Sumário: 1.024. Julgamento da pretensão cautelar. 1.025. Coisa julgada. 1.026. Limites da sentença. 1.027. Fundamentação. 1.028. Sucumbência e honorários advocatícios.
A medida cautelar pode ser obtida liminarmente, por força de decisão interlocutória, ou, afinal, em decorrência da sentença que encerra o processo e acolhe o pedido do requerente.
Com ou sem medida liminar, o certo, porém, é que o processo cautelar é de natureza contenciosa e, assim, nunca se pode encerrar sem uma sentença que reconheça a procedência ou improcedência do pedido, salvo, é claro, nas hipóteses de extinção por deficiência ou falta de condições de ação ou de pressupostos processuais.
Há, pois, que se cumprir o itinerário completo das fases procedimentais, que se iniciam com a postulação e só se exaurem com o julgamento.
A sentença cautelar está legalmente prevista no art. 803 e para ela há também previsão expressa do recurso de apelação, com o efeito apenas devolutivo (art. 520, no IV).
A coisa julgada material, na sistemática de nosso Código de Processo Civil, é o fenômeno pelo qual a sentença de mérito torna-se imutável e indiscutível, seja no processo em que foi prolatada, seja em qualquer outro que venha futuramente a ser instaurado entre as mesmas partes ou seus sucessores (Código de Processo Civil, arts. 467 e 468).
Uma vez que o processo cautelar não cuida de solucionar a lide, nele não há decisão de mérito, de maneira que não se pode cogitar de coisa julgada material diante do deferimento ou indeferimento das medidas cautelares. Aqui, portanto, a coisa julgada formal é a única que se manifesta, como decorrência do encerramento da relação processual, uma vez esgotada a possibilidade de impugnação recursal.
Além da ausência de julgamento de mérito, a provisoriedade é de essência da tutela cautelar, de sorte que, a qualquer tempo, mesmo depois da sentença que formalmente encerra o processo de prevenção, sempre é possível ao juiz, em nova relação processual, rever a medida já deferida, quer para modificá-la, quer para revogá-la (Código de Processo Civil, art. 807).
Num único caso a sentença do processo cautelar adquire a autoridade da coisa julgada material: é quando, excepcionalmente, o juiz, entrando no mérito da controvérsia existente entre os litigantes, acolhe, desde logo no julgamento da pretensão preventiva, a exceção material de prescrição ou decadência, nos termos do art. 810 do Código de Processo Civil.
Advirta-se, porém, que as questões relativas à prescrição, em matéria patrimonial, salvo no caso de benefício para absolutamente incapaz, não podem ser conhecidas de ofício pelo juiz (Código Civil de 2002, art. 194; CC de 1916, art. 166); de modo que a decretação de que cogita o art. 810 do Estatuto Processual só pode ocorrer mediante provocação adequada do réu.1
É importante registrar, outrossim, que a ausência de coisa julgada material no processo cautelar não faz com que fique sempre aberta ao requerente a possibilidade de renovar o pleito, repetindo-se o pedido com base nos mesmos fundamentos. Se não há a coisa julgada material, há, porém, a preclusão pro iudicato, que impede ao juiz de julgar novamente as questões já decididas (art. 471). Portanto, apenas com base em fatos novos se pode reiterar o pedido da mesma providência cautelar entre as mesmas partes.
Em razão da predominância do interesse público – pois a medida cautelar se destina a servir a outro processo e não diretamente ao direito da parte –, e diante do princípio da fungibilidade dos provimentos de segurança, não configura decisão extra petita a sentença que defere providência cautelar diversa da postulada pela parte.2
Segurança não é sinônimo de arbítrio. O juiz não está, por isso, dispensado de fundamentar a sentença cautelar, que intrinsecamente deve conter todos os requisitos essenciais preconizados pelo art. 458: relatório, fundamentação de fato e de direito e dispositivo.3
A instrução sumária, que é própria do processo cautelar, não necessita gerar para o juiz a certeza de todos os fatos articulados pelo autor, mas deve dar-lhe a ideia da plausibilidade do perigo de dano, levando o julgador a admitir como provável a ocorrência de dano iminente.
