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Eva, Gretl e Fegelein
Em 1942, a libido do Führer, que envelhecia a passo acelerado, diminuíra consideravelmente. À medida que o tempo passou, ele e Eva ficaram quase que fadados a fazer menos amor do que ela teria gostado. Ele continuava, aos 54 anos, comparativamente jovem, mas nunca fora um homem muito voluptuoso e a guerra exigia demais de seu tempo, vontade e energia. Em 1943, quando a maré da guerra se voltara contra a Alemanha, já não faziam amor nunca. Isso é comprovado por Speer, cuja amizade íntima com Eva Braun tornara-o seu confidente natural:
Foi para Albert Speer que ela se voltou, às lágrimas, a fim de contar que “o Führer acaba de me dizer para encontrar outra pessoa, que não pode mais me satisfazer como homem!”. Não há dois modos de interpretar isso, Speer prosseguiu: “Ela deixou bem claro que Hitler lhe dissera estar ocupado demais, absorvido demais, cansado demais — não podia mais satisfazê-la como homem”.[1]
As palavras mais importantes no relato são “não podia mais”, deixando perfeitamente claro que no passado Hitler a satisfizera “como homem”. Eva, agora com 31 anos e entrando na plenitude de sua vida sexual, ficou suficientemente aflita com a incapacidade do amante em manter a antiga atividade sexual para buscar aconselhamento junto a seu médico particular, o dr. Morell, de quem nunca gostara e em quem não confiava. Provavelmente, sabia que fora um especialista em doenças venéreas e achava que seria bem-informado em questões de sexualidade masculina — prova de como queria de volta o velho Hitler e sua potência sexual, seja qual for o significado disso. Morell mais tarde confirmou à Comissão Americana de Inquérito[2] que Eva pedira algo para estimular o desejo cada vez menor de Hitler e que ele prescrevera injeções de um hormônio sexual masculino chamado Testoviron para o Führer (algo parecido com a testosterona), que segundo se acreditava restaurava a energia sexual desaparecida, mas o remédio não surtiu nenhum efeito.[3]
Num gesto de magnanimidade — ou indiferença — , o Führer deu a Eva permissão tácita para procurar um homem mais viril que o substituísse. Hitler não era ciumento — muitas vezes no passado tinha dito que se fosse para se apaixonar por um homem jovem e apropriado, não ficaria em seu caminho. Ele queria que se sentisse satisfeita, reconfortada e mais feliz do que poderia torná-la e se a ânsia de um marido e filhos ficasse premente demais, era livre para procurar em outra parte. Vários lambe-botas do Berg alegavam que tinha casos, espalhando boatos torpes, numa tentativa de sujar sua reputação e tirar sua posição de senhora do Berghof. Não há o menor sinal a evidenciar que isso possa ter ocorrido, e, nesse caso, a vida sexual dessa jovem saudável e ativa se encerrou pouco após os trinta anos. A mera frustração sexual e biológica teria sido um motivo forte o bastante para a infidelidade e vivia cercada de batalhões de homens prontos a lhe dar a oportunidade de uma escapadinha, mas, quando perguntaram a Speer se Eva Braun em algum momento levara as palavras de Hitler em consideração, ele replicou: “Isso estava fora de questão, para ela. Seu amor e sua lealdade eram absolutos — como de fato o provou, inequivocamente, no fim”. Por outro lado, esse mesmo Speer, estranhamente, ao que parece comentou com David Puttnam, em off — haviam se conhecido durante a produção de um documentário — , que ela na verdade chegara a ter um romance fugaz, indicando um jovem ajudante que aparece numa das cenas de esportes de inverno, nos filmes caseiros dela, como o homem em questão. Dada a tendência de Speer em dizer às pessoas o que elas queriam escutar, a informação deve ser encarada com um pé atrás, em particular por não ter sido corroborada por mais ninguém.
