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AÇÃO PENAL

3.1 AÇÃO PENAL

A ação penal é o direito público, subjetivo, autônomo e abstrato de pedir ao Estado-juiz a aplicação do Direito Penal Objetivo ao caso concreto.

3.2 PRINCÍPIOS GERAIS DA AÇÃO PENAL

São aqueles aplicáveis a qualquer forma de ação penal, seja pública ou privada. São considerados os princípios informadores do Direito Processual Penal. Para efeitos de Exame de Ordem, vejamos os principais:

a) Princípio do estado de inocência (art. 5.º, LVII, da CF) – também chamado de princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade, segundo o qual não se pode presumir a pessoa culpada até que ocorra o trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória. Dele emanam três consequências, a saber:

1.ª) o réu não pode ser condenado mediante suposições, ou seja, existindo dúvidas sobre a sua culpabilidade, ele deve ser absolvido;

2.ª) cabe ao titular da ação penal (Ministério Público, no caso de crimes de ação penal pública, ou o querelante, nos crimes de ação penal privada) provar a culpa do réu;

3.ª) a restrição da liberdade, antes de transitar em julgado a condenação criminal, só pode ser uma medida cautelar. Ressalte-se que, de acordo com o teor da Súmula 347 do STJ, “o conhecimento do recurso de apelação do réu independe de sua prisão”.

b) Princípio do devido processo legal (due process of law) (art. 5.º, LIV, da CF) – por meio do qual o réu somente sofrerá uma condenação após ser processado de acordo com as regras processuais previamente existentes. O Código de Processo Penal concretiza este princípio quando, no art. 261, estabelece que nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor; e no art. 263, quando dispõe que se o acusado não tiver defensor, o juiz lhe nomeará um, ressalvando o direito do acusado de nomear outro ou de defender-se pessoalmente, caso tenha habilitação técnica, caso seja advogado. De tal princípio decorrem duas regras importantes:

1.ª) a da igualdade processual: na fase inquisitória (inquérito policial) não existe a igualdade, pois o suposto autor da infração penal é objeto da investigação; e

2.ª) a da liberdade processual.

c) Princípio da ampla defesa (art. 5.º, LV, da CF) – segundo o qual o acusado goza de direito de defesa sem restrições, assegurando-se a igualdade entre as partes.

d) Princípio do contraditório (art. 5.º, LV, da CF) – assegura às partes o direito de participação em todos os atos processuais, em igualdade de condições com a parte contrária. Assegura, ao acusado, o direito de defesa sem restrições. É por força desse princípio que não se admite a condenação fundamentada por provas produzidas, exclusivamente, em sede de inquérito policial, visto que aqui não vigora o contraditório.

e) Princípio da verdade real – tal princípio objetiva estabelecer que o direito de punir seja exercido contra aquele que realmente praticou a infração penal e nos exatos limites de sua culpa. Segundo esse princípio, o juiz criminal deve fazer o possível para buscar a verdade real dos fatos, pois, diferentemente do processo civil, não se admite ficções e presunções processuais. Assim, o juiz deve dar seguimento à relação processual quando da inércia da parte, bem como deve determinar ex officio provas necessárias à instrução do processo. É bem verdade, porém, que o magistrado não deve se sobrepor às partes, ou seja, seu poder instrutório deve ser supletivo. O aludido princípio encontra, entretanto, algumas exceções:

1.ª) a proibição de revisão criminal pro societate (ou seja, não se admite a revisão criminal a favor da sociedade quando, após a absolvição do réu por sentença transitada em julgado, descobrem-se novas provas que, se conhecidas anteriormente, ensejariam a sua condenação);

2.ª) a proibição constitucional do uso de prova ilícita (art. 5.º, LVI, da CF – atualmente mitigado pelo princípio da proporcionalidade, e até admitida quando em favor do réu);

3.ª) nos Juizados Especiais Criminais, em que a celebração da transação penal para as infrações de menor potencial ofensivo impede a instauração da ação penal, o juiz aplica a pena acordada (negociada) pelas partes;

4.ª) institutos referentes ao perdão do ofendido e à perempção que, uma vez reconhecidos, extinguem a punibilidade dos agentes, impedindo o julgamento do mérito da ação penal.

 f) Princípio da publicidade – esse princípio está previsto no art. 5.º, LX, da CF, que recepcionou o art. 792 do CPP, segundo o qual as audiências, sessões e os atos processuais serão públicos, salvo se dessa publicidade puder resultar violação ao direito de intimidade das partes ou ao interesse social, casos em que o juiz poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.

g) Princípio da obrigatoriedade (ou da legalidade) – por este princípio, a autoridade policial é obrigada a instaurar o inquérito policial e o Ministério Público a promover a ação penal, quando da prática de crime que se apure mediante ação penal pública. Com o advento da Lei 9.099/1995, que instituiu os Juizados Especiais Criminais no âmbito estadual, esse princípio acabou sendo mitigado, mormente em razão da existência de institutos despenalizadores nela previstos, a saber:

▶  transação penal;

▶  suspensão condicional do processo;

▶  composição civil dos danos;

▶  necessidade de representação em lesões corporais leves e culposas.

Assim, referidos institutos atenuaram a obrigatoriedade da instauração de inquérito policial (inexistente nas infrações de menor potencial ofensivo) e propositura de ação penal (ex.: mesmo que um crime seja de ação penal pública, é possível que o Ministério Público, com fundamento no art. 76 da Lei 9.099/1995, proponha a transação penal, que, se aceita pelo autor do fato, implicará a extinção de sua punibilidade).

h) Princípio da indisponibilidade do processo – decorre do princípio da oficialidade. Vigora tanto na fase do inquérito policial, pois instaurado o inquérito, esse não pode ser paralisado indefinidamente ou arquivado, quanto na ação penal pública, pois o Ministério Público não pode desistir da ação já proposta ou do recurso interposto. No entanto, não haverá violação ao aludido princípio quando o Ministério Público, em alegações finais, pedir a absolvição do réu, o que não impede o juiz de condená-lo (o juiz não esta vinculado ao pedido do Ministério Público). Esse princípio também foi mitigado pela Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/1995). Por outro lado, é importante observar que na ação penal privada, em que o querelante tem a prerrogativa de desistir do prosseguimento da ação por meio do perdão e da perempção, vigora o princípio da disponibilidade da ação penal privada.