Esse juízo há de ser demonstrado com argumentos lógicos na sentença concessiva da medida cautelar.
No processo de conhecimento, é obrigatória a inclusão na sentença de dispositivo que condene a parte vencida a pagar as custas e os honorários advocatícios despendidos pela parte vencedora (art. 20). No mesmo sentido, prevalece no processo executivo a regra de que a remição da execução só se faz mediante resgate do principal atualizado da dívida exequenda, acrescido de juros, custas e honorários advocatícios (art. 651).
Séria, no entanto, tem sido a controvérsia doutrinária e jurisprudencial em torno da imposição de honorários advocatícios ao sucumbente na ação cautelar.
Os que defendem a aplicação completa das regras da sucumbência ao processo cautelar partem do princípio de que, no caso, existe uma ação, diversa e autônoma, que não se confunde com a ação principal, tanto que uma mesma parte pode sair vencedora na ação cautelar e vencida na ação principal, ou vice-versa.
A corrente que nega a possibilidade de imposição da verba advocatícia nos procedimentos cautelares baseia-se, a seu turno, no fato de que tais procedimentos seriam meros incidentes do processo principal, onde não se julga o mérito, mas apenas prepara-se o terreno para tal julgamento. Assim, na solução do mérito, isto é, na ação principal, é que se daria aplicação às regras pertinentes à sucumbência.
As duas correntes são extremadas.
O certo é que as ações cautelares não são simples incidentes do processo principal, seja porque seu fundamento e seu objetivo nada têm que ver com iguais elementos do processo principal, seja porque o processo cautelar pode existir e ser julgado antes do principal, não ficando descartada a possibilidade de que este, na realidade, jamais venha a ser proposto; seja porque a solução de um deles, em regra, não influi no julgamento do outro.
Havendo, portando, inegável autonomia lógica e jurídica entre os dois procedimentos (pois o vínculo existente entre eles é apenas instrumental), parece-me claro que o sucumbente em cada um deles terá de arcar com as consequências completas de sua derrota processual, assumindo a responsabilidade integral pelas custas do processo e honorários advocatícios da parte contrária.
Na própria lei encontra-se dispositivo expresso em que se revela a intenção do legislador de incluir a verba advocatícia entre as responsabilidades do vencido no procedimento cautelar. Trata-se do art. 819 do Código de Processo Civil, onde se prevê que a suspensão de execução do arresto, quer por meio do pagamento da dívida, quer por meio de caução, deve compreender recolhimento ou depósito do principal, custas e honorários advocatícios, que o juiz arbitrar.
Mas o que não se pode deixar de observar é que a disputa judicial em torno de uma providência cautelar é sempre objeto de ação, como sinônimo de pretensão contenciosa gerada de processo cautelar.
As medidas cautelares, porém, nem sempre são alcançadas por via contenciosa, já que muitas vezes são requeridas e concretizadas sem qualquer disputa entre os interessados. Pode até acontecer que ambas as partes tenham igual interesse na providência preventiva que apenas uma delas tomou a iniciativa de requerer.
Na vida prática do foro é muito fácil encontrar inúmeros casos de vistorias, sequestros, depósitos, suspensão de atos ou efeitos jurídicos de certos atos etc., que, após o requerimento formulado por uma parte, não provocam relação contenciosa com o adversário.
É que inexistindo um litígio a dirimir no bojo do procedimento preventivo, e mesmo porque inexiste um direito substancial de cautela, que tenha de estar em controvérsia para autorizar a tutela cautelar, muitas vezes o pedido de providência preventiva assume feitio unilateral, provocando procedimento de natureza mais administrativa que jurisdicional.
Cumpre, pois, distinguir entre a medida cautelar e o processo cautelar. Medida cautelar ocorre sempre que se defere qualquer providência de prevenção em face do objeto e demais elementos do processo principal.
Mas processo cautelar, como procedimento verdadeiramente contencioso, só ocorre quando o pedido de medida cautelar é contestado pelo promovido.