Se Obersalzberg era claustrofóbica demais para possibilitar uma aventura, sempre havia Munique, onde cultivava um amplo círculo de amizades (embora jovens rapazes estivessem desaparecendo um após o outro). Se aí nada acontecesse, podia muito bem ter sido cativada por algum italiano bonitão durante uma de suas viagens ao exterior. Uma bela jovem em busca de um amante dificilmente precisa ir muito longe para procurar e, em épocas de guerra, é um impulso natural, quase universal, que os soldados queiram propagar sua linhagem e perpetuar seus genes. O problema era que Eva não estava em busca de um amante. Poderia ter “pulado a cerca”, mas não existem evidências de que algum dia tivesse tido um romance ocasional — exceto, é possível, uma vez, no começo do relacionamento com Hitler. Herta Schneider revelou a Nerin Gun, trinta anos após os eventos que descreveu, um encontro em 1935 entre Eva e um estranho que podia ter levado a um affair ou mesmo a um compromisso mais sério.[4] Gun alega ter checado a veracidade disso, embora como, ou com quem, não mencione.[5] Contudo, de certa forma, as minúcias de tempo e lugar e o fato de que a história provenha de uma fonte confiável e em primeira mão emprestam-lhe um ar de verdade. Ei-la aqui, exatamente como Herta contou:
Apenas uma vez Eva mostrou algum interesse por outro homem. Foi depois de sua segunda tentativa de suicídio [em maio de 1935, aos 23 anos], quando foi com a mãe e a irmã mais nova para Bad Schachen, um encantador castelo e hotel no lago Constança, perto de Lindau. Um certo Peter Schilling, homem de negócios, mais jovem que Hitler, embora com mais de trinta, começou a cortejá-la. Ele ficou mesmo impressionado. Os dois se tornaram imediatamente inseparáveis e faziam um belo casal. Eva confidenciou que gostava muito de Schilling, que o achava perfeito e que, em outras circunstâncias, seria até capaz de tê-lo amado. “Mas já existe um homem em minha vida e nunca haverá outro. É tarde demais.” Assim, recusou-se a voltar a vê-lo e até a falar com ele ao telefone. Não há como saber se contou o incidente a Hitler.
De fato, não há; tampouco se contou para Herta ou se isso realmente aconteceu, para começo de conversa.[6] É difícil imaginar que Eva, envolvida com um homem de enorme carisma e com poder nacional e internacional, teria se contentado em viver como Frau Schilling. Como uma atleta ou usuária de drogas, viciara-se na adrenalina de sua relação turbulenta com o Führer. Tivesse ou não consciência disso, a felicidade pura e simples já não era o bastante. Em 1935, ele já exercia seu domínio sobre ela e, em 1942, sua vida estava irremediavelmente enlaçada na dele.
A vida de Hitler era cada vez mais ameaçada por assassinos.[7] Algumas tentativas quase lograram êxito, mas viram-se todas frustradas, fosse por circunstâncias imprevistas, fosse pelo aumento das medidas de segurança tomadas pelo ditador paranoico. No verão de 1942, porém, Claus Schenk Von Stauffenberg, do Círculo Kreisau (sobre o qual muito mais será dito, adiante), começou a defender a morte de Hitler. Von Stauffenberg conheceu Hitler quando o Führer passava instruções militares, em junho de 1942, e observou: “Göring parecia usar maquiagem, Speer aparentava ser a única pessoa sã entre psicopatas e Hitler tinha as pálpebras inchadas e as mãos palpitantes. Era difícil até respirar naquela atmosfera viciada e podre”. Eva, naturalmente, não sabia nada a respeito, embora se preocupasse constantemente que algum louco pudesse tentar assassinar seu homem.
A família Braun e amigos continuavam a viajar para o exterior sob a proteção do Duce — a Itália era um dos poucos países da Europa onde a presença deles era bem-vinda — todo ano desde a década de 30. Quando a guerra já ia bem avançada, em julho de 1942, Eva tirou umas férias com um grupo de amigas na Riviera italiana. Era sua quinta visita desde 1938, e seria a última. Poucos dias após deixar a Itália, Mussolini foi derrubado. Agora as opções de destino de férias reduziam-se à… Grécia, talvez, ou Noruega? Nenhum dos dois países era inteiramente seguro. Eva e suas amigas tinham pouca escolha senão ficar em casa e ver o pôr-do-sol em Berchtesgaden.[8] Os bons tempos, ela deve ter se lamentado, chegavam ao fim.
