embargos à execução, mas continua sendo uma das condições para se tentar a suspensão da execução do título extrajudicial. Não influi, em nada, na contagem do prazo de embargos, que, como já esclarecido, flui da juntada do mandado de citação e não da segurança do juízo. A principal função do depósito é impedir que o exequente seja imediatamente imitido na posse do bem exequendo, colocando-o sob custódia judicial até que se julguem os embargos do executado. Uma vez, porém, que nem sempre os embargos terão efeito suspensivo, para que o executado possa, de fato, impedir o exequente de se apoderar, de plano, do objeto da execução, terá, além de depositá-lo em juízo, de obter o deferimento da eficácia suspensiva a que alude o art. 739-A, § 1o.
Da citação executiva, poderá constar a cominação de multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega de coisa (art. 621, parágrafo único, 1a parte). Essa penalidade já pode ter sido prevista no título executivo. Mas, mesmo que não exista tal previsão, a lei dá ao juiz poder para fixá-la no despacho da inicial da execução. De qualquer forma, o valor a constar do mandado executivo é o que o juiz fixar, ainda que o título extrajudicial preveja outro. A multa, in casu, é meio de coerção, e não forma de indenizar prejuízo do credor. A sanção é de ordem pública e não pode ficar sob o controle exclusivo da parte. O juiz não deve, portanto, omitir-se na sua dosagem e na sua aplicação.
É por ser um instrumento da atividade jurisdicional executiva que a lei confere ao juiz o poder de rever, a qualquer tempo, o valor da multa já fixada, tanto para ampliá-lo como para reduzi-lo, caso se torne insuficiente ou excessivo, diante das peculiaridades do processo (art. 621, parágrafo único, 2a parte).
Ainda dentro da mesma perspectiva, pode o juiz deixar de aplicar a multa de coerção, ou revogá-la, se estiver evidente a impossibilidade de o devedor cumprir a obrigação de entrega de coisa na sua modalidade específica. Para compelir o obrigado a pagar o equivalente econômico, não prevê a lei o emprego da astreinte.4
Se, porém, o devedor criou a impossibilidade intencionalmente ou se esta ocorreu por causa do retardamento, terá lugar a cumulação das perdas e danos com a multa cominada, até o momento em que a prestação originária se inviabilizou. É que o art. 461, § 2o, que também se aplica às obrigações de entrega de coisa, dispõe que “a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287)”.
Dispõe o art. 623 que, sendo a coisa depositada pelo executado, como lhe faculta o art. 622, “o exequente não poderá levantá-la antes do julgamento dos embargos”. A regra, no entanto, justificava-se, pela disposição geral que conferia sempre efeito suspensivo aos embargos à execução (art. 739, § 1o). A nova sistemática instituída pela Lei 11.382, de 06.12.2006, é, ao contrário, a de que “os embargos do executado não terão efeito suspensivo” (art. 739-A, caput). Por isso, a mesma lei revogou o § 1o do art. 739. Por conseguinte, o art. 623, que impede o levantamento da coisa depositada para segurança do juízo, teve o seu alcance reduzido, e somente será aplicado quando o devedor conseguir, excepcionalmente, efeito suspensivo para seus embargos (art. 739-A, § 1o).
Em síntese, os embargos à execução para entrega de coisa não desfrutam, ordinariamente, de efeito suspensivo e, pois, não impedem que o exequente desde logo se aposse da coisa objeto da execução. O efeito suspensivo é exceção que depende de deferimento judicial e que se sujeita aos condicionamentos previstos no § 1o do art. 739-A.
Mesmo quando houver alienação da coisa devida a terceiro, se o ato de disposição ocorreu após a propositura da execução, continuará ela alcançável pela constrição judicial (art. 626). O caso é de fraude de execução, de maneira que a transferência do bem apresenta-se ineficaz perante o credor (arts. 592, I, e 593, no III). Consultar, ainda, o item 735, retro.
