3/A iniciação sexual

Em certo sentido, a iniciação sexual da mulher, como a do homem, começa na primeira infância. Há uma aprendizagem teórica e prática que se desenvolve de maneira contínua desde as fases oral, anal e genital até a idade adulta. Mas as experiências eróticas da jovem não são um simples prolongamento de suas atividades sexuais anteriores; têm muitas vezes um caráter imprevisto e brutal; constituem sempre um acontecimento novo que cria uma ruptura com o passado. Todos os problemas que se apresentam à jovem acham-se resumidos de uma forma urgente e aguda no momento em que ela os vive. Em certos casos a crise tem solução fácil, mas há conjecturas trágicas em que ela só pode ser liquidada com o suicídio ou a loucura. De qualquer forma, pela maneira como reage, a mulher empenha grande parte de seu destino. Todos os psiquiatras concordam acerca da extrema importância que têm para ela as primeiras experiências eróticas: repercutem em toda a sua vida.

A situação é, no caso, profundamente diferente para o homem e para a mulher, tanto do ponto de vista biológico como do social e do psicológico. Para o homem, a passagem da sexualidade infantil à maturidade é relativamente simples: há objetivação do prazer erótico que, em lugar de ser realizado na sua presença imanente, é intencionado em um ser transcendente. A ereção é a expressão dessa necessidade; sexo, mãos, boca, o homem volta-se com todo o corpo para a parceira, mas permanece no centro dessa atividade, como em geral o sujeito em face dos objetos que percebe e dos instrumentos que manipula; projeta-se para o outro sem perder sua autonomia; a carne feminina é, para o homem, uma presa e ele percebe nela as qualidades que sua sensualidade reclama de todo objeto; não consegue realmente se apropriar delas, mas abraça-as. A carícia, o beijo implicam quase um fracasso, mas esse mesmo fracasso é um estimulante e uma alegria. O ato amoroso encontra sua unidade no seu fim natural, o orgasmo. O coito tem um objetivo fisiológico preciso: pela ejaculação, o macho descarrega as secreções que lhe pesam; depois do ato ele alcança um alívio que é acompanhado sempre de prazer, e certamente não era só o prazer que era visado, mesmo porque é seguido muitas vezes de decepção: houve desaparecimento da necessidade mais do que satisfação. Em todo caso, um ato definido foi consumado e o homem se reencontra com um corpo íntegro: o serviço que prestou à espécie confundiu-se com seu próprio gozo. O erotismo da mulher é muito mais complexo e reflete a complexidade da situação feminina. Vimos307 que, ao invés de integrar as forças específicas em sua vida individual, a fêmea submete-se à espécie cujos interesses se dissociam dos seus fins singulares; essa antinomia atinge o paroxismo na mulher: exprime-se, entre outras coisas, pela oposição de dois órgãos: o clitóris e a vagina. No estágio infantil o primeiro é o centro do erotismo feminino. Alguns psiquiatras sustentam que existe uma sensibilidade vaginal em certas meninas, mas essa opinião é muito controvertida; em todo caso, teria apenas uma importância secundária. O sistema clitoridiano não se modifica na idade adulta308 e a mulher conserva durante toda a vida essa autonomia erótica; o espasmo clitoridiano é, como o orgasmo do homem, uma espécie de detumescência obtida de maneira quase mecânica, mas só indiretamente se acha ligado ao coito normal, não desempenha nenhum papel na procriação. É pela vagina que a mulher é penetrada e fecundada; e a vagina se torna centro erótico pela intervenção do homem, intervenção esta que constitui sempre uma espécie de violação. Por um rapto real ou simulado é que a mulher era outrora arrancada de seu universo infantil e jogada na sua vida de esposa; é uma violência que a faz passar de moça a mulher: diz-se também “tirar”309 a virgindade de uma jovem, “tomar-lhe” a flor. Essa defloração não é o fim harmônico de uma evolução contínua, é a ruptura ab-rupta com o passado, o início de um novo ciclo. O prazer é então atingido por contrações da superfície interna da vagina; se terminam com um orgasmo preciso e definitivo, é ponto ainda a ser discutido. Os dados da anatomia são muito vagos. “A anatomia e a clínica provam abundantemente que a maior parte do interior da vagina não é inervada”, diz, entre outros, o relatório de Kinsey. “É possível fazer numerosas operações no interior da vagina, sem recorrer a anestésicos. Demonstrou-se, que no interior da vagina, os nervos se localizam numa zona situada na face interna próxima à base do clitóris.” Entretanto, além da estimulação dessa zona inervada, “a mulher pode ter consciência da introdução de um objeto na vagina particularmente se os músculos estiverem contraídos; mas a satisfação assim obtida relaciona-se provavelmente mais com o tônus muscular do que com a estimulação erótica dos nervos.” Não obstante, está fora de dúvida que o prazer vaginal existe; e a masturbação vaginal — nas mulheres adultas — é mais comum do que diz Kinsey.310 Mas o que é certo é que a reação vaginal é uma reação muito complexa que se pode qualificar de psicofisiológica, porque interessa não somente ao conjunto do sistema nervoso como ainda depende de toda a situação vivida pelo sujeito: exige o consentimento profundo de todo o indivíduo; o novo ciclo erótico que o primeiro coito inaugura exige, para que se estabeleça, uma espécie de “montagem” do sistema nervoso, a elaboração de uma forma que não se acha ainda esboçada e que deve envolver também o sistema clitoridiano; leva muito tempo para se realizar e por vezes não chega nunca a criar-se. É impressionante que a mulher possa escolher entre dois ciclos, sendo que um perpetua a independência juvenil enquanto o outro a destina ao homem e ao filho. O ato sexual normal põe, com efeito, a mulher na dependência do macho e da espécie. Ele — como entre quase todos os animais — é quem desempenha o papel agressivo, ao passo que ela suporta a investida. Normalmente ela pode sempre ser possuída pelo homem, ao passo que este só pode possuí-la em estado de ereção; salvo em caso de revolta tão profunda como o vaginismo, que sela a mulher mais seguramente do que o hímen, a recusa feminina pode ser vencida; e mesmo o vaginismo deixa ao homem meios de se satisfazer num corpo que a força muscular coloca à sua mercê. Sendo ela objeto, a inércia não lhe modifica profundamente o papel natural: a tal ponto que muitos homens não se preocupam em saber se a mulher com quem se deita quer o coito ou se apenas se submete a ele. Pode-se dormir até com uma morta. O coito não poderia ser realizado sem o consentimento do macho, e é a sua satisfação que constitui o fim natural do ato. A fecundação pode realizar-se sem que a mulher sinta o menor prazer. Por outro lado, a fecundação está longe de representar o término do processo sexual para ela; é, ao contrário, nesse momento que começa o serviço exigido da mulher pela espécie: este ocorre lentamente, penosamente, na gravidez, no parto, no aleitamento.

O “destino anatômico” do homem é, pois, profundamente diferente do da mulher. Não é menos diferente a situação moral e social. A civilização patriarcal destinou a mulher à castidade; reconhece-se mais ou menos abertamente ao homem o direito de satisfazer seus desejos sexuais ao passo que a mulher é confinada no casamento: para ela, o ato carnal, não sendo santificado pelo código, pelo sacramento, é falta, queda, derrota, fraqueza; ela tem o dever de defender sua virtude, sua honra; se “cede”, se “cai”, suscita o desprezo; ao passo que até na censura que se inflige ao seu vencedor há admiração. Desde as civilizações primitivas até os nossos dias sempre se admitiu que a cama era para a mulher um “serviço” ao qual o homem agradece com presentes ou assegurando-lhe a manutenção: mas servir é ter um senhor; não há nessa relação nenhuma reciprocidade. A estrutura do casamento, como também a existência das prostitutas, é prova disso: a mulher se dá, o homem a remunera e a possui. Nada impede o homem de dominar e possuir criaturas inferiores; os amores ancilares sempre foram tolerados, ao passo que a burguesa que se entrega a um jardineiro, a um motorista, degrada-se socialmente. Os sulistas dos Estados Unidos, tão violentamente racistas, sempre foram autorizados pelos costumes a dormir com mulheres negras, tanto antes da Guerra da Secessão como hoje em dia, e usam desse direito com uma arrogância senhorial: uma branca que tivesse relação com um negro no tempo da escravidão teria sido condenada à morte; hoje seria linchada. Para dizer que dormiu com uma mulher o homem diz que a “possuiu”, que a “teve”: inversamente para se dizer que se “teve” alguém, diz-se por vezes grosseiramente: “que a fodeu”.311 Os gregos chamavam Parthenos adamatos, virgem insubmissa, a mulher que não conhecera macho. Os romanos qualificavam Messalina de “invicta”, porque nenhum de seus amantes lhe dera prazer. Para o amante, o ato amoroso é, pois, conquista e vitória. Se em outro homem a ereção pode parecer por vezes uma paródia irrisória do ato voluntário, cada qual, entretanto, a considera em seu próprio caso com alguma vaidade. O vocabulário erótico dos homens inspira-se no vocabulário militar: o amante tem o ímpeto do soldado, seu sexo retesa-se como um arco, quando ejacula “descarrega”, é uma metralhadora, um canhão; fala de ataque, de assalto, de vitória. Há em seu ato sexual um sabor de heroísmo. “Consistindo o ato gerador na ocupação de um ser por outro”, escreve Benda,312 “impõe por um lado a ideia de um conquistador e por outro de algo conquistado. Por isso, quando tratam de suas relações amorosas, os mais civilizados falam de conquista, de ataque, de assalto, de assédio, de defesa, de derrota, de capitulação, moldando nitidamente a ideia de amor na ideia de guerra. Esse ato, comportando a poluição de um ser por outro, impõe ao que polui certo orgulho, e ao poluído, ainda que anuente, alguma humilhação.” Esta última frase introduz um novo mito, o de que o homem inflige uma mácula à mulher. Na realidade o esperma não é um excremento; fala-se de “polução noturna” porque então se desvia de seu fim natural. Mas porque o café pode manchar um vestido claro não se declara que é uma porcaria e que suja o estômago. Outros homens sustentam o contrário: que a mulher é impura porque é ela que está “emporcalhada de humores”, que ela polui o homem. O fato de ser este quem polui não lhe confere, em todo caso, senão uma superioridade bem equívoca. Na realidade, a situação privilegiada do homem vem da integração de seu papel biologicamente agressivo em sua função social de chefe, de senhor; é através dessa situação que as diferenças fisiológicas adquirem todo seu sentido. Por ser, neste mundo, soberano, o homem reivindica como sinal de sua soberania a violência de seus desejos; diz-se de um homem dotado de grandes capacidades eróticas que é forte, que é potente: epítetos que designam como que uma atividade e uma transcendência. Ao contrário, a mulher, sendo apenas um objeto, será qualificada como quente ou fria, isto é, nunca poderá manifestar senão qualidades passivas.

