De acordo com a doutrina de Julio Fabbrini Mirabete, jurisdição “é a faculdade que tem o Poder Judiciário de pronunciar concretamente a aplicação do direito objetivo, ou a função estatal de aplicar as normas da ordem jurídica em relação a uma pretensão” (op. cit., p. 162).
Entretanto, nenhum juiz possui jurisdição absoluta, ampla, que incide sobre todos os tipos de demanda. Para delimitar a atuação da jurisdição, distribuindo racionalmente a atribuição dos juízes de direito, o legislador disciplinou regras sobre competência.
A atividade jurisdicional está regida pelos seguintes princípios:
a) Princípio do juiz natural: segundo o qual “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5.º, LII, da CF). Referido princípio também reforça a garantia da proibição do juízo ou tribunal de exceção (ou tribunal ad hoc – art. 5.º, XXXVII, da CF), que é aquele criado após a prática de um crime para o seu específico julgamento (exemplo: o Tribunal de Nuremberg, constituído pelos aliados para julgar nazistas pelos crimes de guerra).
b) Princípio do devido processo legal (due process of law): segundo esse princípio, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5.º, LIV, da CF).
c) Princípio da indeclinabilidade da prestação jurisdicional: determina que nenhum juiz poderá subtrair-se do exercício da função jurisdicional, nem o legislador poderá produzir leis restringindo o acesso ao Poder Judiciário (art. 5.º, XXXV, da CF).
d) Princípio da improrrogabilidade: de acordo com ele, o juiz não poderá invadir nem ter sua competência invadida por outro juízo.
e) Princípio da indelegabilidade: segundo esse princípio, o juiz não pode delegar suas funções exceto quando houver previsão legal, como ocorre, por exemplo, nas cartas precatórias.
f) Princípio da inevitabilidade (ou irrecusabilidade): segundo esse princípio, as partes não podem recusar o juiz designado pelo Estado, exceto nos casos de suspeição, impedimento e incompetência, em que deverão ser propostas as respectivas exceções.
g) Princípio da inércia (ou da titularidade): por ele, a função jurisdicional só pode atuar mediante provocação pelas partes, não sendo lícito ao juiz instaurar ações penais de ofício, sob pena de não estar agindo com a necessária imparcialidade.
h) Princípio da correlação: determina que é vedado o julgamento extra, infra ou ultra petita, assegurando-se a perfeita correspondência entre o que foi pedido (objeto da ação) e o que foi concedido por meio da sentença proferida.
O poder jurisdicional é privativo do Estado-juiz. Todavia, em face da extensão territorial, de determinadas matérias e de determinadas pessoas, o exercício desse poder/dever de aplicar o direito (abstrato) ao caso concreto sofre limitações, nascendo daí a noção de competência jurisdicional. Em síntese pode-se dizer que a competência é a medida da jurisdição.
Segundo o art. 69 do CPP, a competência jurisdicional será determinada de acordo com:
A competência será, via de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração (competência ratione loci), ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
De acordo com o § 1.º do art. 70 do CPP, se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução. Quando o último ato tiver sido praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado (§ 2.º). Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção (§ 3.º).
O art. 71 estabelece, ainda, que na hipótese de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.
A competência pelo lugar da infração, também chamada de competência de foro ou territorial (ou, ainda, de ratione loci), determina qual será a comarca competente para o julgamento do fato criminoso. Esse critério é o mais utilizado porque inibe a conduta de todas as pessoas que vivem no local e tomaram conhecimento do fato (por meio da prevenção geral – uma das finalidades da pena) e, além disso, possibilita maior agilidade à colheita de provas sem que seja necessária a expedição de cartas precatórias para oitiva de testemunhas, realização de perícias etc.
