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SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

13.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A doutrina tem conceituado a suspensão condicional do processo como a paralisação condicional e temporária do processo, com a declaração da extinção da punibilidade se cumpridas todas as condições fixadas durante o período de prova.

A suspensão condicional do processo, também denominada pela doutrina de sursis processual, leva a uma atenuação do princípio da indisponibilidade da ação penal pública. É uma espécie de transação processual em que, de um lado, o titular da ação penal abre mão do prosseguimento do processo e da busca de uma condenação e, de outro, o acusado submete-se, por determinado período, ao cumprimento de certas condições sem que seja discutida a sua responsabilidade penal. Depois de decorrido o prazo estipulado sem que tal “benefício” tenha sido revogado, será decretada a extinção da punibilidade.

Apesar de a suspensão condicional do processo ter sido introduzida pela Lei 9.099/1995, a sua aplicação se estende a todo tipo de infração penal, independentemente da natureza da pena (reclusão, detenção ou prisão simples), aos crimes de competência da Justiça Federal, Militar ou Eleitoral e aos crimes de competência originária dos tribunais. Assim, por ter sido referido benefício instituído pela Lei dos Juizados Especiais Criminais, com competência para julgar as infrações de menor potencial ofensivo, porém aplicável, como dito anteriormente, a qualquer infração penal cuja pena mínima não seja superior a 1 ano, diz-se que o art. 89 da Lei 9.099/1995, é norma heterotópica. Em outras palavras: inserido em diploma legal com tratamento específico, o sursis processual também é aplicável fora dos casos nele tratados (infrações de menor potencial ofensivo).

O instituto da suspensão condicional do processo não afronta os princípios da presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa, pois o réu não é considerado culpado ou inocente, não cumprindo qualquer pena, mas somente as condições aceitas por ele próprio. A questão acerca da responsabilidade penal não chega sequer a ser discutida. Além disso, não é imposta nenhuma pena, mas sim condições que o condenado deverá cumprir, sendo que, depois de declarada extinta a punibilidade, nada constará na folha de antecedentes do acusado.

Pode-se afirmar que a suspensão condicional do processo é um ato de postulação, haja vista que caberá ao juiz decidir sobre a sua concessão. Contudo, trata-se de um poder-dever do magistrado, pois estando presentes os requisitos, o processo deverá ser suspenso (trata-se de direito subjetivo do acusado). Caso o representante do Ministério Público deixe de oferecer a proposta de suspensão, o juiz não poderá fazê-lo agindo de ofício. Apesar de existir entendimento diverso na doutrina, o Supremo Tribunal Federal pacificou a questão por meio da Súmula 696, com o seguinte teor: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do CPP”.

É importante ressaltar, também, que a suspensão condicional do processo rege-se pelo princípio da autonomia da vontade, ou seja, sem a aceitação do réu não se suspende o processo, sendo, assim, necessária a manifestação do acusado e de seu defensor.

A suspensão condicional do processo não pode ser confundida com a suspensão condicional da pena, pois, nesta, como o próprio nome diz, é a pena que é suspensa e não o processo.

Também não deverá haver confusão com o instituto da transação penal (aplicável somente aos crimes de competência dos Juizados Especiais Criminais). De acordo com o art. 89 da Lei 9.099/1995, a suspensão condicional do processo deverá ser aplicada aos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano (esse limite não foi alterado pela Lei 10.259/2001 e 11.313/2006). A transação penal, por sua vez, deverá ser aplicada aos crimes cuja pena máxima não seja superior a dois anos (art. 61, caput, da Lei 9.099/1995 com o limite alterado pela Lei 11.313/2006). Assim, temos:

Suspensão condicional do processo

Crimes ou contravenções penais em que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano

Transação penal

Crimes ou contravenções penais em que a pena máxima cominada não seja superior a dois anos

13.2 CABIMENTO

A suspensão condicional do processo, criada pela Lei 9.099/1995, aplica-se, conforme já mencionado, a todas as infrações penais cuja pena mínima, em abstrato, não seja superior a um ano.É importante ressaltar novamente que esse requisito não foi alterado pela Lei 10.259/2001 – Juizado Especial Federal (portanto, a suspensão condicional do processo prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995 também deve ser aplicada aos crimes de competência do Juizado Especial Federal).

Além das ações penais públicas, o procedimento também é cabível, por analogia, em relação aos crimes de ação penal privada. Pelo fato de caber somente ao ofendido decidir pela disponibilidade, oportunidade ou conveniência da ação (por intermédio dos institutos da renúncia ao direito de queixa, da decadência do perdão e da perempção), a proposta de suspensão só poderá ser apresentada por ele (e não pelo MP), embora esse entendimento não seja pacífico. Há quem sustente que somente ao Ministério Público é dado propor o sursis processual.

