Em regra, o processo penal é regido, em todo o território brasileiro, pelo Código de processo penal (art. 1.º do CPP – princípio da territorialidade). Excepcionalmente, a lei estrangeira será aplicada no território brasileiro na hipótese de existir algum tratado, convenção ou regra de direito internacional nesse sentido (art. 1.º, I, do CPP). Daí dizer-se que o CPP adota, assim como o CP, uma territorialidade temperada, tendo em vista que, em certos casos, embora crimes venham a ser cometidos em território brasileiro, não será aplicada a legislação pátria.
Consideram-se, para efeitos penais, como extensão do território nacional:
– as embarcações e aeronaves públicas ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem;
– as embarcações e aeronaves particulares que se acharem em espaço aéreo ou marítimo brasileiro ou em alto-mar ou espaço aéreo correspondente.
Interessante notar que a existência de um tratado internacional dispondo sobre regras de direito penal, como, por exemplo, em caso de extraterritorialidade (art. 7.º do CP), poderá prevalecer em relação à própria lei nacional, conforme entendimento do STF (HC 58.272).
→ Regra = Aplicação do CPP no território nacional (princípio da territorialidade temperada)
→ Exceção = Tratados, convenções, regras de direito internacional e legislação especial
Nos termos do art. 2.º do CPP, a lei processual penal será aplicada desde logo (imediatamente), sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência de lei anterior. Vige, portanto, em nossa legislação, o princípio tempus regit actum, ou seja, o tempo rege o ato. É a regra geral. A lei, uma vez publicada, produzirá efeitos para o futuro (ex nunc). Os atos anteriormente praticados, desde que validamente (de acordo com as normas vigentes), estarão preservados.
Esse princípio gera dois efeitos importantes: a) os atos processuais realizados sob o amparo da lei anterior consideram-se válidos; e b) as normas processuais têm aplicação imediata, regulando o desenvolvimento das demais fases e atos do processo, respeitados o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido. Nada mais é do que o princípio do efeito imediato das leis processuais penais (tempus regit actum).
Neste sentido, pode-se afirmar que a lei processual penal é irretroativa (diferente da lei penal que, se for benéfica ao réu, retroage, nos termos do art. 5.º, XL, da CF e art. 2.º do CP), já que só será aplicada a fatos ocorridos a partir de sua vigência.
Todavia, nas normas mistas (ou híbridas), ou seja, aquelas compostas de regras de caráter penal e processual, a irretroatividade (se prejudicial) ou retroatividade (se benéfica) serão aplicadas somente na parte em que o seu conteúdo for de direito material, permitindo, desta forma, a aplicação dos institutos da ultratividade (aplicação da lei penal mais benéfica para fatos ocorridos durante a sua vigência, mesmo após sua revogação) e retroatividade da lei mais benéfica (que são espécies do gênero extra-atividade da lei – art. 2.º, parágrafo único, do CP). Frise-se que o entendimento ora trazido à baila não é unânime, uma vez que há quem entenda que as normas, em geral, ou retroagem por inteiro, ou não retroagem. Em outras palavras, seria impossível (para alguns) a retroatividade de apenas parte de uma norma. Todavia, para o Exame de Ordem, é interessante que o candidato saiba dos posicionamentos mais favoráveis ao réu.
Portanto, a lei processual penal é sempre irretroativa e de incidência imediata, ainda que não seja benéfica em relação ao réu (excepcionalmente poderá haver comando expresso na lei para determinar a sua aplicação retroativa).