Tendo em vista a natureza da infração e a eventual diversidade de locais em que foram praticadas as condutas, foram construídas as seguintes regras específicas:
a) de acordo com as Súmulas 521 do STF e 244 do STJ, no caso de emissão de cheques sem fundos será competente o juízo do local onde ocorreu a recusa do pagamento pelo banco (sacado);
b) no crime de apropriação indébita, será competente o juízo do local onde se operou a inversão do animus da posse;
c) no crime de estelionato, a competência será do local que se efetivou o dano ou a obtenção da vantagem ilícita; quando o crime for praticado mediante falsificação de cheque, a competência também será determinada pelo local da obtenção da vantagem ilícita, de acordo com a Súmula 48 do STJ;
d) tratando-se de aborto, a jurisprudência sustenta que a competência para o seu julgamento será a do local onde foram realizadas as práticas abortivas e não o do lugar da morte do feto, quando esta ocorreu em local diverso. Se a conduta foi praticada no mesmo local onde o resultado foi produzido, então o foro competente será determinado pelo local da morte; sendo diversos, a competência será determinada pelo local da ação. A mesma regra é válida para o crime de homicídio doloso.
e) tratando-se de crimes qualificados pelo resultado (do qual o crime preterdoloso é apenas uma das espécies), o foro competente, de acordo com a doutrina de Fernando da Costa Tourinho Filho, é o do local em que ocorreu o resultado agravador tendo em vista o fato de ter sido nele o local onde foram reunidos todos os elementos do tipo penal, conforme estabelece o art. 14, II, do CP (op. cit., p. 108);
f) tratando-se de crime de extorsão mediante sequestro cuja vítima tenha sido levada para diversas comarcas (exemplo: troca de cativeiro), pelo fato da sua consumação se iniciar no momento em que a liberdade foi cerceada e de se prolongar enquanto a privação for mantida (crime permanente), a competência será fixada por meio da prevenção, de acordo com o disposto no art. 71 do CPP. O mesmo se aplica para as hipóteses de continuação delitiva cometida em comarcas distintas;
g) tratando-se de crime de contrabando ou descaminho, a competência para o seu processo e julgamento será definida pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens, de acordo com a Súmula 151 do STJ.
A competência pelo domicílio ou residência do réu (também chamada de foro subsidiário) está disposta no art. 72 do CPP, o qual determina que: “não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu”.
De acordo com o art. 72, § 1.º, se o réu tiver mais de uma residência, a competência regular-se-á pela prevenção. O § 2.º estabelece que se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu paradeiro, será competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato.
Excepcionalmente, nos casos de ação penal privada exclusiva, o querelante poderá preferir o foro de domicílio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração. É o chamado foro alternativo, que não se aplica ao caso de ação penal privada subsidiária.
Uma vez fixada a comarca competente por meio dos critérios anteriores (art. 69, I e II, do CPP – ratione loci), resta saber qual será a Justiça competente em razão da natureza da infração (ratione materiae).
A jurisdição (justiça) pode ser Especial, que se divide em Justiça Militar e Justiça Eleitoral; e Comum, que se divide em Justiça Federal e Justiça Estadual. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária (federal ou estadual), salvo a competência privativa do Tribunal do Júri, cuja competência é atribuída pela Constituição Federal.
Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida previstos nos arts. 121, §§ 1.º e 2.º (homicídio doloso simples ou qualificado), 122 e parágrafo único (induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio), 123 (infanticídio) e 124, 125, 126 e 127 (todas as modalidades de aborto) do CP, consumados ou tentados. O julgamento dos crimes de homicídio culposo e o latrocínio (roubo qualificado seguido de morte) não pertencem à competência do Tribunal do Júri. Saliente-se que nos crimes militares próprios, a EC 45/2004 preservou a competência do tribunal do júri para a hipótese em que a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças (art. 125, § 4.º, da CF).
Se, iniciado o processo perante um juiz, houver desclassificação para infração de competência de outro, a este será remetido o processo, salvo se mais graduada for a jurisdição do primeiro que, em tal caso, terá sua competência prorrogada.
Se o juiz da pronúncia (1.ª fase do procedimento do júri) desclassificar a infração para outra atribuída à competência de juiz singular, observar-se-á o disposto no art. 419 do CPP; mas, se a desclassificação for feita pelo próprio Tribunal do Júri (2.ª fase do procedimento), a seu presidente caberá proferir a sentença (art. 492, § 1.º).