Em novembro de 1942, o Führer começava a acusar as pressões da guerra — uma guerra que insistia em conduzir quase que a solo. A memória de Hitler começou a falhar (como sua percepção da realidade sempre fizera). Sua megalomania, quando a guerra parecia tomar o rumo de seus sonhos, era incontrolável e só piorava. O conde Ciano, relatando um encontro com Hitler e Mussolini em Salzburgo, em abril de 1942, escreveu: “Hitler fala e fala e fala e fala. No segundo dia, depois do almoço, quando tudo já fora dito, Hitler falou ininterruptamente por uma hora e quarenta minutos”.[9] Quando empreendeu a Operação Barbarossa contra a União Soviética, uma antiga aliada em seu pacto de não-agressão, Hitler acreditara que “Tudo que temos a fazer é dar um pontapé na porta, então toda a estrutura apodrecida irá desabar”. Isso foi uma tremenda prova de seus preconceitos e falta de informação. Barbarossa teve início e mais de 3 milhões de soldados alemães e 3.300 tanques cruzaram a fronteira russa, armamentos e homens que não podiam ter sido dispensados da guerra contra os aliados.[10] Hitler se recusara a dar ouvidos aos conselhos, para não falar dos avisos, e esperava que a vitória viesse em alguns meses. Não podia estar mais errado.
No início de 1943, ele permaneceu constantemente em movimento entre o quartel-general de Berlim e o Wolfsschanze, na fronteira oriental da Prússia, e com menos frequência em sua base sul, Werwolf, perto de Vinnitsa, na Ucrânia, onde passou um mês no fim da primavera. A derrota para os soviéticos cobrara seu tributo. Em março de 1943, Hitler era, segundo um biógrafo,
um homem exausto […]. Fitava o vazio com os olhos esbugalhados, as maçãs do rosto inchadas, e sua espinha era torta por causa da cifose e de uma leve escoliose. Sofria de espasmos na perna e no braço esquerdos e arrastava os pés. Estava cada vez mais irritável, reagindo violentamente a críticas, e se aferrava com obstinação às próprias opiniões, por mais ridículas que fossem. Falava num tom surdo e monótono, se repetia e ficava voltando ao tema da infância e do começo da carreira.[11]
O Führer recebeu ordens médicas de repousar por três meses. Chegou ao Berghof em 22 de março, mas, depois de aguentar as festividades de Páscoa e aniversário (fez 54 em 20 de abril), partiu novamente em 2 de maio, primeiro para Munique, depois Berlim, então para o Wolfsschanze, onde ficou animadíssimo com o exultante relatório de Albert Speer, agora ministro de Armamentos, sobre a crescente produção de material bélico dos alemães. Em 21 de maio de 1943, estava em casa outra vez para cinco semanas, mas Eva não conseguiu persuadi-lo a passar muito tempo em sua companhia, uma vez que ele estava ocupado com reuniões, visitas oficiais, conferências militares e as vitais, ainda que cada vez mais inúteis, decisões táticas, numa guerra que se voltava contra ele. Mais histérico que nunca, falava, andava em círculos, atravessava a noite com mapas e generais, devorava pílulas e não conseguia se acalmar. Ela tirou algumas fotos suas no terraço (cada visita podia ser a última), mas em todas seu aspecto é tenso e sombrio. No dia 29 de junho, ele tomou um voo de volta ao Wolfsschanze. Não por muito tempo. Em 18 de julho, estava outra vez em Obersalzberg e Eva passou dois dias com ele, mas até mesmo esse breve intervalo foi interrompido por uma visita de Mussolini, que esperava o apoio do Führer na situação italiana, que rapidamente se desintegrava. Uma semana mais tarde, il Duce foi derrubado e preso.
As incansáveis idas e vindas continuavam. No dia 20 de julho, o Führer regressou ao leste da Prússia por quase quatro meses, durante todo o outono até 8 de novembro, quando tirou uma semana de férias no Berghof. No dia 16, estava de volta ao Wolfsschanze para o Natal de 1943 e o Ano Novo, ocasiões que no passado quase sempre conseguira passar com Eva. Em outras palavras, entre o fim de junho de 1943 e 23 de fevereiro de 1944 — quase oito meses — os dois não se viram por mais que dez dias. Como observou Gertraud em suas memórias, Eva “sofria com as maquinações e intrigas de Bormann contra ela e tinha de ficar apenas assistindo enquanto Hitler era arruinado pelos médicos com seus tratamentos, incapaz de fazer alguma coisa, pois sua influência era nula, até mesmo sobre ele”.
