Sumário: 877. Satisfação do direito do credor. 877-a. Última etapa do processo de execução.
A fase final da execução por quantia certa compreende o pagamento que o órgão judicial efetuará ao credor através dos meios obtidos na expropriação dos bens penhorados ao devedor.
Pela própria natureza da obrigação exequenda, a fase de instrução deveria encerrar-se, em regra, com a arrematação e a fase de satisfação resumir-se-ia na entrega, ao credor, da importância arrecadada na alienação judicial, até o suficiente para cobrir o principal e seus acessórios, tal como ocorreria no cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor. Com esse pagamento forçado extinguir-se-ia a obrigação e, consequentemente, a execução (art. 794, no I).
A entrega do dinheiro ao credor, porém, não é a única forma de pagamento prevista no sistema da execução por quantia certa. Representa a realização da obrigação originária, ou seja, o pagamento da quantia a que se obrigou o devedor, na mesma substância prevista no título executivo. Mas o Código prevê outras formas que também se prestam a satisfazer o direito do credor, mesmo sem lhe entregar a importância de dinheiro inicialmente reclamada em juízo. Aliás, na sistemática inovadora instituída pela Lei no 11.382, de 06.12.2006, a forma prioritária de satisfação da obrigação passou a ser a adjudicação dos próprios bens penhorados, se isto interessar ao exequente (art. 685-A).
De acordo com essa atual posição do Código, o art. 647 indica, na ordem de preferência, quatro modalidades de expropriação para preparar o pagamento, a saber:
I – adjudicação em favor do exequente ou das pessoas indicadas no § 2o do art. 685-A desta Lei;
II – alienação por iniciativa particular;
III – alienação em hasta pública;
IV – usufruto de bem móvel ou imóvel.
A essas figuras de expropriação correspondem as formas de pagamento previstas no art. 708, que, postas na mesma ordem de preferência do art. 647, podem ser assim escalonadas:
I – a adjudicação dos bens penhorados;
II – a entrega do dinheiro;
III – o usufruto de bem móvel ou imóvel (art. 716).1
Forma pura de pagamento é apenas aquela que se dá por meio da entrega ao exequente do dinheiro apurado na expropriação dos bens penhorados. As demais modalidades a que se refere o art. 708 correspondem a atividades complexas que, simultaneamente, realizam tanto a função de instrução como a de satisfação. A adjudicação e o usufruto judicial, a um só tempo, expropriam bens do executado e os transferem para o exequente; daí dizer-se que são formas executivas híbridas, com duplo papel dentro da execução por quantia certa.
O pagamento da adjudicação já foi analisado, portanto, quando se estudou a instrução processual realizada por seu intermédio (v. itens 849 e seguintes). A seguir serão abordados o pagamento por entrega de dinheiro e por constituição de usufruto.
O pagamento a que alude o art. 708 é a fase culminante do processo de execução. Em qualquer de suas formas, o termo utilizado pelo legislador processual tem a acepção de cumprimento da obrigação, mesmo que este não se dê de maneira voluntária ou espontânea.2 Ao contrário do que se passa no processo de conhecimento, a atividade executiva do juiz não se endereça a um julgado que defina o litígio para fazer atuar a vontade da lei. Toda a energia jurisdicional se concentra em buscar resultado concreto no plano patrimonial, de molde a deslocar bens da esfera jurídica de uma pessoa para a de outra. O processo é de resultado e não de definição.
Não se pode, de maneira alguma, considerar a sentença de que trata o art. 795 como o ato final da prestação executiva. A execução termina, como modalidade típica, quando ocorre a satisfação da obrigação, como deixa claro o art. 794, I. É, pois, o pagamento e não a sentença o ato de prestação jurisdicional praticado no processo de execução.
Inaceitável, nessa ordem de ideias, a tese de que a sentença do art. 795 seria um julgamento de mérito em torno do objeto da execução forçada. O mérito, na espécie, se resolve pelo cumprimento da obrigação exequenda, e nunca pelo ato formal de proclamar o fim da relação processual. Se a sentença declara extinta a execução, ela o faz por constatar que o provimento executivo já anteriormente se encerrara. Não é a sentença que extingue a execução; ela somente reconhece que essa extinção já se deu.
Sumário: 878. Entrega do dinheiro. 879. Concurso de preferência sobre o produto da execução. 879-a. O privilégio superespecial dos créditos trabalhistas e dos honorários de advogado. 880. Procedimento do concurso particular.