Tratando-se de jurisdição especial, a Constituição Federal prevê as seguintes jurisdições especiais:
a) Justiça eleitoral (art. 121 da CF) – para o julgamento dos crimes eleitorais e os seus conexos. Os crimes eleitorais estão previstos no Código Eleitoral (Lei 4.737/1965).
b) Justiça Militar (art. 124 da CF) – para processar e julgar os crimes militares previstos em lei. Estes podem ser próprios, sendo aqueles previstos exclusivamente no Código Penal Militar (ex.: insubordinação); ou impróprios, sendo aqueles previstos tanto no Código Penal Militar como no Código Penal (para os civis). A Justiça Militar julga apenas os crimes militares próprios e desde que praticados por militar em efetivo exercício. Os crimes comuns praticados por militar mesmo em exercício são de competência da Justiça Comum. Se o militar praticar os dois tipos de crimes haverá cisão do processo com remessa dos respectivos crimes às justiças competentes (ex.: crime de abuso de autoridade – Lei 4.898/1965 – em concurso material com o crime de lesão corporal grave, previsto no art. 209, § 1.º, do Código Penal Militar, praticados por policial militar em serviço). A EC 45/2004 (Reforma do Judiciário) acrescentou o § 4.º ao art. 125 da CF, atribuindo competência à Justiça Militar estadual para processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei, bem como as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. A EC 45/2004 também atribuiu competência aos juízes de direito do juízo militar para processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares (art. 125, § 5.º, da CF).
c) Competência política do Senado Federal (art. 52 da CF) – especialmente para processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público (incluídos pela EC 45/2004), o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles desde que conexos aos do Presidente ou do vice.
Ao lado destas jurisdições especiais, a Constituição Federal prevê ainda a jurisdição comum estadual ou federal.
À Justiça Federal compete processar e julgar:
a) art. 109, IV, da CF – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções penais de qualquer natureza que, de acordo com a Súmula 38 do STJ, sempre serão de competência da justiça estadual;
b) art. 109, V, da CF – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
c) art. 109, V-A, da CF (incluído pela EC 45/2004) – as causas relativas a grave violação de direitos humanos. Nessas hipóteses, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o STJ, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal;
d) art. 109, VI, da CF – os crimes contra a organização do trabalho (arts. 197 a 207, CP) e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
e) art. 109, IX, da CF – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;
f) art. 109, X, da CF – os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro (Lei 6.815/1980).
Compete à Justiça Comum estadual tudo o que não for de competência das jurisdições especial e federal. É a chamada competência residual.
No que diz respeito aos crimes dolosos contra a vida, a competência será do Tribunal do Júri, da jurisdição comum estadual ou federal, dependendo do caso. Uma lei ordinária federal pode aumentar a competência do Tribunal do Júri, mas jamais poderá diminuí-la, tendo em vista a sua previsão constitucional.
A distribuição, que é uma espécie de sorteio, fixará a competência do juízo quando, na mesma circunscrição judiciária, houver mais de um juiz igualmente competente. Se na mesma comarca existirem vários juízes igualmente competentes para o julgamento do caso, considerar-se-á competente pelo critério da prevenção aquele que se adiantar aos demais quanto à prática de alguma providência processual ou extraprocessual (exemplo: a decretação da prisão preventiva, a concessão de fiança, o reconhecimento de pessoas ou coisas). Vale ressaltar que o pedido de explicações em juízo nos crimes contra a honra torna prevento o juízo para a futura ação penal a ser promovida pelo ofendido (ou pelo representante do Ministério Público nas excepcionais hipóteses de ação penal pública incondicionada). A prevenção também firma a competência quando se trata de infração continuada (art. 71 do CPP) ou permanente, praticadas em territórios de duas ou mais jurisdições.
Conexão, de acordo com a doutrina de Flávio Augusto Monteiro de Barros, “é o nexo, a dependência recíproca que os fatos guardam entre si. A conexão existe quando duas ou mais infrações estiverem entrelaçadas por um vínculo, um nexo, um liame que aconselha a junção dos processos, propiciando, assim, ao julgador perfeita visão do quadro probatório” (op. cit., p. 136).