Nessa hipótese, se aprouver ao credor, o mandado executivo será expedido contra o adquirente (art. 626). Este, se quiser defender sua posse ou domínio, só poderá fazê-lo após depósito da coisa litigiosa (art. 626, in fine). Não sendo devedor, o adquirente terá de defender-se por meio de “embargos de terceiro”.5
A responsabilidade executiva do adquirente é, todavia, limitada exclusivamente à entrega da coisa.6 Se o bem, por qualquer razão, não mais estiver em seu poder, não terá o adquirente a obrigação de indenizar o credor pelo equivalente.7 A obrigação pelo equivalente é tão somente do devedor.
O credor, é bom notar, não está obrigado a buscar a coisa devida em poder de terceiros. Pode preferir executar o devedor pelo valor da coisa, mais perdas e danos decorrentes da alienação (art. 627).
O fim específico da execução por coisa certa é a procura do bem devido no patrimônio do devedor, ou de terceiro, para entregá-lo in natura ao credor.
Pode, no entanto, ocorrer que o devedor se recuse a entregar a coisa, ou que tenha ela se deteriorado ou haja sido alienada. Se a coisa ainda existe e pode ser materialmente localizada, assiste ao credor o direito de buscá-la e apreendê-la, seja no patrimônio do devedor (art. 625), seja no do terceiro adquirente, se a alienação se deu em fraude de execução (art. 626).
Mas, como já se disse, não está o credor jungido à obrigação de perseguir a coisa sonegada. De maneira que, tanto na destruição como na alienação, fica-lhe aberta a oportunidade de optar pela execução da “obrigação subsidiária” ou “substitutiva”, através da qual poderá reclamar uma quantia de dinheiro equivalente ao valor da coisa, além das perdas e danos (art. 627). Transforma-se, por essa opção, a execução de coisa certa em execução por quantia certa.
Se a sentença condenatória contiver o valor da coisa, prevalecerá ele para a execução da “obrigação subsidiária”. Caso contrário, o credor far-lhe-á a estimativa, que se não for aceita pela parte contrária causará o encaminhamento dos interessados ao processo de liquidação, segundo o rito aplicável às sentenças genéricas (art. 627, § 2o). O valor da coisa será apurado por arbitramento (art. 627, § 1o) e o das perdas e danos pelo procedimento que se mostrar adequado ao caso (arts. 475-A a 475-H). Quando se tratar de valor determinado pelo próprio título exequendo ou quando for o caso de mercadorias cotadas em bolsa, caberá ao credor instruir seu pedido de conversão em execução por quantia certa com a competente memória de cálculo, que deverá compreender o valor atual da obrigação, isto é, o principal e todos os seus acessórios e acréscimos. Para essas simples operações aritméticas, a partir de dados certos, não haverá necessidade de liquidação por arbitramento e, muito menos, por artigos. Se o devedor discordar do cálculo, impugná-lo-á em embargos.
Liquidada a obrigação, por qualquer das formas referidas, citar-se-á o devedor para pagamento em vinte e quatro horas, prosseguindo-se de conformidade com o procedimento da execução por quantia certa.
O direito de retenção gera a seu titular uma exceção dilatória. Não impede, no processo de conhecimento, a condenação à entrega da coisa, mas subordina a eficácia da sentença à prévia satisfação do crédito daquele que detém o jus retentionis.8 No processo de execução de título extrajudicial, da mesma forma, não se dará curso ao feito sem se respeitar o eventual direito de retenção do obrigado a restituir.
Por isso, se o título executivo refere-se a entrega de coisa benfeitorizada pelo devedor, ou por terceiro, antes da execução é obrigatória a liquidação do valor das obras ou melhoramentos a serem indenizados pelo credor (art. 628), o que se fará de acordo com o disposto nos arts. 475-A a 475-H.
A execução só terá início depois do depósito do valor das benfeitorias.
Poderá haver direitos do credor contra o possuidor, como os provenientes de frutos, do uso da coisa, das perdas e danos etc. Se isto ocorrer, será lícita a compensação entre eles e o crédito das benfeitorias, tendo o exequente que depositar apenas a diferença que se apurar em favor do executado (art. 628).
Se na compensação o saldo favorecer o credor, ficará prejudicado o direito de retenção e será lícito ao exequente cobrar o seu crédito, como execução por quantia certa, nos mesmos autos (art. 628, in fine).