O pagamento do credor, pela entrega do dinheiro, que é a forma mais autêntica de concluir a execução por quantia certa, pressupõe, naturalmente, a prévia expropriação dos bens penhorados, através de arrematação ou remição, da qual tenha resultado o depósito do preço à ordem judicial. Pode também ocorrer, essa forma de pagamento, quando a penhora inicialmente tenha recaído sobre dinheiro, ou quando o devedor tenha efetuado, no curso do processo, o depósito da quantia correspondente à dívida exequenda.
Os demais meios de satisfação do art. 708 só têm cabimento quando por eles opta o exequente (arts. 685-A e 716).
O levantamento da quantia apurada se faz em cumprimento de ordem ou mandado do juiz e ao credor compete firmar termo de quitação nos autos (art. 709, parágrafo único).
O direito do credor, de levantar o dinheiro depositado, não compreende toda a soma existente, mas apenas o correspondente ao principal atualizado da dívida, juros, custas e honorários advocatícios (art. 651). Antes, o Código falava em pagamento da dívida mais juros, custas e honorários advocatícios. Foi a Lei no 11.382/2006 que alterou o texto do art. 651 para mencionar o resgate do valor atualizado, com os acréscimos tradicionais. É claro, contudo, que a correção do quantum debeatur há muito tempo já era exigência da lei, não só de processo, como de direito positivo material (Lei no 6.899, de 08.04.1981, e Código Civil de 2002, arts. 389 e 395). O que houve, destarte, foi apenas uma atualização do texto do art. 651.
É sobre o quantum atualizado da dívida que se calcularão os juros e os honorários. As custas e despesas desembolsadas pelo exequente no curso da execução também sofrerão atualização monetária. Efetuado o pagamento completo, se houver remanescente, será restituído ao executado (art. 710).
O juiz só autoriza o credor a levantar, imediatamente, o produto da expropriação executiva se a execução houver corrido a exclusivo benefício do exequente e não houver privilégio ou preferência de terceiros sobre os bens penhorados, anterior à penhora (art. 709).
Assim, não poderá dar-se o imediato levantamento:
a) quando ocorrer a decretação de insolvência do devedor, porque, em tal situação, o produto da execução singular é arrecadado em prol da comunidade dos credores, para posterior rateio no concurso universal do insolvente (art. 762, § 2o);3 e
b) quando existir qualquer outro privilégio sobre os bens alienados judicialmente, como hipoteca, penhor, outra penhora etc., desde que constituídos anteriormente à penhora do exequente (art. 709, no II).
Na última hipótese, instaura-se uma espécie de “concurso particular de preferência”, cujo objeto é tão somente o produto da arrematação e cujos participantes são apenas o exequente e o credor ou credores que se apresentem como detentores de preferência ou privilégio, por causa jurídica anterior à penhora.
Um dos motivos desse concurso é a intercorrência de penhoras de credores diversos sobre os mesmos bens, caso em que as diversas execuções singulares são reunidas por apensamento, a fim de unificarem-se os atos executivos e promover-se o concurso de preferências nos autos em que se der a arrematação.
Esse concurso é sumariamente processado como incidente da fase de pagamento, dentro dos próprios autos da execução (art. 711).
As preferências, entre credores quirografários, dependem da ordem das penhoras. Já as que decorrem de garantias reais são respeitadas no concurso particular independentemente de penhora em favor do titular do ius in re.4
A classificação dos credores, para pagamento, será feita, portanto, dentro do seguinte critério:
a) independentemente de penhora, devem ser satisfeitos, em primeiro lugar, os que tiverem título legal de preferência, e possuírem, naturalmente, título executivo (“credores com garantia real sobre os bens arrematados”);
b) não havendo preferências legais anteriores, ou depois de satisfeitas estas, os demais credores serão escalonados segundo a ordem cronológica das penhoras.5 Para o estabelecimento da preferência entre as penhoras que recaem sobre o mesmo bem não se leva em conta a data das eventuais averbações dos atos constritivos em registros públicos. É que tais assentamentos se fazem apenas para conhecimento de terceiros, e não como ato constitutivo da própria penhora. O aperfeiçoamento da medida executiva, para fins processuais, ocorre quando, após a apreensão e o depósito dos bens, se procede à lavratura do respectivo auto (art. 664). É esse, portanto, o dado relevante para a gradação de preferência entre as diversas penhoras, a que alude o art. 711.6
Não havendo mais o protesto por rateio de que cogitava o Código de 1939, os credores quirografários só podem participar do produto da execução de outrem quando houver também obtido penhora sobre os mesmos bens do devedor comum.