 i) Princípio da iniciativa das partes e do impulso oficial – esse princípio preceitua que tanto o juiz quanto a autoridade policial não podem dar início à ação penal. A promoção da ação penal, se for pública, cabe privativamente ao Ministério Público; se for de natureza privada a titularidade é do ofendido ou seu representante legal. É de se ressaltar, porém, que se a ação penal não foi promovida pelo Ministério Público no prazo legal, é possível que a vítima (ou seu representante legal) dê início à chamada ação penal privada subsidiária da pública. Em outras palavras: mesmo que o crime seja de ação penal pública, o próprio ofendido poderá intentá-la, desde que haja inércia de referido órgão.

 j) Intranscendência – segundo esse princípio, os efeitos da ação não podem passar da pessoa do criminoso (art. 5.º, XLV, da CF). Como decorrência, as penas (privativa de liberdade, restritiva de direitos e pecuniárias – como a pena de multa) não podem ser aplicadas aos herdeiros do condenado na falta deste.

Proposta a ação penal por iniciativa das partes, passa-se a desenvolver o processo, de um ato processual a outro, segundo a ordem do procedimento, até que a instância se finde. A fim de se assegurar esta continuidade (passagem de um ato processual para outro), é necessário o que se denomina impulso processual ou ativação da causa. Assim, embora a iniciativa na produção das provas pertença às partes, incumbe ao juiz, segundo o art. 251 do CPP, prover a regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos.

3.3 CONDIÇÕES E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO PENAL

Da mesma forma que ocorre com o Direito Processual Civil, a relação jurídica em Direito Processual Penal está sujeita a determinadas condições e pressupostos processuais.

As condições da ação penal podem ser gerais e específicas.

1. condições gerais são aquelas que se referem:

a) à legitimação para agir: só o Estado, representado pelo Ministério Público, tem legitimatio ad causam. Excepcionalmente o ofendido poderá dar início à ação penal nos casos em que a lei permitir, agindo, assim, como substituto processual (legitimação extraordinária);

b) ao interesse de agir: o Estado só pode propor a ação penal quando houver indícios de autoria e de materialidade e desde que a punibilidade do agente ainda não tenha sido extinta (exige-se, portanto, pedido idôneo);

c) à possibilidade jurídica do pedido: para que a pretensão a ser satisfeita se torne viável, é necessária a existência de tipicidade, ou seja, que o fato narrado efetivamente constitua uma infração penal; e

d) à justa causa: referida condição já era exigida pela doutrina e jurisprudência como necessária ao desenvolvimento da ação penal. Com as recentes alterações do CPP, o novo art. 395, com a redação que lhe foi conferida pela Lei 11.719/2008, passou a prever expressamente que a denúncia ou queixa será rejeitada quando não houver justa causa para o exercício da ação penal (inciso III). Pode-se definir a “nova” condição da ação como aquele mínimo de elementos de convicção necessários para que o juiz se sinta confortável para receber a denúncia ou queixa, sendo de rigor que se possa verificar a existência de indícios de autoria e materialidade delitivas.

2. condições específicas (também chamadas de condições de procedibilidade): são aquelas que subordinam o exercício da ação penal a um determinado requisito como, por exemplo, a representação do ofendido em determinados crimes.

A ação penal, assim como a ação civil (disciplinada pelo Código de Processo Civil), também é composta de elementos que a identificam, sendo eles:

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É importante relembrar que os pressupostos processuais são divididos em subjetivos e objetivos.

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3.4 CLASSIFICAÇÃO DA AÇÃO PENAL

A classificação da ação penal é feita pelo critério da titularidade da ação. De um lado temos o Estado como titular da ação penal pública (Ministério Público), de outro temos o particular, titular da ação penal privada (ofendido).

Assim, de acordo com a legitimidade (titularidade do direito de agir), a ação penal pode ser:

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3.5 AÇÃO PENAL PÚBLICA

Na ação penal pública o titular do direito de promovê-la é o Ministério Público (art. 129, I, da CF). A regra é a ação penal ser pública incondicionada (isto é, não estar sujeita a nenhuma condição de procedibilidade). A exceção ocorre quando a lei expressamente exige uma manifestação de vontade da vítima ou requisição do Ministro da Justiça (ação penal pública condicionada) ou quando a declara privativa do ofendido ou seu representante legal (ação penal privada).

Assim, o meio prático para se saber se a ação é pública ou privada consiste na verificação, em cada tipo penal ou nas disposições finais existentes ao fim de alguns capítulos, sobre a forma pela qual a ação é iniciada. Deste modo, se depois da definição do tipo penal estiver dito que somente se procederá mediante queixa a ação será privada (exemplo: art. 145 do CP). Se o tipo penal apontar a necessidade de representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça, a ação penal será pública condicionada (exemplos: arts. 145, parágrafo único, 147, parágrafo único, e 151, parágrafo único, do CP). Na ausência de menção sobre a condição procedimental, a ação será sempre pública incondicionada.

3.5.1 Princípios específicos da ação penal pública

São princípios específicos da ação penal pública:

1.   Obrigatoriedade – Havendo indícios de autoria e materialidade de um crime, o representante do Ministério Público deverá obrigatoriamente oferecer denúncia, sob pena de sofrer punição disciplinar dentro da instituição. Haverá exceção a esse princípio quando se tratar de infração de menor potencial ofensivo (Lei 9.099/1995), pois o promotor de justiça, em vez de oferecer a denúncia, pode, aliás deve, propor a transação penal. Assim, para os Juizados Especiais Criminais, vigora o princípio da obrigatoriedade mitigada (ou discricionariedade regrada).

2.   Indisponibilidade – segundo esse princípio o representante do Ministério Público não pode desistir da ação após o oferecimento da denúncia. Esse princípio também foi atenuado pela Lei 9.099/1995, em seu art. 89, ao prever a suspensão condicional do processo. Pode o representante do Ministério Público, após oferecer a denúncia, propor a suspensão do processo, desde que o acusado se submeta a determinadas regras de conduta e repare o dano (se cabível), extinguindo-se, ao final do período de prova, a punibilidade.

3.   Oficialidade – a instituição oficial para a propositura da ação penal pública é o Ministério Público, que pertence ao Estado (art. 129, I, da CF).

