Conforme prometi, no dia seguinte abalámos (eu adorava o verbo «abalar» e a forma como a minha avó o pronunciava) para Beja.
Comprei uma piscina insuflável, montei-a no jardim enquanto os meninos saltavam de excitação e passámos horas a fio lá dentro. Foram dias alegres, que me fizeram sentir cada vez mais otimista.
No domingo, houve um momento em que me apoiei na borda insuflável da minipiscina e soube que ia ficar bem.
Os segredos e as confissões dolorosas tinham acabado. As duas índias da minha tribo estavam comigo, a observarem-nos do alpendre, havia um bebé a crescer na minha barriga, estava a ouvir as gargalhadas dos meninos, a água estava a uma temperatura perfeita e o frigorífico cheio de gelados.
A partir dali, só ia fazer o que me apetecesse.
Ia criar o meu filho à minha maneira e viver sem dar satisfações a ninguém, seria uma mulher independente e inspiradora como idealizei na adolescência.
A Joana ligou na segunda-feira à noite, a anunciar que tinha obtido a magnífica classificação de 19,8, duas décimas a mais que o outro médico que tinha a mania.
Estava a sofrer com saudades dos filhos e arrependida por não lhes ter dado atenção nos últimos tempos. Afinal, toda aquela preocupação doentia não tinha valido a pena, o júri tinha sido muito razoável nas perguntas.
Sosseguei-a e disse-lhe para aproveitar para descansar, os meninos estavam muito satisfeitos e já me tinham pedido para ficar mais dias na casa da avó Luísa.
As minhas palavras foram em vão, porque ela chegou a Beja na manhã seguinte, ainda não eram nove horas. Levámos os meninos à praia fluvial da Mina de São Domingos e quando voltámos propus-lhe ficar a passar a noite, para ela não conduzir cansada e porque estava a adorar tê-la comigo.
Às três da manhã estávamos as duas na risota no alpendre, eu a beber chá de menta e ela vinho, uma das últimas garrafas Fonte da Luz DOC que o Ricardo tinha trazido para a minha avó.
− O vinho é muito bom, Sofi. Mesmo depois de te divorciares acho que podias continuar a comprá-lo...
Garanti-lhe que nunca mais na vida beberia o vinho do avô do Ricardo, mas ela não me levou a sério.
− Não acredito... tu não és nada rancorosa! Aliás, deves ser das perdoadoras mais rápidas que conheço! Eu e o Henrique nunca nos vamos esquecer que perdoaste ao Daniel Silvestre, NO PRÓPRIO DIA em que ele nos denunciou por termos colado o apagador no cimo do quadro...
Desatámos às gargalhadas, com a lembrança da nossa stôra de Geografia do oitavo ano, gorducha e semianã, a dar saltinhos para tentar chegar ao apagador...
− Por falar em perdoar, Sofi... Peço desculpa por ter sido bruta contigo e ter dito que não tinha paciência para as tuas telenovelas.
Fiquei agradavelmente surpreendida, era muito raro aquela criatura assumir os erros e pedir desculpa.
− Desculpas aceites. Sabes uma coisa, Joana? Até acho que foi mesmo o que eu precisava de ouvir, para relativizar e quebrar este ciclo de drama... – Fiz uma careta teatral antes de continuar. − Vou ter um filho, que era o meu maior desejo! Tenho saúde, família e amigos maravilhosos. E em vez de estar contente, estava a caminho de me tornar numa chata insuportável! Até foi bom teres sido bruta! E também foi ótimo estares a descompensar e eu ter trazido os meninos, fartei-me de brincar com eles e nem tive tempo para pensar no que o Ricardo disse ou fez... Já não quero saber disso para nada!
Ela sorriu enquanto me fitava com uma expressão avaliadora.
− Tu estás mesmo bem, não estás, Sofi?
Acariciei a minha barriga ainda quase plana.
− Sim. Estou. Olha lá, não achas que a minha barriga já devia estar maior?
A Joana riu-se da minha urgência em ficar barriguda.
− Não te preocupes, não tarda vais ter uma barriga enorme cheia de estrias e os pés vão-te inchar até parecerem os de um hipopótamo... – Tirou-me o xaile da minha avó para me examinar melhor, puxou-me o decote da T-shirt para baixo e continuou num tom ainda mais brincalhão. – Olha, olha! As mamas já te cresceram, Sofi. Tu não eras assim...
Enquanto eu evidenciava o volume extra das minhas maminhas, ela encarou-me benevolente.
− Fico muito feliz por estares a aceitar tão bem a tua telenovela.
Suspirei e tirei um biscoito de limão do cestinho em cima da mesa.
− Não te vou mentir, gostava de ter engravidado do Ricardo durante o nosso casamento. Também preferia que o Alex tivesse uma atitude diferente e não me destratasse daquela maneira, mas não foi assim que aconteceu e como sou uma perdoadora rápida... – Fiz-lhe um sorriso cúmplice. Ao contrário da minha amiga, eu achava que ser uma perdoadora rápida era uma qualidade. − Já fiz as pazes com o Universo...
Olhei para as estrelas, trinquei o meu biscoito e continuei.
− Não ser casada com o Ricardo vai ser bom noutros aspetos. Acabei de recusar o convite de uma amiga dele para o batizado do filho, sem pestanejar! Nem pensei por um milésimo de segundo se parecia mal! Vou curtir a minha gravidez, ser apaparicada pela minha família, divertir-me com os meus amigos...
O grilo falante que a Joana tinha dentro dela, sem filtro devido à meia garrafa vinho, não resistiu a ser inconveniente.
− Encontrar outra pessoa...
Fiz um esgar de desacordo e revirei os olhos.
− Estás doida! Não, não. Esquece! Estou preparada para tudo o que a vida tenha para me oferecer em todos os campos, menos esse. Nunca mais quero saber de complicações amorosas na minha vida. Quero ficar sozinha e em paz com o meu filhinho querido.
A Joana deu mais um gole no seu copo de vinho, fitou-me com uma expressão avaliadora e um sorriso trocista...
− Claro que sim. Nunca mais na vida... Por falar nisso, conta-me outra vez a tua conversa com o Ricardo na Cova do Vapor...