Para determinar o cabimento da suspensão condicional do processo algumas situações devem ser observadas:

a) causas obrigatórias de aumento ou de diminuição de pena: a incidência dessas causas pode alterar o limite máximo e mínimo, respectivamente, da pena em abstrato, como ocorre, por exemplo, no furto simples em que a pena mínima abstrata é de um ano e a incidência do § 1.º do art. 155 do CP, que prevê um aumento de 1/3 na pena se o furto tiver sido cometido durante o repouso noturno (furto noturno), determina que a pena mínima passará a ser de um ano e quatro meses, afastando, portanto, a possibilidade de suspensão do processo. O reconhecimento de crime tentado, que acarreta a redução em até 2/3 da pena, poderá viabilizar a aplicação da suspensão condicional do processo em um crime cuja forma consumada excluiria a sua incidência;

b) concurso de crimes: sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 243, com o seguinte teor: “O benefício da suspensão condicional do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de 1 (um) ano”. Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal, recentemente, editou a Súmula 723, pela qual: “Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano”;

c) concurso de agentes:é plenamente possível que apenas um dos agentes, em virtude dos requisitos de natureza pessoal, tenha direito ao benefício, cindindo-se o processo em relação aos demais, cuja ação penal prosseguirá normalmente.

13.3 REQUISITOS

De acordo com o art. 89, caput, da Lei 9.099/1995, a suspensão condicional do processo poderá ser proposta desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime e desde que estejam presentes, ainda, os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (sursis), previstos no art. 77 do CP. Portanto, para a aplicação da suspensão condicional do processo, é necessária a observância dos seguintes requisitos:

a) que a denúncia seja recebida (o recebimento da denúncia indica que o fato narrado constitui crime, que a punibilidade ainda não está extinta ou que ainda não se verificou nenhum vício capaz de impedir o prosseguimento da ação penal);

b) que o acusado não esteja sendo processado por crime (exceto contravenção penal, que não impede a proposta de suspensão do processo);

c) que o réu não tenha sido condenado anteriormente por outro crime (a exceção da pena de multa);

d) que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias do crime, autorizem a concessão do benefício.

O representante do Ministério Público deve oferecer a proposta da suspensão condicional do processo juntamente com o oferecimento da denúncia. Esta proposta deve ser fundamentada, além de conter as condições obrigatórias e, eventualmente, a sugestão de condições facultativas. Se, porém, o parquet (somente ele é competente para fazer a proposta) entender não estarem presentes todos os requisitos exigidos pela lei, deverá abster-se de oferecer a proposta, desde que fundamentando os motivos que o levaram a esta decisão. Vale lembrar que o juiz não pode conceder o benefício de ofício para suprir a omissão do Ministério Público, devendo, neste caso, aplicar, por analogia, o disposto no art. 28 do CPP.

13.4 HOMOLOGAÇÃO

Sendo a proposta aceita em audiência específica pelo réu e seu defensor, o juiz determinará a suspensão da ação penal por um período de dois a quatro anos, mediante o cumprimento de determinadas condições. Entendendo não estarem presentes os requisitos legais, o juiz deixará de homologar o acordo e a ação penal prosseguirá normalmente, cabendo à parte prejudicada impetrar habeas corpus, caso alguma ilegalidade tenha sido praticada.

A homologação da suspensão condicional do processo pelo juiz determina o recebimento da denúncia e a interrupção do prazo prescricional. Entretanto, o § 6.º do art. 89 da Lei 9.099/1995 estabelece que a prescrição não correrá durante todo o período de prova, verificando-se, assim, a suspensão do lapso prescricional. Dessa forma, uma vez revogado o benefício, o prazo prescricional volta a correr e a contar da data da revogação.

13.5 CONDIÇÕES OBRIGATÓRIAS E FACULTATIVAS

O art. 89, § 1.º, da Lei 9.099/1995 impõe as seguintes condições, que necessariamente deverão ser cumpridas pelo beneficiado:

1)   obrigação de reparar o dano causado pelo delito, salvo comprovada impossibilidade de fazê-lo;

2)   proibição de frequentar determinados lugares;

3)   proibição de ausentar-se da comarca em que resida, sem autorização judicial;

4)   comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

Além destas condições obrigatórias, pode o Ministério Público sugerir ao juiz a imposição de outras facultativas, que também dependerão da aceitação e do cumprimento pelo réu para que seja possível a declaração da extinção da punibilidade ao final do período de prova. As condições a serem impostas não poderão, sob pena de ilegalidade, violar as garantias constitucionais da dignidade humana e outras dela decorrentes.

13.6 REVOGAÇÃO

O descumprimento das condições aceitas pelo réu pode acarretar ou não a revogação do benefício. Por isso, as causas de revogação podem ser obrigatórias ou facultativas.