3.5.2 Ação penal pública incondicionada e condicionada

Como já foi dito, a ação penal pública, que é aquela promovida pelo Poder Público (Ministério Público), pode ser condicionada ou incondicionada, conforme esteja ou não subordinada ao preenchimento de uma condição de procedibilidade para a sua instauração. Assim, a ação penal pública condicionada é aquela que depende de representação do ofendido (chamada de delatio criminis postulatória) ou de requisição por parte do Ministro da Justiça como condição para a sua instauração. Já a ação penal pública incondicionada independe de outra iniciativa que não a do próprio Ministério Público.

Segundo o art. 24 do CPP, nos crimes de ação penal pública, essa será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

A representação é a prévia manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal, no sentido de autorizar o início das investigações policiais e da própria ação penal. Tal condição se justifica na existência de algumas situações em que o direito do ofendido é atingido de tal forma que o interesse particular na preservação da sua intimidade se sobrepõe ao interesse público da apuração criminal. Nestes casos, cabe ao particular analisar se a exposição de uma apuração policial e judicial da infração penal lhe é conveniente ou não. Sem a representação, é importante lembrar que a autoridade policial sequer poderá instaurar o inquérito policial.

A representação só pode ser retratada até o oferecimento da denúncia. Após o início da ação penal a manifestação de vontade da vítima torna-se irrelevante (art. 25 do CPP). Nem mesmo o Ministério Público poderá desistir da ação penal. Em se tratando de ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata a Lei 11.340/2006 (Lei de Violência doméstica, também conhecida como “Lei Maria da Penha”), a retratação à representação só será admitida perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público (art. 16). Embora a lei seja silente, à audiência referida deverá o autor da infração penal ser intimado a comparecer, inclusive acompanhado de advogado (constituído ou nomeado pelo juiz), a fim de que se garanta o respeito à ampla defesa. Frise-se que o Superior Tribunal de Justiça, mais recentemente, passou a perfilhar do entendimento de que o delito de lesões corporais leves praticados com violência doméstica é de ação penal pública condicionada à representação, a despeito do que vem disposto no art. 41 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que, em suma, veda a aplicação da Lei 9.099/1995 aos delitos praticados em detrimento da mulher, vítima de violência doméstica.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.424 decidiu:

“o Plenário, por maioria, julgou procedente ação direta, proposta pelo Procurador-Geral da República, para atribuir interpretação conforme a Constituição aos artigos 12, I; 16 e 41, todos da Lei 11.340/2006, e assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão corporal, praticado mediante violência doméstica e familiar contra a mulher. Preliminarmente, afastou-se alegação do Senado da República segundo a qual a ação direta seria imprópria, visto que a Constituição não versaria a natureza da ação penal – se pública incondicionada ou pública subordinada à representação da vítima. Haveria, conforme sustentado, violência reflexa, uma vez que a disciplina do tema estaria em normas infraconstitucionais. O Colegiado explicitou que a Constituição seria dotada de princípios implícitos e explícitos, e que caberia à Suprema Corte definir se a previsão normativa a submeter crime de lesão corporal leve praticado contra a mulher, em ambiente doméstico, ensejaria tratamento igualitário, consideradas as lesões provocadas em geral, bem como a necessidade de representação. Salientou-se a evocação do princípio explícito da dignidade humana, bem como do art. 226, § 8.º, da CF. Frisou-se a grande repercussão do questionamento, no sentido de definir se haveria mecanismos capazes de inibir e coibir a violência no âmbito das relações familiares, no que a atuação estatal submeter-se-ia à vontade da vítima”. (ADI 4.424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 09.02.2012, Informativo 654)

Nos crimes cuja apuração depende desta autorização, em regra a lei fará expressa menção à necessidade deste requisito, por meio da expressão “somente se procede mediante representação”, conferindo ao ofendido, dessa forma, a titularidade do direito de representação. A título de exceção,é oportuno que o candidato conheça o teor do art. 88 da Lei 9.099/1995 (JECrim): “Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”.

Quanto ao crime contra a honra de funcionário público, é importante conhecer o teor da Súmula 714 do STF: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”. Assim, de acordo com a súmula referida, embora originariamente crime contra a honra de funcionário público, no exercício das funções, seja de ação penal pública condicionada à representação, admite-se que a vítima promova a ação penal por sua iniciativa.

O direito de representação poderá ser exercido pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral (a ser reduzida a termo), que poderá ser dirigida ao juiz, ao órgão do Ministério Público ou à autoridade policial.

A representação conterá todas as informações que possam servir à apuração do fato e da autoria e uma vez oferecida a autoridade policial procederá ao inquérito ou, não sendo competente, remetê-lo-á à autoridade que o for.

O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal.

Quanto à legitimidade do direito de representação, o Código de Processo Penal dispõe: se o ofendido tiver menos de 18 anos de idade ou for portador de deficiência mental, por lhe faltar capacidade jurídica, o titular do direito de representação será, exclusivamente, seu representante legal. Entretanto, quando o ofendido for maior de 18 anos, capaz mentalmente, em face do Código Civil de 2002 poderá decidir pela conveniência de oferecer representação ou não, agora não mais concorrendo com seu representante legal, visto que o novo Código Civil prejudicou a regra incorporada ao art. 34 do CPP (aplicação extensiva), na parte que permitia legitimidade concorrente ao representante legal ao ofendido maior de 18 e menor de 21 anos de idade (nesse sentido, Norberto Cláudio Pâncaro Avena, Processo penal, Série Concursos Públicos, São Paulo: Método, 2005, p. 53). Em suma, com o novo Código Civil, o maior de 18 anos capaz mentalmente não tem representante legal.

O prazo para a representação pelo ofendido, de natureza decadencial (portanto, prazo de natureza penal), é, em regra, de seis meses contados a partir da data do conhecimento da autoria do crime e a sua inobservância acarreta a extinção da punibilidade do agente (art. 107, IV, do CP).

Tendo natureza jurídica de instituto de direito material, o prazo para ser exercido o direito de representação inclui o dia do começo e exclui o do vencimento (regra do art. 10 do CP).