O credor quirografário que recebe o pagamento em primeiro lugar não é necessariamente o que promove a execução, em cujos autos se deu a arrematação, mas sim o que efetuou a primeira penhora, pois pode acontecer que, por embaraços procedimentais, sua execução sofra atraso com relação a outras de credores com penhora de grau inferior. O que importa é respeitar a ordem das penhoras e não o andamento das diversas execuções concorrentes.7
No concurso por intercorrência de várias penhoras sobre os mesmos bens, o pagamento dos credores respeita a ordem cronológica dos gravames de maneira que os subsequentes só recebem se houver sobra após a satisfação do antecedente. O concurso não é de rateio, mas de preferência.
Os créditos da Fazenda Pública, uma vez inscritos em Dívida Ativa, não se sujeitam a concurso com outros credores, podendo ser executados individualmente, mesmo quando já instaurada a execução concursal (Lei no 6.830/1980, art. 29).8 Esse privilégio, no entanto, cede diante dos créditos trabalhistas e dos referentes aos acidentes do trabalho (CTN, art. 186; LEF, art. 30). Vale dizer que, no concurso de que trata o art. 711 do CPC, os titulares dos referidos créditos, por força do seu privilégio superespecial, serão pagos com preferência antes da Fazenda Pública e dos credores com garantia real, pouco importando a ordem das respectivas penhoras.9
O que determina o superprivilégio em causa não é uma regra processual, mas uma preferência de caráter material, derivada da natureza alimentar do crédito trabalhista.10
Uma vez que se atribui aos honorários de advogado, também, a natureza alimentar, firmou-se a jurisprudência no sentido de que se equiparam, em privilégio, aos créditos trabalhistas, no concurso de credores.11 E esse regime especial aplica-se tanto aos honorários contratuais quanto aos sucumbenciais12 e, em qualquer hipótese, se sobrepõe aos credores hipotecários e tributários.13
Os credores interessados devem formular suas pretensões de preferência em petição, nos autos em que ocorreu a alienação forçada, indicando, quando for o caso, as provas que irão produzir em audiência (art. 712). A disputa entre os credores concorrentes só poderá versar sobre o direito de preferência ou sobre a anterioridade da penhora (art. 712, in fine).
Quando surgir questão de alta indagação entre devedores e credores, ou entre os vários credores – como a discussão em torno da validade do próprio título do credor concorrente, vícios do contrato, extinção do crédito etc. –, o juiz poderá sustar o pagamento e remeter os interessados para as vias ordinárias.
Havendo acordo entre os interessados, inclusive o devedor, o juiz simplesmente determinará que o contador prepare o plano de pagamento, segundo a ordem de preferências, autorizando, a seguir, os respectivos levantamentos.
Se houver divergência, promover-se-á uma audiência em que os credores provarão suas preferências de direito material e disputarão as questões atinentes à ordem das penhoras (art. 712). Concluído o debate oral, o juiz decidirá (art. 713), se possível na própria audiência, apreciando exclusivamente os “privilégios” disputados e as “preferências decorrentes da anterioridade de cada penhora”. Não haverá necessidade de audiência, quando a matéria discutida for apenas de direito ou baseada somente em prova documental (artigos 330, no I, c/c 598).
Havia no texto primitivo do art. 713 uma impropriedade no designar de sentença o ato decisório relativo à disputa entre credores sobre o produto da arrematação. O caso é, sem dúvida, de um simples incidente da execução por quantia certa, cuja solução, portanto, corresponde a decisão interlocutória e não sentença. A Lei no 11.382/2006 corrigiu a impropriedade.
A retificação é importante porque elimina dúvidas a respeito do recurso manejável e sobre as consequências da sucumbência.
Se é decisão interlocutória, o recurso será o agravo de instrumento (art. 522), não havendo de se pensar em agravo retido, porque não haverá entre os interessados oportunidade de posterior apelação para ratificá-lo.
Quanto à verba de honorários de advogado, também não há lugar para impô-la, visto que só em sentença se pode penalizar o vencido com a reposição de tal gasto processual (art. 20).