Aí sim, estabelecido um conflito efetivo de interesses no campo da tutela preventiva, em razão da resistência do adversário, teremos uma relação processual capaz de provocar a configuração de parte vencedora e parte vencida, ao final do procedimento. E, em consequência, teremos os consectários da sucumbência processual, previstos no art. 20 do CPC, ou seja, a imposição ao sucumbente da condenação nas custas do processo e honorários advocatícios da parte vencedora.
A imposição da verba advocatícia ao vencido fica na dependência de verificar, no caso concreto, se houve, ou não, uma ação cautelar no sentido próprio, isto é, como disputa contenciosa em torno de uma providência preventiva.
Sem a lide cautelar (isto é, sem o conflito de interesses em torno da providência preventiva), não há ação cautelar, mas apenas medida cautelar. E não havendo lide (o que, praticamente, se revela pela falta de contestação ao pedido do provimento preventivo) não haverá, também, sucumbência, o que exclui a condenação de custas e honorários advocatícios.
Feitas estas distinções, parece-me inegável que, sendo contenciosa a ação cautelar, haverá de o vencido sujeitar-se à regra dos ônus da sucumbência, ficando obrigado a reembolsar o vencedor não só das despesas de custas como dos honorários advocatícios. Isto ficou, aliás, bem claro no sistema do Código, quando o art. 819, nos I e II, ao cuidar da suspensão da execução do arresto, exigiu que, para tanto, deveria o requerido pagar, consignar ou caucionar “a dívida, honorários do advogado do requerente e custas”.
Em síntese:
a) se a tutela cautelar limita-se ao plano de uma simples medida cautelar, de cunho administrativo, não há sucumbência; o requerente paga as custas e não há condenação pertinente a honorários;
b) mas se o pedido cautelar é objeto de contestação e o procedimento (seja preparatório, seja incidental) torna-se contencioso, então o vencido terá de responder por custas e honorários de advogado, perante o vencedor, sem ter de aguardar o resultado do processo principal, em face da autonomia jurídica existente entre ambos.
Sumário: 1.029. Execução em matéria cautelar. 1.030. Figura unitária do processo cautelar. 1.031. Impossibilidade de embargos à execução. 1.032. Prazo para executar a medida cautelar.
Há medidas cautelares restritivas de direito, constritivas de bens e simplesmente conservativas de bens, provas ou direitos.
As medidas conservativas, como a antecipação de provas, exaurem em si mesmas toda a sua finalidade. Nada há que se realizar após a ultimação da sentença final que não passa de mero provimento de extinção processual sem qualquer carga de imposição de ônus ou dever à parte.
Certas medidas restritivas de direito são também de caráter constitutivo e realizam sua finalidade por si mesmas, como a que suspende a eficácia de uma deliberação social ou autoriza um cônjuge a deixar provisoriamente a companhia do outro.
Há, no entanto, sentenças ou decisões cautelares que participam da natureza das condenações, e, embora de eficácia provisória, reclamam execução.
Não se trata, porém, de execução no sentido técnico e específico como a que se dá no verdadeiro processo de execução (Livro II do Código), que visa a satisfazer uma pretensão a que reconhecidamente tem direito o credor, de modo que, em última análise, o processo estaria tutelando o próprio direito da parte.
Na execução cautelar, ao contrário, como de resto, em todo o processo cautelar, o que se encontra é um conteúdo muito diferente, voltado exclusivamente para a segurança de outro processo, sem cuidar de satisfazer ou proteger um direito de qualquer das partes.
Mesmo quando a medida preventiva admite execução forçada, não se pode, ordinariamente, distinguir um processo cautelar de cognição de um processo cautelar de execução. Na maioria dos casos a estrutura do procedimento é tal que a atuação da medida é parte do procedimento e que a fase de cognição não se separa da fase de atuação ou execução.
O arresto e o sequestro, os mais usuais provimentos cautelares, podem ser executados antes da fase de cognição e quando são posteriores a ela não reclamam qualquer procedimento especial, pois resumem-se na expedição de um mandado para cumprimento da sentença.
