Sumário: 971. Processo e tempo. 972. Processo principal e processo cautelar. 973. A ação cautelar. 974. Medidas cautelares. 975. Peculiaridades da atividade cautelar. Instrumentalidade. 976. Provisoriedade. 977. Revogabilidade. 978. Autonomia. 979. Classificação das medidas cautelares. 980. Classificação do direito positivo. 981. Gráfico da classificação das medidas cautelares nominadas previstas no Código de Processo Civil. 982. Medidas cautelares contenciosas e não contenciosas. 982-a. Medidas cautelares e outras medidas provisórias: tutela cautelar e tutela antecipatória.
Sob duas formas distintas, realiza o Estado a jurisdição:
a) pela “cognição”, que define a vontade concreta da lei diante da situação litigiosa; e
b) pela “execução”, que torna efetiva (real) essa mesma vontade.
Em tese, conhecer e executar deveriam exaurir toda a missão atribuída ao processo, como instrumento de realização da tutela jurisdicional.
Acontece, todavia, que, qualquer que seja a prestação a cargo da jurisdição, o provimento definitivo não pode ser ministrado instantaneamente. A composição do conflito de interesses (lide), através do processo, só é atingida mediante sequência de vários atos essenciais que sejam a plena defesa dos interesses antagônicos das partes e propiciam ao julgador a formação do convencimento acerca da melhor solução da lide, extraído do contrato com as partes e com os demais elementos do processo.
De tal sorte, entre a interposição da demanda e a providência satisfativa do direito de ação (sentença ou ato executivo) medeia necessariamente um certo espaço de tempo, que pode ser maior ou menor conforme a natureza do procedimento e a complexidade do caso concreto.
Não obstante essa necessária “demora” do processo, é intuitivo que o ideal é que a “lide” seja composta no mesmo estado em que se achava ao ser posta em juízo, tanto que se atribui à função declarativa das sentenças o efeito retroativo ao momento da propositura da ação.1
É indubitável, porém, que o transcurso do tempo exigido pela tramitação processual pode acarretar ou ensejar, e frequentemente acarreta ou enseja, variações irremediáveis não só nas coisas como nas pessoas e relações jurídicas substanciais envolvidas no litígio, como, por exemplo, a deterioração, o desvio, a morte, a alienação etc., que, não obstados, acabam por inutilizar a solução final do processo, em muitos casos.
Parece lógico que, ao Estado, como detentor da jurisdição, não basta garantir a tutela jurídica; não basta instituir o processo e assegurar o socorro a ele por meio da ação.
Para consecução do objetivo maior do processo, que é a paz social, por intermédio da manutenção do império da lei, não se pode contentar com a simples outorga à parte do direito de ação. Urge assegurar-lhe, também, e principalmente, o atingimento do fim precípuo do processo, que é a solução “justa” da lide.
Não é suficiente ao ideal de justiça garantir a solução judicial para todos os conflitos; o que é imprescindível é que essa solução seja efetivamente “justa”, isto é, apta, útil e eficaz para outorgar à parte a tutela prática a que tem direito, segundo a ordem jurídica vigente.
Em outros termos, é indispensável que a tutela jurisdicional dispensada pelo Estado a seus cidadãos seja idônea a realizar, em efetivo, o desígnio para o qual foi engendrada. Pois, de nada valeria, por exemplo, condenar o obrigado a entregar a coisa devida, se esta já inexistisse ao tempo da sentença; ou garantir à parte o direito de colher um depoimento testemunhal, se a testemunha decisiva já estiver morta quando chegar a fase instrutória do processo; ou, ainda, declarar em sentença o direito à percepção de alimentos a quem, no curso da causa, vier a falecer justamente por carência dos próprios alimentos.
É intuitivo, destarte, que a atividade jurisdicional tem de dispor de instrumentos e mecanismos adequados para contornar os efeitos deletérios do tempo sobre o processo.
Se os órgãos jurisdicionais não contassem com um meio pronto e eficaz para assegurar a permanência ou conservação do estado das pessoas, coisas e provas, enquanto não atingido o estágio último da prestação jurisdicional, esta correria o risco de cair no vazio, ou de transformar-se em provimento inócuo e inútil.
Surge, então, o processo cautelar como uma nova face da jurisdição e como um tertium genus, contendo “a um só tempo as funções do processo de conhecimento e de execução”, e tendo por elemento específico “a prevenção”.2
Enquanto o processo principal (de cognição ou execução) busca a composição da lide, o processo cautelar contenta-se em outorgar situação provisória de segurança para os interesses dos litigantes.
Ambos os processos giram em torno da “lide”, pressuposto indeclinável de toda e qualquer atuação jurisdicional. Mas, enquanto a lide e sua composição apresentam-se como o objetivo máximo do processo principal, o mesmo não se dá com o processo cautelar.
A este cabe uma função “auxiliar e subsidiária” de servir à “tutela do processo principal”, onde será protegido o direito e eliminado o litígio, na lição de Carnelutti.3
Na realidade, a atividade jurisdicional cautelar dirige-se à segurança e garantia do eficaz desenvolvimento e do profícuo resultado das atividades de cognição e execução, concorrendo, dessa maneira, para o atingimento do escopo geral da jurisdição.
Não dando solução à lide, mas criando condições para que essa solução ocorra no plano de maior justiça dentro do processo principal, anota Ronaldo Cunha Campos que “a função cautelar tem por escopo servir o interesse público na defesa do ‘instrumento’ criado pelo Estado para compor lides, isto é, a defesa do processo”.4
O acerto da tese parece-me evidente, porque, no momento em que o Estado oferece a tutela cautelar à parte, não se tem ainda condições de apurar, com segurança, se seu direito subjetivo material realmente existe e merece a tutela definitiva do processo de mérito. Esse reconhecimento só será possível depois da cognição plena que o processo principal virá ensejar. Assim, ao eliminar uma situação de perigo que envolve apenas um interesse do litigante, o processo cautelar está, acima de tudo, preocupado em assegurar que o resultado do processo principal seja, em qualquer hipótese, útil e consentâneo com a missão que se lhe atribuiu.
Eliminando o perigo antevisto e que não pode ser impedido pelo provimento do processo principal, em razão de sua natural e necessária demora, o destino do processo cautelar é, em suma, “fazer possível a atuação posterior e eventual de uma das formas de tutela definitiva”, nas palavras de Micheli.5
Processo e ação são ideias ligadas em forma circular em torno de um núcleo, que é a jurisdição.
Processo é o método de atuar a jurisdição e ação é o direito da parte de fazer atuar o processo.
A tutela cautelar é parte integrante da jurisdição, já que sem ela fracassaria em grande parte a missão de pacificar, adequadamente, os litígios.
Logo, se existe um processo cautelar, como forma de exercício da jurisdição, existe, também, uma ação cautelar, no sentido processual da expressão, ou seja, no sentido de direito subjetivo à tutela jurisdicional lato sensu; só que a tutela cautelar, diversamente da tutela de mérito, não é definitiva, mas provisória e subsidiária.
Consiste, pois, a ação cautelar no direito de provocar, o interessado, o órgão judicial a tomar providências que conservem e assegurem os elementos do processo (pessoas, provas e bens), eliminando a ameaça de perigo ou prejuízo iminente e irreparável ao interesse tutelado no processo principal; vale dizer: a ação cautelar consiste no direito de “assegurar que o processo possa conseguir um resultado útil”.6
A relação processual envolve elementos subjetivos e objetivos, todos importantes para a consecução final da meta do processo: a justa composição da lide.
São elementos “subjetivos”, além do juiz que soberanamente representa o poder estatal, as partes envolvidas na lide; e são elementos “objetivos” ora as provas (processo de conhecimento), ora os bens (processo de execução).
Todos esses elementos (pessoas, provas e bens) podem, na duração ou demora do processo principal, enfrentar situação de risco de dano, por conduta de um dos litigantes ou por evento ocasional. Para proteção provisória de todos eles, tem cabimento a atuação da função cautelar.
Mas essa função não consiste em antecipar solução da lide para satisfazer prematuramente o direito material subjetivo em disputa no processo principal. O que se obtém no processo cautelar, e por meio de uma medida cautelar, é apenas a prevenção contra o risco de dano imediato que afeta o interesse litigioso da parte e que compromete a eventual eficácia da tutela definitiva a ser alcançada no processo de mérito.