Por derradeiro, importa ressaltar que a lei processual não regula o fato criminoso, mas apenas o instrumento de aplicação da lei material (direito penal), que é o processo. Toda lei que se relaciona de alguma forma com o direito de punir (jus puniendi), reforçando ou reduzindo os direitos penais subjetivos do acusado, deve ser considerada lei penal material, ainda que prevista, por exemplo, em diplomas legais que, aparentemente, regulem apenas matérias processuais (ex.: a perempção vem prevista no art. 60 do CPP, mas por se tratar de causa extintiva da punibilidade, tem natureza penal). Apenas a título de reforço, há posicionamentos da doutrina e jurisprudência no sentido de que, se uma norma processual penal regular direitos disciplinados na Carta Magna como, por exemplo, alteração das regras da liberdade provisória, deverão ser observados o art. 5.º, XL, da Constituição Federal e art. 2.º do Código Penal (retroatividade benéfica), tratando-se, aqui, de normas processuais penais materiais.
Em suma:
→ Aplicação imediata da lei processual penal = regra da irretroatividade (tempus regit actum)
→ Lei processual penal material = retroatividade benéfica (ou irretroatividade prejudicial – art. 5.º, XL, da CF).
Observação: reforçamos que a regra acerca da lei processual penal é a sua irretroatividade, não sendo correto, em princípio, indagar-se se a nova lei é benéfica ou prejudicial ao acusado. Pouco importará a gravidade (ou benevolência) da nova legislação processual penal em virtude do disposto no art. 2.º do CPP, que consagra o princípio da aplicação imediata da lei processual penal. Contudo, não podemos deixar de registrar o posicionamento acerca das denominadas leis processuais penais materiais, que seguirão o mesmo regime das leis penais (se prejudiciais, serão irretroativas, desde que guardem alguma relação direta com garantias fundamentais do cidadão, tais como as relativas à liberdade).
Em decorrência do disposto nos arts. 5.ºe 7.º do CP, combinados com o art. 1.º do CPP, em princípio, todas as regras de processo penal deverão ser aplicadas a qualquer pessoa que deva se submeter à jurisdição brasileira. Entretanto, a Constituição Federal e o art. 1.º, I e II, do CPP arrolam as pessoas que, excepcionalmente, terão regras próprias para a verificação da sua culpabilidade. Tais regras são denominadas imunidades.
A imunidade é uma prerrogativa conferida a certas pessoas em virtude das atividades por elas desempenhadas como forma de garantir, assim, o livre exercício de suas funções. A imunidade pode ser diplomática ou parlamentar.
A imunidade diplomática é aplicada a qualquer delito praticado por agente diplomático (embaixador, secretários da embaixada, pessoal técnico e administrativo das representações), estendendo-se à sua família, a funcionários de organismos internacionais em serviço (exemplos: ONU, OEA) e quando em visita oficial. Trata-se de uma imunidade irrenunciável. Os chefes de Estados estrangeiros e os membros de sua comitiva também estão acobertados pela imunidade diplomática.
Deve-se frisar que o Brasil é signatário da Convenção de Viena, referendada pelo Decreto 56.435/1965 e ratificada pelo Decreto 61.078/1967, ficando, desde então, concedida a denominada imunidade de jurisdição aos diplomatas, sujeitando-os às suas próprias legislações, e não à brasileira.
Apenas a título de reforço, a imunidade de jurisdição é de tamanha amplitude que o agente diplomático não é obrigado sequer a prestar depoimento como testemunha, salvo se o depoimento estiver relacionado com o exercício de suas funções.
Essa espécie de imunidade garante ao parlamentar (deputado e senador) a ampla liberdade de palavra, voto ou opinião, no exercício de suas funções (denominada imunidade material – art. 53, caput, da CF), sendo invioláveis, pois, aos denominados crimes de opinião. Ainda, gozam da garantia de não poderem ser presos desde a diplomação até o término do mandato, exceto em flagrante por delito inafiançável (art. 53, § 2.º, 1.ª parte, da CF – é a denominada imunidade formal). Por decorrerem da função exercida e não da figura (pessoa) do parlamentar, não se admite a sua renúncia (é, portanto, irrenunciável).