Nos casos em que o ofendido for menor de 18 anos de idade ou portador de doença mental, entende-se, majoritariamente, que o prazo decadencial não começa a fluir para a vítima até que cesse a sua incapacidade. É que, de acordo com a Súmula 594 do STF, o direito de representação pode ser exercido independentemente pelo ofendido e por seu representante legal tratando-se, dessa forma, de direitos distintos, com prazos decadenciais distintos.

No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação (e o direito de queixa) passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (para facilitar, tente-se lembrar da sigla CADI). Comparecendo mais de uma das pessoas arroladas no dispositivo legal, o direito de representação será exercido pelo parente mais próximo, na ordem estabelecida pelo art. 24, § 1.º, do CPP.

Vale ressaltar que as mesmas regras da ação penal pública condicionada, no tocante a titularidade e prazos, são aplicáveis ao direito de queixa nos crimes de ação penal privada.

Por outro lado, alguns crimes, quando praticados, possuem sua apuração vinculada à conveniência política que se sobrepõe ao interesse público do Estado de investigar e punir o fato criminoso e o seu autor. Subordina-se, então, a persecução penal, nestas hipóteses, à requisição do Ministro da Justiça, ato esse que não se subordina a nenhum prazo para o seu oferecimento, pois o Código de Processo Penal não fixou tal condição, como o fez com a representação do ofendido. Em contrapartida, não se admite também a retratação da requisição do Ministro da Justiça, também por falta de amparo legal.

Igualmente à representação do ofendido, o oferecimento da requisição pelo Ministro da Justiça não vincula o órgão do Ministério Público a oferecer obrigatoriamente a denúncia. O destinatário da requisição é o Ministério Público. Importante não confundir essa requisição, enquanto condição de procedibilidade para o início da ação penal, com a requisição para a instauração de inquérito policial (aqui com a natureza de ordem, e não como condição para a persecução penal extrajudicial).

São crimes que dependem da requisição do Ministro da Justiça para apuração policial e judicial:

•   crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil;

•   crimes contra a honra cometidos contra chefes de governo estrangeiro e contra o Presidente da República;

•   crimes contra a honra cometidos contra chefes de governo estrangeiro ou seus representantes diplomáticos;

•   crimes contra a honra cometidos contra ministros do Supremo Tribunal Federal, ministros de Estado, presidente da República, presidente do Senado e da Câmara dos Deputados.

Finalmente, seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado, Distrito Federal e Município, a ação penal será pública incondicionada.

3.5.3 Prazos da ação penal pública

Como regra geral, o prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contados da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial; e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado (o termo “réu”, utilizado na redação do art. 46 do CPP não é tecnicamente correto, pois nesta fase a ação penal ainda não foi proposta, existindo somente o inquérito policial). No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial para o procedimento de novas diligências, segundo o art. 16 do CPP, contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos. Se o crime for eleitoral, o prazo para o oferecimento da denúncia será de 10 dias. Se a conduta afrontar a lei de abuso de autoridade, o prazo será de 48 horas (somente se não for o caso de tramitar junto aos Juizados Especiais Criminais).

Em se tratando de crime previsto na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), excetuados os de competência dos Juizados Especiais Criminais, a denúncia deverá ser oferecida pelo Ministério Público em 10 dias, de acordo com o art. 54 do citado diploma legal.

Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação. O decurso do prazo legal sem oferecimento de denúncia pelo Ministério Público acarretará, estando o agente preso, o relaxamento de sua prisão (por excesso de prazo), bem como o oferecimento de queixa subsidiária pelo ofendido ou seu representante legal (art. 5.º, LIX, da CF e art. 29 do CPP).

3.6 AÇÃO PENAL PRIVADA

Ação penal privada é aquela em que o interesse do ofendido se sobrepõe ao interesse público, tendo em vista que os delitos selecionados para serem apurados por esse tipo de ação atingem a esfera da intimidade da vítima (e essa possui o direito constitucional de preservá-la). Por isso, nesta modalidade de ação penal, a titularidade do direito de agir pertence à vítima (exclusivamente ou aos sucessores previstos no art. 24, § 1.º, do CPP – cônjuge, ascendentes, descendentes ou irmãos – CADI) ou ao seu representante legal (pais, tutores e curadores).

Cabe ressaltar que o Estado permanece como exclusivo titular do jus puniendi (direito de punir), concedendo ao ofendido, ou ao seu representante legal, apenas o jus persequendi in iudicio (ou seja, o direito de dar início à persecução penal). Nesse caso, o Estado transferiu o direito de ação penal ao particular. Diz-se, então, que aqui o particular atua como um substituto processual (legitimação extraordinária), porque vai a juízo, em nome próprio, defender interesse do Estado (direito de punir).

Nos crimes de ação privada, o juiz, a requerimento da parte que comprovar a sua pobreza, nomeará advogado para promover a ação penal. Considerar-se-á pobre a pessoa que não puder prover às despesas do processo, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família (art. 32 do CPP). De acordo com o art. 4.º, § 1.º, da Lei 1.060/1950, que trata da assistência judiciária aos necessitados, presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos da lei, independentemente de qualquer documento comprobatório (a falsidade da declaração de pobreza condenará o sujeito ao pagamento do décuplo das custas judiciais).

Os crimes no Código Penal que se procedem mediante queixa-crime são:

•   calúnia (art. 138);

•   difamação (art. 139);

•   injúria (art. 140, exceto § 3.º);

•   alteração de limites, usurpação de águas e esbulho possessório, quando não houver violência e a propriedade for privada (art. 161, § 1.º, I e II, e § 3.º);

•   dano (art. 163, c/c o art. 167);

•   introdução ou abandono de animais em propriedade alheia (art. 164, c/c o art. 167);

•   fraude à execução (art. 179);

•   violação de direito autoral na forma simples (art. 184, caput);

•   exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, parágrafo único).

Os crimes de ação penal privada somente se procedem mediante queixa (petição inicial), que aqui é equivalente à denúncia na ação penal pública. Importante que não se confunda a queixa (peça processual que instaura a ação penal privada) com a vulgar expressão “dar queixa”, aludindo à notitia criminis formulada à autoridade policial.

3.6.1 Princípios específicos da ação penal privada

São princípios específicos da ação penal privada:

1.   Oportunidade – segundo o qual o ofendido tem ampla liberdade para decidir se vai ou não processar o agente do crime, ainda que existam provas suficientes de autoria e de materialidade da infração penal. Contrapõe-se ao princípio da obrigatoriedade que rege a ação penal pública.