Dadas essas longas ausências, aliadas ao colapso dramático da saúde de Hitler, teria sido perdoável se o constante afluxo de jovens ajudantes aquartelados no Berghof (que definitivamente eram atraentes: Hitler fazia questão de se cercar de jovens altos, loiros e bonitos) houvesse levado Eva à infidelidade. Perguntado sobre como ela era com outros homens, Herbert Döring disse: “Decerto completamente diferente da forma como era com Hitler. Com ele, portava-se de um jeito fechado e artificial; era travada. Com outros homens ficava instantaneamente mais relaxada, expansiva, normal. Movia-se normalmente, parecia normal, com suas belas expressões e trejeitos”. Tornada uma pessoa vivaz, encantadora e charmosa, Eva Braun era um chamariz óbvio. Embora tivesse de ficar longe das vistas quando delegados estrangeiros apareciam em Obersalzberg, um jovem ajudante-de-ordens observador poderia vê-la voltando de uma caminhada ou tomando banho de sol no terraço, partindo então para algumas perguntas discretas. A pessoa lhe diria que era uma das secretárias. Se fosse um pouco mais longe e mandasse um bilhete marcando um encontro, como Eva teria reagido? A verdade é que não temos como saber. Para a amante do Führer, arrumar um outro amante teria sido um passo perigoso, para ele e para ela, e, houvesse isso ocorrido, teria sido necessário o máximo cuidado para manter segredo. Não existem relatos diretos de flertes e aproximações, nenhuma carta amorosa, nenhum regalo de amor, nenhuma foto borrada de um beijo ilícito — nada que sustente a afirmação de ter havido admiradores para quem ocasionalmente se entregava. Faltava no Berghof uma fofoqueira de peso ou alguém que mantivesse um diário e fosse capaz de descortinar um mundo oculto de brincadeiras amorosas. Nenhuma Nancy Mitford, James Lees-Milne ou duque de Saint Simon emergiu desse enclave de filisteus. Eva tem de ser presumida inocente. Quase que se pode dizer que é uma pena.
Gretl, por outro lado, podia fazer o que bem entendesse sem que se dissesse uma palavra a respeito de seus pecadilhos no Berg na manhã seguinte. A linda Gretl, com seu sorriso enviesado e olhos de veludo, adorava um flerte e tivera mais de um caso amoroso, até conhecer o charmoso, e amplamente detestado, Gruppenführer Hermann Fegelein, general da SS e oficial de ligação entre Himmler e o Führer.[12] O garboso recém-chegado apareceu no Berg em março de 1943 e provocou um forte impacto na vida das irmãs Braun. Em pouco tempo abriu caminho no círculo íntimo. Traudl Junge observou:
No início, só era visto nas cercanias do Berghof, mas ficou amigo de Bormann e logo se tornou uma pessoa influente. Era o clássico tipo do cavaleiro vistoso. Não admira muito que estivesse acostumado ao assédio feminino. […] Nem bem apareceu já era admitido à mesa do Berghof. Brindava com todas as pessoas influentes, partilhava de banquetes com Bormann noite após noite e logo tinha todas as damas a seus pés. Fegelein, um bom papo e excelente companhia, atraiu a atenção de Eva Braun e sua irmã Gretl. Esta última particularmente tornou-se objeto de exibição do belo Hermann. Como se não fizesse ideia de que era a irmã de Eva Braun, dizia-lhe: “Aquela ali é uma pata tonta!”.[13]
Estaria disfarçando seus verdadeiros sentimentos? Os fofoqueiros de plantão e os inimigos dela espalharam rapidamente insinuações de que Eva e Fegelein eram amantes. Herbert Döring achava isso bem possível. “Fegelein era um grande admirador de Eva Braun — ah, se era — e teria gostado de possuí-la. Christa Schröder disse que Eva gostava de Fegelein, mas não sei nada sobre isso. Certamente é algo que dá para imaginar.”