O clima em que a sexualidade feminina desperta é, pois, completamente diferente daquele que o adolescente encontra em torno de si. Por outro lado, no momento em que se defronta a primeira vez com o homem, sua atitude erótica é muito complexa. Não é verdade, como se pretendeu por vezes, que a virgem não conheça o desejo e que seja o homem quem lhe desperte a sensualidade; essa lenda evidencia mais uma vez a vontade de domínio do homem que deseja que sua companheira nada tenha de autônomo, nem sequer o desejo que ela tem dele. Na realidade, no homem também é muitas vezes o contato com a mulher que suscita o desejo e, inversamente, a maioria das moças aspira febrilmente às carícias antes que qualquer mão as tenha tocado.

 

Minhas ancas, que na véspera me davam um aspecto de rapaz, arredondaram-se e, em todo o meu ser, sentia uma imensa impressão de espera, um apelo que me tomava e cujo sentido era mais do que claro; não podia mais dormir à noite, virava e revirava, agitava-me, febril e dolorida, diz Isadora Duncan em Minha vida.

 

Uma jovem mulher que faz uma longa confissão a Stekel conta:

 

Comecei a flertar loucamente. Precisava de uma “cócega nos nervos” (sic). Dançarina apaixonada, fechava os olhos dançando para me entregar inteiramente a esse prazer... Dançando, exprimia uma espécie de exibicionismo porque a sensualidade dominava o pudor. Durante o primeiro ano, dancei apaixonadamente. Gostava de dormir e dormia muito e me masturbava todos os dias, às vezes durante uma hora. Masturbava-me muitas vezes até ficar inundada de suor e incapaz de continuar por causa do cansaço, e readormecia... Ardia e teria aceito quem quisesse acalmar-me. Não procurava um indivíduo, e sim o homem.313

 

Mais precisamente, o que ocorre é que a inquietação virginal não se traduz por uma necessidade precisa: a virgem não sabe exatamente o que quer. Nela sobrevive o erotismo agressivo da infância; seus primeiros impulsos foram preênseis e ela ainda tem o desejo de abraçar, de possuir. A presa que almeja, ela a deseja dotada de qualidades que lhe foram reveladas como valores, através do gosto, do olfato, do tato, pois a sexualidade não é um campo isolado, prolonga os sonhos e as alegrias da sensualidade; as crianças e os adolescentes de ambos os sexos apreciam o liso, o cremoso, o acetinado, o fofo, o elástico: o que, sem desmoronar nem decompor, cede à pressão, desliza ante o olhar ou sob os dedos; como o homem, a mulher se encanta com a doçura morna das dunas de areia tantas vezes comparadas com seios, com o toque da seda, o aveludado de uma flor ou de um fruto, e a jovem, particularmente, ama as cores pálidas, os tules e as musselinas vaporosos. Não gosta dos tecidos rugosos, das pedras, das rochas, dos sabores acres, dos odores ácidos; o que primeiro acariciou e quis foi, como seus irmãos, a carne materna; em seu narcisismo, em suas experiências homossexuais difusas ou precisas, ela se punha como sujeito, buscava a posse de um corpo feminino. Quando se defronta com o homem, tem na palma das mãos, nos lábios, a vontade de acarinhar ativamente uma presa. Mas o homem, com seus músculos duros, sua pele áspera, seu cheiro forte, seus traços grosseiramente marcados, não lhe parece desejável, inspira-lhe até repulsa. É o que exprime Renée Vivien quando escreve:

 

Sou mulher, não tenho direito à beleza

...Tinham-me condenado às feiuras masculinas

Tinham-me proibido teus cabelos, tuas pupilas

Porque teus cabelos são compridos e cheios de odores.314

 

Se a tendência preensiva, possessiva permanece a mais forte, a mulher se orientará para a homossexualidade, como Renée Vivien. Ou então se apegará a homens aos quais pode tratar como mulheres: tal é o caso da heroína de Monsieur Vénus, de Rachilde, que compra um jovem amante e se compraz em acariciá-lo apaixonadamente, mas não se deixa deflorar por ele. Há mulheres que gostam de acariciar jovens de 13 ou 14 anos e até crianças, e recusam o homem feito. Mas já vimos que na maioria das mulheres se desenvolveu também, desde a infância, uma sexualidade passiva: a mulher gosta de ser abraçada, acariciada, e, principalmente após a puberdade, almeja tornar-se carne nos braços de um homem; a este é que cabe normalmente o papel de sujeito, ela o sabe; “um homem não precisa ser bonito”, repetiram-lhe muitas vezes; ela não deve procurar nele as qualidades inertes de um objeto e sim a potência e a força viril. Por isso, ei-la dividida em si mesma: aspira a um abraço robusto que a metamorfoseará em coisa que estremece; mas a rudeza e a força são também resistências ingratas que a magoam. Sua sensualidade localiza-se na pele e na mão ao mesmo tempo. E as exigências de uma são em parte opostas às da outra. Na medida do possível, ela escolhe um compromisso; entrega-se a um homem viril, mas bastante jovem e sedutor para ser um objeto desejável; num belo adolescente ela poderá encontrar os atrativos que deseja; no Cântico dos cânticos há simetria entre a deleitação da esposa e a do esposo; ela encontra nele o que ele procura nela; a flora e a fauna terrestre, as pedras preciosas, os regatos, as estrelas. Mas ela não tem os meios de possuir esses tesouros: sua anatomia condena-a a permanecer inábil e impotente como um eunuco. O desejo de posse aborta na falta de um órgão em que possa ser encarnado. E o homem recusa o papel passivo. Muitas vezes, de resto, as circunstâncias levam a jovem a tornar-se presa de um homem cujas carícias a comovem, mas que ela não tem prazer em olhar nem em acariciar em troca. Não se falou o bastante que, na repugnância que se mistura a seus desejos, não há apenas medo da agressividade masculina, mas também um profundo sentimento de frustração: a volúpia deverá ser conquistada contra o impulso espontâneo da sensualidade, ao passo que no homem a alegria do tato, da vista, funde-se com o prazer sexual propriamente dito.

Os próprios elementos do erotismo passivo são ambíguos. Nada mais equívoco do que um contato. Muitos homens que, sem nojo algum, trituram entre as mãos qualquer matéria, detestam que ervas ou bichos os toquem; roçada pela seda, o veludo, a carne feminina ora freme agradavelmente, ora se eriça: lembro-me de uma amiga de juventude que à simples visão de um pêssego se arrepiava toda; da perturbação à cócega, da irritação ao prazer, a passagem é fácil: braços enlaçando um corpo podem ser refúgio e proteção, mas também encarceram e abafam. Na virgem essa ambiguidade perpetua-se por causa do paradoxo de sua situação: o órgão em que terminará sua metamorfose é selado. O apelo incerto e ardente de sua carne espalha-se pelo corpo inteiro, salvo no lugar em que o coito deve realizar-se. Nenhum órgão permite à virgem satisfazer seu erotismo ativo; não tem a experiência vivida de quem a condena à passividade.

Entretanto, essa passividade não é pura inércia. Para que a mulher se perturbe é preciso que se produzam fenômenos positivos em seu organismo: inervação das zonas erógenas, intumescência de certos tecidos eréteis, secreções, elevação da temperatura, aceleração do pulso e da respiração. O desejo e a volúpia exigem dela, como do homem, um dispêndio vital; receptiva, a necessidade feminina é em certo sentido ativa, manifesta-se por um aumento do tônus nervoso e muscular. As mulheres apáticas e lânguidas são sempre frias; trata-se de saber se existe frigidez constitucional, e em relação às capacidades eróticas da mulher os fatores psíquicos desempenham seguramente um papel preponderante; mas é certo que as insuficiências fisiológicas, uma vitalidade empobrecida, se exprimem também pela indiferença sexual. Inversamente, se a energia vital se despende em atividades voluntárias, no esporte, por exemplo, não se integra na necessidade sexual: as escandinavas são sadias, robustas e frias. As mulheres “temperamentais” são as que conciliam o langor ao “fogo”, como as italianas ou as espanholas, isto é, cuja ardente vitalidade se funde por inteira na carne. Fazer-se objeto, fazer-se passiva não é a mesma coisa do que ser um objeto passivo: uma mulher amorosa não é nem uma dorminhoca nem uma morta; há nela um impulso que sem cessar se abate e se renova; é o impulso abatido que cria o encantamento em que o desejo se perpetua. Mas o equilíbrio entre o ardor e o abandono é fácil de ser destruído. O desejo do macho é tensão: pode invadir um corpo em que nervos e músculos se retesam; atitudes e gestos que exigem do organismo uma participação voluntária não o contrariam e, muitas vezes, ao contrário, servem-no. Todo esforço voluntário, inversamente, impede a carne feminina de “se possuir”; é por isso que espontaneamente315 a mulher recusa as formas de coito que solicitam dela trabalho e tensão; mudanças muito bruscas e muito numerosas de posição, a exigência de atividades conscientemente dirigidas — gestos ou palavras — destroem o encantamento. A violência das tendências desencadeadas pode provocar crispação, contração, tensão: há mulheres que arranham, mordem, arqueiam o corpo com uma força inesperada; mas esses fenômenos só se produzem quando é atingido certo paroxismo, e este só se atinge se primeiramente a ausência de qualquer imposição — física ou moral — permite uma concentração sexual de toda a energia viva. Isso quer dizer que não basta à jovem deixar fazer; dócil, lânguida, ausente, não satisfaz o parceiro nem se satisfaz. É solicitada a ela uma participação ativa numa aventura que nem seu corpo virgem nem sua consciência repleta de tabus, proibições, preconceitos, exigências quer de maneira positiva.

 

Nas condições que acabamos de descrever, compreende-se que a iniciação erótica da mulher não é fácil. Vimos que acontece frequentemente que incidentes verificados na infância ou na juventude engendrem nela profundas resistências; estas são por vezes insuperáveis: no mais das vezes a jovem esforça-se por desprezá-las, mas surgem nela então conflitos violentos. Uma educação severa, o medo do pecado, o sentimento de culpabilidade em relação à mãe criam barreiras poderosas. A virgindade é tão valorizada em muitos meios que perdê-la fora do casamento legítimo parece um verdadeiro desastre. A jovem que cede por fraqueza ou surpresa pensa que se acha desonrada. A “noite de núpcias”, que entrega a virgem a um homem que em geral ela não escolheu realmente, e que pretende resumir em algumas horas — ou instantes — toda a iniciação sexual, não é tampouco uma experiência fácil. De uma maneira geral, toda “passagem” é angustiante por causa de seu caráter definitivo, irreversível: tornar-se mulher é romper sem apelo com o passado, mas essa passagem é a mais dramática; não cria somente um hiato entre o ontem e o amanhã, mas arranca também a jovem do mundo imaginário em que se desenrolava parte importante de sua existência e a joga no mundo real. Por analogia com as corridas de touros, Michel Leiris dá ao leito nupcial a denominação de “uma arena de verdade”; é para a virgem que a expressão assume seu sentido mais completo e temível. Durante o período do noivado, do flerte, da corte, por rudimentar que tenha sido, ela continuou a viver em seu universo habitual de cerimônia e sonho; o pretendente falava uma linguagem romanesca ou pelo menos cortês: era ainda possível trapacear. E ei-la repentinamente vista por olhos verdadeiros, segura por mãos de verdade: é a implacável realidade desses olhares e desses abraços que a apavora.