1. intersubjetiva (art. 76, I, do CPP): refere-se ao vínculo existente entre os sujeitos. É o nexo existente em relação a duas ou mais infrações, praticadas por duas ou mais pessoas por meio das seguintes formas:
a) conexão intersubjetiva por simultaneidade (ou ocasional – art. 76, I, do CPP): ocorre quando duas ou mais infrações forem praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas em concurso e sem vínculo subjetivo. Exemplo: várias pessoas lincham um estuprador);
b) conexão intersubjetiva por concurso (art. 76, I, 2.ª parte, do CPP): ocorre quando duas ou mais infrações forem praticadas por várias pessoas em concurso, com vínculo subjetivo, embora diverso o tempo e o lugar. Exemplo: quadrilha que trafica entorpecentes em vários pontos da cidade;
c) conexão intersubjetiva por reciprocidade (art. 76, I, última parte, do CPP): ocorre quando duas ou mais infrações forem praticadas por duas ou mais pessoas, umas contra as outras. Exemplo: rixa.
2. objetiva (art. 76, II, do CPP): refere-se ao vínculo em relação à motivação do crime e pode ser:
a) teleológica (ou puramente material): estabelece que a competência é determinada pela conexão se, no caso de várias infrações, uma delas tiver sido praticada para facilitar a execução das outras;
b) consequencial: estabelece que a competência é determinada pela conexão se, no caso de várias infrações, uma delas tiver sido praticada para assegurar a ocultação, a impunidade ou a vantagem das outras;
3. instrumental (ou probatória – art. 76, III, do CPP): quando a prova de uma infração ou de qualquer uma de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração. Exemplo: a existência ou não de prova em relação ao crime de furto influi na prova do crime de receptação.
A continência, de acordo com o Prof. Flávio Augusto Monteiro de Barros, ocorre quando duas ou mais pessoas são acusadas da mesma infração, ou o comportamento do sujeito representa concurso formal, aberratio ictus (erro na execução do crime) e aberratio criminis (resultado diverso daquele pretendido) com duplo resultado (op. cit., p. 137). Haverá continência quando uma situação jurídica estiver contida na outra, não sendo possível a separação. Pode ser de duas espécies:
a) por cumulação subjetiva: ocorre quando duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração (art. 77, I, do CPP), caracterizando-se o concurso de agentes;
b) por cumulação objetiva: ocorre no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 70, 1.ª parte, do CP (concurso formal); 73, parte final, do CP (aberratio ictus) e 74, parte final, do CP (aberratio criminis).
A conexão e a continência, vale ressaltar, não são critérios de fixação, mas sim de prorrogação da competência. Uma vez reconhecida, surgem os seguintes efeitos: a) reunião de processos e b) prorrogação da competência. No entanto, a Súmula 235 do STJ dispõe que “a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado”. Nesse caso, a unificação ou soma das penas será feita posteriormente no juízo das execuções.
Em virtude da diversidade de Justiças (Especial ou Comum), tornou-se necessário disciplinar algumas regras a serem seguidas para a reunião dos processos. Assim, de acordo com o art. 78 do CPP, na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:
I – no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri. Obs.: se houver crime eleitoral conexo com crime de competência do júri, a jurisprudência majoritária sustenta que deverá haver cisão de procedimentos (os processos são separados e remetidos para os respectivos juízos competentes). Na hipótese em que se tratar de conexão de crime de competência do tribunal do júri com infração de menor potencial ofensivo, o juiz-presidente continuará competente para o seu julgamento podendo, inclusive, aplicar os institutos da transação penal e da composição dos danos civis (art. 60, parágrafo único, da Lei 9.099/1995, com redação dada pela Lei 11.313/2006).
II – no concurso de jurisdições da mesma categoria:
a) preponderará a do lugar da infração à qual for cominada a pena mais grave; se a pena máxima for igual, compara-se a pena mínima em abstrato;
b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;
c) se os critérios acima não forem suficientes, firmar-se-á a competência pela prevenção;
III – no concurso de jurisdições de diversas categorias, ou seja, de instâncias diferentes, predominará a de maior graduação;
IV – no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta;
V – no concurso entre justiça eleitoral e justiça comum, prevalecerá a justiça eleitoral, considerada especial em relação à comum;
VI – no caso de crimes da competência do júri e de outro órgão da jurisdição, prevalecerá a competência do tribunal do júri, também considerada especial.
De acordo com o art. 79 do CPP, a conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo:
I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar (Súmula 90 do STJ);
II – no concurso entre a jurisdição comum e a justiça da infância e do adolescente (Obs.: o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990, possui disciplina própria para a apuração de atos infracionais praticados por adolescentes).