De acordo com o art. 89, § 3.º, da Lei 9.099/1995, o benefício será obrigatoriamente revogado:

a) se o réu não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano decorrente da infração penal;

b) se o réu vier a ser processado por outro crime durante o período de prova.

Quanto a essa última causa, há entendimento no sentido de que ofende o princípio constitucional do estado de inocência, na medida em que se presume ab initio que o processo, mesmo inacabado, redundará em condenação criminal.

As causas facultativas estão previstas no art. 89, § 4.º, da Lei 9.099/1995:

a) se o acusado vier a ser processado por contravenção, no curso do período de prova;

b) se o acusado descumprir qualquer outra condição obrigatória ou facultativa imposta.

Optando pela não revogação do benefício, o juiz determinará a sua prorrogação até o máximo possível do período de prova ou, ainda, o agravamento das condições anteriormente impostas. No caso de novo processo por contravenção, a suspensão condicional do processo será prorrogada até o julgamento definitivo do réu neste outro processo.

A revogação do benefício determina a imediata retomada do curso da ação penal e, consequentemente, do prazo prescricional. Caso o beneficiado não tenha dado causa à revogação do benefício durante o período de prova o juiz decretará a extinção da punibilidade, não sendo considerado reincidente nem portador de maus antecedentes.

13.7 SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Com o advento da Lei 11.340/2006, conhecida como “Lei Maria da Penha”, tornou-se impossível a concessão do benefício da suspensão condicional do processo em relação aos crimes praticados no âmbito da unidade doméstica, familiar ou quando existente relação íntima de afeto (art. 5.º).

Com efeito, o art. 41 da lei em comento determina que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995”.

Em outras palavras, os institutos despenalizadores previstos na Lei dos JECrims (transação penal, composição civil e suspensão condicional do processo) são inaplicáveis aos autores de infrações penais praticadas com violência doméstica contra a mulher (que engloba a violência física, moral, psicológica, patrimonial e sexual, nos termos do art. 7.º, I a V, da Lei 11.340/2006).

Assim, o crime de lesões corporais, por exemplo, praticado contra a mulher, cuja pena é de 3 meses a 3 anos de detenção (pena mínima cominada inferior, portanto, a 1 ano), nos termos do preceito secundário do art. 129, § 9.º, do CP, alterado pela “Lei Maria da Penha”, não admite a suspensão condicional do processo.

Quis o legislador, com a vedação trazida pelo já citado art. 41, afastar a concessão de benefícios àqueles que praticam crimes contra a mulher, desde que caracterizada a violência doméstica (art. 5.º).

13.8 A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO E A SÚMULA 337 DO STJ

Publicada em 16.05.2007, a Súmula 337 do Superior Tribunal de Justiça passou a admitir a concessão da suspensão condicional do processo (sursis processual) nos casos em que a pretensão acusatória não for integralmente acolhida pelo magistrado, vale dizer, nas hipóteses de desclassificação do delito inicialmente imputado ao agente, ou, ainda, no caso de parcial procedência do pedido inicial condenatório.

Eis a redação da súmula em comento: “É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva”.

Embora possa parecer contraditória a concessão do benefício em tela no final de um processo criminal, tal situação mostra-se necessária especialmente nos casos em que existe um “excesso de acusação” por parte do titular da ação penal (pública ou privada), que, às vezes, inclui, por exemplo, na peça inicial (denúncia ou queixa), qualificadoras ou causas de aumento de pena impeditivas da concessão do sursis processual, mas que, ao término da instrução processual, mostram-se descabidas.

A inobservância da súmula ora analisada acarretará enorme gravame ao réu, sendo passível o processo de ulterior anulação.

Por fim, importante mencionar que, embora a concessão da suspensão condicional do processo ocorra após o término da instrução probatória, quando verificadas as hipóteses de procedência parcial da pretensão punitiva ou de desclassificação, evidentemente isso não implicará em condenação do réu, nem mesmo gerará maus antecedentes ou reincidência.

13.9 QUESTÕES

1. (OAB/SP 134.º) Assinale a opção correta quanto à suspensão condicional do processo.

a) Corre prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

b) O juiz pode especificar condições não expressas em lei a que fica submetida a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação do acusado.

c) O não cumprimento da condição de reparação do dano, sendo possível ao réu fazê-lo, é causa de revogação facultativa.

d) A instauração de processo por suposta prática de outro crime no período de prova é causa de revogação facultativa.

2. (OAB/SP 127º) Segundo orientação sumulada do Supremo Tribunal Federal,

a) o art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, que reclama decorrer do fato perigo de dano, derrogou o art. 32 da Lei das Contravenções Penais no tocante à direção sem habilitação em vias terrestres e em vias fluviais.

b) a competência constitucional do Tribunal do Júri não prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Federal.

c) não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de 1/6 (um sexto) for superior a 1 (um) ano.

d) a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime pode constituir motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.