O destino anatômico e os costumes conferem ao homem o papel de iniciador. Provavelmente, a primeira amante é também uma iniciadora do jovem virgem; mas ele possui uma autonomia erótica que a ereção manifesta claramente; a amante entrega-lhe apenas em sua realidade o objeto que ele já ambicionava: um corpo de mulher. A jovem tem necessidade do homem para que seu próprio corpo lhe seja revelado: sua dependência é muito mais profunda. Desde suas primeiras experiências, há geralmente no homem atividade, decisão, ou porque pague à parceira ou porque a corteje e solicite mais ou menos sumariamente. Ao contrário, na maioria dos casos, a jovem é cortejada e solicitada. Mesmo quando é a mulher quem provoca o homem em primeiro lugar, este é quem dirige as relações entre ambos; o homem é muitas vezes mais velho, mais sabido e admite-se que é quem tem a responsabilidade dessa aventura nova para ela; o desejo masculino é mais agressivo, mais imperioso. Amante ou marido, é ele quem a conduz ao leito onde só resta se entregar e obedecer. Mesmo que tenha aceitado essa autoridade em pensamento, é tomada de pânico no momento em que ele a exerce concretamente. Tem primeiramente medo do olhar no qual se lança; seu pudor é em parte aprendido, mas tem também raízes profundas; homens e mulheres conhecem todos a vergonha da carne. Em sua pura presença imóvel, em sua imanência injustificada, a carne existe ante o olhar de outrem como a absurda contingência da facticidade, e no entanto a carne é si-mesmo: querem impedi-la de existir para outrem; querem negá-la. Há homens que dizem que não suportam ficar nus diante de uma mulher senão em estado de ereção. Pelo efeito da ereção, a carne torna-se atividade, potência, o sexo não é mais objeto inerte, mas, assim como a mão ou o rosto, é expressão imperiosa de uma subjetividade. É uma das razões pelas quais o pudor paralisa muito menos os jovens do que as mulheres; pelo fato de terem um papel agressivo, são menos expostos a ser olhados e, se o são, receiam pouco ser julgados porque não são qualidades inertes que suas amantes exigem deles: é antes para a potência amorosa e a habilidade em dar prazer que se voltarão seus complexos; podem ao menos se defender, tentar ganhar a partida. À mulher não é dado transformar a carne em vontade; desde que não a esconde mais, ela a entrega sem defesa; mesmo se deseja carícias, revolta-se contra a ideia de ser vista e apalpada, ainda mais porque os seios e as nádegas são uma proliferação particularmente carnal; muitas mulheres adultas mal suportam serem vistas de costas, mesmo vestidas; podemos imaginar que resistências uma amorosa ingênua precisa superar para consentir em se mostrar. Provavelmente uma Frineia não teme os olhares, põe-se nua, ao contrário, com orgulho: sua beleza a veste. Ainda que igual a Frineia, uma jovem nunca sabe disso com certeza; não pode ter o orgulho arrogante de seu corpo enquanto a aprovação masculina não confirmar sua jovem vaidade. E é o que a apavora; o amante é mais temível ainda do que um olhar: é um juiz, vai revelá-la a si mesma em sua verdade; mesmo apaixonada pela própria imagem, toda jovem duvida de si no momento do veredicto masculino. Eis por que reclama a escuridão, esconde-se nos lençóis. Quando se admirava ao espelho, sonhava ainda: sonhava sobre si mesma através dos olhos do homem. Agora esses olhos estão presentes, é impossível trapacear, impossível lutar: é uma misteriosa liberdade que decide e a decisão é inapelável. Na prova real da experiência erótica, as obsessões da infância e da adolescência vão enfim dissipar-se ou confirmar-se para sempre; muitas moças sofrem por ter pernas robustas demais, seios demasiado discretos ou pesados, ancas magras, uma verruga; ou temem alguma deformação secreta.

 

Toda jovem alimenta toda espécie de terrores ridículos que mal ousa confessar, diz Stekel.316 Não se pode imaginar quantas moças sofrem da obsessão de serem fisicamente anormais e se atormentam secretamente por não terem a certeza de ser normalmente constituídas. Certa jovem, por exemplo, acreditava que sua “abertura inferior” não estava no lugar. Imaginava que as relações sexuais se realizavam pelo umbigo. Sentia-se infeliz por ter o umbigo fechado e não poder nele enfiar um dedo sequer. Outra pensava ser hermafrodita. Outra acreditava-se estropiada e incapaz de manter relações sexuais.

 

Mesmo quando não conhecem tais obsessões, elas se assustam com a ideia de que certas partes do corpo que não existiam nem para elas, nem para ninguém, que não existiam de modo algum, vão repentinamente emergir à luz. Essa figura desconhecida que a jovem deve assumir como sua irá provocar repugnância? Indiferença? Ironia? Ela terá de passar pelo julgamento do homem: nada lhe resta a fazer. Por isso é que a atitude do homem terá repercussões tão profundas. Seu ardor, sua ternura podem dar à mulher uma confiança em si mesma que resistirá a todos os desmentidos: essa mulher se acreditará uma flor até os oitenta anos, um lindo pássaro que certa noite um desejo de homem fez surgir. Ao contrário, se o amante ou o marido é inábil, fará com que se desenvolva um complexo de inferioridade em que se enxertarão, muitas vezes, neuroses duradouras; e ela experimentará um rancor que se traduzirá por uma frigidez obstinada. Stekel nos dá, a propósito, exemplos impressionantes:

 

Uma senhora de 36 anos sofre há 14 de dores lombares tão fortes que precisa ficar de cama durante semanas... Sentiu essa dor violenta pela primeira vez na noite de núpcias. Durante o defloramento, que fora extremamente doloroso, o marido exclamara: “Você me enganou, não é mais virgem...” A dor é a fixação dessa cena penosa. A doença é o castigo do marido que teve de gastar muito com numerosos tratamentos... Essa mulher ficou insensível durante a noite de núpcias e assim permaneceu durante todo o casamento. A noite de núpcias foi para ela um trauma que determinou toda a sua vida futura.

Uma jovem mulher consulta-me acerca de perturbações nervosas e em particular de uma frigidez absoluta... Na noite de núpcias, depois de a descobrir, o marido teria exclamado: “Como suas pernas são curtas e grossas!” Em seguida, ele tentou o coito que a deixou perfeitamente insensível e só provocou dores... Ela sabia muito bem que a causa de sua frigidez estava na ofensa da noite de núpcias.

Outra mulher frígida conta que “durante a noite de núpcias o marido a teria ofendido profundamente: vendo-a despir-se teria dito ‘Meu Deus, como você é magra!’ e em seguida teria resolvido acariciá-la. Para ela, esse momento tinha sido inesquecível e horrível. Que brutalidade!”.

Mme Z.W. é também completamente frígida. O grande trauma da noite de núpcias está no fato de que seu marido teria lhe dito, depois do primeiro coito: “Você tem um buraco grande, você me enganou.”

 

O olhar é perigo; as mãos são também uma ameaça. A mulher não tem geralmente acesso ao universo da violência; nunca passou pela prova que o rapaz enfrentou e superou através das brigas da infância e da adolescência: ser uma coisa de carne que outro pode dominar; e agora ela é empunhada, arrastada num corpo a corpo em que o homem leva a melhor; não tem mais a liberdade de sonhar, de recuar, de manobrar: está entregue ao macho que dela dispõe. Esses abraços, análogos aos da luta, aterrorizam-na, a ela que nunca lutou. Entregava-se às carícias de um noivo, de um amigo, de um colega, de um homem civilizado e cortês: mas ele assumiu uma atitude estranha, egoísta e obstinada; não tem recursos contra esse desconhecido. Não é raro que a primeira experiência da jovem seja uma verdadeira violação e que o homem se mostre odiosamente brutal; assim, no campo, onde os costumes são rudes, acontece muitas vezes que a camponesa, em parte consentindo e em parte se revoltando, perca a virgindade à beira de uma valeta em meio à vergonha e ao terror. O que é entretanto extremamente frequente em todos os meios, em todas as classes, é que a virgem seja tratada com aspereza por um amante egoísta que procura sofregamente seu próprio prazer, ou por um marido ciente de seus direitos conjugais e a quem a resistência da esposa fere como um insulto, chegando até a enfurecer-se se o defloramento é difícil.

Aliás, ainda que o homem seja atencioso e cortês, a primeira penetração é sempre uma violação. A jovem deseja carícias nos seios, nos lábios, talvez um gozo conhecido ou pressentido entre as coxas, e eis que um sexo macho a fere e se introduz em regiões onde não era chamado. Descreveu-se muitas vezes a penosa surpresa de uma virgem extasiada nos braços de um marido ou de um amante, que acredita alcançar enfim a realização de seus sonhos voluptuosos e sente no fundo secreto de seu sexo uma dor imprevista; os sonhos dissipam-se, a perturbação sensual igualmente, e o amor assume o aspecto de uma operação cirúrgica.

Nas confissões recolhidas pelo dr. Liepmann,317 encontro o relato seguinte, que é típico. Trata-se de uma moça pertencente a um meio modesto e muito ignorante sexualmente.

 

“Muitas vezes eu imaginava que se podia ter um filho simplesmente com a troca de um beijo. Aos 18 anos conheci um senhor por quem, como se diz, me enamorei realmente.” Saiu com ele e, durante as conversas que tinham, ele lhe explicava que, quando uma jovem gosta de um homem, deve dar-se a ele porque os homens não podem viver sem relações sexuais, e que quando não têm uma situação que lhes permita casar, precisam ter tais relações com as moças. Ela resistia. Um dia, ele organizou uma excursão de maneira a poderem passar uma noite juntos. Ela escreveu-lhe uma carta para repetir que “seria para ela um prejuízo muito grave”. Na manhã do dia fixado, deu-lhe a carta, mas ele a pôs no bolso sem ler e levou-a para o hotel; dominava-a moralmente e ela o amava; acompanhou-o. “Estava como que hipnotizada. No trajeto supliquei-lhe que me poupasse... Como cheguei ao hotel, não sei. A única lembrança que me resta é a de que meu corpo tremia violentamente. Meu companheiro tentava me acalmar; mas só conseguiu após uma demorada resistência. Não me senti então mais dona de minha vontade e deixei-o fazer. Quando me encontrei de novo na rua, mais tarde, pareceu-me que tudo não passara de um sonho de que acabava de despertar.” Recusou-se a repetir a experiência e durante nove anos não teve mais relações com homem nenhum. Encontrou um então que a pediu em casamento e ela aceitou.