Sumário: 881. Usufruto de móvel ou imóvel. 882. Efeitos do usufruto judicial.
Quando a penhora recair sobre o móvel ou imóvel, prevê o Código a possibilidade de substituir a alienação forçada pela instituição de usufruto em favor do exequente (art. 716, na redação da Lei no 11.382/2006).14 O gravame durará até que os rendimentos auferidos sejam suficientes para resgatar o principal, juros, custas e honorários advocatícios (art. 717, idem).
Consiste, portanto, o usufruto judicial num ato de expropriação executiva em que se institui direito real temporário sobre o bem penhorado em favor do credor, a fim de que este possa receber seu crédito através das rendas que vier a auferir.
Essa forma de expropriação depende necessariamente de pedido do credor, já que este tem o direito de exigir sempre que a execução termine, desde logo, pela entrega da soma de dinheiro a que corresponde a obrigação. Uma vez formulado o pedido pelo exequente, o juiz ouvirá o executado, que poderá impugná-lo (art. 722).
Não lhe assiste, porém, o direito de veto puro e simples. O texto primitivo do art. 722 continha em seu caput a exigência de que o usufruto fosse consentido pelo executado, o que, na prática, inviabilizava, quase sempre, essa modalidade de pagamento. Esse embaraço foi eliminado pelo texto do dispositivo, alterado pela Lei no 11.382/2006, que passou a exigir apenas a audiência do executado. Sua eventual oposição somente será acolhida se comprovar que a medida não corresponde aos requisitos do art. 716, ou seja, o usufruto não se apresenta como meio executivo “menos gravoso ao executado” nem como expediente “eficiente para o recebimento do crédito”.
A nova sistemática, porém, não deixa o usufruto sob a total discrição do credor, pois o juiz não decidirá sobre a matéria sem antes ouvir também o executado. Assim, cumpre-se a garantia do contraditório. O executado poderá apresentar objeções à conveniência da medida. Não terá, contudo, poder de veto.
O juiz apreciará livremente as manifestações de ambas as partes e decidirá segundo as particularidades do caso concreto, deferindo, ou não, o usufruto, sempre à luz do binômio menor onerosidade para o devedor e maior eficiência para a realização do direito do exequente.
Além da imposição por decisão judicial, haverá sempre possibilidade de o usufruto ser instituído por convenção entre as próprias partes como forma de pôr fim à execução,15 caso em que o ajuste assumirá feição de transação e deverá ser homologado pelo juiz.
A finalidade do instituto é realizar a execução segundo o princípio da menor onerosidade para o devedor (art. 620), preservando-lhe, quanto possível, a propriedade ou domínio sobre o bem penhorado.
Trata-se de uma forma aperfeiçoada da antiga adjudicação de rendimentos (art. 982 do Código de 1939), assemelhada à arrematação de real a real, do velho direito português, e que Lopes da Costa, com propriedade, denominava “execução mediante administração forçada”.16
Seus pressupostos, segundo o art. 716, são:
I – versar a penhora sobre móvel ou imóvel;
II – realizar a execução pelo meio menos gravoso para o executado;
III – ser a medida eficiente para a satisfação do direito do exequente.
Com a decretação do usufruto forçado, investe-se o credor no exercício de um direito real temporário, perdendo o executado o gozo da coisa móvel ou imóvel, até que o usufrutuário seja inteiramente pago com os frutos auferidos (art. 717).
Tratando-se de um direito real, de origem judicial, a eficácia desse usufruto é erga omnes, de maneira que, após a publicação da decisão que o conceda, é oponível tanto ao executado como a terceiros (art. 718). No caso de imóvel, a eficácia erga omnes reclama, além da publicação da decisão, a expedição de carta que será averbada no Registro Imobiliário (art. 722, § 1o). A Lei no 11.382/2006 substituiu a antiga exigência de inscrição por simples averbação no registro competente.
A inovação, tal como se deu com a penhora do imóvel (art. 659, § 4o), tem propósitos de simplificação do ato de publicidade. O registro reclama maiores cautelas e diligências mais complexas que a simples averbação. É bom lembrar que o usufruto judicial tem eficácia desde o momento da publicação da decisão que o conceda (art. 718). Dessa maneira, não há necessidade do registro, já que não se trata de constituição de um gravame real, nos moldes do direito privado. O assento no registro público somente tem a eficácia de publicidade erga omnes, e isto pode ser alcançado, com maior economia, por meio da simples averbação.