2.   Disponibilidade – segundo esse princípio, o querelante pode desistir da propositura ou do prosseguimento da ação penal privada até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Esse princípio manifesta-se por meio dos seguintes institutos: renúncia ao direito de queixa (arts. 49 e 50 do CPP), perdão do ofendido (arts. 51 a 59 do CPP), perempção (art. 60, I e III, do CPP) e pelo escoamento in albis do prazo para a representação (art. 38 do CPP – decadência). No âmbito dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/1995), se a vítima de um crime de ação penal privada de menor potencial ofensivo realiza acordo civil para a reparação dos dados que eventualmente tenha sofrido, tal aceitação implicará renúncia tácita ao direito de queixa (art. 74 da lei citada), o que não ocorreria se não se tratasse de infração de menor potencial ofensivo (art. 104, parágrafo único, do CP).

3.   Indivisibilidade – este princípio está previsto no art. 48 do CPP, e, segundo ele, o ofendido, uma vez decidindo pela propositura da ação, não pode escolher dentre os autores do fato criminoso qual deles irá processar. Ou processa todos ou não processa nenhum. Deixando intencionalmente de processar algum deles, tal ato importará a renúncia do direito de queixa. Sendo a renúncia uma das causas extintivas da punibilidade, nos termos do art. 49 do CPP, uma vez ocorrida em relação a um dos autores, a todos se estenderá, devendo o juiz rejeitar a queixa-crime e declarar a extinção da punibilidade dos autores.

3.6.2 Legitimidade para a ação privada

Os legitimados ativos para a propositura de ação penal privada (aqui vale o que foi dito quanto à legitimidade para a representação) são:

1)  o ofendido maior de 18 anos;

2)  se o ofendido for menor de 18 anos ou mentalmente incapaz, o direito de queixa só poderá ser exercido pelo representante legal ou pelo curador especial, a nomeação de curador será necessária quando o menor não possuir representante legal ou quando houver colidência de interesses deste e daquele (art. 33 do CPP).

3.6.3 Prazo da ação penal privada

Como já vimos, ao tratar do prazo para representação, o ofendido ou seu representante legal deverão exercer o direito de queixa ou de representação dentro do prazo de 6 meses, contados a partir do dia em que vierem a saber quem foi o autor do crime, de acordo com o art. 38 do CPP, sob pena de decadência.

Em algumas hipóteses, o aludido prazo é diferenciado em razão da natureza do crime, a saber:

a) 6 meses contados a partir do trânsito em julgado da sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule casamento, no caso de crime de induzimento a erro essencial (art. 236, parágrafo único, do CP);

b) 30 dias contados da homologação do laudo pericial, nos crimes de ação privada contra a propriedade imaterial que deixar vestígios (art. 529 do CPP).

Os prazos previstos aqui são decadenciais, e, conforme a regra do art. 10 do CP, a sua contagem inclui o dia do começo e exclui o término. Vale ressaltar que o prazo não se prorroga em face de domingo, feriado e férias. Observe que em matéria processual a contagem do prazo é feita de forma diversa excluindo-se o dia do começo e computando-se o do vencimento, conforme estabelece o art. 798, § 1.º, do CPP. Desrespeitado o prazo para oferecimento da queixa, caberá ao magistrado declarar a extinção da punibilidade em prol do agente, tendo em vista o disposto no art. 107, IV, do CP (a decadência é causa extintiva da punibilidade).

Tratando-se de ação penal privada subsidiária da pública, o prazo para o oferecimento da queixa também será de seis meses a contar do encerramento do prazo para o Ministério Público oferecer a denúncia (em regra, a partir, portanto, do 6.º ou 16.º dia, conforme o agente esteja ou não preso). Escoado esse prazo sem o oferecimento da queixa (ou seja, seis meses, em regra), o Ministério Público reassume a integral e exclusiva titularidade da ação penal, podendo oferecer denúncia até que ocorra a prescrição do crime.

3.6.4 Espécies de ação penal privada

Conforme já mencionado, a ação penal privada possui três espécies: a ação exclusivamente privada, a ação privada personalíssima e a ação penal privada subsidiária da pública.

3.6.4.1 Ação penal exclusivamente privada

Dentre as espécies de ação penal privada, essa é a que possui maior incidência.

A ação penal exclusivamente privada pode, como já vimos, ser proposta: pelo ofendido, se maior de 18 anos e capaz mentalmente; por seu representante legal, se o ofendido for menor de 18 anos ou incapaz mentalmente; ou ainda, no caso de morte do ofendido ou declaração de ausência, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (lembre-se da sigla CADI).

A pessoa do convivente não está prevista no art. 31 do CPP. Entretanto, a Constituição Federal reconheceu a união estável e a assemelhou, em certas situações, ao casamento, sendo razoável, pelo emprego da analogia in bonam partem, aceitar o convivente no lugar do cônjuge, no rol do art. 31 do CPP.

3.6.4.2 Ação penal privada personalíssima

A titularidade para o oferecimento da queixa é atribuída única e exclusivamente ao ofendido. Daí o nome personalíssima, sendo vedada até mesmo ao seu representante legal ou aos sucessores, no caso de morte ou ausência da vítima (falecendo o ofendido, não há nada mais a fazer, senão esperar a extinção de punibilidade do agente).

O Código Penal prevê atualmente apenas um crime cuja ação é dessa natureza, o de induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento (art. 236 do CP), visto que o crime de adultério (art. 240 do CP) foi revogado pela Lei 11.106/2005, operando-se, quanto a essa conduta, abolitio criminis.

3.6.4.3 Ação penal privada subsidiária da pública (arts. 5.º, LIX, da CF e 29 do CPP)

De acordo com o art. 29 do CPP, será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal. Na verdade, proposta a ação, o Ministério Público funcionará como espécie de assistente litisconsorcial (Norberto Cláudio Pâncaro Avena, op. cit., p. 67).