 

Neste caso, o defloramento foi uma espécie de violação. Mas, mesmo se a jovem consente, pode ser penoso. Vimos que inquietações perturbavam a jovem Isadora Duncan. Encontrou um ator admiravelmente belo por quem se apaixonou à primeira vista e que lhe fez uma corte fervorosa.

 

Eu também me sentia perturbada, minha cabeça rodava e um irresistível desejo de apertá-lo mais estreitamente contra mim me invadia, até que uma noite, perdendo todo o domínio de si e como que tomado de fúria, ele me carregou para o sofá. Apavorada, extasiada e depois gritando de dor, fui iniciada no gesto de amor. Confesso que minhas primeiras impressões foram um horrível susto, uma dor atroz, como se me tivessem arrancado vários dentes ao mesmo tempo; mas a grande pena que me inspiravam os sofrimentos que ele próprio parecia sentir impediu-me de fugir do que não foi a princípio senão mutilação e tortura... (No dia seguinte) o que então era para mim apenas uma experiência dolorosa, recomeçou em meio a meus gemidos e meus gritos de martírio. Sentia-me como que estropiada.318

 

Devia conhecer dentro em breve, com esse amante primeiramente e com outros depois, paraísos que descreve liricamente.

Entretanto, na experiência real como antes, na imaginação virginal, não é a dor que desempenha o papel principal: a penetração é mais importante. O homem empenha no coito unicamente um órgão exterior: a mulher é atingida até no interior de si mesma. Há provavelmente muitos rapazes que não se aventuram sem angústia nas trevas secretas da mulher; reencontram seus terrores da infância à entrada das grutas, dos sepulcros, seu pavor também diante das tenazes, das foices, das armadilhas, imaginam que o pênis inchado ficará preso na bainha das mucosas. A mulher, uma vez penetrada, não tem esse sentimento de perigo, mas em compensação sente-se carnalmente alienada. O proprietário afirma seus direitos sobre suas terras, a dona da casa sobre sua casa, proclamando “proibida a entrada”; pelo fato de serem frustradas, as mulheres em particular defendem com ciúme sua intimidade: a cama, o armário, os cofres são sagrados. Colette conta que uma velha prostituta lhe disse um dia: “Em meu quarto, madame, nunca entrou um homem; Paris é bastante grande para o que tenho que fazer com homens.” Não podendo defender seu corpo, tinha pelo menos uma parcela de terra a defender de outrem. A jovem, ao contrário, só possui de seu, por assim dizer, o corpo; é seu tesouro mais precioso: o homem que nele penetra toma; a expressão popular é confirmada pela experiência vivida. Ela experimenta a humilhação que pressentia concretamente: é dominada, submetida, vencida. Como quase todas as fêmeas, fica durante o coito por baixo do homem.319 Adler insistiu muito no sentimento de inferioridade que disso resulta. Desde a infância, as noções de superior e inferior são das mais importantes; subir nas árvores é um ato prestigioso; o céu está em cima da terra, o inferno embaixo; cair, descer, é degradar-se e subir é exaltar-se; na luta, a vitória pertence a quem faz os ombros do adversário tocarem no chão; ora, a mulher acha-se deitada na cama na posição da derrota; é pior ainda se o homem a cavalga como um animal preso às rédeas e ao freio. Em todo caso, ela se sente passiva: ela é acariciada, penetrada, suporta o coito, enquanto o homem se empenha ativamente. Por certo, o sexo do macho não é um músculo estriado que a vontade comanda; não é relha de arado nem espada, mas apenas carne; entretanto, o homem imprime-lhe um movimento voluntário; vai, vem, para, recomeça enquanto a mulher o recebe docilmente; é o homem, principalmente quando a mulher é noviça, que escolhe as posições amorosas, que decide a duração do coito e sua frequência. Ela sente-se instrumento: toda a liberdade pertence ao outro. É o que se exprime poeticamente dizendo que a mulher é comparável a um violino e o homem, ao arco que o faz vibrar. “No amor”, diz Balzac,320 “a alma é posta de lado, a mulher é como uma lira que só desvenda seu segredo a quem sabe tocar”. Ele toma seu prazer; ela esse prazer. As próprias palavras não implicam reciprocidade. A mulher está imbuída de representações coletivas que dão ao ato masculino um caráter glorioso e que fazem da perturbação feminina uma abdicação vergonhosa: sua experiência íntima confirma essa assimetria. É preciso não esquecer que o adolescente e a adolescente sentem o corpo de maneira diferente: o primeiro o assume tranquilamente e reivindica-lhe orgulhosamente os desejos; para a segunda, a despeito de seu narcisismo, esse corpo é um fardo estranho e inquietante. O sexo do homem é limpo e simples como um dedo; exibe-se com inocência, muitas vezes os rapazes o mostram aos companheiros com orgulho, num desafio; o sexo feminino é misterioso até para a própria mulher, é escondido, atormentado, mucoso, úmido; sangra todos os meses e é por vezes maculado de humores, tem uma vida secreta e perigosa. É em grande parte porque a mulher não se reconhece nele que não reconhece como seus os desejos dele. Estes se exprimem de maneira vergonhosa. Enquanto o homem se entesa, a mulher molha-se; há, na própria palavra, recordações infantis da cama molhada, do abandono culposo e involuntário à necessidade de urinar; o homem experimenta o mesmo nojo diante das poluções noturnas inconscientes; projetar um líquido, urina ou esperma, não humilha: é uma operação ativa. Mas há humilhação se o líquido escapa passivamente, pois o corpo não é mais um organismo, músculos, esfíncter, nervos, comandados pelo cérebro e exprimindo o sujeito consciente, mas sim um vaso, um receptáculo feito de matéria inerte e joguete de caprichos mecânicos. Se a carne ressuma — como um muro velho ou um cadáver —, a impressão não é de que está expelindo um líquido e sim de que se está liquidificando: é um processo de decomposição que causa horror. O cio é a mole palpitação de uma ostra; enquanto o homem tem impetuosidade, a mulher tem somente impaciência; sua espera pode tornar-se ardente sem deixar de ser passiva; o homem cai sobre a presa como uma águia ou um falcão; ela aguarda à espreita como a planta carnívora, o pantanal em que insetos e crianças se atolam; ela é sucção, ventosa, absorção, pez e visgo, apelo imóvel, insinuante e viscoso: pelo menos é assim que surdamente se sente. Eis por que não há nela apenas resistência contra o macho que pretende submetê-la, mas também conflito interior. Aos tabus e às inibições provenientes de sua educação e da sociedade, superpõem-se repugnâncias, recusas que têm sua fonte na própria experiência erótica; uns e outros se fortalecem mutuamente a tal ponto que depois do primeiro coito a mulher surge mais revoltada do que antes contra seu destino sexual.

Há, enfim, outro fator que dá muitas vezes ao homem uma fisionomia hostil e transforma o ato sexual em grave perigo: a ameaça do filho. Um filho. Um filho ilegítimo é, na maioria das civilizações, um tal handicap social e econômico para a mulher não casada que há jovens que se suicidam ao saberem que estão grávidas, e mães solteiras que esganam o recém-nascido; semelhante risco constitui um freio sexual bastante forte para que muitas jovens observem a castidade pré-nupcial exigida pelos costumes. Quando o freio é insuficiente, a jovem, embora cedendo ao amante, apavora-se com o terrível perigo que este esconde em seus flancos. Stekel cita, entre outros casos, o de uma jovem que durante toda a duração do coito gritava: “Contanto que não aconteça nada!” Mesmo no casamento, a mulher muitas vezes não quer filhos, não tem bastante saúde ou o filho representaria para o jovem casal um encargo pesado demais. Amante ou marido, se não tiver em seu parceiro uma confiança absoluta, ela terá seu erotismo paralisado pela prudência. Ou controlará inquietamente a conduta do homem, ou então, terminado o coito, terá de correr ao banheiro para escorraçar do ventre o germe vivo nele depositado contra sua vontade; essa operação higiênica contradiz brutalmente a magia sensual das carícias, realiza uma separação absoluta dos corpos que uma mesma alegria confundia; é então que o esperma masculino se apresenta como um germe nocivo, uma mácula; ela se limpa como se limpa um vaso sujo, enquanto o homem repousa em seu leito em soberba integridade. Uma jovem divorciada contou-me seu horror quando, após uma noite nupcial de prazer discutível, lhe foi necessário fechar-se no banheiro enquanto o esposo acendia displicentemente um cigarro: é de crer que a partir desse instante a ruína do lar se achava consumada. A repugnância pela seringa de lavagem ou pelo bidê é uma das causas frequentes da frigidez feminina. A existência de métodos anticoncepcionais mais seguros e discretos auxilia muito a libertação sexual da mulher; num país como os Estados Unidos, onde essas práticas são comuns, o número de moças que chegam virgens ao casamento é muito inferior ao que se verifica na França; elas permitem maior abandono durante o ato amoroso. Mas nesse caso também a jovem tem de superar repugnâncias antes de tratar o corpo como uma coisa; assim como não aceitava sem temor o fato de ser “transpassada” por um homem, não se resigna de bom grado a ser “tapada” para satisfazer os desejos de um homem. Mesmo mandando selar o útero, ou introduzindo na vagina algum tampão mortal para os espermatozoides, uma mulher consciente dos equívocos do corpo e do sexo se sentirá embaraçada por tão fria premeditação: há muitos homens que encaram com repugnância o uso de preservativos. É o conjunto do comportamento sexual que justifica seus diversos momentos: condutas que pareceriam repugnantes à análise, se afiguram naturais quando os corpos são transfigurados pelas virtudes eróticas de que se revestem; mas, inversamente, desde que se decomponham corpo e condutas em elementos privados de sentido, tais elementos tornam-se sujos, obscenos. A penetração que uma mulher apaixonada experimentará alegremente como união, como fusão com o homem amado, readquirirá o caráter cirúrgico e sujo que assume aos olhos da criança se realizada fora da perturbação sensual, do desejo, do prazer: é o que acontece com o uso decidido por ambos dos preservativos. De qualquer modo, tais precauções não estão ao alcance de todas as mulheres; muitas jovens não conhecem nenhuma defesa contra as ameaças da gravidez e sentem de maneira angustiada que sua sorte depende da boa vontade do homem a quem se entregam.