Por isso é que se diz que o processo principal é de natureza “satisfativa”, porque redunda na satisfação efetiva do direito da parte, quando esta sai vitoriosa no pleito forense. Mas a tutela cautelar é apenas de “prevenção” ou “garantia”, porque quem a obtém, mesmo ganhando a ação cautelar, não consegue, só com ela, a satisfação de seu pretenso direito, que continua na dependência da solução do processo principal. Com a medida cautelar, a parte beneficiada apenas se precavém contra uma temida mudança na situação fática ou jurídica que poderia inutilizar o resultado do processo principal, caso lhe venha a ser favorável.
Daí considerar Ugo Rocco as medidas cautelares como meios pelos quais, diante de uma situação perigosa, o direito processual elimina a possibilidade ou probabilidade de um dano.
Assim visto o problema, podemos definir a medida cautelar como a providência concreta tomada pelo órgão judicial para eliminar uma situação de perigo para direito ou interesse de um litigante, mediante conservação do estado de fato ou de direito que envolve as partes, durante todo o tempo necessário para o desenvolvimento do processo principal. Isto é, durante todo o tempo necessário para a definição do direito no processo de conhecimento ou para a realização coativa do direito do credor sobre o patrimônio do devedor, no processo de execução.7
As medidas cautelares não têm um fim em si mesmas, já que toda sua eficácia opera em relação a outras providências que hão de advir em outro processo.
Nesse sentido dispõe o art. 796 que “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente”.
Não se trata, porém, de antecipar o resultado do processo principal, porque os objetivos do processo cautelar são diversos daqueles procurados por este.
Assim, o principal tem por escopo a definitiva composição da lide, enquanto o cautelar apenas visa afastar situações de perigo para garantir o bom resultado daquela mesma composição da lide.
Na verdade, o processo principal busca tutelar o direito, no mais amplo sentido, cabendo ao processo cautelar a missão de tutelar o processo, de modo a garantir que o seu resultado seja eficaz, útil e operante.8
Não se pode, evidentemente, entender o processo cautelar senão ligado a um outro processo, uma vez que as medidas preventivas não são satisfativas, mas apenas conservativas de situações necessárias para que o processo principal alcance resultado realmente útil.
É instrumental a função cautelar, porque não se liga à declaração de direito, nem promove a eventual realização dele; e só atende, provisória e emergencialmente, a uma necessidade de segurança, perante uma situação que se impõe como relevante para a futura atuação jurisdicional definitiva.9 As medidas urgentes de natureza satisfativa regem-se pelo instituto da antecipação de tutela (arts. 273 e 461).
Toda medida cautelar é caracterizada pela provisoriedade, no sentido de que a situação preservada ou constituída mediante o provimento cautelar não se reveste de caráter definitivo, e, ao contrário, se destina a durar por um espaço de tempo delimitado. De tal sorte, a medida cautelar já surge com a previsão de seu fim.10
Significa essa provisoriedade, mais precisamente, que as medidas cautelares têm duração temporal limitada àquele período de tempo que deverá transcorrer entre a sua decretação e a superveniência do provimento principal ou definitivo.11 Por sua natureza, estão destinadas a ser absorvidas ou substituídas pela solução definitiva do mérito.12
Nem toda medida provisória é, contudo, medida cautelar. Caso típico de medida provisória não cautelar são as liminares que se admitem em certos procedimentos especiais de mérito, como os interditos possessórios e os mandados de segurança.
Essas liminares, ao contrário da providência propriamente cautelar, já se apresentam como “entrega provisória e antecipada do pedido”, já são “decisão satisfativa do direito, embora precária”.13 Destinam-se a transformar em definitivas com a sentença final.
Já com as medidas cautelares isto jamais ocorrerá, pois são neutras diante do resultado do processo principal, “muito embora visem a resguardar as pessoas e coisas do processo e a assegurar o êxito da futura execução”.14 Não perdem jamais a condição preventiva e a feição de provisoriedade, cuidando apenas de evitar que o processo corra em vão e seja inócuo na sua missão de composição efetiva da lide, já que, fatalmente, terão de extinguir-se com o advento da medida jurisdicional definitiva.15
Assim, por exemplo, o arresto desaparece e é substituído pela penhora; o sequestro, pela imissão de posse ou pelo depósito executivo; e a prova antecipada exaure sua finalidade com a utilidade prestada à sentença.
A sentença proferida em processo cautelar não faz coisa julgada material, que é a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença de mérito não mais sujeita a recurso (art. 467).
É característica da medida cautelar como provimento emergencial de segurança a possibilidade de sua substituição (art. 805), modificação ou revogação, a qualquer tempo (art. 807).
E, além do mais, é inadmissível falar em decisão de mérito nas ações cautelares porque não versam elas sobre a lide.
Decorrem, outrossim, a mutabilidade e a revogabilidade da medida cautelar de sua própria natureza e objetivos. Se desaparece a situação fática que levou o órgão jurisdicional a acautelar o interesse da parte, cessa a razão de ser da precaução.
As medidas cautelares, como ensinava Lopes da Costa, “são concedidas em atenção a uma situação passageira, formada por circunstâncias que podem modificar-se de repente, exigindo uma nova apreciação”, de maneira que “o juiz resolve então sic rebus stantibus”.16
Além do mais não se pode arguir, in casu, o empecilho da res judicata, pois, como é sabido, só existe coisa julgada sobre o mérito (art. 468), e a decisão da ação cautelar nunca é de mérito, porque não atinge a lide.17
A revogação ou modificação, todavia, não são atos livres de forma nem decisões de mero arbítrio do juiz.
Surgidas as medidas em processo de ação, gera situação jurídica definida e estável para as partes, de modo que “podem ser revogadas ou modificadas, não ex officio ou a requerimento simples e por mero despacho, mas com obediência ao procedimento cautelar comum. Cabe ao que sofreu a medida alegar e provar que as coisas e as circunstâncias mudaram. Esse processo é ainda contencioso. Será uma ação cautelar em sentido inverso”.18
Sem embargo do caráter instrumental, pois o processo cautelar serve à realização prática de outro processo – e de sua reconhecida acessoriedade, pois sempre depende da existência ou da probabilidade de um processo principal (art. 796) –, é inegável a autonomia técnica do processo cautelar.
Essa autonomia decorre dos fins próprios perseguidos pelo processo cautelar que são realizados independentemente da procedência ou não do processo principal.
Inegável, perante a mais atualizada doutrina, que a jurisdição compreende três espécies distintas de atividade: a cognição, a execução e a cautela, de modo que “o processo cautelar se introduz assim qual tertium genus de processo contencioso, ao lado do processo de cognição e de execução”.19
De tal arte, o pressuposto da autonomia do processo cautelar encontra-se na diversidade de sua função diante das demais atividades jurisdicionais.20
Pode-se, assim, entrever no processo cautelar frente ao processo definitivo a mesma autonomia que se divisa no confronto entre um processo de execução de sentença e o prévio processo de cognição (isto quando ainda for possível, excepcionalmente, o manejo de ambos os processos em torno da pretensão oriunda do mesmo crédito).
Isto porque “o poder jurídico de obter uma das medidas assecuratórias, ensina Chiovenda, é por si próprio uma forma de ação, e é mera ação, que não se pode considerar como acessório do direito acautelado, porque existe como poder atual, quando ainda não se sabe se o direito acautelado existe”.21
Todo provimento cautelar é, destarte, expressão do exercício de uma ação diversa daquela que procura a solução do litígio, embora exista, obrigatoriamente, uma coordenação entre ambas.22
O poder instrumental manipulado pela parte na ação cautelar não assenta na pretensão material, que é objeto do processo chamado principal, mas na necessidade de garantir a estabilidade ou preservação de uma situação de fato e de direito sobre a qual vai incidir a prestação jurisdicional.
A autonomia do processo mais se destaca quando se verifica que o resultado de um não reflete sobre a substância do outro, podendo, muito bem, a parte que logrou êxito na ação cautelar sair vencida na ação principal, ou vice-versa.