A ação penal privada subsidiária da pública, prevista como garantia fundamental no art. 5.º, LIX, da CF, é admitida em qualquer que seja o delito que se apura mediante ação penal pública (incondicionada ou condicionada, nesta após a apresentação da representação do ofendido) e na hipótese em que o Ministério Público não oferece a denúncia no prazo legal (art. 46 do CPP – 5 dias para réu preso e 15 dias para réu solto), sendo iniciada por meio de queixa a ser oferecida pelo ofendido ou seu representante legal. Tem por finalidade, portanto, suprir a inércia ou omissão do representante do Ministério Público.

A iniciativa é entregue ao particular, mas a ação não perde a sua natureza pública. Só se transfere a iniciativa pela inércia do Ministério Público. Se o ofendido (autor da ação penal subsidiária) abandonar a ação ou se mantiver inerte dentro do prazo de 6 meses, o Ministério Público, a qualquer momento, é obrigado a oferecer denúncia até que ocorra a prescrição do crime.

Pelo fato de essa ação continuar a ser de natureza pública, não se aplicam os institutos da renúncia, perdão do ofendido e perempção.

3.6.5 Extinção da punibilidade na ação penal privada

3.6.5.1 Considerações preliminares

As causas de extinção da punibilidade, previstas no art. 107 do CP e em algumas leis extravagantes, são aquelas que extinguem o direito de punir do Estado impedindo, desse modo, a aplicação da pena ao acusado. São passíveis de serem reconhecidas em qualquer fase do processo (art. 61 do CPP). Assim, podem atingir tanto a pretensão condenatória como a pretensão punitiva, caso sejam reconhecidas antes ou depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, respectivamente.

Algumas dessas causas repercutem somente na ação penal privada. São elas: Decadência, Renúncia do direito de queixa, Perempção e Perdão do ofendido (para efeito de memorização: DRPP).

As demais causas de extinção da punibilidade serão objeto de estudo mais aprofundado no livro de Direito Penal.

Finalmente, importa ressaltar que as causas acima referidas não produzirão efeitos na ação penal privada subsidiária da pública. Em outras palavras, se o querelante deixar fluir o prazo para promover a queixa subsidiária (decadência), ou renunciar ao direito de promovê-la (renúncia), abandonar a causa (perempção) ou mesmo perdoar o querelado (perdão do ofendido), não será declarada extinta a punibilidade. Tal decorre do fato de a inércia do querelante ensejar a retomada da ação, pelo Ministério Público, como parte principal, conforme disposto na parte final do art. 29 do CPP.

3.6.5.2 Decadência

A decadência significa a perda do direito de propor a ação penal privada em face da inércia do seu titular (o ofendido ou seu representante legal), que não a intenta dentro do prazo legal de seis meses (em regra), contados a partir do dia em que o ofendido descobriu a autoria do crime. Somente ocorre antes do início da ação penal privada, e seus efeitos se estendem a todos os autores do crime (princípio da indivisibilidade).

O aludido instituto pode se manifestar na ação penal privada, na ação penal pública condicionada à representação do ofendido e na ação penal privada subsidiária. Jamais se manifestará na ação penal pública incondicionada e na condicionada à requisição do Ministro da Justiça.

Ressalte-se que o prazo decadencial é fatal, vale dizer, não se prorroga, não suspende nem se interrompe. Na realidade, é “interrompido” apenas na data do oferecimento da queixa (e não na data do seu recebimento) e também com a entrega da representação em cartório. A instauração de inquérito policial, vale ressaltar, não interrompe o prazo decadencial.

Se a vítima for menor de 18 anos, o prazo não correrá até que ela complete a maioridade.

3.6.5.3 Renúncia ao direito de queixa

Renúncia é o ato pelo qual a vítima abre mão do direito de propor a ação penal privada.

A renúncia é causa de extinção da punibilidade por meio da qual o querelante manifesta expressa (pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais) ou tacitamente (pela prática de ato incompatível com a vontade de processar o agente do crime – a forma mais comum de renúncia tácita é a decadência) sua vontade de não intentar a ação penal.

Como a decadência, a renúncia só pode ocorrer antes do início da ação penal, e seus efeitos se estendem a todos os autores do crime (princípio da indivisibilidade).

A renúncia é ato unilateral, pois não depende de aceitação da outra parte.

É importante observar que nos Juizados Especiais Criminais o recebimento da indenização pelo dano resultante de crime de menor potencial ofensivo, decorrente de acordo homologado pelo juiz, extingue a punibilidade do agente (art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/1995). Trata-se de uma exceção à regra estampada no art. 104, parágrafo único, do CP, pelo qual o recebimento da aludida indenização não caracteriza renúncia tácita. Outra exceção provocada pelo recebimento da indenização pelo dano, nos JEC, verifica-se quanto à possibilidade da renúncia na ação penal pública condicionada a representação. Assim, temos que: a reparação do dano não gera a renúncia, exceto no caso de crimes de menor potencial ofensivo, ação penal privada e ação penal pública condicionada.

É importante ressaltar que em relação às ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida cujo objeto seja a violência doméstica, a renúncia à representação só será admitida se feita perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Quando exercida pelo menor de 18 anos, a renúncia será apresentada pelo representante legal.

3.6.5.4 Perempção

Perempção é sanção aplicada ao querelante consistente na perda do direito de prosseguir na ação penal devido à sua inércia ou negligência. Só é cabível na ação penal exclusivamente privada.

Conforme o art. 60 do CPP, nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal:

I – quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos;

II – quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36 do CPP;

III – quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais;

IV – quando, sendo o querelante pessoa jurídica, essa se extinguir sem deixar sucessor.

Caso ocorra a morte do querelante nos crimes de ação penal privada personalíssima a punibilidade do agente será extinta pela perempção. A perempção não se confunde com a preclusão, que é o impedimento de se praticar determinado ato processual. Impossível a perempção gerar seus efeitos (extinção da punibilidade) na ação penal privada subsidiária da pública. Isso porque a inércia do querelante acarretará a retomada do polo ativo pelo Ministério Público.

3.6.5.5 Perdão do ofendido

O perdão do ofendido é a manifestação da vontade do querelante em perdoar, desculpar o autor do fato criminoso, sendo cabível somente nas ações privadas.