Compreende-se que uma experiência vivida através de tantas resistências, revestida de um sentido tão pesado, crie frequentemente terríveis traumatismos. Acontece muitas vezes que uma demência precoce latente seja revelada pela primeira aventura. Stekel dá vários exemplos disso:

 

A senhorita M.G., aos 19 anos, foi subitamente atacada de delírio agudo. Eu a vi no seu quarto, gritando e repetindo sempre: “Não quero! Não, não quero!” Arrancava as vestes e queria correr nua no corredor... Foi preciso levá-la para uma clínica psiquiátrica. Aí o delírio serenou e transformou-se em estado catatônico. Essa jovem era estenodatilógrafa e estava apaixonada pelo gerente da firma em que trabalhava. Partira para o campo com uma amiga e dois colegas. Um deles pediu-lhe para passar a noite no quarto dela dizendo que seria apenas “uma brincadeira”. Ele a teria acariciado durante três noites seguidas sem atentar contra sua virgindade... Ela teria ficado “fria como o focinho de um cão”, e teria declarado que era uma porcaria. Durante alguns minutos, teria ficado perturbada e gritado: Alfredo, Alfredo! (nome do gerente). Tivera remorsos (que diria minha mãe, se soubesse?). De volta a casa, pusera-se na cama queixando-se de enxaqueca.

 

A senhorita L.X., muito deprimida, chorava frequentemente, não comia, não dormia; começara a ter alucinações e não reconhecera mais as pessoas que a cercavam. Saltara ao peitoril da janela para atirar-se na rua. Mandaram-na para uma casa de saúde. “Encontrei essa moça de 23 anos sentada na cama; não se deu conta de minha chegada”... O rosto exprimia angústia e terror; as mãos projetavam-se para a frente como para se defender, as pernas estavam cruzadas e remexiam-se convulsamente. Gritou: “Não, não! Bruto! Deviam prender gente assim. Dói! Ah!” Em seguida, disse palavras incompreensíveis. De repente, seu rosto mudou de expressão, os olhos brilhavam, a boca esboçou um beijo, as pernas acalmaram-se e descruzaram-se insensivelmente, pronunciou palavras que pareciam exprimir volúpia... O acesso terminou com uma crise de lágrimas silenciosas e contínuas... A doente puxava a camisa como que para se cobrir e repetia sempre: “Não!” Soube-se que um colega casado fora visitá-la muitas vezes quando estava doente, que a princípio ela se mostrara contente, mas depois tivera alucinações com tentativa de suicídio. Curou-se, mas nunca mais deixou um homem aproximar-se dela e recusou um pedido sério de casamento.

 

Em outros casos, a doença assim iniciada é menos grave. Eis um exemplo em que a saudade da virgindade perdida desempenha o papel principal nas perturbações consecutivas ao primeiro coito:

 

Uma jovem de 23 anos sofre de diferentes fobias. A doença começou em Franzensbad por temor de ficar grávida em virtude de um beijo ou de contágio numa latrina... Um homem talvez tivesse deixado um pouco de esperma na água após a masturbação; exigia que a banheira fosse limpa três vezes em sua presença e não ousava defecar em posição normal. Tempos depois desenvolveu uma fobia de perfuração do hímen e ela não ousava dançar, saltar ou pular uma barreira nem andar senão com passos miúdos; se divisava um poste, temia ser deflorada num movimento desastrado e dava uma grande volta, tremendo. Tinha outra fobia, a de que em um trem ou no meio da multidão um homem pudesse introduzir-lhe o membro por trás, deflorá-la e engravidá-la. Durante o último período da doença, temia encontrar na cama ou na camisa alfinetes que poderiam entrar na vagina. Todas as noites a doente ficava nua no meio do quarto enquanto sua infeliz mãe era forçada a entregar-se a um penoso exame da roupa... Ela sempre afirmava que amava o noivo. A análise descobriu que ela não era mais virgem e que adiava o casamento com receio de constatações funestas do noivo. Confessou-lhe afinal ter sido seduzida por um tenor, casou e curou-se.321

 

Em outro caso foi o remorso não compensado por uma satisfação voluptuosa que provocou as perturbações psíquicas:

 

A senhorita H.B., de vinte anos, apresenta-se com grave depressão após uma viagem à Itália com uma amiga. Recusa-se a sair do quarto e não pronuncia uma só palavra. Ela é levada para uma casa de saúde, onde seu estado se agrava. Ouvia vozes que a injuriavam, todos zombavam dela etc. É conduzida de volta à casa dos pais, onde fica num canto sem se mexer. Em certa ocasião, pergunta ao médico: “Por que não vim antes que o crime fosse cometido?” Estava morta. Tudo se apagara, tudo fora destruído. Ela estava suja. Não poderia mais cantar uma só nota, estavam interrompidas todas as comunicações com o mundo... O noivo confessou tê-la encontrado em Roma, onde ela se entregara a ele após demorada resistência; teve crises de lágrimas... Ela confessou que nunca tivera prazer com o noivo. Curou-se quando achou um amante que a satisfez e com o qual casou.

 

A “graciosa vienense” cujas confissões infantis já resumi, faz também um relato minucioso de suas primeiras experiências de adulta. Vamos ver que, apesar de ter ido muito longe em aventuras anteriores, sua “iniciação” não deixou de apresentar um aspecto absolutamente novo.

“Com 16 anos e meio fui trabalhar num escritório. Aos 17 e meio tive minhas primeiras férias; foi uma bela época para mim. Faziam-me a corte de todos os lados... Gostava de um jovem colega do escritório... Fomos a um parque. Foi a 15 de abril de 1909. Ele me fez sentar a seu lado num banco. Beijava-me suplicando: ‘Abra os lábios’, mas eu os fechava convulsamente. Em seguida ele começou a desabotoar minha blusa. Gostaria de permitir, mas lembrei-me de que não tinha seios; renunciei à sensação voluptuosa que poderia ter se ele me tocasse... No dia 7 de abril, um colega convidou-me para ir a uma exposição com ele. Bebemos vinho no jantar e perdi um pouco de minha reserva; comecei a contar algumas histórias equivocadas. Apesar de minhas súplicas ele chamou um carro, empurrou-me para dentro e, mal os cavalos principiaram a andar, me beijou. Ia se tornando cada vez mais íntimo, avançava cada vez mais a mão; eu me defendia com todas as minhas forças e não recordo se ele alcançou o fim. No dia seguinte fui para o escritório bastante perturbada. Ele mostrou-me as mãos cobertas de arranhões que eu lhe fizera... Pediu-me que fosse visitá-lo mais frequentemente... Cedi, não muito à vontade, mas cheia de curiosidade... Sempre que ele se aproximava de meu sexo eu me afastava para voltar a meu lugar, mas uma vez, mais esperto do que eu, dominou-me e provavelmente introduziu o dedo em minha vagina. Chorei de dor. Era no mês de junho de 1909 e saí de férias. Fiz uma excursão com minha amiga. Dois turistas surgiram e convidaram-nos a acompanhá-los. Meu companheiro quis beijar minha amiga, ela deu-lhe um soco. Ele veio para meu lado, pegou-me por trás, curvou-me e me beijou. Não resisti... Convidou-me a acompanhá-lo. Dei-lhe a mão e descemos para a floresta. Beijou-me, beijou meu sexo, com grande indignação minha. Dizia-lhe: ‘Como pode fazer semelhante porcaria?’ Ele colocou o membro em minha mão... eu o acariciei. Subitamente, ele arrancou minha mão e pôs um lenço em cima para me impedir de ver o que acontecia... Dois dias depois, fomos juntos a Liesing. Num prado isolado, ele tirou de repente o sobretudo para estendê-lo na relva... Jogou-me ao chão de tal maneira que uma de suas pernas se colocava entre as minhas. Eu não acreditava ainda no que estava acontecendo. Supliquei-lhe que me matasse, mas não roubasse minha ‘mais linda joia’. Ele tornou-se muito grosseiro, disse palavrões e ameaçou-me com a polícia. Tapou-me a boca com a mão e introduziu o pênis. Pensei que minha última hora tivesse chegado. Tinha a sensação de que meu estômago revirava. Quando acabou, enfim, comecei a achá-lo suportável. Ele foi obrigado a levantar-me, porque eu continuava deitada. Cobriu-me os olhos e o rosto de beijos. Eu não via nem ouvia mais nada. Se ele não me tivesse segurado eu teria caído cegamente embaixo de algum carro... Estávamos sós num compartimento de segunda classe, ele desabotoou a calça para me pegar novamente. Dei um grito e corri através do vagão até o estribo. Finalmente, ele me deixou com um riso brutal e estridente que nunca esquecerei, chamando-me de boba estúpida que não sabe o que é bom. Deixou-me voltar sozinha para Viena. Chegando a Viena fui depressa ao banheiro porque sentira uma coisa quente a escorrer pelas minhas coxas. Assustada, vi manchas de sangue. Como dissimular aquilo em casa? Deitei-me o mais cedo possível para chorar durante horas. Continuava a sentir a pressão no estômago provocada pela penetração do pênis. Minha atitude estranha e minha falta de apetite indicaram a minha mãe que tinha havido alguma coisa. Confessei-lhe tudo. Ela não achou tão terrível assim... Meu colega fazia o que podia para me consolar. Aproveitou as tardes escuras para passear comigo no parque e acariciar-me por baixo da saia. Eu deixava; só que logo que sentia minha vagina úmida, afastava-me porque tinha vergonha.”

Ela vai por vezes a um hotel com o companheiro, mas sem ter relações com ele. Fica conhecendo um rapaz muito rico com quem gostaria de casar. Dorme com ele mas sem nada sentir, e com repugnância. Reata relações com o colega, mas tem saudade do outro, começa a ficar vesga, a emagrecer. Mandam-na para um sanatório onde quase chega a dormir com um jovem russo, expulsando-o da cama no último momento. Esboça aventuras com um médico e um oficial, mas sem consentir em relações sexuais completas. É então que cai doente moralmente e resolve tratar-se. Depois da cura consentiu em se entregar a um homem que a amava e que mais tarde a desposou. Com o casamento, sua frigidez desapareceu.