[14] Ele deixa de observar que, enquanto o suposto relacionamento tinha lugar, já não fazia parte da criadagem do Berghof, de modo que seus comentários são de ouvir dizer; e ficam ainda mais desacreditados por virem de uma secretária — Christa Schröder — que reconhecidamente não gostava de Eva. Em 1985, mais de quarenta anos depois, Christa alegava em suas memórias que Eva lhe confidenciara que, quando Fegelein surgiu em Obersalzberg, deixou-a vivamente impressionada, acrescentando: “Se eu o tivesse conhecido há alguns anos, teria pedido ao chefe para me liberar”.[15] Talvez. Mas mais provavelmente não. À parte qualquer outra coisa, por que confiaria ela em Fräulein Schröder, que jamais foi sua aliada? Gitta Sereny acredita que essas histórias são absurdas. “Nunca tive nenhuma prova desse ‘ affair’ com Fegelein e fico inclinada a pensar que não passa de folclore. Eva não era uma garota imoral e isso teria sido algo profundamente imoral. Descarto que tenham dormido juntos. Acho apenas que não tem a ver. Acho que era a namorada de Hitler e só.”[16]
As histórias maldosas de um suposto caso estão baseadas em conjecturas e suspeitas e não levam em consideração aspectos humanos, como lealdade e afeição familiar. Eva amava Hitler com devoção cega. A infidelidade teria sido uma traição terrível, ainda que ele houvesse dado a entender que não a culparia. Como boa católica, já pecara bastante sem precisar cobiçar o futuro marido da irmã. Talvez o impedimento mais poderoso fosse que isso teria magoado Gretl profundamente. Passara a vida toda à sombra de Eva. Se a irmã mais velha roubasse seu namorado, ou noivo, para não falar de marido, o dano teria sido irreparável. Para desconsiderar coisas como essas, Eva teria de estar loucamente apaixonada por Fegelein, e não estava. Do ponto de vista dele, teria sido um risco absurdo seduzir a amante do Führer. O vazamento da história — e naquela estufa que era o Berghof alguém teria descoberto — significaria rebaixamento, banimento ou até a morte. Fegelein decerto achava Eva atraente, mas não era bobo de ir além de uma dança em público, entregues a um sedutor abandono.
A leal Gertraud, é claro, continua convencida de que Eva nunca teve um amante:
Ela não estava interessada em flertar com outros homens, estava inteiramente concentrada em Hitler. Dizia-se que tinha um caso com Fegelein, mas para mim falava a respeito dele com grande desaprovação. Eu sentia pena de Gretl, por ter um marido daqueles: rígido, orgulhoso, arrogante, mas também um galanteador. Queria se casar com Gretl porque isso o faria avançar na hierarquia.[17]
Eva também tinha consciência de que uma das maiores motivações de Fegelein em cortejar Gretl era que o status de virtual cunhado de Hitler lhe valeria um lugar firme no coração do círculo encantado. Ela enxergava no garboso cavaleiro um arrivista desavergonhado, mas, como Gretl era louca por ele, talvez deixasse pra lá. Gertraud observa:
Ela [Eva] fora namorada de Hitler havia quase décadas [ seit fast Jahrzehnten], mas ele não a desposara; e agora lá estava aquele homem querendo casar-se com sua irmã. Não fica claro se Fegelein realmente queria casar com Gretl ou se o fazia, como se suspeitou, para agradar a Hitler e Bormann. Hitler sem dúvida providenciou apoio financeiro e de outros tipos para o casamento.[18]
Eva deixou de lado seus pressentimentos e apoiou a inadequada escolha da irmã.
A própria Gretl, consciente da idade — tinha agora quase trinta — , e encorajada pela paixão casamenteira de Hitler (“Eva e Gretl sempre foram as marionetes de Hitler”, disse Gertraud), casou-se com Hermann Fegelein em parte para agradar ao Führer, em parte para agradar à mãe (louca para ganhar netos), mas, acima de tudo, para agradar a si mesma. Seu marido era um general, bem situado na hierarquia da SS e muito atraente. Diversas mulheres haviam-no perseguido ardentemente. Gretl devia achar que encontrara um bom partido.