O perdão deve ocorrer durante a ação penal até o trânsito em julgado da sentença. Antes da propositura da ação o ofendido manifesta a sua vontade por meio da renúncia do direito de queixa. Posteriormente ao trânsito em julgado o ofendido não poderá dispor da ação, pois não detém a titularidade da pretensão executória, esta exclusiva do Estado (não existe nenhuma hipótese de substituição processual em relação a essa pretensão). O perdão pode ser, ainda, expresso ou tácito (extraprocessual).

Sendo um negócio jurídico bilateral, o perdão só produz efeitos quando for aceito pelo autor do fato criminoso, pois ele poderá ter o interesse em demonstrar judicialmente a sua inocência.

O perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, sem que produza, todavia, efeito em relação ao que o recusar (art. 51 do CPP).

Cumpre salientar que o perdão só poderá ser aceito por procurador se este estiver munido de mandato outorgado com poderes especiais (art. 55).

A renúncia tácita e o perdão tácito admitirão todos os meios de prova (art. 57). Uma vez concedido o perdão, mediante declaração expressa nos autos, o querelado será intimado a dizer, dentro de três dias, se o aceita, devendo, ao mesmo tempo, ser cientificado de que o seu silêncio importará aceitação (art. 58). Aceito o perdão, o juiz declarará extinta a punibilidade do agente (art. 58, parágrafo único). A aceitação do perdão fora do processo deverá constar de declaração assinada pelo querelado, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais (art. 59).

É importante observar que o perdão do ofendido não se confunde com a renúncia. O perdão é um ato bilateral que depende da aceitação, ainda que presumida, do ofensor e que pode ser realizado até o trânsito em julgado da sentença. A renúncia é ato unilateral que independe, portanto, da manifestação de vontade da outra parte.

3.7 DENÚNCIA E QUEIXA-CRIME

A denúncia ou a queixa-crime são as petições iniciais da ação penal, respectivamente, pública e privada. Diante dos elementos apresentados pelo inquérito policial ou pelas peças de informação que recebeu, o órgão do Ministério Público, verificando a prova da existência de fato que caracteriza crime em tese e indícios de autoria, forma a opinio delicti (opinião sobre o delito). Formada sua convicção promove a ação penal pública com o oferecimento da denúncia (art. 24 do CPP).

A denúncia, segundo Julio Fabbrini Mirabete, “é uma exposição, por escrito, de fatos que constituem em tese um ilícito penal, ou seja, de fato subsumível em um tipo penal, com a manifestação expressa da vontade de que se aplique a lei penal a quem é presumivelmente o seu autor e a indicação das provas em que se alicerça a pretensão punitiva” (op. cit., p. 125). A queixa “é a denominação dada pela lei à petição inicial da ação penal privada intentada pelo ofendido ou seu representante legal, tanto quando ela é principal ou exclusiva, quando é subsidiária da ação pública” (op. cit., p. 132).

3.7.1 Requisitos da denúncia ou queixa-crime

Os requisitos formais da denúncia ou da queixa são, de acordo com o art. 41 do CPP:

a) a exposição (descrição) do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias – o fundamento deste requisito é de que o réu irá defender-se dos fatos a ele imputados. A omissão de qualquer circunstância não invalidará a queixa ou a denúncia, podendo ser suprida até a sentença, conforme o art. 569 do CPP;

b) a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo – aqui o representante do Ministério Público ou o ofendido irá individualizar o acusado, ou seja, identificá-lo. Porém, será admitido que sejam fornecidos dados físicos, traços característicos ou outras informações, caso não seja possível obter a identidade do acusado. A correta qualificação do acusado poderá ser feita ou retificada a qualquer tempo, sem que isso retarde o andamento da ação penal (art. 259 do CPP);

c) a classificação do crime – a correta classificação jurídica do fato (capitulação legal) não é requisito essencial, pois não vinculará o juiz, que poderá dar ao fato definição jurídica diversa;

d) rol de testemunhas (quando houver) – O representante do Ministério Público (ou o querelante) deverá arrolar as testemunhas na denúncia (ou na queixa, em se tratando de crime de ação penal privada), sob pena de preclusão.

Além dos requisitos do art. 41 do CPP, há também a formalidade apontada no art. 44 do CPP, que servirá, apenas, para a queixa-crime. Trata-se da necessidade de ser juntada aos autos procuração minuciosa, inclusive com a menção do fato criminoso. Tal providência, exigida por lei, resguardará o advogado do querelante de eventual caracterização de crime contra a honra ou mesmo denunciação caluniosa contra o querelado, em caso de restar demonstrada a inverdade da imputação.

3.7.2 Rejeição da denúncia ou queixa-crime

O juiz sempre deve receber a denúncia ou a queixa, salvo se presente pelo menos uma das seguintes hipóteses do art. 395 do CPP, com a redação que lhe foi conferida pela Lei 11.719/2008:

I – for manifestamente inepta;

II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal;

III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Nos três casos acima mencionados, a rejeição da denúncia ou queixa não obstará a propositura de nova ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição ou pressuposto processual faltantes.

De acordo com o art. 581, I, do CPP, da decisão que rejeita a denúncia ou a queixa cabe recurso em sentido estrito (não cabe nenhum recurso contra a decisão que as recebe, mas admite-se eventualmente a impetração de habeas corpus). Nos Juizados Especiais Criminais, o recurso cabível é o de apelação no prazo de 10 dias (art. 82 da Lei 9.099/1995).

3.7.3 Prazo para o aditamento da queixa e da denúncia

A queixa, em decorrência do princípio da indivisibilidade, pode ser aditada do mesmo modo que a denúncia pelo Ministério Público, desde que isso não implique o acréscimo de novo acusado no polo passivo da ação penal privada (afinal, se se perceber que o querelante excluiu eventual coautor ou partícipe propositalmente, a renúncia quanto a este se estenderá aos demais).

O prazo para o aditamento da queixa será de três dias, contados da data em que o Ministério Público receber os autos, e, se não se pronunciar dentro do prazo previsto, entender-se-á que o Ministério Público não tem o que aditar, prosseguindo-se o processo.

É importante frisar que na ação penal privada a queixa somente poderá ser aditada para acrescentar circunstâncias que possam influir na caracterização do crime, sua classificação ou fixação da pena. Contudo, se a ação é privada subsidiária, o Ministério Público poderá aditar a inicial, repudiá-la (caso não tenha vencido o prazo para o oferecimento da denúncia), oferecer denúncia substitutiva, retomar a ação como parte principal ou recorrer. Tais “prerrogativas” do órgão ministerial se devem ao fato de o crime praticado ser de ação penal pública.

