12 semanas
Acordei com o toque do meu telemóvel. Corri em direção à cozinha a pensar que me estavam a ligar para confirmar a ecografia das 12 semanas. Tinha sido muito complicado arranjar aquela vaga. Quase todos os ecografistas que a Dra. Margarida me tinha recomendado estavam de férias ou com as agendas cheias.
− Olá, minha querida! Já recuperou da sua perninha? Pergunte-me quem é a nova diretora da nossa escola primária de Moringane que precisa de recrutar um novo elemento?
Afinal, era a Rita, que eu tinha substituído durante cinco meses, para que os seus alunos não ficassem sem professora e corressem o risco de se perder para o trabalho infantil em Moçambique, a sua principal preocupação por ter de vir ao IPO tratar o seu «nódulozito» na mama.
− Arranjo-lhe uma casa ao lado da minha e continua com a mesma turma...
Interrompi-a para lhe contar que tinha engravidado em Moringane, quem era o pai e como me tinha dito que não queria saber.
Como sempre, a minha querida amiga via sempre o melhor lado da vida e terminou a chamada com palavras que me sossegaram o espírito.
− Estou felicíssima por si e por essa criança sortuda que a vai ter como mãe. Beijinhos, minha querida, depois ligo para saber como correu a ecografia!
A Dra. Cristiana era uma ecografista muito sisuda. Terminou o exame e comunicou-me que estava tudo bem, para não estar tão stressada e aproveitar a gravidez.
Justifiquei a minha ansiedade com o facto de aquele bebé ter sido quase um milagre e ela falou-me num tom mais caloroso.
− Que bom que foi um milagre. Mais um motivo para ficar tranquila... Para preocupados estamos cá nós de bata branca, a função das grávidas é relaxar. É por isso que a natureza é sábia e vos enche de progesterona!
O ponto de vista da Dra. Cristiana fazia sentido.
Deixei a progesterona fazer efeito e saí da clínica imersa numa serenidade boa, que me dava vontade de comer um doce da casa do nosso restaurante, com um acrescento de morangos e chantilly.
Estava a terminar a minha sobremesa personalizada quando a Rita me ligou outra vez, para saber novidades do «pequenino gerado em Moringane» e surpreender-me com a sua generosidade.
− Tive uma grande ideia, Sofi. Tratou tão bem desta casinha quando cá esteve, que faço questão que use a minha casa em Campo de Ourique. Empresto-lha até quando quiser. Fica a cinco minutos a pé do colégio e não tem de passar a ponte todos os dias.
Agradeci de coração, mas recusei porque gostava de viver com os meus pais.
− Claro que gosta, mas durante a semana era mais prático ficar na minha casa e depois ia ter com os seus pais ao fim de semana. Uma casa sem ninguém é um desperdício tremendo...
Nesse ponto eu também concordava.
− Pois é, Rita. Porque não a aluga? Podia fazer um bom dinheiro, as rendas em Lisboa estão caríssimas...
Ela respondeu-me num tom irónico mas adorável.
− Pois é, e eu preciso imenso de dinheiro, porque há muitas lojas, aqui em Moringane, com uma data de coisas que eu quero comprar...
Senti saudades da banca do senhor Vitorino, que me tratava sempre tão bem, com os seus modos tranquilos e um sorriso acolhedor.
− Mas pode gastá-lo quando vier a Portugal, vai até às Amoreiras e renova o guarda-roupa!
Ouvia-a dar um gritinho de desprezo pela minha sugestão.
− Como se eu tivesse paciência para fazer um disparate desses! Sofi, faça-me a vontade, deixe-me retribuir o que fez por mim, não imagina o descanso que foi ir tratar-me sabendo que ficava com os meus alunos... Sabe uma coisa? Esse tal Universo de que está sempre a falar, acabou de me dizer para lhe oferecer a minha casa! Não pode dizer que não ao Universo, ele fica zangado e atira-nos com meteoritos...
Enquanto ela brincava com as minhas tendências budistas, eu ponderava em como a oferta era tentadora... Podia ficar em Lisboa durante a semana a fazer programas com a Vera, e ir para a margem sul aos fins de semana. Seria ter o melhor dos dois mundos!
Aceitei desde que ela me deixasse pagar todas as despesas e fiquei emocionada com o seu entusiasmo.
− Vou dar-lhe a morada da minha irmã para ir buscar as chaves! Que ideia tão boa que eu tive!
Ouvia-a rir com um som agudo cristalino e não resisti a dizer-lhe que, de todo o Universo, ela era uma das minhas pessoas preferidas.
A casa da Rita ficava numa zona de Campo de Ourique cheia de vida e mesmo ao pé do jardim da Parada. Era um apartamento com três quartos e áreas generosas, decorado exatamente como quando lá tinha ido pela primeira vez, pouco depois do início do ano letivo de 2008.
Foi bom rever os seus sofás clássicos beges com ramagens azuis, a mobília de mogno da sala e as estantes apinhadas de livros. Deitei-me na cama com uma colcha florida do quarto de hóspedes e a sensação foi surpreendente, assim como se tivesse voltado para a «minha» casa de Moringane, mas numa versão muito melhorada.
Gostava de morar com os meus pais, mas ter um espaço só para mim também era recompensador e decidi passar uns dias em Campo de Ourique. Pedi à Vera para me ajudar, fiz limpezas, levei roupas e guarneci a despensa para fazer face aos apetites ocasionalmente desenfreados de uma grávida bastante gulosa.