Capítulo XXXVIII

EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA

§ 129. NOÇÕES GERAIS

Sumário: 801. O objetivo da execução por quantia certa. 802. Execução por quantia certa como forma de desapropriação pública de bens privados. 803. Espécies.

801. O objetivo da execução por quantia certa

O patrimônio do devedor é a garantia genérica de seus credores (Código de Processo Civil, art. 591).1 Ao assumir uma obrigação, o devedor contrai para si uma dívida e para seu patrimônio uma responsabilidade.

A dívida é normalmente satisfeita pelo cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor. A responsabilidade patrimonial atua no caso de inadimplemento, sujeitando os bens do devedor à execução forçada, que se opera através do processo judicial.

Quando a obrigação representada no título executivo extrajudicial refere-se a uma importância de dinheiro, a sua realização coativa dá-se por meio da execução por quantia certa (Código de Processo Civil, arts. 646 e segs.). Não importa que a origem da dívida seja contratual ou extracontratual, ou que tenha como base material o negócio jurídico unilateral ou bilateral, ou ainda o ato ilícito. O que se exige é que o fim da execução seja a obtenção do pagamento de uma quantia expressa em valor monetário.2

Pode a execução por quantia certa fundar-se tanto em título judicial (sentença condenatória) como em título extrajudicial (documentos públicos e particulares com força executiva), muito embora o procedimento regulado nos arts. 646 e seguintes seja específico dos títulos extrajudiciais. Pode, também, decorrer da substituição de obrigação de entrega de coisa e da obrigação de fazer ou não fazer, quando a realização específica dessas prestações mostrar-se impossível ou quando o credor optar pelas equivalentes perdas e danos (arts. 627, 633 e 638, parágrafo único, do Código de Processo Civil).

Consiste a execução por quantia certa em expropriar bens do devedor para apurar judicialmente recursos necessários ao pagamento do credor. Seu objetivo é, no texto do Código, “expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor” (art. 646).3

Tem como atos fundamentais a penhora, a alienação e o pagamento,4 podendo redundar na entrega ao credor dos próprios bens apreendidos, em satisfação de seu direito.5

802. Execução por quantia certa como forma de desapropriação pública de bens privados

Quando a Administração Pública, no desempenho de suas funções, resolve realizar uma obra pública, à custa de bens do domínio privado, tem que proceder, primeiro, à transferência de ditos bens para o domínio público, a fim de, depois, utilizar-se deles na consecução do serviço projetado.

Tal, como é óbvio, não se faz arbitrariamente, mas segundo um plano jurídico-legal que vai desde a definição do bem particular a ser utilizado até sua efetiva utilização no serviço público, mediante prévia e justa indenização ao proprietário.

Para tanto existe, no ordenamento jurídico, um processo que se inicia nas vias administrativas e pode, eventualmente, se consumar na via judicial, se o particular não concordar com a indenização que lhe oferecer a Administração.

A execução por quantia certa, no âmbito da jurisdição, é um serviço público que o Estado põe à disposição do credor para realizar, coativamente, a benefício deste, mas também no interesse público de manutenção da ordem jurídica, o crédito não satisfeito voluntariamente pelo devedor, na época e forma devidas.

Partindo da regra de que “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros” (Código de Processo Civil, art. 591), a execução por quantia certa tem por objetivo expropriar aqueles bens do devedor inadimplente que sejam necessários à satisfação do direito do credor, como dispõe o art. 646 do mesmo Código de Processo Civil.

Essa expropriação executiva para obter o numerário a ser aplicado na realização do crédito exequendo se opera, ordinariamente, por meio da alienação forçada do bem afetado ao processo, seja em favor de terceiros, seja em favor do próprio credor. Mas pode, excepcionalmente, limitar-se à instituição de um vínculo real temporário em benefício do credor, que, assim, através de um usufruto forçado, extrairá do bem apreendido o rendimento que possa cobrir o crédito insatisfeito (Código de Processo Civil, art. 647).

O modus faciendi da expropriação executiva não é, em essência, diverso do da desapropriação por utilidade ou necessidade pública.

A exemplo do que se passa na atividade da Administração Pública que vai se utilizar compulsoriamente de bens particulares, o procedimento complexo de expropriação da execução por quantia certa compreende providências de três espécies, quais sejam:

a) de afetação de bens;

b) de transferência forçada de domínio; e

c) de satisfação de direitos.

Isto, em outras palavras, faz da execução por quantia certa uma sucessão de atos que importam:

a) a escolha dos bens do devedor que se submeterão à sanção;

b) a transformação desses bens em dinheiro, ou na sua expressão econômica;

c) o emprego do numerário ou valor apurado no pagamento a que tem direito o credor.

803. Espécies

Nosso Código tratou diversamente a execução de título executivo extrajudicial por quantia certa, conforme a situação econômico-financeira do devedor. Fixou um procedimento de índole individualista, realizado no interesse particular do credor, com aquisição de direito de preferência através da penhora, e que se destina à execução do devedor solvente (arts. 646 a 735). Regulou, contudo, outro procedimento para o caso do devedor insolvente, de caráter universal e solidarista, cujo objetivo é assegurar aos credores daquele que não dispõe de bens suficientes para a satisfação de todas as dívidas, a chamada par condicio creditorum (arts. 748 a 786).

No primeiro caso, o ato expropriatório executivo inicia-se pela penhora e restringe-se aos bens estritamente necessários à solução da dívida ajuizada. No segundo, há, ad instar da falência do comerciante, uma arrecadação geral de todos os bens penhoráveis do devedor para satisfação da universalidade dos credores. Instaura-se a denominada execução por concurso universal dos credores do insolvente (art. 751, III).

 

1      A execução do título judicial não segue o procedimento da “ação de execução” (arts. 646 a 729), mas o de “cumprimento da sentença” (arts. 475-J a 475-R, com a redação da Lei no 11.232, de 22.12.2005).

2      REIS, José Alberto dos. Processo de Execução. Coimbra: Coimbra, 1943, v. I, n. 16, p. 42.

3      A expropriação, no sentido jurídico-processual, consiste no “ato do Estado que, praticado pelo juiz, transfere bem do devedor a outra pessoa, a fim de satisfazer o direito do credor, mesmo sem a sua anuência” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, verbete “expropriação”, p. 1.290).

4      REIS, José Alberto dos. Op. cit., n. 16, p. 37.

5      LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de Execução. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1968, n. 50, p. 91.