O incidente processual de instituição do usufruto resolve-se por meio de decisão interlocutória. A impropriedade do antigo texto dos arts. 718 e 722, § 1o, que falava em sentença, foi corrigida pela Lei no 11.382/2006, por meio da substituição daquela expressão por decisão. De fato, a pretensão ao usufruto previsto no art. 716 provoca um incidente na marcha da execução por quantia certa. Como tal, sua solução dá-se, tecnicamente, por meio de decisão interlocutória, e não por sentença.
A correção de linguagem tem, também, a vantagem de afastar qualquer dúvida em torno do recurso cabível na espécie. Se é de decisão (e não de sentença) que se trata, o recurso manejável somente poderá ser o agravo (art. 522), e nunca a apelação (art. 513).17
Na decisão de instituição do usufruto, o juiz deverá nomear, se necessário, um administrador, que será investido nos poderes que concernem ao usufrutuário (art. 719). Poderá a nomeação recair no credor e até no próprio devedor, desde que haja acordo dos interessados (art. 719, parágrafo único), ou em terceiro.
Essa nomeação, entretanto, não é obrigatória em casos de imóveis alugados, como se depreende do art. 723, que permite ao próprio usufrutuário receber os aluguéis.
Se o bem penhorado for quinhão de condômino, ainda assim será possível a instituição de usufruto forçado, cabendo ao administrador exercer “os direitos que cabiam ao executado” (art. 720, na redação da Lei no 11.382/2006).
Ouvido o executado acerca do pedido do exequente, o juiz nomeará perito para avaliar os frutos e rendimentos do bem e calcular o tempo necessário para o pagamento da dívida (art. 722).
Apresentado o laudo, as partes serão ouvidas e o juiz proferirá decisão que, quando deferir o usufruto forçado, fixará sua duração e determinará, quando se tratar de imóvel, a expedição de carta para averbação no respectivo Registro Imobiliário (art. 722, § 1o). Dela deverão constar a identificação do imóvel e cópias do laudo e da decisão (art. 722, § 2o). Dessa identificação, além de outros elementos, constarão os dados da matrícula e dos registros do imóvel gravado.
É bom lembrar que a carta só é necessária nos casos de usufruto de imóvel, porque é em relação a esse tipo de bem penhorado que se haverá de cogitar da averbação no Registro de Imóveis. As coisas móveis, quando submetidas a usufruto judicial, serão entregues à posse do exequente, que a conservará durante a duração do gravame, independentemente de averbação ou registro. Se julgar conveniente divulgar o usufruto mobiliário, para mais amplo conhecimento de terceiros, poderá fazê-lo por meio de Cartório de Títulos e Documentos, onde registrará certidão extraída dos autos da execução.
Seguindo antigas lições de Liebman18 e Amílcar de Castro,19 consolidadas a tempo do Código de 1939, defendemos, em edições anteriores, a natureza pro solvendo do usufruto judicial, de maneira que este se prolongaria até que efetivamente os frutos percebidos pelo exequente cobrissem a totalidade do crédito ajuizado. No entanto, atualmente estamos convencidos de que a natureza dessa modalidade executiva de pagamento não pode ficar na incerteza da diligência do credor na exploração econômica do bem e, tampouco, de sua prestação de contas.
Quando o juiz defere o usufruto, como forma de pagamento, já o faz prevendo o prazo em que o desfrute do bem será suficiente para resgatar a dívida exequenda (art. 722). Assim, sua exploração econômica far-se-á por conta e risco do usufrutuário. Pouco importa que in concreto ele tenha auferido rendimentos maiores ou menores do que o seu crédito. Findo o prazo assinalado pelo juiz na constituição do gravame, extinguir-se-á o usufruto e, com ele, o crédito exequendo.20
A consequência de ser o usufruto judicial constituído por pagamento (e não apenas em pagamento) é que, durante o prazo certo de sua duração, o usufrutuário “não está mais na obrigação de prestar contas dos rendimentos que houver recebido”.21 Na verdade, nem estará obrigado a extrair rendas do usufruto. Pode, v.g., utilizar o imóvel para moradia própria, para depósito de materiais ou para desempenhar atividade profissional.22 Em situação como estas, o usufruto chegará a seu término sem que o exequente tenha recebido rendimentos diretos de terceiros. É, enfim, pela avaliação prévia dos frutos e rendimentos possíveis que se determina o prazo de duração do gravame, e não pela efetiva apuração deles durante a posse do usufrutuário.