No dia 3 de junho de 1944, Eva fez os arranjos para as luxuosas bodas da irmã — difícil não ver nisso um substituto para seu próprio casamento. Gretl Braun e Gruppenführer Hermann Fegelein, SS, uniram-se em matrimônio na prefeitura de Salzburgo; um casamento civil, é desnecessário dizer. Dali, voltaram de carro ao Berghof, onde um esplêndido almoço dado por Hitler fora servido para o casal e seus convidados. Gretl estava deslumbrante num vestido branco de seda, com um profundo decote coberto de renda, cortado na diagonal para enfatizar seu talhe esbelto e ao mesmo tempo mostrar que não estava grávida. Carregava um buquê de flores brancas e sorria de modo arrebatador para o marido puro-sangue, cem por cento ariano garantido. As fotos mostram o casal encenando uma pose de recém-casados apaixonados, a cabeça de Gretl pousada com confiança no ombro de seu homem, Fegelein com ar forte e protetor. Na foto oficial do casamento, Hitler, pelo menos então com traje civil (ele havia jurado usar uniforme, como seus soldados, até o fim da guerra), sorri levemente com os lábios apertados. Eva, de modo muito pouco habitual, escolheu um vestido de cetim um tanto quanto impróprio, firmemente drapeado no busto, com uma cintura apertada e saia bufante, mais para anos 50 que 40 e nem um pouco seu estilo costumeiro. Talvez não fosse deliberado, mas dava a entender que não queria ofuscar a irmã.
Quando a refeição e os discursos terminaram, os presentes (embora não o Führer, que tinha coisas mais urgentes para tratar) foram transportados em vários carros através da encosta íngreme até o Ninho da Águia, no pico do Kehlstein. Ali, outra festa teve lugar, com tanto champanhe quanto os convidados fossem capazes de beber (empolgado com a atmosfera romântica e libidinosa da ocasião, Göring bebeu tanto que teve de ser carregado sem sentidos de volta para casa). O casal foi acalentado com uma serenata de acordeão e violino — os músicos não eram, é claro, ciganos; detido nos campos de concentração, o povo rom, a essa altura, fora praticamente aniquilado[19] — , executada por uma desgraciosa dupla tirada da banda da SS. Depois disso, o alegre bando bebeu mais champanhe e todos dançaram até as três da manhã.
Três dias depois, o desembarque aliado na Normandia começou.
Traudl Junge observou:
É surpreendente como ele [Fegelein] conseguiu ficar amigo de Eva — embora talvez não tão espantoso assim, quando se considera como podia ser divertido e encantador. E Eva, jovem e cheia de vida, que fora forçada a ficar quieta em segundo plano, estava feliz de ter um cunhado com quem podia dançar até cansar sem prejuízo moral, censura ou fofoca.[20]
Mas o casamento de Gretl mudou o relacionamento de Eva com sua irmã e também mudou seu próprio status. A prima Gertraud descreveu a alteração da dinâmica entre as duas, até então amigas próximas e confidentes mútuas:
A vida de Eva entrou numa fase difícil no período que se seguiu ao casamento de Gretl com Herr Fegelein […] com o que, do modo que vejo, a pequena puxa-saco de Eva viu-se transformada numa mulher casada. Não faz diferença se Gretl amava ou não o marido: estava casada, agora, ao passo que Eva continuava uma amante. Ou talvez não tanto a amante quanto a mulher que “fica ao lado de seu homem”, por lealdade e um certo senso de responsabilidade. O casamento de sua irmã criou um problema psicológico grande para Eva. O relacionamento entre as duas sempre fora muito intenso e agora ela perdera a irmã, que havia sido sua melhor amiga, por causa do casamento com um homem que não respeitava.[21]
Eva estava mais isolada que nunca. Agora que Gretl se fora — a pessoa que a venerava e ficara a seu lado desde quando eram pequenas e moravam na Isabellastrasse — , Eva não vinha em primeiro lugar para mais ninguém, certamente não para Hitler. A despeito de sua posição estabelecida, sofria com o degradante anonimato que ele continuava a lhe impor. Como Fegelein, ela alimentara esperanças de que seu status subiria por meio de uma ligação familiar legítima com o Führer. Era agora oficialmente “gesellschaftsfähig”: adequada para uma companhia educada. “Agora que sou cunhada de Fegelein”, disse, “sou alguém, finalmente!” É um pensamento triste que, após ter sido amante de Hitler e morado no Berghof por quase dez anos, Eva tivesse a si mesma em tão baixa conta que sentisse necessidade de reivindicar uma posição legítima em Obersalzberg por intermédio do casamento da irmã mais nova com um alpinista social, que abrira caminho, à força da lábia, para ingressar no círculo íntimo.