A ação cautelar é, de tal sorte, acolhida ou rejeitada por seus próprios fundamentos e não em razão do mérito da ação principal.23
Nesse sentido é claríssimo o art. 810 ao dispor que o indeferimento da medida cautelar não obsta a que a parte intente a ação, nem influi no julgamento desta.
Há várias classificações das medidas cautelares na doutrina, conforme o ponto de vista particular de cada autor.
Reputamos mais interessante, por seu caráter prático e objetivo, a de Ramiro Podetti, que leva em conta não puramente o caráter finalístico da medida, mas faz uma conjugação entre a finalidade e o objeto sobre que deva incidir o provimento.
Assim, podem-se encontrar três espécies de providências cautelares:
a) Medidas para assegurar bens, compreendendo as que visam a garantir uma futura execução forçada e as que apenas procuram manter um estado de coisa.24
b) Medidas para assegurar pessoas, compreendendo providências relativas à guarda provisória de pessoas e as destinadas a satisfazer suas necessidades urgentes.25
c) Medidas para assegurar provas, compreendendo antecipação de coleta de elementos de convicção a serem utilizadas na futura instrução do processo principal.26
Nosso Código admite qualquer das classificações usuais. Existem, em seu bojo, porém, claramente reveladas duas importantes classificações.
I – A primeira divide as ações cautelares em:
a) medidas cautelares típicas ou nominadas: são as ações cautelares reguladas sob a denominação “procedimentos cautelares específicos” (Capítulo II, Livro III);
b) medidas cautelares atípicas ou inominadas, compreendendo o poder geral de cautela admitido pelo art. 798.
II – A segunda classificação legal divide as medidas cautelares, conforme o momento em que são deferidas (art. 796), em:
a) Medidas preparatórias, conforme a nomenclatura do art. 800, são as que antecedem à propositura da ação principal. Melhor seria qualificá-las de antecedentes ou precedentes, porque a expressão “preparatória” não se harmoniza bem com o conceito da atividade cautelar. A cautela, em essência, não se destina a preparar o processo principal (mas a assegurar sua eficácia e utilidade) e as medidas realmente preparatórias não são medidas de segurança, mas sim requisitos ou condições da ação principal, como ocorre com “o depósito preparatório de ação”, que o novo Código, aliás, excluiu do elenco das ações cautelares.
b) Medidas incidentes: são as que surgem no curso do processo principal, como incidentes dele.
Outro aspecto relevante para a classificação das medidas cautelares em nosso atual direito positivo reside no fato de ter o Código arrolado dentro dos limites do Livro III medidas que, realmente, não participam da natureza específica do processo cautelar.
À luz de nosso direito positivo e seguindo a orientação prática de Ramiro Podetti, podemos, finalmente, classificar as medidas cautelares codificadas segundo o seguinte esquema (vide gráfico adiante):
I – Poder geral de cautela – medidas inominadas.
II – Medidas específicas – medidas nominadas, subdivididas em:
a) medidas sobre bens;
b) medidas sobre provas;
c) medidas sobre pessoas;
d) medidas conservativas e outras não cautelares, e apenas submetidas ao procedimento cautelar.
O exercício do poder cautelar pode ser provocado, e quase sempre o é, dentro do exercício do direito de ação, gerando, assim, procedimento contencioso, em tudo semelhante ao do processo principal.
Mas as medidas cautelares podem, também, acontecer em clima isento de qualquer litigiosidade entre as partes, no plano da tutela de prevenção. Diz-se, por isso, que há medidas cautelares de cunho administrativo ou voluntário e medidas cautelares realmente contenciosas ou jurisdicionais.
Toda e qualquer medida cautelar pressupõe um processo principal, ordinariamente contencioso. Quanto à medida preventiva, contudo, nem sempre há controvérsia ou disputa entre as partes, que, não raro, estão ambas interessadas na sua efetivação. As vistorias ad perpetuam rei memoriam e os depósitos espontâneos de bens litigiosos são exemplos frequentes de medidas que, normalmente, não geram disputas entre os litigantes e que se deferem como simples providências administrativas do juízo cautelar.
Quando, porém, o pedido de providência cautelar encontra resistência do adversário, tem-se um conflito de interesses a solucionar, mesmo que tal se passe em âmbito que não se confunda com o mérito da ação principal, pois se limita apenas ao plano da prevenção ou segurança, como, por exemplo, a disputa sobre o cabimento ou necessidade (ou não) in concreto da medida cautelar requerida. Depara-se, então, o juiz com uma verdadeira lide (a lide cautelar), cuja solução há de ser dada em procedimento necessariamente contencioso, com total resguardo do contraditório, segundo o rito dos arts. 801 a 804.
Há, como se vê, possibilidade de lide cautelar, ao lado da lide principal, muito embora a tutela e prevenção nem sempre pressuponha a litigiosidade em torno da segurança em si mesma.
Essa distinção de medidas contenciosas e não contenciosas, que pode facilmente ser feita pela existência ou não de contestação dentro do procedimento cautelar, é importante, principalmente, para o efeito da sucumbência: nestas últimas, os gastos processuais são encargos do requerente, que se somarão às custas do processo principal, para os fins de direito; nas primeiras, são ônus do vencido na ação cautelar, segundo a regra geral do Código, que se aplica a qualquer feito contencioso, inclusive no tocante aos honorários advocatícios. Nas medidas não contenciosas não há que se cogitar da verba advocatícia, porque não há vencido nem vencedor na área da tutela cautelar.
Registra-se nas principais fontes do direito europeu contemporâneo o reconhecimento de que, além da tutela cautelar, destinada a assegurar a efetividade do resultado final do processo principal, deve existir, em determinadas circunstâncias, o poder do juiz de antecipar, provisoriamente, a própria solução definitiva esperada no processo principal.
Assim, fala-se em medidas provisórias de natureza cautelar e medidas provisórias de natureza antecipatória; estas, de cunho satisfativo, e aquelas de cunho apenas preventivo.
Entre nós, várias leis recentes têm previsto, sob a forma de liminares, deferíveis inaudita altera parte, a tutela antecipatória, como, por exemplo, se dá na ação popular, nas ações locatícias, na ação civil pública, na ação declaratória direta de inconstitucionalidade etc.
Agora, com a Lei no 8.952, de 13.12.94, que alterou a redação do art. 273 do CPC, foi introduzida a antecipação de tutela em caráter genérico, ou seja, para aplicação, em tese, a qualquer procedimento de cognição, sob a forma de liminar deferível sem necessidade de observância do rito das medidas cautelares.
O texto do dispositivo legal em questão prevê que a tutela antecipada, que poderá ser total ou parcial em relação ao pedido formulado na inicial, dependerá dos seguintes requisitos:
a) requerimento da parte;
b) produção de prova inequívoca dos fatos arrolados na inicial;
c) convencimento do juiz em torno da verossimilhança da alegação da parte;
d) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
e) caracterização de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu; e
f) possibilidade de reverter a medida antecipada, caso o resultado da ação venha a ser contrário à pretensão da parte que requereu a antecipação satisfativa.
A Lei no 10.444, de 07.05.02, acrescentou o § 6o ao art. 273, que prevê mais um caso de antecipação de tutela. Trata-se da cumulação de pedidos, quando o réu contesta apenas um ou alguns deles, deixando incontroversos outros. Em tal conjuntura, a antecipação se mostra possível, sem necessidade de recorrer-se dos requisitos ordinariamente exigidos (perigo de dano grave, prova inequívoca etc.).
Tanto a medida cautelar propriamente dita (objeto de ação cautelar) como a medida antecipatória (objeto de liminar na própria ação principal) representam providências, de natureza emergencial, executiva e sumária, adotadas em caráter provisório. O que, todavia, as distingue, em substância, é que a tutela cautelar apenas assegura uma pretensão, enquanto a tutela antecipatória realiza de imediato a pretensão.27
Urge, pois, não confundir o regime legal das medidas cautelares (sempre não satisfativas) com as medidas liminares de antecipação da tutela de caráter satisfativo provisório, por expressa autorização da lei (vide item 372-b, v. I). Embora haja tecnicamente uma nítida separação entre medida cautelar e medida de antecipação de tutela, ambas pertencem ao gênero comum da tutela de prevenção, sendo, às vezes, do ponto de vista prático, difícil identificar a medida concreta como pertencente a esta ou àquela modalidade preventiva. Por isso, a Lei no 10.444, de 07.05.02, instituiu a fungibilidade entre as duas tutelas, permitindo que sob o rito da antecipação se defira medida cautelar, desde que presentes os seus pressupostos (art. 273, § 7o).