A movimentação da execução forçada sem o depósito para ressarcir as benfeitorias a que alude o art. 628 faculta ao devedor a oposição de embargos (art. 745, IV, acrescentado pela Lei no 11.382/2006). Antigamente, o Código previa uma modalidade especial de embargos com a denominação de embargos de retenção e com rito próprio para oposição do jus retentionis. Com a Lei no 11.382/2006, esse tipo de defesa passou a ser simples tema dos embargos à execução, sem nenhuma especialização de rito.
Antes da Lei no 10.444, de 07.05.02, poucas eram as sentenças condenatórias que levavam à entrega forçada de coisa, sem passar pela actio iudicati. A regra era a submissão geral das obrigações da espécie a dois processos: um de acertamento, para obtenção do título executivo judicial (ação condenatória), e outro para realização forçada da condenação (ação executória).
Sempre houve, porém, exceções. Assim é que, por tradição, nas ações de despejo e de reintegração de posse, embora haja sentença que condena à entrega de coisa certa (prestação de dar ou de restituir), a execução de seus decisórios não segue o procedimento comum dos arts. 621 e segs. É que essas ações, além de condenatórias, são “preponderantemente executivas”, no dizer de Pontes de Miranda,9 de maneira que já tendem à execução de suas sentenças independentemente do processo próprio, da execução forçada.
Assim, no despejo, o locatário, após a sentença de procedência, será simplesmente notificado a desocupar o prédio, e, findo o prazo da notificação, será de logo expedido o mandado de evacuando, sem sequer haver oportunidade para embargos do executado.10
Da mesma forma, na reintegração de posse, a execução da sentença faz-se por simples mandado e não comporta embargos do executado.11
Trata-se, como já ficou dito, de ações executivas, lato sensu, de modo que “sua execução é sua força, e não só efeito de sentença condenatória”.12
Como não há embargos nessas execuções, o direito de retenção que acaso beneficie o devedor haverá de ser postulado na contestação, sob pena de decair de seu exercício.13
Registre-se, finalmente, a possibilidade de execução para entrega de pessoa, nos casos de guarda de menores e incapazes, execução essa que se processará sob a forma de mandado de busca e apreensão.
Com o advento do art. 461-A instituído pela Lei no 10.444, de 07.05.02, o que era exceção passou a regra, de modo que nenhuma sentença de condenação ao cumprimento de obrigação de entrega de coisa se submeterá ao sistema da duplicidade de ações. Uma única relação processual proporcionará o acertamento e a realização do direito do credor de coisa. Generalizou-se, no campo dessas obrigações, a ação executiva lato sensu. Apenas se empregará a ação executiva para os títulos executivos extrajudiciais.
O procedimento unitário está assim disciplinado:
a) sempre que o credor reclamar, no processo de conhecimento, a entrega de coisa, o juiz lhe concederá a tutela específica, fixando, na sentença, o prazo para cumprimento da obrigação (art. 461-A, caput);14
b) independentemente de nova citação, aguardar-se-á o transcurso do prazo assinado na sentença, cuja contagem será a partir do respectivo trânsito em julgado;
c) comunicado nos autos o transcurso do prazo sem que o devedor tenha cumprido a obrigação, expedir-se-á em favor do credor mandado para sua realização compulsória por oficial de justiça: o mandado será de busca e apreensão, se se tratar de coisa móvel; e de imissão na posse, se o bem devido for coisa imóvel (art. 461-A, § 2o). No primeiro caso, o oficial toma fisicamente posse da coisa e a entrega ao credor; no segundo, os ocupantes são desalojados do imóvel, para que o credor dele se assenhoreie. A diligência, portanto, se aperfeiçoa com a colocação do exequente na posse efetiva e desembaraçada do imóvel disputado.
Além de ter suprimido a ação de execução de sentença para as obrigações de entrega de coisa, que se cumprirão por meio de simples mandado expedido por força imediata da própria sentença condenatória, a Lei no 10.444, de 07.05.02, reforçou a exequibilidade com enérgicas medidas de apoio, mandando aplicar-lhes os mesmos procedimentos coercitivos previstos para a execução das obrigações de fazer e não fazer e que se acham elencadas nos §§ 2o, 4o e 5o do art. 461 (art. 461-A, § 3o).