O § 1.º do aludido artigo dispõe que cessará a unidade do processo se em relação a algum corréu sobrevier doença mental durante o seu trâmite, suspendendo o processo apenas em relação a ele. A execução da pena de multa também ficará sobrestada nesse caso.
Em decorrência do disposto no § 2.º, a unidade do processo não importará a do julgamento, se houver corréu foragido que não possa ser julgado à revelia (art. 366 do CPP), ou ocorrer a hipótese do art. 469. Também haverá cisão quando o processo for de competência dos Juizados Especiais Criminais e quando for concedida a apenas um dos corréus a suspensão condicional prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995, prosseguindo o feito em relação aos demais.
Todas as hipóteses anteriores são causas obrigatórias de separação de processos. As hipóteses facultativas, de acordo com o art. 80 do CPP, são:
a) quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes;
b) em razão do número excessivo de réus;
c) para não prolongar a prisão provisória de qualquer dos réus;
d) por qualquer outro motivo relevante.
A competência por prerrogativa de função, também conhecida por competência originária ratione personae, consiste no poder que é concedido a certos Órgãos Superiores da Jurisdição para processarem e julgarem determinadas pessoas, é garantia inerente ao cargo ou função. A prerrogativa, que decorre da importância da função exercida pela pessoa, não deve ser confundida com o privilégio, que é um benefício concedido à pessoa.
A competência por prerrogativa de função está prevista na Constituição Federal, nas Leis de Organização Judiciária, em leis ordinárias e no Código de Processo Penal.
A Lei 10.628/2002 alterou a redação do art. 84 do CPP, para restabelecer a regra da perpetuatio jurisdictionis, e permitir, assim, a aplicação das regras de competência por prerrogativa de função após o término do mandato da autoridade a ser processada. Referida lei, por representar um grande retrocesso ao processo de consolidação das instituições democráticas, iniciado após a Constituição Federal de 1988, foi objeto de ADIn no Supremo Tribunal Federal, que julgou inconstitucional os §§ 1.º e 2.º do art. 84 do CPP.
Dessa forma, não há mais que se falar em foro por prerrogativa de função para a ação civil pública com fundamento na prática de atos de improbidade administrativa. Vale ressaltar que a jurisprudência do STF sempre reconheceu a natureza civil das penalidades impostas aos atos de improbidade administrativa e que a CF não previu foro por prerrogativa de função para o julgamento de funcionários públicos ou de autoridades sob esse fundamento. Portanto, qualquer ação civil pública com fundamento na Lei 8.429/1992 deverá ser proposta perante o juízo de 1.ª instância competente, qualquer que seja a autoridade investigada (ex.: Presidente da República).
A competência ratione personae (em razão da prerrogativa de função) está assim distribuída:
a) Supremo Tribunal Federal – compete processar e julgar originariamente, nas infrações penais comuns, seus próprios Ministros, o Presidente da República, o vice, os membros do Congresso Nacional e o Procurador-Geral da República, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os membros dos Tribunais Superiores, os do tribunal de Contas da União, os chefes de missão diplomática de caráter permanente e os ministros de Estado (salvo se o crime de responsabilidade for conexo ao do presidente ou vice, caso em que a competência será do Senado), e ainda os comandantes das Forças Armadas.
b) Superior Tribunal de Justiça – compete processar e julgar originariamente, nos crimes comuns, os governadores de Estado e do Distrito Federal; nos crimes comuns e de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais Regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os membros do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.
c) Tribunais Regionais Federais – compete originariamente processar e julgar os juízes federais, da Justiça Militar e do Trabalho, da sua área de jurisdição, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da justiça eleitoral.
d) Tribunais de Justiça Estaduais – compete processar e julgar os prefeitos municipais, os juízes de Direito e os juízes auditores da justiça militar, os membros do Ministério Público. No Estado de São Paulo, a Constituição Estadual atribuiu também ao Tribunal de Justiça a competência para processar e julgar o vice-governador, os secretários de Estado, os deputados estaduais, o procurador-geral do Estado, o procurador-geral da justiça, o defensor público geral, o delegado-geral de polícia e o comandante geral da polícia militar. É importante salientar que a EC 45/2004 (art. 4.º), que promoveu a Reforma do Judiciário, extinguiu os Tribunais de Alçada, onde existiam, passando os seus membros a integrar os Tribunais de Justiça dos respectivos Estados, respeitadas a antiguidade e classe de origem (os juízes de alçada se tornaram desembargadores).
e) Senado Federal – compete processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; e os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade (art. 52, I e II, da CF).