Para maior aprofundamento no tema, consultar a Parte XV deste volume, que cuida da “Tutela Jurisdicional Diferenciada” e, especialmente, da “Tutela de Urgência”, da “Tutela Antecipada” e das relações entre as várias “Tutelas de Urgência”.
Sumário: 983. Requisitos da tutela cautelar. 984. O fumus boni iuris. 985. Periculum in mora. 986. Oportunidade da providência cautelar. 987. Tutela cautelar ex officio. 988. Caráter incidental da medida cautelar ex officio.
Os requisitos para alcançar-se uma providência de natureza cautelar são, basicamente, dois:
I – Um dano potencial, um risco que corre o processo principal de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em razão do periculum in mora, risco esse que deve ser objetivamente apurável.
II – A plausibilidade do direito substancial invocado por quem pretenda segurança, ou seja, o fumus boni iuris.
Para a ação cautelar, não é preciso demonstrar-se cabalmente a existência do direito material em risco, mesmo porque esse, frequentemente, é litigioso e só terá sua comprovação e declaração no processo principal. Para merecer a tutela cautelar, o direito em risco há de revelar-se apenas como o interesse que justifica o “direito de ação”, ou seja, o direito ao processo de mérito.
É claro que deve ser revelado como um “interesse amparado pelo direito objetivo, na forma de um direito subjetivo, do qual o suplicante se considera titular, apresentando os elementos que prima facie possam formar no juiz uma opinião de credibilidade mediante um conhecimento sumário e superficial”, como ensina Ugo Rocco.28
Não se pode, bem se vê, tutelar qualquer interesse, mas tão somente aqueles que, pela aparência, se mostram plausíveis de tutela no processo principal. Assim, se da própria narração do requerente da ação cautelar, ou da flagrante deficiência do título jurídico em que se apoia sua pretensão de mérito, conclui-se que não há possibilidade de êxito para ele na composição definitiva da lide, caso não é de lhe outorgar a proteção cautelar. Mesmo porque, quando da narração dos fatos não decorre, logicamente, a conclusão pretendida pelo autor, sua petição inicial, no processo de mérito, é inepta e deve liminarmente ser indeferida (CPC, art. 295, parágrafo único, no II).
Ora, sendo inviável o processo principal, não se concebe possa deferir-se a tutela cautelar, cujo objetivo maior é precisamente servir de instrumento para melhor e mais eficaz atuação do processo de mérito (v., retro, v. I, no 355).
Ensina Ronaldo Cunha Campos que é o direito de ação, como direito a um processo eficaz, que se defende no processo cautelar, pelo que não se há de transformá-lo num veículo de indagação do direito subjetivo material do promovente. O que se perquire, na espécie, é apenas a ocorrência das condições do direito de ação, portanto.29
Incertezas ou imprecisões a respeito do direito material do requerente não podem assumir a força de impedir-lhe o acesso à tutela cautelar. Se, à primeira vista, conta a parte com a possibilidade de exercer o direito de ação e se o fato narrado, em tese, lhe assegura provimento de mérito favorável, presente se acha o fumus boni iuris, em grau suficiente para autorizar a proteção das medidas preventivas.
Somente é de cogitar-se da ausência do fumus boni iuris quando, pela aparência exterior da pretensão substancial, se divise a fatal carência de ação ou a inevitável rejeição do pedido, pelo mérito.
Do ponto de vista prático, pode-se dizer que só inocorre o fumus boni iuris quando a pretensão do requerente, tal como mostrada ao juiz, configuraria caso de petição inicial inepta, ou seja, de petição de ação principal liminarmente indeferível (art. 295).
Fora daí, há sempre algum vestígio de bom direito que, em princípio, se faz merecedor das garantias da tutela cautelar.
Para obtenção da tutela cautelar, a parte deverá demonstrar fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis à própria tutela.30 E isto pode ocorrer quando haja o risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração, ou de qualquer mutação das pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficaz atuação do provimento final do processo principal.31
O perigo de dano refere-se, portanto, ao interesse processual em obter uma justa composição do litígio, seja em favor de uma ou de outra parte, o que não poderá ser alcançado caso se concretize o dano temido.
Esse dano corresponde, assim, a uma alteração na situação de fato existente ao tempo do estabelecimento da controvérsia – ou seja, do surgimento da lide – que é ocorrência anterior ao processo.
Diz a lei que o perigo, justificador da atuação do poder geral de cautela, deve ser:
a) “fundado”;
b) relacionado a um dano “próximo”; e
c) que seja “grave” e de “difícil reparação” (art. 798).
Receio fundado é o que não decorre de simples estado de espírito do requerente, que não se limita à situação subjetiva de temor ou dúvida pessoal, mas se liga a uma situação objetiva, demonstrável através de algum fato concreto.
Perigo de dano próximo ou iminente é, por sua vez, o que se relaciona com uma lesão que provavelmente deva ocorrer ainda durante o curso do processo principal, isto é, antes da solução definitiva ou de mérito.32
Por fim, o dano temido, para justificar a proteção cautelar, há de ser a um só tempo grave e de difícil reparação, mesmo porque as duas ideias se interpenetram e se completam, posto que para ter-se como realmente grave uma lesão jurídica é preciso que seja irreparável sua consequência, ou pelo menos de difícil reparação.
Essa irreparabilidade ou problemática reparabilidade pode ser aferida tanto do ponto de vista “objetivo” como do “subjetivo”. No primeiro caso, é de considerar-se irreparável, ou dificilmente reparável, o dano que não permita, por sua natureza, nem a reparação específica nem a do respectivo equivalente (indenização).
Do ponto de vista subjetivo, é de admitir-se como irreparável ou dificilmente reparável o dano, quando o responsável pela restauração não tenha condições econômicas para efetuá-la.33
Por outro lado, deve-se ter como “grave” todo dano que, uma vez ocorrido, irá importar supressão total, ou inutilização, senão total, pelo menos de grande monta, do interesse que se espera venha a prevalecer na solução da lide pendente de julgamento ou composição no processo principal.34
Não se deve, outrossim, afastar, nas ações reais ou reipersecutórias, a gravidade do perigo, somente porque o sujeito passivo tem patrimônio suficiente para indenizar o prejuízo do requerente. O direito real assegura ao titular o uso e gozo da própria coisa e, se essas faculdades vão se inviabilizar diante do risco de destruição ou desaparecimento do objeto litigioso, haverá, sem dúvida, lugar para a medida cautelar destinada à sua preservação, qualquer que seja a potência patrimonial do requerido.
Dispõe o art. 796 que “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente”.
A primeira virtude desse dispositivo é eliminar de vez as dúvidas que pairavam, no regime do Código anterior, sobre a oportunidade de cabimento das medidas cautelares. Como lembra Ovídio Baptista da Silva, a doutrina e especialmente a jurisprudência de nossos tribunais, à míngua de fundamentação teórica, vacilavam sobre a aplicação do art. 675 do Código revogado às hipóteses em que a providência cautelar fosse proposta antes da instauração do processo principal. O próprio Liebman participava dessas dúvidas sobre a exercitabilidade dos poderes conferidos ao juiz para provimentos cautelares inominados antes da propositura da demanda.35
O novo Código veio, coerente como princípio de autonomia do processo cautelar, consagrado pela melhor doutrina, esclarecer definitivamente que a tutela jurisdicional preventiva ou de segurança tanto pode ser reclamada incidentalmente, no curso da ação de mérito, como previamente, isto é, antes de ser a pretensão material deduzida em juízo.
Temos assim: a) medidas cautelares precedentes (ou preparatórias); e b) medidas cautelares incidentes.
Um dos maiores anseios da jurisdição é a imparcialidade dos órgãos julgadores. O juiz, necessariamente, tem de ser neutro em face dos interesses conflitantes. Seu único compromisso há de ser com a ordem jurídica e com os princípios que a informam.