 

Nestes exemplos, escolhidos entre muitos outros análogos, a brutalidade do parceiro ou a ocorrência repentina do ato são os fatores que determinam traumatismo e nojo. O caso mais favorável a uma iniciação sexual é aquele em que, sem violência nem surpresa, sem ordem precisa nem prazo fixado, a jovem aprende lentamente a superar o pudor, a familiarizar-se com o parceiro, a gostar de suas carícias. Neste sentido, só podemos aprovar a liberdade de costumes de que gozam as jovens norte-americanas e que as francesas tendem hoje a conquistar. Elas deslizam quase sem perceber do necking e do petting às relações sexuais completas. A iniciação é tanto mais fácil quanto menos se reveste de um caráter de tabu, sentindo-se a jovem mais livre em relação ao parceiro, em quem o caráter dominador do macho se apaga. Se o amante é jovem também, noviço, tímido, um igual, as resistências da moça são menos fortes; mas sua metamorfose em mulher será também menos profunda. Assim, em Blé en herbe, a Vinca, de Colette, no dia seguinte a um defloramento assaz brutal, demonstra uma placidez que surpreende seu colega Phil: ela não se sentiu “possuída”, pôs, ao contrário, seu orgulho em se libertar da virgindade. Não experimentou um desvario transtornante e em verdade Phil não tem razão de se espantar, sua amiga não conheceu o macho. Claudine saía menos ilesa após uma dança nos braços de Renaud. Citaram-me o caso de uma estudante francesa, ainda no estágio do “fruto verde”, que, tendo passado uma noite com um colega, correra pela manhã à casa de uma amiga para anunciar: “Dormi com C.; foi muito divertido.” Um professor de colégio norte-americano dizia-me que suas alunas deixavam de ser virgens muito antes de se tornarem mulheres; seus parceiros as respeitam demais para ferir-lhes o pudor; são eles próprios muito jovens ou muito pudicos para despertar nelas um demônio qualquer. Há jovens que se entregam a experiências eróticas e as multiplicam a fim de fugir à angústia sexual; esperam libertar-se assim de sua curiosidade e de suas obsessões; mas muitas vezes seus atos conservam um caráter teórico que os torna tão irreais quanto os fantasmas através dos quais outras antecipam o futuro. Entregar-se por desafio, por temor, por racionalismo puritano não é realizar uma autêntica experiência erótica: atinge-se somente um sucedâneo sem perigo nem sabor; o ato sexual não se acompanha de vergonha nem de angústia porque a perturbação permaneceu superficial e o prazer não invadiu a carne. Essas virgens defloradas continuam moças e é provável que no dia em que se encontrarem em face de um homem sensual e imperioso lhe oporão resistências virginais. Enquanto isso não ocorre, elas permanecem ainda numa espécie de idade ingrata; as carícias fazem cócegas, os beijos por vezes provocam risos, encaram o amor físico como um jogo e, se não se sentem dispostas a divertir-se com isso, as exigências do amante logo lhes parecem importunas e grosseiras; elas conservam repugnâncias, fobias e um pudor de adolescente. Se nunca superam esse estágio — o que é, segundo dizem os homens americanos, o caso de muitas mulheres de seu país —, passarão a vida num estado de semifrigidez. Só há verdadeira maturidade sexual na mulher que consente em se fazer carne na perturbação e no prazer.

Entretanto, não se deve acreditar que todas as dificuldades se atenuem nas mulheres de temperamento ardente. Ao contrário, podem se exasperar. A perturbação feminina pode atingir uma intensidade que o homem não conhece. O desejo do homem é violento mas localizado, e o deixa — salvo talvez no instante do espasmo — consciente de si mesmo; a mulher, ao contrário, experimenta uma verdadeira alienação; para muitas, essa metamorfose é o momento mais voluptuoso e definitivo do amor, mas ela tem também um caráter mágico e assustador. Acontece de o homem se amedrontar diante da mulher que tem nos braços, a tal ponto ela se apresenta ausente de si mesma e presa como que de um desvario. O transtorno que ela sente é uma transmutação bem mais radical do que o frenesi agressivo do homem. Essa febre a liberta da vergonha; mas, ao despertar, causa-lhe, por sua vez, vergonha e horror; para que ela aceite esse transtorno com felicidade — e até com orgulho —, será preciso, ao menos, que se tenha desabrochado em chamas de volúpia; ela poderá reivindicar seus desejos se os tiver gloriosamente satisfeito: caso contrário, os repudiará com raiva.

Toca-se aqui no problema crucial do erotismo feminino: no início de sua vida erótica, a abdicação da mulher não é compensada por um gozo violento e certo. Ela sacrificaria muito mais facilmente pudor e orgulho se com isso abrisse as portas de um paraíso. Mas vimos que o defloramento não é uma feliz realização do erotismo juvenil; é, ao contrário, um fenômeno insólito; o prazer vaginal não se verifica imediatamente; segundo as estatísticas de Stekel — que numerosos sexólogos e psicanalistas confirmam —, somente 4% das mulheres sentem prazer desde o primeiro coito; 50% não atingem o prazer vaginal antes de semanas, meses, e até anos. Os fatores psíquicos desempenham nisso um papel essencial. O corpo da mulher é singularmente “histérico”, no sentido de que não há muitas vezes nela nenhuma distância entre os fatos conscientes e sua expressão orgânica; suas resistências morais impedem o aparecimento do prazer; não sendo compensadas em nada, muitas vezes elas se perpetuam e formam uma barreira cada vez mais forte. Em muitos casos, cria-se um círculo vicioso: uma primeira inabilidade do amante, uma palavra, um gesto desastrado, um sorriso arrogante repercutirão durante toda a lua de mel e até na vida conjugal; decepcionada por não ter conhecido imediatamente o prazer, a jovem mulher guarda um rancor, que a predispõe mal a uma experiência mais feliz. É verdade que, na falta de prazer normal, o homem pode dar-lhe sempre o prazer clitoridiano, que, a despeito das lendas moralizadoras, é suscetível de dar relaxamento e serenidade. Mas muitas mulheres recusam-no porque, mais ainda do que o prazer vaginal, ele se apresenta como imposto, pois se a mulher sofre com o egoísmo dos homens que só pensam em sua própria satisfação, ela se sente também chocada por uma vontade demasiado explícita de dar prazer a ele. “Fazer o outro gozar, diz Stekel, quer dizer dominá-lo; dar-se a alguém é abdicar a própria vontade.” A mulher aceitará muito mais facilmente o prazer se este parecer que decorre naturalmente do que o homem sente ele próprio, como acontece num coito normal realizado com êxito. “As mulheres submetem-se com alegria, quando percebem que o parceiro não as quer submeter”, diz ainda Stekel; mas, inversamente, se sentem essa vontade, revoltam-se; a muitas repugna deixarem-se acariciar com a mão, porque a mão é um instrumento que não participa do prazer que dá, ela é atividade e não carne; e se o próprio sexo se apresenta não como uma carne penetrada de desejo e sim como um utensílio habilmente utilizado, a mulher experimentará a mesma repulsa. Além disso, toda compensação lhe parecerá confirmar sua incapacidade de conhecer as sensações de uma mulher normal. Stekel verifica, segundo numerosas observações, que todo o desejo das mulheres ditas frígidas se orienta para a norma: “Elas querem alcançar o orgasmo como uma mulher normal, e qualquer outro procedimento não as satisfaz moralmente.”

A atitude do homem tem, portanto, enorme importância. Se seu desejo é violento e brutal, sua parceira se sente transformada em simples coisa em seus braços; mas se é demasiado senhor de si, demasiado displicente, ele não se constitui como carne; ele pede à mulher que se faça carne sem que em troca ela tenha algum domínio sobre ele. Em ambos os casos, seu orgulho se rebela; para que ela possa conciliar sua metamorfose em objeto carnal e a reivindicação de sua subjetividade, é preciso que, se tornando presa para o macho, também faça dele sua presa. Eis por que, tão frequentemente, a mulher se obstina na frieza. Se o amante carece de sedução, se é frio, negligente, desajeitado, fracassa em despertar a sexualidade dela ou a deixa insatisfeita; mais viril e hábil, pode suscitar reações de recusa; a mulher teme seu domínio: algumas só podem encontrar o prazer com homens tímidos, maldotados e até semi-impotentes, que não as amedrontam. É fácil ao homem despertar com sua inabilidade azedume e rancor. O rancor é a mais frequente causa da frigidez feminina. Na cama, mediante uma frieza insultante, a mulher faz o homem pagar todas as afrontas que imagina ter recebido: há, muitas vezes, em sua atitude um complexo de inferioridade agressivo: posto que você não me ama, posto que tenho defeitos que me impedem de agradá-lo e que sou desprezível, não me entregarei tampouco ao amor, ao desejo, ao prazer. Assim é que ela se vinga a um tempo dele e de si mesma, se ele a humilhou com sua negligência, se excitou seu ciúme, se se declarou tarde demais, se fez dela sua amante quando ela aspirava ao casamento. O ressentimento pode aparecer repentinamente e provocar uma reação mesmo durante uma ligação cujo início foi feliz. É raro que o homem que suscitou essa inimizade consiga ele próprio vencê-la; pode acontecer entretanto que um testemunho persuasivo de amor ou de estima modifique essa situação. Mulheres desconfiadas e tensas são vistas nos braços do amante, a quem uma aliança no dedo transformava: felizes, lisonjeadas, com a consciência em paz, todas as resistências se dissipavam. Mas é um recém-chegado, respeitoso, amoroso, delicado, que poderá transformar a mulher despeitada em uma amante ou uma esposa feliz; se ele a libertar de seu complexo de inferioridade, ela se entregará a ele com ardor.

A obra de Stekel, A mulher frígida, esforça-se essencialmente por demonstrar o papel dos fatores psíquicos na frigidez feminina. Os exemplos seguintes mostram bem que esta é muitas vezes uma conduta de rancor para com o marido ou o amante.

 

A srta. G.S. entregara-se a um homem à espera do casamento, mas insistindo no fato de que “não fazia questão de casamento, que ela não queria ficar presa”. Representava o papel de mulher livre. Na verdade, era escrava da moral como toda a sua família. Mas o amante a acreditava livre e não falava nunca em casamento. Sua obstinação intensificava-se cada vez mais e ela acabou por tornar-se insensível. Quando ele enfim a pediu em casamento, ela se vingou confessando sua anestesia e não querendo mais ouvir falar de união. Não queria mais ser feliz. Esperara demais... Devorava-se de ciúme e aguardava ansiosamente o dia do pedido para recusá-lo orgulhosamente. Mais tarde quis suicidar-se a fim de punir o amante com requinte.

 

Uma mulher que até então tivera prazer com o marido, mas que era muito ciumenta, imagina, durante uma doença, que o marido a engana. Voltando para casa, resolve ser fria com o marido. Nunca mais deveria ser excitada por ele, uma vez que ele não a estimava e utilizava-se dela somente em caso de necessidade. Desde a volta para casa tornara-se frígida. No princípio, valia-se de pequenos truques para não se excitar. Imaginava o marido fazendo a corte a uma amiga. Mas, dentro em breve, o orgasmo foi substituído por dores...

 

Uma jovem de 17 anos tinha uma ligação com um homem e sentia intenso prazer. Grávida aos 19 anos, pediu ao amante que a desposasse; ele ficou indeciso e aconselhou-a a provocar o aborto, o que ela recusou. Após três semanas, ele se declarou disposto a casar e ela tornou-se sua mulher. Mas ela nunca lhe perdoou as três semanas de tormento e tornou-se frígida. Posteriormente, uma explicação com o marido venceu a frigidez.

 

A senhora N.M. vem a saber que o marido, dois dias depois do casamento, fora ver uma antiga amante. O orgasmo que ela sentia antes desapareceu para sempre. Ficou com a ideia fixa de não mais agradar ao marido que achava ter decepcionado. Nisto está, a seu ver, a causa de sua frigidez.