Quanto aos Prefeitos, é importante conhecer o teor da Súmula 702 do STF: “A competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau”, e da Súmula 703: “A extinção do mandato do prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1.º do Dec.-lei 201/67”.
A competência por prerrogativa de função pertence ao Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Justiça relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns ou de responsabilidade. Ao coautor que não exerce função pública serão estendidas as aludidas regras de competência por prerrogativa de função. Nesse sentido a Súmula 704 do STF estabelece: “Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”.
De acordo com o art. 85 do CPP, “nos processos por crime contra a honra, em que forem querelantes as pessoas que a Constituição Federal sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, àquele ou a estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida a exceção da verdade”.
Trata-se de questão prejudicial, devendo ser oposta no momento da defesa prévia. Sendo questão de mérito, entende-se que esse prazo não é fatal.
Após a oposição, o querelante tem o prazo de 2 (dois) dias para contestá-la, sendo o procedimento de rito ordinário.
O art. 86 do CPP estabelece que ao Supremo Tribunal Federal competirá, privativamente, processar e julgar:
I – os seus ministros, nos crimes comuns;
II – os ministros de Estado, salvo nos crimes conexos com os do Presidente da República;
III – o Procurador-Geral da República, os desembargadores dos Tribunais de Apelação, os ministros do Tribunal de Contas e os embaixadores e ministros diplomáticos, nos crimes comuns e de responsabilidade.
Finalmente, no tocante aos crimes de competência do Tribunal do Júri, fixada pelo art. 5.º, XXXVIII, da Constituição Federal, esta prevalecerá mesmo diante de competência por prerrogativa de função fixada exclusivamente por Constituição Estadual. Este é o teor da Súmula 721 do STF: “A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual”.
As regras sobre a competência material e funcional poderão ser modificadas nas hipóteses de prorrogação de foro, delegação (interna ou externa) e desaforamento.
A prorrogação da competência é a possibilidade de substituição da competência de um juízo por outro, podendo ser necessária ou voluntária: a necessária decorre das hipóteses de conexão e continência e a voluntária ocorre nos casos de incompetência territorial quando não oposta a exceção no momento oportuno (caso em que ocorre a preclusão), ou nos casos de foro alternativo.
A delegação, segundo Julio Fabbrini Mirabete, é uma forma de cooperação judicial em que um juiz transfere ao outro a atribuição jurisdicional que é sua. A delegação pode ser interna ou externa. Será interna quando um juiz cede a outro a competência para praticar atos no processo, inclusive decisórios, como ocorre nos casos de juízes substitutos e juízes auxiliares do titular do Juízo, não havendo, assim, verdadeira modificação de competência, mas sim de atribuições. A delegação será externa quando os atos são praticados em juízos diferentes, citando-se como exemplos na legislação processual penal as cartas precatórias, rogatórias e de ordem (op. cit., p. 169).
O desaforamento, de acordo com o novo art. 427 do CPP, com a redação que lhe foi conferida pela Lei 11.689/2008, é instituto privativo dos crimes de competência do Tribunal do Júri. Neste sentido, pode ocorrer o julgamento do réu em localidade diversa da competente, sempre que houver:
a) interesse da ordem pública;
b) dúvida sobre a imparcialidade do júri;
c) risco à segurança pessoal do acusado; ou
d) excesso de serviço que acarrete atraso no julgamento do réu por 6 (seis) meses ou mais, a partir da preclusão da decisão de pronúncia.
O pedido pode ser proposto pela acusação (Ministério Público ou querelante, em caso de ação privada subsidiária), pelo assistente de acusação, por representação do juiz ou a requerimento do acusado e será endereçado ao Tribunal de Justiça. Para a hipótese de demora no julgamento, somente as partes poderão requerer o desaforamento (o juiz não pode representar ao Tribunal de Justiça). De acordo com a Súmula 712 do STF: “É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do júri sem audiência da defesa”.