É, ainda, para assegurar a imparcialidade do juiz que não se permite sua atuação de iniciativa própria, pois quem age inquisitorialmente acaba se apaixonando pelo interesse que despertou sua investigação e, assim, perde a neutralidade indispensável para determinar a solução final da contenda.
Daí a repulsa geral do direito moderno à jurisdição civil autoritária ou de ofício.
Ne procedat judex ex officio, ou, como proclama o CPC, “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais” (art. 2o).
A ação da parte é, nessa ordem de ideias, a condição e o limite da jurisdição. É condição, porque sem a ação o juiz não atua na composição do litígio; e é limite, porque a prestação do juiz nunca pode ser maior ou diversa daquela que a parte lhe requerer (arts. 128 e 460).
Esse princípio dogmático vigora também, como norma geral, no campo da tutela cautelar. Sofre, contudo, abrandamento em duas circunstâncias peculiares aos juízos de segurança ou prevenção, a saber: a) pela previsão excepcional de medidas cautelares ex officio (art. 797); e b) pelo poder reconhecido, implicitamente, ao juiz de modificar a medida cautelar que lhe foi requerida pela parte, ou de eleger a medida que julgar adequada diante do caso concreto (arts. 798 e 807).
A permissão, porém, de medidas cautelares de ofício encontra rigorosas limitações no direito positivo. O art. 797 só as admite em “casos excepcionais” e desde que “expressamente autorizados por lei”.
Esse poder nunca compreende o de abrir um verdadeiro processo cautelar; mas apenas consiste em tomar medidas cautelares avulsas, dentro de outros processos já existentes, em situações adredemente reguladas pela lei.
Realmente, encontram-se na sistemática do CPC medidas tipicamente cautelares, algumas facultadas, outras impostas obrigatoriamente ao órgão judicial.
Assim, o art. 653, na execução por quantia certa, manda que sejam arrestados bens do devedor, caso o oficial de justiça não o encontre para a citação, e, na execução provisória de sentença, o art. 475-0, III, exige caução para levantamento de depósito de dinheiro e para a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado (dispositivo inovado pela Lei no 11.232, de 22.12.2005). O art. 804 faculta ao juiz exigir caução nos casos de medidas cautelares inaudita altera parte; no processo de inventário, quando a impugnação à qualidade de herdeiro for remetida para as vias ordinárias, o juiz sobrestará, até o julgamento da ação, na entrega do quinhão que na partilha couber ao herdeiro admitido (art. 1.000, parágrafo único); quanto ao herdeiro preterido, mandado para as vias ordinárias, também o juiz mandará reservar seu quinhão, em poder do inventariante, até que se decida o litígio (art. 1.001); ainda no inventário, quando a habilitação de crédito é rejeitada, o juiz mandará reservar em poder do inventariante bens suficientes para pagar ao credor, quando a dívida constar de documento que comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em quitação (art. 1.018, parágrafo único).
Caso especial de medida cautelar ex officio era também a autorizada, expressamente, pelo art. 12, § 4o, da Lei de Falência (Dec. no 7.661/45), relativa ao sequestro dos livros, correspondência e bens do devedor, bem como à proibição de qualquer alienação destes, durante o processo preparativo da declaração de falência.
A medida não foi especificamente reproduzida na Lei no 11.101/2005. Compreende-se, todavia, no poder geral do juiz de “determinar as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes envolvidas” (art. 99, inc. VII), bem como de proibir “a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de bens do falido” (art. 99, inc. VI).
Uma característica da medida cautelar ex officio, quando admissível, consiste no seu caráter obrigatoriamente incidental.
Como jamais pode o juiz iniciar qualquer relação processual de ofício, a excepcional faculdade do exercício da função cautelar ex officio há de integrar, incidenter tantum, os próprios autos do processo de conhecimento ou de execução onde as medidas provisionais se tornaram necessárias.
Tais providências, que carecem da qualidade de processo e ação, apresentam-se essencialmente como acessórias do processo principal. Não devem sequer ensejar autuação apartada ou em apenso, mesmo porque faltaria a petição inicial para iniciar os novos autos. “São, assim, medidas anômalas, embora previstas em lei, pois procedimentos incidentais sem vida processual autônoma, haja vista sua regulamentação fora do livro III”.36
A seu respeito, não se pode falar nem de uma ação nem de um processo autônomo, como adverte Liebman.37
Sumário: 989. Medidas típicas e medidas atípicas. 990. Poder discricionário na tutela cautelar genérica. 991. Requisitos das medidas cautelares atípicas. 992. Forma e conteúdo das medidas atípicas. 993. A discricionariedade do poder geral de cautela e a escolha da medida atípica. 994. Opção entre medida típica e medida atípica. 995. Aplicação prática de medidas atípicas. 996. Limites do poder geral de cautela.
Ao regular o poder cautelar do juiz, a lei, segundo a experiência da vida e a tradição do direito, prevê várias providências preventivas, definindo-as e atribuindo-lhes objetivos e procedimentos especiais. A essas medidas atribui-se a denominação medidas cautelares “típicas” ou “nominadas”. É o caso, por exemplo, do arresto, do sequestro, das antecipações de prova, do atentado etc. (arts. 813 a 889 do CPC).
Mas a função cautelar não fica restrita às providências típicas, porque o intuito da lei é assegurar meio de coibir qualquer situação de perigo que possa comprometer a eficácia e utilidade do processo principal. Daí existir, também, a previsão de que caberá ao juiz determinar outras medidas provisórias, além das específicas, desde que julgadas adequadas, sempre que houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão de grave e difícil reparação (CPC, art. 798).
Há, destarte, medidas que o próprio legislador define e regula suas condições de aplicação, e há também medidas que são criadas e deferidas pelo próprio juiz, diante de situações de perigo não previstas ou não reguladas expressamente pela lei.
Esse poder de criar providências de segurança, fora dos casos típicos já arrolados pelo Código, recebe, doutrinariamente, o nome de “poder geral de cautela”.
É, porém, de ressaltar que entre as medidas típicas e as que provêm do poder geral de cautela não há diferença de natureza ou substância.
Em todos os casos – adverte Rocco – os órgãos judicantes desempenham a mesma função de natureza cautelar, ou seja, a atividade destinada a evitar um perigo proveniente de um evento possível ou provável, que possa suprimir ou restringir os interesses tutelados pelo direito.38
Diante, porém, do poder geral de cautela, a atividade jurisdicional apoia-se em “poderes indeterminados”, porque a lei, ao prevê-los, não cuidou de preordená-los a providências de conteúdo determinado e específico. Já nos procedimentos específicos, tudo que diga respeito ao exercício da função cautelar, quer quanto ao cabimento da providência, quer quanto ao seu objetivo, pressupostos e limites, tudo isto está adrede previsto e regulado pela lei.
Eis por que, conclui Rocco, a diferença entre as medidas típicas e as atípicas é apenas a maior ou menor determinação de especificidade.39
Deixando ao critério do juiz a determinação das medidas práticas cabíveis no âmbito do poder geral de cautela, a lei, na realidade, investe o magistrado de um poder discricionário de amplíssimas dimensões.
Apreciando o tema, observa Galeno Lacerda que “no exercício desse imenso e indeterminado poder de ordenar as ‘medidas provisórias que julgar adequadas’ para evitar o dano à parte, provocado ou ameaçado pelo adversário, a discrição do juiz assume proporções quase absolutas. Estamos em presença de autêntica norma em branco, que confere ao magistrado, dentro do estado de direito, um poder puro, idêntico ao do pretor romano, quando, no exercício do imperium, decretava os interdicta”.40 Mas impõe-se reconhecer, desde logo, que discricionariedade não é o mesmo que arbitrariedade, mas apenas possibilidade de escolha ou opção dentro dos limites traçados pela lei. Na verdade a outorga de um poder discricional resulta de um ato de confiança do legislador no juiz, não porém num bill para desvencilhá-los dos princípios e parâmetros que serviram de fundamento à própria outorga.
Assim, o Código, em seu art. 798, ao instituir o poder geral de cautela, já o destinou apenas aos casos em que alguma medida provisória for necessária para coibir risco de lesão grave e de difícil reparação, que ameace o direito de uma das partes, antes do julgamento de mérito ou solução do processo principal.