Quando a renda do bem for obtida através de locação, e esta preexistir à decretação do usufruto, o inquilino passará a pagar o aluguel diretamente ao usufrutuário, ou ao administrador, se houver (art. 723).
No caso de locações novas relativas a móveis ou imóveis, o exequente usufrutuário não depende do consentimento do executado para a respectiva contratação. Deverá, no entanto, ouvi-lo, para respeitar-se o contraditório (art. 724, caput, na redação da Lei no 11.382/2006).
Havendo oposição do executado, o juiz decidirá a controvérsia da forma que melhor convenha ao exercício do usufruto (art. 724, parágrafo único). Não há, mais, a obrigação de colocar a locação em hasta pública, como outrora previa o art. 724, in fine.
O art. 725, revogado pela Lei no 11.382/2006, continha regra sobre a venda judicial do imóvel objeto do usufruto e previa a subsistência do gravame mesmo quando expropriado, em favor de outrem, o imóvel gravado. O tema é próprio do direito material, de sorte que sua disciplina em dispositivo processual somente poderia ensejar confusão. Daí sua revogação, mesmo porque não contribuía a regra processual para facilitar ou prestigiar o remédio executivo.
Os arts. 726 a 729 disciplinavam o usufruto de empresa, figura que a reforma aboliu, conforme se vê do art. 716, que passou a permitir o gravame processual, como forma excepcional de realização do crédito exequendo, apenas quando os bens penhorados forem móveis e imóveis. Em consequência, tornaram-se os referidos artigos incompatíveis com o sistema processual reformado. Daí sua revogação pela Lei no 11.382/2006.
1 Por omissão da reforma da Lei no 11.382/2006, o art. 708 continua a mencionar como forma de pagamento “o usufruto de bem imóvel ou empresa”, quando, na verdade, o que hoje autoriza o art. 716 é “o usufruto de móvel ou imóvel”, tendo desaparecido a figura do usufruto de empresa, o qual foi substituído pela sistemática da penhora de parte do faturamento (art. 655, VII e § 3o).
2 BUENO, Cássio Scarpinella. Comentários ao art. 708. In: Antonio Carlos Marcato (coord.). Código de Processo Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2004, p. 1.994.
3 Súmula 478 do STJ: “Na execução de crédito relativo a cotas condominiais, este tem preferência sobre o hipotecário”.
4 Cf. nosso Processo de Execução, LEUD, cap. XXII, no 2; Moura Rocha, Comentários ao Cód. Proc. Civil, ed. 1974, RT, v. IX, pp. 215-216. Aos credores privilegiados sem penhora não se reconhece o direito de ingressar diretamente no concurso de preferência. Terão, primeiro, de ajuizar execução “e, recaindo a penhora sobre o bem já penhorado, exercer oportunamente seu direito de preferência” (STJ, 2a T., REsp. 11.657-0/SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, ac. de 19.08.92, in RSTJ 43/315; STJ, 1a T., REsp. 36.862/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, ac. de 05.12.94, in RSTJ 73/274). Em sentido contrário: “O Art. 711 do CPC não exige que o credor preferencial efetue penhora sobre o bem objeto da execução” (STJ, 3a T., REsp 293.788/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, ac. 22.02.2005, DJU 14.03.2005, p. 318).
5 A ordem de gradação das penhoras no concurso independe de averbação no registro público e se estabelece em função do aperfeiçoamento da constrição nos moldes do art. 664 do CPC. “Não há exigência de averbação imobiliária ou referência legal a tal registro da penhora como condição para definição do direito de preferência, o qual dispensa essas formalidades” (STJ, 4a T., REsp 1.209.807/MS, Rel. Min. Raul Araujo, ac. 15.12.2011, DJe 15.02.2012).
6 STJ, 4a T., REsp 1.209.807/MS, Rel. Min. Raul Araújo, ac. 15.12.2011, DJe 15.02.2012.
7 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Proc. Civil. v. IV, n. 902, p. 211; JÚNIOR, Humberto Theodoro. Processo de Execução. 9. ed. cap. XXII, n. 2, p. 319.