Isto porque a ação cautelar, que não é remédio para composição de litígio, tende diretamente à constituição do estado de segurança ou prevenção, de modo que a medida cautelar é parte integrante do seu próprio procedimento ou simples fase dele.4
Diversamente da dicotomia que existe entre o processo de conhecimento e o processo de execução, onde, em torno de uma mesma pretensão de direito material, se podem estabelecer sucessivamente duas relações jurídico-processuais, no processo cautelar o conhecer e o realizar se operam, por princípio, numa única relação processual.
Estabelecida, pois, a relação processual cautelar, a atuação do juiz só se exaure quando sua ordem de prevenção seja efetivamente cumprida. Toda a atividade cautelar, desde a definição do direito da parte à prevenção até a execução da tutela preventiva, tudo isto se faz num só processo, numa única relação processual.5
A execução de medida cautelar não é, como se frisou, execução forçada de sentença, é apenas “movimento processual”, ou “situação processual”, indispensável a que o processo cautelar se desenvolva e cumpra sua razão de ser.6
Por conseguinte, impossível se mostra a oposição de embargos a essa execução, já que inexiste execução forçada em sentido técnico.7 Qualquer pretensão contrária à medida cautelar determinada em sentença só poderá ser deduzida em juízo através do processo principal, ou por meio do procedimento contencioso separado de modificação ou revogação autorizado pelo art. 807 (v., adiante, o no 1.046).
Apenas no caso de alimentos provisionais, existe uma verdadeira execução forçada, regulada pelos arts. 732 a 735, que se impõe na espécie porque a medida cautelar em tela mais se apresenta como uma condenação antecipada (provisória) do pedido do que propriamente uma providência de segurança ao processo, como as demais medidas cautelares.
Existe, na lei, um prazo de eficácia do decreto de medida cautelar, dentro do qual deve ser a providência tornada efetiva, prazo esse que, obviamente, tem aplicação apenas aos casos de medidas restritivas de direito e constritivas de bens.
Segundo o art. 808, no II, as medidas cautelares devem ser postas em execução no prazo de trinta (30) dias, prazo que, naturalmente, deve ser contado do decreto que as determinou.
Trata-se de prazo fatal, de sorte que com o simples decurso dele a ordem judicial preventiva deixa de ser realizável e eficaz.8
A estipulação de tal prazo decorre do caráter excepcional e emergencial com que se decreta a tutela cautelar. Se a parte beneficiária dela não cuida de concretizá-la, deixando escoar longo tempo, presume-se que a situação de perigo desapareceu e não convém manter o requerido indefinidamente, sob a ameaça de restrições e constrangimentos de necessidade duvidosa.
1 A Lei no 11.280, de 16.02.2006, revogou o art. 194 do Código Civil e alterou o art. 219, § 5o, do CPC, para dispor que o juiz pode decretar de ofício a prescrição. O alcance dessa medida legislativa, todavia, numa interpretação sistemática do direito material, parece conduzir a uma impossibilidade, em regra, do reconhecimento da prescrição sem a manifestação de vontade do devedor (v. item 356-a do nosso Curso... v. I, e o nosso Novas Reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, itens 1.4.3, 1.5 e 2.1 a 2.6).
2 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. VIII, p. 311.
3 É garantia constitucional a de que toda decisão judicial tem de ser fundamentada (Constituição Federal de 1988, art. 93, inc. IX).
4 CALVOSA, Carlo. “Provvedimenti d’urgenza”. Novissimo Digesto Italiano, v. XIV, p. 466.
5 Apenas na ação cautelar de alimentos provisionais existe a possibilidade de execução de sentença nos moldes de um processo principal (arts. 733 e 735). O caso, porém, não é a rigor de medida cautelar, mas de antecipação de tutela.
6 CALVOSA, Carlo. Op. cit., loc. cit.
7 CALVOSA, Carlo. Op. cit., loc. cit.
8 ROSENBERG, Leo. Tratado de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: EJEA, 1955, v. III, § 213, p. 271.