Vê-se, pois, que, ao mesmo tempo em que o poder discricionário foi criado, recebeu também destinação e condicionamentos que o limitam estritamente dentro da função cautelar e de seus pressupostos tradicionais.
Pelo texto do art. 798 do CPC, fácil é concluir que os requisitos das medidas atípicas são os mesmos das medidas cautelares típicas, isto é, para obter-se a proteção do poder geral de cautela é preciso que concorram:
a) um interesse em jogo num processo principal (direito plausível ou fumus boni iuris); e o
b) fundado receio de dano, que há de ser grave e de difícil reparação, e que se tema possa ocorrer antes da solução definitiva da lide, a ser encontrada no processo principal (periculum in mora).
Sobre o conceito de fumus boni iuris e periculum in mora, e dos elementos que os integram, vejam-se, retro, os nos 984 e 985.
Dispõe o art. 799 do Código de Processo Civil que no exercício do poder geral de cautela “poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução”.
Essa enumeração tem sido interpretada, pela doutrina, como meramente exemplificativa, sem caráter exaustivo,41 já que qualquer que seja a situação de perigo que venha a antepor-se ao interesse da parte, enquanto não solucionado o processo principal, é de ser provisoriamente coibida através de medidas adequadas, criadas e aperfeiçoadas dentro do poder geral de cautela.
Aliás, não é preciso nem sequer fugir da enumeração da lei para admitir o amplo e irrestrito poder geral de cautela que se atribui ao juiz. É que dentro do permissivo genérico utilizado pelo legislador em expressões elásticas como “autorizar ou vedar a prática de determinados atos” cabe, sem dúvida, uma quase infindável sequência de medidas.
Qualquer, porém, que seja a medida atípica, apresentar-se-á sempre como uma “ordem”, um “comando”, ou uma “injunção” imposta pelo órgão judicial a uma das partes em conflito.
Essas ordens podem ser de caráter ou conteúdo “positivo” (ordens de fazer), ou “negativo” (ordens de não fazer), e terão como destinatário a pessoa que com sua ação ou omissão ameaça restringir ou suprimir o interesse substancial do promovente, interesse esse que, teoricamente, está protegido pelo direito.42
É certo que a ordem de não fazer é sempre destinada ao adversário do promovente da medida cautelar. Já a ordem positiva tanto pode dirigir-se a um como a outro dos interessados, posto que, muitas vezes, o ato a praticar é do interesse do próprio requerente, o qual se vale da ação cautelar inominada apenas para obter a autorização necessária. Nessa hipótese, o comando positivo que franqueia o facere ao promovente corresponde, naturalmente, a um preceito contrário em relação ao promovido, qual seja, o de ter-se de impedir o promovente de realizar o ato que o juiz permitiu dentro do exercício do poder geral de cautela.
As ordens ou injunções de fazer, não fazer, ou de prestar, que, no exercício do poder geral de cautela, podem assumir o conteúdo mais variado possível, segundo as situações de fato ou de direito sobre as quais terão de incidir, para preservar ou tutelar o interesse em risco de lesão. Mas, uma vez requeridas por uma das partes, terão de ser valoradas pelo juiz no que diz respeito não só à sua necessidade, como também à sua adequação ou capacidade para eliminar o perigo evidenciado.
É certo que, em regra, o juiz não tem a iniciativa da tutela cautelar, como, aliás, ocorre com a tutela de mérito, já que ambas só devem ser prestadas quando requeridas pela parte, nos casos e forma legais (CPC, arts. 2o e 801). Mas, uma vez invocada a prestação de tutela preventiva, dentro do âmbito de todo o processo cautelar e, especialmente, no tocante ao poder geral de cautela, incumbe ao juiz a função de adequar a medida aos limites e objetivos da jurisdição de prevenção.
Nesse passo, o poder discricionário do juiz atua:
a) no que se refere à apreciação da verossimilhança das cricunstâncias reveladoras do interesse a proteger;
b) no que concerne ao juízo de possibilidade ou probabilidade de que se verifique o evento danoso e à oportunidade de providenciar a eliminação do perigo; e, também;
c) relativamente à escolha e determinação da providência que, segundo as circunstâncias, se afigura, no juízo discricionário do julgador, mais idônea para conservar o estado de fato e de direito envolvido na lide.43
Como se vê, a discricionariedade de que se cogita em matéria de poder cautelar não é aquela típica do direito administrativo, onde o agente público tem poder discricionário quando pode optar em praticar ou não determinado ato de seu ofício, segundo um juízo de oportunidade e conveniência. O juiz, no processo, nunca pode deixar de praticar o ato necessário, segundo a regra legal. A conveniência e oportunidade decorrem da própria vontade da lei. Ao juiz cabe apenas a liberdade restrita de traçar-lhe o conteúdo prático.44
As medidas “típicas”, como o sequestro e o arresto, referem-se apenas a certos interesses ou direitos subjetivos bem determinados pela lei, na própria regulamentação dessas medidas. Já o direito subjetivo que se procura tutelar através do poder geral de cautela é o mais indeterminado possível, isto é, “pode consistir em ‘qualquer direito subjetivo’, suscetível de tutela por via de ação”.45
Isso, contudo, não importa excluir da área de incidência das medidas específicas a admissibilidade também das medidas atípicas. Na verdade, não há incompatibilidade entre elas. Um crédito que normalmente se protege com o arresto, ou um bem litigioso que se ampara com o sequestro, em certas circunstâncias pode, perfeitamente, ser também objeto de alguma medida provisória atípica, como exemplo a interdição de dispor, o depósito, a caução etc.
Todos os direitos subjetivos ou interesses, mesmo os compreendidos na tutela das medidas específicas, estão também incluídos na área de incidência da tutela genérica ou não específica, desde que reclamem proteção preventiva não especificada em lei, mas compreensível nos poderes outorgados ao juiz pelo art. 798 do CPC.46
Pela amplitude do poder geral de cautela, é praticamente ilimitada a possibilidade de seu desdobramento em figuras práticas, diante do infinito e imprevisível número de situações de perigo que podem surgir antes do julgamento das diversas causas que o Poder Judiciário tem de dirimir.
Apenas para ilustrar e para lembrar os casos mais frequentes, em nossa experiência e na do direito europeu, podem-se arrolar os seguintes exemplos de medidas atípicas:
a) a sustação do protesto cambiário, antes da ação anulatória do título ou de desconstituição do negócio subjacente, para evitar o notório prejuízo comercial que a medida acarreta ao devedor;47
b) a suspensão provisória de deliberação social, quando a minoria ou algum sócio vencido pretenda mover ação principal para anular a decisão tomada pela assembleia da sociedade civil ou comercial;
c) a proibição de dispor, como medida menor do que o sequestro e o arresto, pois conserva a posse do dono, e apenas interdita a possibilidade de alienação da coisa;
d) o depósito, quando a parte litigante quer se desonerar do risco de continuar com a guarda do objeto litigioso e há recusa em recebê-lo por parte do adversário;
e) a proibição de fabricar determinado produto, enquanto pende o juízo de tutela ao direito de invenção;
f) a proibição de usar nome ou marca comercial, que se confunda com outro ou outra;
g) admissão de exercício provisório de servidão de passagem sob litígio;
h) autorização para o locador prover por meios próprios a cultura de um fundo rústico abandonado pelo locatário, que não o cultivava convenientemente;
i) suspensão dos efeitos de uma eleição realizada por sociedade corporativa para composição dos órgãos de administração, sob fundamento de irregularidade na convocação da assembleia;
j) autorização ao parceiro-proprietário para fazer a colheita da lavoura e depositar os frutos para posterior partilha, tendo em vista o abandono da plantação pelo parceiro-agricultor;
k) suspensão de mandato social e nomeação de administrador judicial;
l) condicionamento de certos atos de administração de bens litigiosos à prévia autorização judicial;
m) suspensão de atos de disposição do interditando, durante o processo de interdição.
Diante desse variado mostruário, é fácil ter uma ideia de quão amplo e, até mesmo ilimitado, é o campo de aplicação das medidas cautelares atípicas, que, na realidade, se multiplicam infinitamente, diante das necessidades universais dos casos concretos.