 

Mesmo quando a mulher supera essas resistências e conhece, ao fim de um tempo mais ou menos longo, o prazer vaginal, não dasaparecem ainda todas as dificuldades: porque o ritmo de sua sexualidade e da sexualidade masculina não coincidem. Ela demora muito mais a gozar do que o homem.

 

Três quartos dos homens, talvez, conhecem o orgasmo durante os dois minutos que se seguem ao início do ato sexual, diz o relatório de Kinsey. Se tivermos em vista as numerosas mulheres de nível superior cujo estado é tão desfavorável às situações sexuais que dez ou quinze minutos de estimulação ativa lhes são necessários para que alcancem o orgasmo, e se considerarmos o número bastante importante de mulheres que não conhecem durante toda sua vida o orgasmo, é preciso, naturalmente, que o homem tenha uma capacidade inteiramente excepcional em prolongar a atividade sexual sem ejacular para poder criar uma harmonia com sua parceira.

 

Diz-se que na Índia o marido fuma de bom grado o cachimbo ao mesmo tempo que cumpre o dever conjugal, a fim de se distrair do próprio prazer e fazer durar o da esposa; no Ocidente, é antes do número de “trepadas” que se vangloria um Casanova; e sua suprema vaidade consiste em conseguir que a parceira se esgote; segundo a tradição erótica, é uma façanha que não se repete muitas vezes. Os homens queixam-se muitas vezes das terríveis exigências da companheira: uma fêmea enraivecida, uma ogra, uma esfaimada; nunca se satisfaz. Montaigne expõe esse ponto de vista no Livro III de seus Essais (cap. V).

 

Elas são sem comparação mais capazes e ardorosas quanto aos efeitos do amor do que nós, e assim o testemunhou esse sacerdote antigo que ora fora homem e ora fora mulher. Além disso, sabemos, pelo que eles próprios contaram, da prova que fizeram outrora há muitos séculos um imperador e uma imperatriz de Roma, peritos e famosos nessas tarefas. Ele desvirginou em uma noite dez jovens cativas sármatas, mas ela se entregou de verdade em uma noite a 25, mudando de companheiro segundo sua disposição e seu gosto,

adhuc ardens rigidæ tentigine vulvæ

Et lassata viris, necdum satiata recessit322

 

e também a querela verificada na Catalunha entre uma mulher queixando-se dos esforços demasiado assíduos do marido, não a ponto de incomodá-la, a meu ver (pois em matéria de milagres só acredito nos da fé)... do que resultou esta notável decisão da rainha de Aragão pela qual, após madura deliberação do Conselho, essa grande dama... determinou como limites legítimos e necessários o número de seis coitos por dia, não levando em conta a necessidade e o desejo de seu sexo para estabelecer, dizia, uma norma comum e portanto permanente e imutável.

 

É que, na verdade, a volúpia não tem na mulher a mesma forma que no homem. Já disse que não se sabia exatamente se o prazer vaginal chegava algum dia a um orgasmo definido; neste ponto, as confidências femininas são raras e, mesmo quando existem, e visam à precisão, são extremamente vagas; parece que as reações são muito diferentes segundo os indivíduos. O que é certo é que o coito tem para o homem um fim biológico preciso: a ejaculação. E é seguramente através de muitas outras intenções muito complexas que esse fim é visado; mas uma vez atingido, surge como uma consequência, e se não como a satisfação do desejo, ao menos como sua supressão. Ao contrário, na mulher, o fim é um ponto de partida incerto e de natureza mais psíquica do que fisiológica; ela quer a comoção, a volúpia em geral, mas seu corpo não projeta nenhuma conclusão nítida do ato amoroso: e é por isso que para ela o coito nunca finda inteiramente: não comporta um fim. O prazer do macho sobe como uma flecha; ao atingir um certo ponto realiza-se e morre ab-ruptamente no orgasmo; a estrutura do ato sexual é finita e descontínua. O gozo feminino é irradiado pelo corpo inteiro: nem sempre é centrado no sistema genital; e, mesmo então, as contrações vaginais, mais do que um verdadeiro orgasmo, constituem um sistema de ondulações que nascem ritmicamente, dissipam-se, reformam-se, atingem por momentos um paroxismo e em seguida se embaralham e se fundem sem nunca morrer completamente. Não lhe correspondendo nenhum termo fixo, o prazer visa ao infinito: é muitas vezes uma fadiga nervosa ou cardíaca, ou uma saciedade psíquica que limita as possibilidades eróticas da mulher mais do que uma satisfação precisa; mesmo plena, mesmo esgotada, ela nunca se liberta inteiramente:

Lassata necdum satiata, na expressão de Juvenal.

O homem comete um grave erro quando pretende impor à companheira seu próprio ritmo e se obstina em dar a ela um orgasmo: muitas vezes com isso só consegue perturbar a forma voluptuosa que ela estava vivendo a seu próprio modo.323 É uma forma bastante plástica para dar a si mesma um termo: certos espasmos localizados na vagina ou no conjunto do sistema genital, ou emanando de todo o corpo, podem constituir uma solução. Em certas mulheres eles se produzem bastante regularmente e com suficiente violência para serem assimilados a um orgasmo; mas uma amante pode também encontrar no orgasmo masculino uma conclusão que a acalma e satisfaz. E pode acontecer também que de maneira contínua, sem choque, a forma erótica se dissolva tranquilamente. O êxito não exige, como acreditam muitos homens meticulosos mas simplistas, uma sincronização matemática do prazer e sim o estabelecimento de uma forma erótica complexa. Muitos imaginam que “fazer gozar” uma mulher é questão de tempo e de técnica, logo uma violência; ignoram a que ponto a sexualidade da mulher é condicionada pelo conjunto da situação. A volúpia é nela, já o dissemos, uma espécie de encantamento, reclama um abandono total; se palavras ou gestos contestam a magia das carícias, o encantamento se dissipa. É uma das razões pelas quais tantas vezes a mulher fecha os olhos: fisiologicamente, há nisso um reflexo destinado a compensar a dilatação da pupila; mas mesmo na escuridão ela ainda baixa as pálpebras; quer abolir qualquer cenário, abolir a singularidade do instante, de si própria e do amante, quer perder-se no fundo de uma noite carnal tão indistinta quanto o seio materno. E, mais particularmente, ela almeja suprimir essa separação que ergue o macho à sua frente, ela deseja fundir-se com ele. Já se disse que deseja, fazendo-se objeto, permanecer sujeito. Mais profundamente alienada do que o homem, pelo fato de ser desejo e confusão em todo o corpo, só continua sujeito pela união com o parceiro; seria preciso que, para os dois, dar e receber se confundissem; se o homem se restringe a ter sem dar ou a dar sem ter, ela se sente manobrada; desde que se realiza como Outro, ela é o outro inessencial; torna-se necessário para ela negar a alteridade. Eis por que o momento da separação dos corpos lhe é quase sempre penoso. O homem, depois do coito, sinta-se triste ou alegre, enganado pela natureza ou vencedor da mulher, sempre renega a carne, volta a ser um corpo íntegro, quer dormir, tomar um banho, fumar um cigarro, dar um passeio ao ar livre. Ela gostaria de prolongar o contato carnal até que o encantamento que a fez carne se dissipe por completo; a separação é um arrancamento doloroso como um novo desmame; ela tem rancor contra o amante que se afasta dela bruscamente. Mas o que mais a magoa são as palavras que contestam a fusão em que acreditara durante um momento. A “mulher de Gilles”, cuja história Madeleine Bourdouxhe contou, retrai-se quando o marido lhe pergunta: “Gozaste bem?” Ela tapa-lhe a boca. Essas palavras causam horror a muitas mulheres porque reduzem o prazer a uma sensação imanente e separada. “Chega? Queres mais ainda? Foi bom?” O próprio fato de fazer as perguntas evidencia a separação, transforma o ato amoroso numa operação mecânica cuja direção foi assumida pelo homem. E é por isso mesmo que ele as faz. Muito mais do que a fusão e a reciprocidade, ele busca o domínio; quando a unidade do casal se desfaz, ele torna a ser o único sujeito; é preciso muito amor ou generosidade para renunciar a esse privilégio; ele gosta que a mulher se sinta humilhada, possuída a despeito de si mesma; ele quer sempre possuí-la um pouco mais do que ela se dá. Muitas dificuldades seriam poupadas à mulher se o homem não arrastasse consigo muitos complexos que o levam a considerar o ato amoroso como uma luta: então ela poderia não encarar o leito como uma arena.

Entretanto, simultaneamente com o narcisismo e o orgulho, observa-se na jovem um desejo de ser dominada. O masoquismo seria, segundo certos psicanalistas, uma das características da mulher, e é graças a essa tendência que ela poderia adaptar-se a seu destino erótico. Mas a noção de masoquismo é muito confusa e exige que a consideremos de perto.

Os psicanalistas distinguem, segundo Freud, três formas de masoquismo: uma consiste na ligação da dor com a volúpia, outra seria a aceitação feminina da dependência erótica e a última estaria num mecanismo de autopunição. A mulher seria masoquista porque nela prazer e dor estariam ligados através do defloramento e do parto, e porque ela consentiria em seu papel passivo.

Cabe inicialmente observar que atribuir um valor erótico à dor não constitui absolutamente uma conduta de submissão passiva. A dor serve muitas vezes para levantar o tônus do indivíduo que a experimenta, para despertar uma sensibilidade entorpecida pela própria violência da comoção e do prazer; é uma luz aguda brilhando na noite carnal, tira o amante do limbo em que se extasiava a fim de que possa ser novamente precipitado nele. A dor faz normalmente parte do frenesi erótico; corpos que se encantam de ser corpos para sua alegria recíproca, procuram encontrar-se, unir-se, confrontar-se de todas as maneiras possíveis. Há no erotismo um arrancamento de si próprio, um transporte, um êxtase; o sofrimento também destrói as fronteiras do eu, é uma superação e um paroxismo; a dor sempre desempenhou um grande papel nas orgias; e sabe-se que o delicioso e o doloroso se tocam; uma carícia pode tornar-se uma tortura, um suplício dar prazer. Abraçar conduz facilmente a morder, beliscar, arranhar; essas condutas não são geralmente sádicas, exprimem um desejo de fusão e não de destruição; e o sujeito que as suporta não procura tampouco renegar-se e humilhar-se e sim unir-se; ademais, elas não são especificamente masculinas, longe disso. Na realidade, a dor só tem significação masoquista no caso de ser apreendida e querida como manifestação de servidão. Quanto à dor do defloramento, não se acompanha precisamente de prazer; todas as mulheres temem os sofrimentos do parto e sentem-se felizes porque os métodos modernos as livraram deles. A dor não tem, em sua sexualidade, nem maior nem menor importância do que na sexualidade do homem.