Tais medidas acessórias já foram examinadas nos no 644, retro, quando se cogitou das sentenças condenatórias, cuja disciplina se tornou comum às obrigações de fazer e não fazer e de entrega de coisa. Dentre elas, a de maior destaque é, sem dúvida, a permissão para empregar-se, também nas ações relativas às obrigações de dar, a multa periódica por retardamento no cumprimento da decisão judicial (astreintes). Sobre as medidas de apoio em referência, vejam-se os itens no 493-a-1, no volume I, e no 644, neste volume.
A Lei no 10.444, de 07.05.02, restringiu o campo de aplicação dos embargos de retenção por benfeitorias que cabem, desde então, apenas nas execuções para entrega de coisa fundadas em título extrajudicial (art. 745, IV, acrescentado pela Lei no 11.382/2006).
Como não há mais actio iudicati, para realizar a condenação contida nas sentenças que impõem o cumprimento das obrigações de dar coisa certa, a arguição do ius retentionis somente será viável na contestação. Depois da sentença não haverá mais oportunidade para os questionados embargos. O mandado de busca e apreensão (móveis) ou de imissão de posse (imóveis) é consequência imediata da sentença, sem ensejar novas oportunidades, para qualquer incidente cognitivo ou de acertamento.
Isto não quer dizer que a parte perca o direito de ser indenizado por eventuais benfeitorias, tal como se prevê no direito material, pelo fato de não tê-lo invocado na ação reipersecutória. Se o tema não foi aventado na litiscontestação, sobre ele não se formou a coisa julgada. Não impedirá a execução pura e simples da entrega da coisa, já que não haverá oportunidade para embargos de retenção. O titular, todavia, do direito ao ressarcimento do valor das benfeitorias poderá exercitá-lo por meio de ação ordinária, que, nessa altura, porém, não prejudicará o cumprimento do mandado de entrega oriundo da primeira demanda.
A execução para entrega de coisa incerta está prevista no art. 629. Tem cabimento nos casos de títulos que prevejam a entrega de coisas determinadas pelo gênero e quantidade. Excluem-se da execução das obrigações de dar coisa incerta, naturalmente, as de dinheiro, que, embora sendo fungíveis, são objeto de execução própria, a de quantia certa.
Nas obrigações de coisa incerta, a escolha, segundo o título, pode ser do credor ou do devedor. Se é do credor, deverá ele individualizar as coisas devidas na petição inicial da execução. Se for do devedor, será este citado para entregá-las individualizadas a seu critério (art. 629). Não se abre um incidente especial para definir, previamente, a individualização da coisa. A citação é única, e a resposta do executado já deve se dar pela entrega ou depósito da coisa escolhida, no prazo do art. 621.15
Tanto a escolha do credor como a do devedor podem ser impugnadas pela parte contrária nas 48 horas seguintes à manifestação de vontade (art. 630). O prazo para a escolha do devedor é o da citação para a entrega: dez dias (art. 621). Tudo se passa dentro do procedimento executivo, sem maiores formalidades.
Os critérios para a escolha são os do art. 244 do Código Civil atual, isto é, o devedor “não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor”.
A apreciação da impugnação deve ser sumária, decidindo-a o juiz de plano. Se julgar necessário, porém, poderá louvar-se em perito, observando-se o procedimento normal dos exames periciais (art. 630).
A omissão do devedor em efetuar a escolha, quando lhe caiba esse direito, importa transferência da faculdade para o credor.16
Superada a fase de individualização das coisas genéricas, o procedimento da execução é o mesmo observado na entrega da coisa certa (art. 631).
Ao cuidar da sentença da ação de conhecimento em que se exerce pretensão a entrega de coisa, o § 3o do art. 461-A instituiu algumas medidas de que o juiz pode lançar mão para assegurar a eficácia da execução da prestação devida, como a cominação de multa por atraso e a busca e apreensão, com emprego da força policial, se necessário. No art. 287 também ficou o demandante autorizado a pedir cominação de multa por retardamento a ser imposta pela sentença, no caso de descumprimento da ordem de entrega de coisa.