Se o poder cautelar genérico é amplo e não restrito a casos predeterminados, nem por isso é ilimitado e arbitrário.
A primeira e mais evidente limitação do arbítrio do juiz, em matéria do poder geral de cautela, localiza-se no requisito da “necessidade”, pois somente a medida realmente “necessária”, dentro dos objetivos próprios da tutela cautelar, é que deve ser deferida.
A propósito, adverte Calvosa que a situação substancial, para justificar a medida atípica, deve ser, por sua natureza, suscetível de modificações no tempo e que tais modificações prováveis possam acarretar prejuízo, por ato de outrem.
Fora daí a medida preventiva fica sem ambiente adequado sobre que possa influir. A decisão de mérito, por si só, será capaz de compor a lide, sem necessidade de proteção ou auxílio da tutela cautelar genérica.48
Por outro lado, como bem ressalta Lopes da Costa, “a medida não deve transpor os limites que definem a sua natureza provisória”.49
As injunções, positivas ou negativas, que se emitem no exercício do poder geral de cautela, têm como finalidade natural e necessária apenas a “conservação do estado de fato e de direito” a que se vinculam os interesses que se vão defender no processo principal.50 Não podem essas medidas, portanto, assumir feição “satisfativa”, pois seu escopo não é mais do que “garantir” a utilidade e eficácia da futura prestação jurisdicional de mérito, esta sim de natureza satisfativa, no que diz respeito ao direito substancial da parte.
Precisamente porque têm caráter apenas “conservativo”, as medidas atípicas não deverão ter conteúdo igual ao da prestação a que corresponde a realização do próprio direito subjetivo que se discute na lide. Com elas, lembram Rocco e Calvosa, não se obtém uma antecipação da decisão de mérito, nem se procede a uma execução provisória do direito substancial do promovente.51
Nem mesmo a imposição de cláusula ou condição de posterior reposição ao statu quo ante, caso haja sucumbência no processo principal, deve permitir ao juiz o deferimento de medidas satisfativas, que corresponderiam a uma execução provisória de uma sentença ainda não proferida, porque tal ultrapassaria evidentemente a área da prevenção ou segurança, de que não podem fugir as providências cautelares.
Por força dessa limitação das medidas cautelares, isto é, por importar antecipação de solução do verdadeiro mérito do processo principal:
a) em ação cautelar, não são possíveis alterações de inscrição e transcrição do Registro Imobiliário, porque afetariam e modificariam diretamente o direito material da parte promovida;
b) pela mesma razão, não se permite que se possa cancelar inscrição de hipoteca ou outro ônus;52
c) nem se toleraria que, num litígio sobre compra e venda ou locação, o detentor da coisa fosse, cautelarmente, compelido a entregá-la ou restituí-la à outra parte.53
“A verdade é que – na advertência de Rocco – nenhuma providência cautelar, seja específica e determinada, seja genérica e indeterminada (atípica), constitui, em hipótese alguma, uma antecipação provisional da resolução do conflito de interesses.”54
O juízo de plena cognição, que há de permitir a composição da lide em torno da questão substancial de mérito, nada tem que ver com o juízo mediante cognição inteiramente sumária e superficial da provável existência do direito substancial e do perigo que o ameaça, a fim de justificar e abrir ao interessado a via da tutela cautelar.55
Tendo, como é sabido, as providências cautelares e as de mérito conteúdo e funções totalmente diferentes, não pode a medida preventiva ser considerada, em nenhum caso, uma antecipação da providência de mérito, já que a primeira não resolve, de nenhum modo, nem mesmo provisionalmente, o conflito que persiste e deverá ser solucionado no processo principal.56
Aliás, é texto de lei que as medidas cautelares não devem influir na solução da ação principal (CPC, art. 810), de maneira que esta tanto pode vir a ser, no final, favorável ou não ao promovente da ação cautelar. Daí por que conclui Rocco que não se pode pretender ver na medida cautelar antecipação provisional de efeitos da decisão de mérito.
Sob o aspecto do alcance da medida cautelar, é forçoso reconhecer que deve haver proporção entre a providência atípica e a prestação que se espera obter no processo de mérito.
Anota Lopes da Costa, a propósito do tema, que “a medida deve restringir-se aos limites do direito cuja realização se pretende assegurar, providências a que o requerente, mesmo que vencesse na causa principal, não teria direito, não lhe podem ser concedidas. Se, por exemplo, tem ele um direito de uso comum, este não pode ser garantido como medida que conceda uso exclusivo. Não se concede, finalmente, medida preventiva que não se possa aplicar em execução de sentença em ação satisfativa. Por exemplo, o restabelecimento da vida conjugal; a prestação de serviços; a prisão, para obrigar a exibição de bens para arresto”.57
Por último, convém registrar que durante muito tempo prevaleceu a tese de não cabimento da medida atípica para sustar a executoriedade da sentença transitada em julgado. Aliás, é texto legal expresso a regra de que nem mesmo a interposição de ação rescisória suspende a execução do decisório trânsito em julgado (CPC, art. 489).58
Com o advento, porém, da permissão para a antecipação dos efeitos da tutela de mérito (art. 273 do CPC, com a redação da Lei no 8.952, de 13.12.94), deixou de haver maior resistência à possibilidade de providência liminar para sustar os efeitos executivos da sentença submetida à ação rescisória. Passou-se, porém, a exigir que a parte comprovasse, convincentemente, todos os requisitos legais da tutela antecipada, que sabidamente são maiores que os das medidas apenas cautelares.59 Por último, essa orientação veio a ser adotada por texto expresso de lei na reforma do art. 489, realizada pela Lei no 11.280, de 16.02.2006.
Partindo da exigência do fumus boni iuris, como pressuposto de qualquer medida cautelar, Calvosa faz, ainda, as seguintes restrições ao poder geral de cautela:
a) só o direito que, pelo menos aparentemente, se pode fazer valer em juízo é que merece a tutela das medidas atípicas;
b) não cabe essa tutela quando a situação substancial for constituída de um direito natural, insuscetível de exigência ou realização coativa no processo principal;
c) não cabe, também, a proteção de simples expectativa de direito; o que se garante é o exercício de um direito já adquirido (o que, todavia, não exclui o direito exigível a termo);
d) não protege um direito que depende do acolhimento de uma ação constitutiva (aqui, porém, Rocco discorda, a meu ver com razão, já que não há motivo para negar a tutela de segurança àquele que revela o fumus boni iuris do direito potestativo de desconstituir uma situação jurídica);
e) por último, não impede a configuração do fumus boni iuris e, consequentemente, a tutela do poder geral de cautela, a circunstância de ser incerta ou controvertida a relação jurídica existente entre as partes. Basta que, em tese, o direito invocado pela parte seja tutelável nas vias ordinárias.
Deve-se ponderar que o problema de a medida cautelar não comportar efeitos satisfativos perdeu relevância depois da reforma do CPC instituidora da antecipação de tutela (arts. 273 e 461). É que aquilo que não se pode alcançar por meio de ação cautelar pode ser obtido através de pedido incidental no próprio processo principal, desde que presentes os requisitos legais da tutela antecipada (ver, neste volume, itens 1.188 a 1.188-p). Também no direito europeu houve uma evolução que, sem dar autonomia à figura da antecipação de tutela, acabou por absorvê-la no poder geral de cautela, sob formas especiais de medidas cautelares satisfativas (v., adiante, o no 1.187-d).
1 ALSINA, Hugo. Tratado Teórico-Práctico de Derecho Procesal Civil y Comercial. Buenos Aires: Ediar, v. III, p. 287.
2 BUZAID, Alfredo “Exposição de Motivos”, 1972, n. 11.
3 CARNELUTTI, Francesco. Diritto e Processo. Napoles: Morano Editore, 1958, p. 353 e segs.
4 CUNHA CAMPOS, Ronaldo. Comentário. Rev. Bras. de Dir. Processual, v. IV, p. 184.
5 MICHELI, Gian Antonio. Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: EJEA, 1970, v. I, n. 20, p. 78.
6 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di Diritto Processuale Civile. Milano: A. Giuffrè, 1968, v. I, n. 36, p. 92.