As competências em razão da matéria (ratione materiae) e a por prerrogativa de função (ratione personae), por terem conteúdo de interesse público, não podem ser prorrogadas e tampouco modificadas pelas partes (norma cogente) e o seu reconhecimento, que pode ocorrer em qualquer tempo e grau de jurisdição, gera a nulidade absoluta do processo. Por isso são chamadas de competência absoluta.
A competência territorial (ou de foro – ratione loci), na qual o que prevalece é o interesse privado de uma das partes, é prorrogável se não for alegada no tempo oportuno (preclusão) e é capaz de gerar, se comprovado o prejuízo pela parte interessada, apenas a nulidade relativa do ato ou de uma fase do processo. De acordo com a Súmula 706 do STF, “é relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção”.
1. (OAB/SP 134.º) Acerca da competência para conhecimento e julgamento de feitos penais, assinale a opção correta.
a) A regra da prevenção não se aplica em instâncias superiores, somente no juízo singular.
b) Não se admite a consideração de prevenção para fixação do juízo natural.
c) Em comarca, havendo juízos especializados na fiscalização de investigação penal, aplica-se a regra da prevenção, em qualquer caso.
d) Em regra, no processo penal, há prevenção quando, havendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou queixa.
2. (VIII Exame de Ordem Unificado – FGV) Paulo reside na cidade “Y” e lá resolveu falsificar seu passaporte. Após a falsificação, pegou sua moto e viajou até a cidade “Z”, com o intuito de chegar ao Paraguai. Passou pela cidade “W” e pela cidade “K”, onde foi parado pela Polícia Militar. Paulo se identificou ao policial usando o documento falsificado e este, percebendo a fraude, encaminhou Paulo à delegacia. O Parquet denunciou Paulo pela prática do crime de uso de documento falso. Assinale a afirmativa que indica o órgão competente para julgamento.
a) Justiça Estadual da cidade “Y”.
b) Justiça Federal da cidade “K”.
c) Justiça Federal da cidade “Y”.
d) Justiça Estadual da cidade “K”.
3. (OAB/SP 136.º) Assinale a opção correta acerca da conexão e da continência, segundo o Código de Processo Penal (CPP).
a) No concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência deste último.
b) No concurso de jurisdições da mesma categoria, preponderará a do lugar da infração à qual for cominada a pena mais grave.
c) A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, inclusive no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.
d) No concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá aquela.
4. (OAB/SP 135.º) Com base no CPP, assinale a opção correta acerca da competência.
a) Levando-se em consideração apenas delitos praticados integralmente dentro do território brasileiro, aplica-se a teoria da atividade.
b) O foro competente no caso de tentativa é o local onde o agente praticou o primeiro ato executório.
c) Reserva-se a teoria da ubiquidade para a hipótese do delito que tenha se iniciado em um país estrangeiro e findado no Brasil ou vice-versa.
d) Nos casos de exclusiva ação privada, o foro competente corresponde ao do lugar da infração, não cabendo à vítima optar pelo domicílio ou residência do réu.
5. (OAB 2011.3 – FGV) A Constituição do Estado X estabeleceu foro por prerrogativa de função aos prefeitos de todos os seus Municípios, estabelecendo que “os prefeitos serão julgados pelo Tribunal de Justiça”. José, Prefeito do Município Y, pertencente ao Estado X, está sendo acusado da prática de corrupção ativa em face de um policial rodoviário federal. Com base na situação acima, o órgão competente para o julgamento de José é
a) a Justiça Estadual de 1ª Instância.
b) o Tribunal de Justiça.
c) o Tribunal Regional Federal.
d) a Justiça Federal de 1ª Instância.
6. (OAB/Nacional 2008.II) No que se refere às disposições do CPP acerca da competência por conexão ou continência, assinale a opção incorreta.
a) No concurso entre a competência do júri e de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri.
b) No concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá a jurisdição especial.
c) A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, inclusive no concurso entre a jurisdição comum e a militar.
d) A conexão e a continência no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores importarão separação de processos e de julgamento.
7. (OAB/Nacional 2008.II) Compete à justiça federal processar e julgar
a) crime contra a organização do trabalho.
b) crime de transporte de eleitores no dia da votação.
c) furto de bem de sociedade de economia mista.
d) crime de deserção praticado por bombeiro militar.
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.