8 É possível o concurso entre Fazendas Públicas que disputem penhoras sobre os mesmos bens, observada a escala de preferência definida pelo parágrafo único do art. 29 da Lei 6.830/1980. Nesse caso, “os créditos das autarquias federais preferem aos créditos da Fazenda estadual desde que coexistam penhoras sobre o mesmo bem” (Súmula 497 do STJ).
9 “O crédito trabalhista goza de preferência no concurso particular de credores, em relação à penhora, ainda que anteriormente realizada” (STJ, 5a T., REsp. no 914.434/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves, ac. 05.02.2009, DJe 09.03.2009. No mesmo sentido: STJ, 3a T., REsp. no 267.910/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, ac. 18.12.2003, DJU 07.06.2004, p. 215). O privilégio do credor trabalhista prevalece em relação a qualquer outro, inclusive o hipotecário, pouco importando que sua penhora tenha ocorrido “em momento posterior” à constrição promovida por “credor de categoria diversa” (TJMG, 11a C.C., Proc. no 1.0701.03.051558-2/001, Rel. Des. Selma Marques, ac. 31.10.2007, Pub. em 24.11.2007).
10 TJMG, 14a C.C., Proc. no 1.024.05.783201-6/003, num. única: 7832016-67.2005.8.13.0024; Rel. Des. Renato Martins Jacob, ac. 26.04.2007, Pub: 25.05.2007; STJ, Corte Especial, EREsp. no 706.331/PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, ac. 20.02.2008, DJe 31.03.2008.
11 STJ, 3a T., REsp. no 988.126/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, ac. 20.04.2010, DJe 06.05.2010.
12 STJ, 2a T., AgRg no REsp. no 765.822/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, ac. 17.12.2009, DJe 04.02.2010.
13 “Os honorários advocatícios, equiparados aos créditos trabalhistas, preferem aos créditos tributários, nos termos do art. 186, caput, do CTN” (STJ, 2a T., REsp. no 941.652/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, ac. 19.03.2009, DJe 20.04.2009).
14 O usufruto judicial sobre empresas cujo regulamento constava dos arts. 726 a 729 desapareceu por força da Lei no 11.382, que revogou aqueles dispositivos. A intervenção executiva na economia da empresa passou a ser regulada pela figura da penhora de parte do faturamento, nos termos do art. 655, VII e § 3o.
15 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1976, v. IV, n. 895, p. 203; CASTRO, Amílcar de Comentários ao Cód. Proc. Civil. São Paulo: RT, 1974, v. VIII, n. 491, p. 359.
16 AMARAL SANTOS, Moacyr. Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 1970, V. III, n. 874, p. 329.
17 Inexplicavelmente, todavia, o reformador esqueceu-se de alterar o art. 719, que, assim, continua falando em “sentença”, sem embargo da correção feita no art. 718.
18 “A adjudicação [de rendimentos] é feita pro solvendo e não pro soluto” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1968, n. 76, p. 127-128).
19 “Deve-se ter como da índole dessa adjudicação que se opere pro solvendo. Se o exequente, ao fim do tempo marcado, não houver auferido rendimentos suficientes para saldar a dívida, esta subsistirá pelo que faltar” (CASTRO, Amílcar de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1963, v. X, t. 2o, n. 374, p. 367).
20 O próprio Amílcar de Castro, que pensava de maneira diversa, fixou sua doutrina, no regime do Código de 1973, no sentido de que “se o credor ao fim do tempo marcado não houver auferido rendimentos suficientes para saldar a dívida, ainda assim, esta considera-se extinta” (CASTRO, Amilcar de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1974, v. VIII, n. 497, p. 363). Nada impede, contudo, que convencionalmente exequente e executado estipulem condições diversas para o usufruto judicial, acerca da estimativa dos frutos, do prazo de duração e do modo de calculá-lo, podendo, inclusive, dar-lhe o feitio pro solvendo (ALVIM, Carreira; CABRAL, Luciana G. Carreira Alvim. Nova execução de título extrajudicial. Curitiba: Juruá, 2007, p. 185 e 186).
21 CASTRO, Amílcar de. Comentários ao Código de Processo Civil cit.,, v. VIII, n. 497, p. 363.
22 Celso Neves fala em usufruto direto e indireto, conforme o exequente utilize o bem pessoalmente, ou o explore para obter rendimentos da cessão de uso a terceiro (NEVES, Celso. Comentários ao Código de Processo Civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, v. 7, n. 84, p. 145).