A docilidade feminina é, por outro lado, uma noção muito equívoca. Vimos que na maior parte do tempo ela aceita no imaginário a dominação de um semideus, de um herói, de um macho; mas isso ainda não passa de um jogo narcisista. Com isso, não se acha de modo algum disposta a suportar na realidade a expressão carnal dessa autoridade. Muitas vezes, ao contrário, ela recusa o homem que admira e respeita, e entrega-se a um homem sem prestígio. É um erro procurar em fantasmas a chave de condutas concretas; os fantasmas são criados e acarinhados como fantasmas. A menina que sonha com violação, num misto de horror e complacência, não deseja ser violentada e o acontecimento, caso se verificasse, seria uma odiosa catástrofe. Já vimos em Marie Le Hardouin um exemplo típico dessa dissociação. Ela escreve:324

 

Mas no caminho da abolição restava um terreno em que eu só entrava de narinas cerradas e coração batendo. Era aquele que, para além da sensualidade amorosa, me levava à sensualidade simplesmente... Não há uma só infâmia dissimulada que não tenha cometido em sonho. Sofria da necessidade de me afirmar de todas as maneiras possíveis.

Cumpre lembrar ainda o caso de Maria Bashkirtseff.

Procurei durante toda a minha vida colocar-me voluntariamente sob um domínio ilusório qualquer, mas todas as pessoas que experimentei eram tão ordinárias em relação a mim que só senti nojo.

 

Por outro lado, é certo que o papel sexual da mulher é em grande parte passivo; mas viver imediatamente essa situação passiva não é mais masoquista do que a atividade agressiva do macho é sádica; a mulher pode transcender as carícias, a comoção, a penetração para seu próprio prazer, mantendo assim a afirmação de sua subjetividade; ela pode também procurar a união com o amante, e dar-se a ele, o que significa uma superação de si e não uma abdicação. O masoquismo aparece quando o indivíduo escolhe fazer-se constituir em pura coisa pela consciência de outrem, representar-se a si mesmo como coisa, fingir ser uma coisa. “O masoquismo é uma tentativa, não de fascinar o outro pela minha objetividade, mas sim de me fazer fascinar a mim mesmo pela minha objetividade para outrem”.325 A Juliette, de Sade, ou a jovem virgem de Philosophie dans le boudoir, que se entregam ao macho de todos os modos possíveis, mas para seu próprio prazer, não são de modo algum masoquistas. Lady Chatterley ou Kate, no total abandono consentido, não são masoquistas. Para que se possa falar de masoquismo é preciso que o eu seja posto e que se considere esse duplo alienado como fundado pela liberdade de outrem.

Nesse sentido, se encontrará efetivamente em certas mulheres um verdadeiro masoquismo. A jovem tem disposição para isso porque é amiúde narcisista e o narcisismo consiste em se alienar em seu ego. Se experimentasse desde o começo de sua iniciação erótica uma perturbação e um desejo violento, ela viveria autenticamente suas experiências e deixaria de as projetar nesse polo ideal que chama de eu; mas na frigidez o eu continua a se afirmar; fazer dele a coisa de um homem parece-lhe então uma falta. Ora, o “masoquismo, como o sadismo, é aceitação de culpabilidade. Sou culpado, com efeito, pelo único fato de que sou objeto”. Esta ideia de Sartre liga-se à noção freudiana de autopunição. A jovem julga-se culpada por entregar seu eu a outrem e por isso se pune dobrando-se voluntariamente a humilhação e servidão; vimos que as virgens desafiavam o futuro amante e se puniam da submissão futura infligindo-se diversas torturas; quando o amante é real e presente elas se obstinam nessa atitude. A própria frigidez já nos foi apresentada como um castigo que a mulher impõe tanto a si mesma quanto a seu parceiro: ferida em sua vaidade, ela tem rancor contra ele e contra si própria e se proíbe o prazer. No masoquismo ela se fará apaixonadamente escrava do homem, dirá a ele palavras de adoração, desejará ser humilhada, batida; se alienará sempre mais profundamente por furor de ter consentido na alienação. É, bastante claramente, a atitude de Mathilde de la Mole, por exemplo. Ela se recrimina por se ter entregue a Julien; é por isso que, em certos momentos, cai a seus pés, quer submeter-se a todos os caprichos dele, sacrifica a cabeleira; mas ao mesmo tempo revolta-se contra ele tanto quanto contra si mesma. Nós a imaginamos gelada nos seus braços. O abandono simulado da mulher masoquista cria novas barreiras que lhe interditam o prazer; e é ao mesmo tempo através dessa incapacidade de conhecer o prazer que ela se vinga de si mesma. O círculo vicioso que vai da frigidez ao masoquismo pode fechar-se para sempre, acarretando então condutas sádicas por compensação. Pode acontecer também que a maturação erótica liberte a mulher de sua frigidez, de seu narcisismo e que, assumindo sua passividade sexual, ela a viva imediatamente, em vez de a representar. Pois o paradoxo do masoquismo está em que o sujeito se reafirma incessantemente, em seu próprio esforço por se abdicar. É no dom irrefletido, no movimento espontâneo para o outro, que ele consegue se esquecer. É portanto verdade que a mulher será mais solicitada do que o homem pela tentação masoquista; sua situação erótica de objeto passivo incita-a a representar a passividade; esse jogo é a autopunição a que a convidam suas revoltas narcisistas e a frigidez que é a consequência delas; o fato é que muitas mulheres, e em particular muitas moças, são masoquistas. Colette, falando de suas primeiras experiências amorosas, confia-nos, em Mes apprentissages:

 

A juventude e a ignorância contribuindo, eu começara pelo devaneio, um devaneio culposo, um horrível e impuro impulso de adolescência. São numerosas as jovens apenas núbeis que sonham em ser o espetáculo, o joguete, a obra-prima libertina de um homem maduro. É uma inveja feia que expiam contentando-a, uma inveja que anda de par com as neuroses da puberdade, o hábito de roer giz e carvão, beber água dentifrícia, ler livros sujos e enfiar alfinetes na palma das mãos.

 

Não se poderia dizer mais claramente que o masoquismo faz parte das perversões juvenis, que não é uma solução autêntica do conflito criado pelo destino sexual da mulher, e sim uma maneira de fugir dele, nele chafurdando. Não representa de nenhum modo o desabrochar normal e feliz do erotismo feminino.

Esse desabrochar pressupõe que — no amor, na ternura, na sensualidade — a mulher consiga superar sua passividade e estabelecer com seu parceiro uma relação de reciprocidade. A assimetria do erotismo masculino e feminino cria problemas insolúveis enquanto há luta de sexos; podem facilmente resolver-se quando a mulher sente no homem desejo e respeito a um só tempo; se a deseja em sua carne, reconhecendo sua liberdade, ela se reencontra como o essencial no momento em que se faz objeto, ela continua livre na submissão a que consente. Então os amantes podem conhecer, cada qual à sua maneira, um gozo comum; o prazer é sentido por cada um dos parceiros como sendo seu, embora tendo sua fonte no outro. As palavras receber e dar trocam seus sentidos, a alegria é gratidão, o prazer, ternura. Numa forma concreta e carnal realiza-se o reconhecimento recíproco do eu e do outro na consciência mais aguda do outro e do eu. Certas mulheres dizem sentir nelas o sexo masculino como uma parte de seu próprio corpo; certos homens acreditam ser a mulher que penetram; essas expressões são evidentemente inexatas, a dimensão do outro permanece; mas o fato é que a alteridade não tem mais um caráter hostil; é essa consciência da união dos corpos em sua separação que dá ao ato sexual seu caráter comovente; ele é tanto mais perturbador quanto os dois seres que juntos negam e afirmam apaixonadamente seus limites, são semelhantes e no entanto diferentes. Essa diferença, que muitas vezes os isola, torna-se, quando se reúnem, a fonte de seu encantamento; a febre imóvel que a queima, a mulher contempla-lhe a imagem invertida no seu ardor viril; a potência do homem, é o poder que ela exerce sobre ele; esse sexo inflado de vida lhe pertence, como seu sorriso pertence ao homem que lhe dá prazer. Todas as riquezas da virilidade e da feminilidade refletindo-se, apreendendo-se umas através das outras, compõem uma unidade móvel e estática. O que é necessário a uma tal harmonia não são requintes técnicos, mas antes, na base de uma atração erótica imediata, uma generosidade recíproca de corpo e alma.

Essa generosidade é muitas vezes freada no homem pela vaidade, e na mulher, pela timidez; enquanto ela não supera suas inibições, não pode fazê-la triunfar. É por isso que o pleno desabrochar sexual é bastante tardio na mulher; é por volta dos 35 anos que ela atinge eroticamente seu apogeu. Infelizmente, se é casada, o marido já se habituou à sua frigidez; ela ainda pode seduzir novos amantes, mas começa a fenecer; seu tempo é escasso. É no momento em que deixam de ser desejáveis que muitas mulheres resolvem assumir, enfim, seus desejos.

As condições em que se desenrola a vida sexual da mulher dependem não somente desses dados, mas ainda de todo o conjunto de sua situação social e econômica. Seria abstrato pretender estudá-la mais a fundo sem esse contexto. Mas de nosso exame ressaltam várias conclusões geralmente válidas. A experiência erótica é uma das que revelam aos seres humanos, da maneira mais pungente, a ambiguidade de sua condição; nela eles se sentem como carne e como espírito, como o outro e como sujeito. É para a mulher que esse conflito assume o caráter mais dramático, porque ela se apreende inicialmente como objeto, porque ela não encontra de imediato uma autonomia segura no prazer; ela precisa reconquistar sua dignidade de sujeito transcendente e livre, assumindo sua condição carnal: é um empreendimento difícil e cheio de riscos, no qual fracassa frequentemente. Mas a própria dificuldade da situação defende-a contra as mistificações em que o homem se deixa envolver; ele é amiúde enganado pelos privilégios falaciosos que implicam seu papel agressivo e a solidão satisfeita do orgasmo; ele hesita em se reconhecer plenamente como carne. A mulher tem de si mesma uma experiência mais autêntica.

Mesmo se adaptando mais ou menos exatamente a seu papel passivo, a mulher é sempre frustrada como indivíduo ativo. Não é o órgão da posse que ela inveja no homem: é a presa. É um curioso paradoxo que o homem viva em um mundo sensual de doçura, de ternura, de moleza, um mundo feminino, enquanto a mulher se move em um universo masculino que é duro e severo; suas mãos guardam o desejo de apertar a carne lisa, a polpa fundente: adolescente, mulher, flores, peles, criança; toda uma parte de si mesma permanece disponível e aspira à posse de um tesouro análogo ao que ela entrega ao macho. Com isso se explica que em muitas mulheres subsista de maneira mais ou menos larvar uma tendência para a homossexualidade. Há algumas em quem, por um conjunto de razões complexas, essa tendência se afirma com uma autoridade particular. Nem todas as mulheres aceitam dar a seus problemas sexuais a solução clássica, única oficialmente admitida pela sociedade. Temos de encarar também as que escolhem caminhos diferentes.