Naqueles dispositivos a atenção normativa está voltada para o processo de conhecimento. Seu objetivo final, todavia, é a execução do provimento jurisdicional. Por isso, mesmo que inexista sentença condenatória, a multa de coerção tem cabimento, igualmente nas execuções de título extrajudicial. É o que, aliás, deixa claro o art. 621, parágrafo único, na redação da Lei no 10.444, de 07.05.02. De fato, não seria razoável pensar que a execução do título extrajudicial fosse dotada de menos efetividade que a do título judicial, quando o Código não faz, em momento algum, qualquer tipo de discriminação no acesso à Justiça pela parte que disponha de título para reclamar a tutela jurisdicional executiva. O empenho do Código em propiciar o efetivo proveito que o título assegura ao credor é um só, seja ele judicial ou extrajudicial.
Notas: 1) Eventualmente pode haver prosseguimento da execução para cobrança de frutos ou perdas e danos sob o rito de execução por quantia certa.
2) A execução de sentença não segue o procedimento deste fluxograma. Cumpre-se, sumariamente, por busca e apreensão ou imissão na posse (art. 461-A, § 2o).
1 SANTOS, Moacyr Amaral. Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, v III, n. 880, p. 337. ALLORIO, Enrico. Problemas de Derecho Procesal. Buenos Aires: EJEA, II, 1963, n. 33, p. 223-239.
2 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de Execução. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1968, n. 93, p. 163. Enrico Tullio Liebman, Processo de Execução. 3a ed., no 93, p. 163.
3 LIMA, Alcides Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Série Forense, 1974, v. VI, tomo II, n. 1.519, p. 676.
4 Transformada, porém, a obrigação em indenização, a execução toma a forma de execução por quantia certa. Se o título for judicial, haverá possibilidade de incidir a multa única de 10% se o pagamento não se der em 15 dias (art. 475-J).
5 LIMA, Cláudio Vianna de. Processo de Execução. Rio de Janeiro: Forense, 1973, n. 3, p. 124; LIMA, Alcides Mendonça. Op. cit., n. 1.590, p. 704; COSTA, Alfredo Araújo Lopes da. Direito Processual Civil Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, n. 343, p. 250; CASTRO, Amílcar de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1963, n. 407, p. 401.
6 LIMA, Alcides Mendonça. Op. cit., n. 1.592, p. 705.
7 AMERICANO, Jorge. Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1958, v. IV, p. 264.
8 FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Direito de Retenção. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1957, n. 163, p. 302.
9 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das Ações. São Paulo: RT, 1970, v. I, p. 125.
10 ANDRADE, Luis Antônio de. Locação e Despejo. Rio de Janeiro: Forense, 1966, n. 120, p. 97. TJMG, ac. de 20.04.71, in DJMG de 22.05.71.
11 TJSP, ac. de 23.10.69, in Rev. For., 234/139; TACSP, ac. de 24.04.73, in Rev. Tribs., 445/115; 1o TACivSP, Ap. 753.472-5/00, Rel. Juiz Luiz Antonio de Godoy, ac. de 10.03.98, in JUIS – Saraiva no 14; TAMG, Ap. 219.568-0, Rel. Juiz Fernando Bráulio, ac. de 05.09.96, in JUIS – Saraiva no 14; TJSP, 23a Câm. de Direito Privado, APC 9224630132005826 SP 9224630-13.2005.8.26.0000, Rel. José Marcos Marrone, ac. 02.02.2011, DJSP 21.02.2011; TJSP, 5a Câm. de Direito Público, 990103609263 SP, Rel. Franco Cocuzza, ac. 06.12.2010, DJSP 06.12.2010.
12 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Apud ANDRADE, Luis Antônio de. Op. cit., n. 119, p. 97.
13 ANDRADE, Luis Antônio de. Op. cit., n. 120, p. 97.
14 Mesmo quando a obrigação seja de coisa genérica (indicada pelo gênero e quantidade), o caráter de ação executiva lato sensu perdurará: “O credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz” (art. 461-A, § 1o).
15 “Não há que se falar em um momento prévio de escolha para posterior entrega, após homologação” (STJ – 3a T., REsp. no 701.150/SC, Rel.a Min.a Nancy Andrighi, ac. 15.12.05, DJU 01.02.06, p. 545).
16 LIMA, Alcides Mendonça. Op. cit., n. 1.629, p. 717.