A denúncia pode ser aditada para a retificação de dados, inclusão de ilícitos penais ou para a inclusão de novos acusados. Este aditamento pode ser feito a qualquer momento. Neste sentido dispõe o art. 569 do CPP, “as omissões da denúncia ou da queixa, da representação, ou, nos processos das contravenções penais, da portaria ou do auto de prisão em flagrante, poderão ser supridas a todo tempo, antes da sentença final”.

3.8 QUESTÕES

1. (OAB/SP 134.º) Configura hipótese de inépcia da denúncia

a) não indicação de testemunhas por parte da acusação.

b) utilização de alcunha do acusado no texto da exordial, mesmo constando o nome completo na qualificação.

c) exposição obscura de fato criminoso desprovida de todas as suas circunstâncias.

d) a errônea classificação do crime imputado na inicial acusatória.

2. (OAB 2011.3 – FGV) Tício está sendo investigado pela prática do delito de roubo simples, tipificado no artigo 157, caput, do Código Penal. Concluída a investigação, o Delegado Titular da 41ª Delegacia Policial envia os autos ao Ministério Público, a fim de que este tome as providências que entender cabíveis. O Parquet, após a análise dos autos, decide pelo arquivamento do feito, por faltas de provas de autoria. A vítima ingressou em juízo com uma ação penal privada subsidiária da pública, que foi rejeitada pelo juiz da causa, que, no caso acima, agiu

a) erroneamente, tendo em vista a Lei Processual admite a ação privada nos crimes de ação pública quando esta não for intentada.

b) corretamente, pois a vítima não tem legitimidade para ajuizar ação penal privada subsidiária da pública.

c) corretamente, já que a Lei Processual não admite a ação penal privada subsidiária da pública nos casos em que o Ministério Público não se mantém inerte.

d) erroneamente, já que a Lei Processual admite, implicitamente, a ação penal privada subsidiária da pública.

3. (OAB/SP 136.º) Assinale a opção correta acerca da ação penal.

a) Se, em qualquer fase do processo, o juiz reconhecer extinta a punibilidade, deverá aguardar o requerimento do MP, do querelante ou do réu, apontando a causa de extinção da punibilidade, para poder declará-la.

b) A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, não se estende aos demais agentes.

c) A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o MP velará pela sua indivisibilidade.

d) O perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, inclusive ao querelado que o recusar.

4. (X Exame de Ordem Unificado – FGV) Um professor na aula de Processo Penal esclarece a um aluno que o Ministério Público, após ingressar com a ação penal, não poderá desistir dela, conforme expressa previsão do art. 42 do CPP. O professor estava explicando ao aluno o princípio da

a) indivisibilidade.

b) obrigatoriedade.

c) indisponibilidade.

d) intranscendência.

5. (X Exame de Ordem Unificado – FGV) João está sendo processado por um crime doloso contra a vida e, após o oferecimento das alegações finais, o magistrado impronuncia o réu. Assinale a alternativa que apresenta a situação em que seria possível processar João novamente pelo mesmo fato delituoso.

a) Desde que haja novas provas e não tenha ocorrido qualquer causa extintiva de punibilidade, pois a decisão de impronúncia não transita em julgado.

b) A justiça já se manifestou em relação ao processo de João, tendo a decisão do magistrado transitado em julgado.

c) Ninguém pode ser processado duas vezes pelo mesmo fato (non bis in idem).

d) A sentença de impronúncia é uma decisão interlocutória mista não terminativa.

6. (OAB/Nacional 2007.I) Assinale a opção correta acerca do processo penal.

a) A jurisprudência do STF consolidou o entendimento segundo o qual as interceptações telefônicas não podem ser prorrogadas.

b) As férias forenses interrompem a contagem dos prazos recursais.

c) É competente a justiça federal para o processo e o julgamento de crime praticado dentro de reserva indígena, ainda que, na ocasião, não tenha havido disputa sobre direitos indígenas.

d) É inepta a denúncia que, contendo narração incongruente dos fatos, impossibilita o exercício pleno do direito de defesa.

7. (OAB/Nacional 2007.I) Com relação ao processo penal, assinale a opção incorreta.

a) O acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório.

b) O direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do due process of law.

c) São irrelevantes as alegações do poder público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos do estado ou do país, pois razões de mera conveniência administrativa não têm precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição.

d) O estatuto constitucional do direito de defesa é um complexo de princípios e de normas que amparam os acusados em sede de persecução criminal, exceto os réus processados por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados.

8. (OAB/Nacional 2008.II) Maria, que tem 18 anos de idade, é universitária e reside com os pais, que a sustentam financeiramente, foi vítima de crime que é processado mediante ação penal pública condicionada à representação. Considerando essa situação hipotética, assinale a opção correta.

a) O representante legal de Maria também poderá mover a ação penal, visto que o direito de ação é concorrente em face da dependência financeira e inicia-se a partir da data em que o crime tenha sido consumado.

b) Caso Maria deixe de exercer o direito de representação, a condição de procedibilidade da ação penal poderá ser satisfeita por meio de requisição do ministro da justiça.

c) Caso Maria exerça seu direito à representação e o membro do MP não promova a ação penal no prazo legal, Maria poderá mover ação penal privada subsidiária da pública.

d) Caso Maria venha a falecer, prescreverá o direito de representação se seus pais não requererem a nomeação de curador especial pelo juiz, no prazo legal.

9. (OAB/Nacional 2009.I) Acerca do significado dos princípios limitadores do poder punitivo estatal, assinale a opção correta.

a) Segundo o princípio da ofensividade, no direito penal somente se consideram típicas as condutas que tenham certa relevância social, pois as consideradas socialmente adequadas não podem constituir delitos e, por isso, não se revestem de tipicidade.

b) O princípio da intervenção mínima, que estabelece a atuação do direito penal como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico.

c) Segundo o princípio da culpabilidade, o direito penal deve limitar-se a punir as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes, ocupando-se somente de uma parte dos bens protegidos pela ordem jurídica.

d) De acordo com o princípio da fragmentariedade, o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados por sentença transitada em julgado.

GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.