Estende-se também (a imunidade material) aos Vereadores se o crime foi praticado no exercício do mandato e na circunscrição do Município. Porém, referidos membros do Poder Legislativo não gozam de imunidade formal (também denominada processual ou relativa).
Resumindo:
Para saber mais sobre o tema, consulte o livro sobre Direito Constitucional desta série.
O objetivo do processo penal é viabilizar a aplicação da sanção penal àquele que praticou um crime ou uma contravenção penal. Para aplicar a sanção (penas ou medidas de segurança), o Estado deve inicialmente desenvolver uma série de atividades persecutórias.
Persecução penal é o nome dado à somatória das atividades investigatórias (fase preprocessual) e da ação penal (fase processual) promovida pelo Ministério Público ou ofendido (nos casos de ação penal privada). É por meio da persecução penal que se procura tornar efetivo o jus puniendi resultante da prática da infração penal, impondo ao seu autor a sanção penal cabível. De uma forma mais simples ainda, a persecução penal é a ação de perseguir o crime.
Assim, a persecução penal (ou persecutio criminis) possui duas fases:
1.ª) inquérito policial – que consiste na reunião de elementos que demonstrem a existência de indícios de autoria e prova de materialidade da infração penal (denominada persecução penal extrajudicial);
2.ª) ação penal – que tem início pela denúncia ou queixa-crime (recebida pelo juiz) e o seu fim com a sentença condenatória ou absolutória transitada em julgado (denominada persecução penal judicial).
Enquanto na 1.ª fase não se fala na aplicação de algumas garantias constitucionais (contraditório e ampla defesa, especialmente), na 2.ª, sob pena de invalidade do processo, deverão ser plenamente observadas.
Em resumo:
Persecução penal = Atividade investigatória + Atividade acusatória
A jurisprudência do STF (HC 106664) entendeu ser possível a instauração de inquérito policial e posterior ação penal com fundamento em delação anônima, desde que apurados sumária e preliminarmente por autoridade policial, indícios do suposto delito, ou seja, deve haver fatos que sustentem a persecução penal, independentemente do relato anônimo.
1. (OAB/Nacional 2007.III) Sobre a aplicação da lei penal e da lei processual penal, assinale a opção incorreta.
a) Os atos processuais realizados sob a vigência de lei processual anterior são considerados válidos, mesmo após a revogação da lei.
b) As normas processuais têm aplicação imediata, ainda que o fato que deu origem ao processo seja anterior à entrada em vigor dessas normas.
c) O dispositivo constitucional que estabelece que a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, aplica-se à lei penal e à lei processual penal.
d) Lei penal que substitua outra e que favoreça o agente aplica-se aos fatos anteriores à sua entrada em vigor, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
2. (OAB/CESPE 2006.III) Assinale a opção correta, considerando jurisprudência do STF e do STJ.
a) Competem à justiça federal o processo e o julgamento de feito que vise à apuração de possível crime ambiental em área de preservação permanente perpetrada em terras particulares, mesmo quando não restar demonstrada a existência de eventual lesão a bens, serviços ou interesses da União.
b) As normas de direito processual penal são regidas pelo princípio do tempus regit actum.
c) A lei que instituiu os juizados especiais criminais no âmbito da justiça federal ampliou o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, elevando para três anos o teto da pena abstratamente cominada ao delito.
d) É inadmissível, segundo a lei processual penal, que as omissões da acusatória inicial possam ser supridas a todo tempo antes da sentença final.
3. (OAB/Nacional 2008.III) Assinale a opção correta de acordo com o CPP.
a) Com a aplicação imediata da lei processual penal, os atos realizados sob a vigência da lei anterior perdem sua validade.
b) A lei processual penal não admite interpretação extensiva.
c) Caso a autoridade policial tome conhecimento de um crime de ação penal privada, ela poderá instaurar, de ofício, o inquérito policial.
d) Caso a autoridade policial tome conhecimento da prática de infração penal, ela deve averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, bem como quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.