7 ROCCO, Ugo. Tratado de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Depalma, 1979, v. V, p. 55-56.
8 CARNELUTTI, Francesco. Diritto e Processo. Napoli: Morano, 1958, n. 234; LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di Diritto Processuale Civile. Milano: A. Giuffrè, 1968, v. I, n. 12, p. 36; CALAMANDREI, Piero. Introducción al Estudio Sistematico de las Providencias Cautelares. Buenos Aires, p. 44.
9 MICHELI, Gian Antonio. Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: EJEA, 1970, v. I, n. 20, p. 80-81.
10 CALVOSA, Carlo. “Provvedimenti d’urgenza”. Novissimo Digesto Italiano, v. XIV, p. 447.
11 TORRES VERA, Javier Arturo. Jurisdicción y Cautela. Santiago de Chile: Chile, 1965, n. 19, p. 33.
12 CALVOSA, Carlo. Op. cit., p. 461.
13 BARROS, Hamilton de Morães e. “Breves Observações sobre o Processo Cautelar”. Rev. For., v. 246, p. 202.
14 BARROS, Hamilton de Morães e. Op. cit., loc. cit.
15 TORRES VERA, Javier Arturo. Op. cit., n. 19, p. 34-35.
16 LOPES DA COSTA, Alfredo Araújo. Medidas Preventivas.2. ed. Belo Horizonte: Bernardo Alvares, 1958, n. 53, p. 50.
17 SLVA, João Carlos Pestana de Aguiar. “Síntese Informativa do Processo Cautelar”. Rev. Forense, v. 247, p. 42. Em linguagem puramente processual pode-se falar numa “lide cautelar”, como representativa de eventual conflito entre as partes, acerca da necessidade, ou não, da medida preventiva. Essa lide, porém, não se confunde com a verdadeira lide cuja composição é a meta do processo principal. Nem mesmo ocorre sempre, pois, muitas vezes, a medida cautelar decorre de situações que não foram provocadas pela parte contrária e se realiza sem oposição alguma desta (medidas cautelares administrativas).
18 BARROS, Hamilton de Moraes e. Op. cit., p. 204. No mesmo sentido é a lição de LOPES DA COSTA, Alfredo Araújo. Op. cit., n. 58, p. 55.
19 CARNELUTTI, Francesco. Diritto e Processo. Napoli: Morano, 1958, n. 234, p. 355.
20 CARNELUTTI, Francesco. Op. cit., n. 236, nota I, p. 359.
21 VILLAR, Willard de Castro. Medidas Cautelares. p. 50; CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. trad. Menegale, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1969, v. I, n. 82, p. 273.
22 CALVOSA, Carlo. Op. cit., p. 447.
23 LIEBMAN, Enrico Tullio. Op. cit., n. 36, p. 92.
24 PODETTI, Ramiro. Tratado de las Medidas Cautelares. Buenos Aires, 1956, p. 36.
25 PODETTI, Ramiro. Op. cit., p. 43.
26 PODETTI, Ramiro. Op. cit., p. 45.
27 Ver MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória. São Paulo: RT, 1992, p. 141.
28 ROCCO, Ugo. Tratado de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Depalma, 1979, v. V. p. 433.
29 CUNHA CAMPOS, Ronaldo. Estudos de Direito Processual. Uberaba, 1974, p. 128-129.
30 LIEBMAN, Enrico Tullio. Op. cit., v. I, n. 36, p. 92.
31 CALVOSA, Carlo. “Sequestro Giudiziario”. Novissimo Digesto Italiano, v. XVII, p. 66.
32 CALVOSA, Carlo. Il Processo Cautelar, 1970, p. 769.
33 CALVOSA, Carlo. Op. cit., p. 770.
34 ROCCO, Ugo. Tratado de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Depalma, 1979, v. V, p. 433.
35 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. As Ações Cautelares e o Novo Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro, 1974, n. 4, p. 22.
36 PESTANA DE AGUIAR, João Carlos. Op. cit., p. 49.
37 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di Diritto Processuale Civile. Milano: A. Giuffrè, 1968, v. I, n. 37, p. 94.
38 ROCCO, Ugo. Tratado de Derecho Procesal Civil, 1979, v. V, p. 409.
39 ROCCO, Ugo. Op. cit., p. 410.
40 LACERDA, Galeno. Comentários ao Cód. Proc. Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, v. VIII, t. 1, n. 25, p. 135-136.
41 LACERDA, Galeno. Op. cit., n. 32, p. 170.
42 ROCCO, Ugo. Op. cit., V, p. 435.
43 ROCCO, Ugo. Op. cit., V, p. 410-411.
44 A doutrina especializada esclarece que a discricionariedade em tema de processo se resume ao reconhecimento de que o legislador, às vezes, se vale de conceitos vagos ou imprecisos, como boa-fé, interesse público, bons costumes, verossimilhança, aparência de bom direito, perigo de dano grave etc. É claro que ao aplicador da norma imprecisa não compete deixar de aplicá-la, mas terá de dar-lhe aplicação prática, completando a ideia genérica da lei com dados de um juízo concreto sobre as particularidades do caso sub examine. Dessa maneira, há necessariamente, um espaço criativo reservado ao juiz no momento de concretização do preceito legal (Cf. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O Novo Regime do Agravo. 2. ed. São Paulo: RT, 1996, p. 381-382).
45 ROCCO, Ugo. Op. cit., V, p. 412.
46 ROCCO, Ugo. Op. cit., V, p. 414.
47 A sustação do protesto já foi admitida como medida cautelar cabível em ação revisional de contrato bancário (STJ, 4a T., REsp 1.243.238/SP, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, ac. 10.05.2011, DJe 23.05.2011).
48 CALVOSA, Carlo. Il processo cautelare: i sequestri e i provvedimenti d’urgenza. Torino: Torinese, 1970, p. 768.
49 LOPES DA COSTA, Alfredo Araújo. Medidas Preventivas. 2. ed. Belo Horizonte: Bernardo Alvares, n. 16, p. 21.
50 ROCCO, Ugo. Op. cit., p. 435, nota 50.
51 ROCCO, Ugo. Op. cit., loc. cit., CALVOSA, Carlo. Op. cit., p. 782-783. A concessão de medida cautelar satisfativa, como simples solução antecipada do direito material da parte, representaria, em princípio, quebra até mesmo da garantia constitucional do devido processo legal (Constituição Federal, art. 5o, incs. LIV e LV), porque o autor seria beneficiado com uma tutela de mérito sem que o réu pudesse se valer do contraditório completo e do direito de ampla defesa. É verdade que o art. 273 do CPC, com a redação que lhe deu a Lei no 8.952, de 13.12.1994, permite liminares de caráter satisfativo. Mas a antecipação de tutela é excepcional e se subordina a requisitos mais rigorosos do que os das medidas cautelares (v., adiante, itens 1.188 a 1.188-p).
52 LOPES DA COSTA, Alfredo Araújo. Op. cit., n. 16, p. 22; CALVOSA, Carlo. Op. cit., p. 788.
53 LOPES DA COSTA, Alfredo Araújo; CALVOSA, Carlo. Op. cit., loc. cit.
54 ROCCO, Ugo. Op. cit., p. 417.
55 ROCCO, Ugo. Op. cit., p. 418.
56 ROCCO, Ugo. Op. cit., loc. cit.
57 LOPES DA COSTA, Alfredo Araújo. Op. cit., n. 16, p. 22.
58 CALVOSA, Carlo. Op. cit., p. 457; FURNO, Carlo. La Sospensione del Processo Esecutivo. Milão, 1956, no 14, p. 60; TAMG, ac. no MS 462, em DJMG, de 26.11.77; TJRJ, ac. na A. Resc. 180, in RT, 535/167.
59 Cf. STJ, 3a T., Pet. no 441-3/SP, Rel. Min. Nilson Naves, ac. de 25.05.93, Lex – JSTJ, 50/123; STJ, 4a T., REsp. 139.850/RJ, Rel. Min. César Asfor Rocha, ac. de 13.10.97, DJV de 09.03.98, p. 120; STF, Pleno, Pet. no 147/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, ac. de 19.09.97, Inf. STF, 84, de 15 a 19.09.97; STJ, 1a Seção, AgRg na AR 4.442/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, ac. 23.06.2010, DJe 30.06.2010.