Polícia Judiciária de Lisboa

A Sofia estava nas mãos de um raptor que não se identificou e seria devolvida com vida em troca de cem mil euros.

Só podia ter sido o João Rodrigues, o grande filho da puta ia telefonar ao pai da Sofia dentro de três horas, exatamente às dezanove, a dizer o local onde deveria ser deixado o dinheiro. Meia hora depois de ter o dinheiro, ia dizer onde ela estava para que o pai a fosse buscar.

Que grande treta. Depois de ter o dinheiro, o cabrão não tinha nenhum motivo para a entregar. O pai da Sofia também o sabia, mas não via outra alternativa.

O João Rodrigues estava a vigiá-lo e ao seu telefone 24 horas por dia. Ao mínimo indício de que estava a avisar as autoridades, a Sofia morreria.

Liguei ao Maia e ele mandou-me ir ter com ele, mas não me disse que estava numa reunião com uns gajos dos serviços centrais e que eu ia ter de esperar meia hora até que acabasse.

Quando entrei no gabinete do meu chefe já ia passado, mas o facto de o gajo não compreender a urgência da situação fez-me perder as estribeiras.

− Maia, não me estás a ouvir, preciso que me arranjes uma equipa de pelo menos três elementos. JÁ! No máximo meia hora! A Sofia está em perigo, este gajo é um psicopata de merda que a vai matar sem pensar duas vezes.

O Maia juntou as mãos em cima dos papéis que tinha na secretária.

− Eu não tenho três pessoas aqui no bolso para isto. Vou falar com o diretor e vamos reunir com analistas para decidirmos o melhor modus operandi para apanharmos o João Rodrigues...

Abanei a cabeça enquanto ele falava.

− Caguei para o diretor e para o modus operandi! Temos de avançar AGORA! Como é que não percebes isso?

O Maia levantou-se e falou alto, com os olhos muito abertos.

− Alex, se queres continuar a trabalhar aqui, acalmas-te! Sempre foste um gajo com mau feitio, mas estás a passar um ponto de não retorno.

Dei um murro na secretária para não lho dar a ele.

− A mulher que está sequestrada é que está a passar um ponto de não retorno e tu estás preocupado com reuniões! Eu preciso de resolver isto hoje! Depois de a Sofia estar bem e de eu o matar, fazemos a merda da reunião com os analistas e podemos lamber papéis o tempo que tu quiseres!

Ele deu um murro na mesa igual ao meu.

− Quem é que pensas que és, Alex? Tu estás aqui para cumprir ordens! – Ficou com a cara vermelha e com as veias do pescoço saídas para fora. − Ordens minhas! E subiste cá dentro porque sempre as cumpriste! Sem te armares em moralista, sem te preocupares com os danos colaterais das missões que fazias, nem com o tempo que as tinhas para fazer. Não te esqueças de que foi por mim que subiste e também é por mim que podes descer, até à porta da rua.

Não respondi porque não ia ganhar nada se o irritasse mais.

Sentou-se e pareceu-me mais calmo, até parecia envergonhado com o que tinha acabado de dizer.

− Não percebo porque é que vais deitar tudo a perder por não fazeres as coisas by the book. A nossa prioridade eram os peixes grandes, os compradores da África do Sul. O João Rodrigues ainda nos pode levar até eles...

Pus as cartas na mesa.

− Estou-me a cagar para os peixes grandes. A minha prioridade é a Sofia, que está grávida da minha filha.

Percebi que a minha resposta o perturbou, mas recompôs-se depressa e respondeu-me com determinação.

− Vou contactar a direção-geral do combate ao banditismo e dar prioridade máxima ao caso para planearmos uma intervenção com pés e cabeça.

Falou-me constrangido. Ele sabia que eu precisava de uma equipa imediata e de quebrar algumas regras, porque fazer as coisas by the book não ia ajudar a Sofia em tempo útil. Ele sentia-se culpado porque o sabia, mas não tinha tomates para tomar a iniciativa e ajudar-me.

Continuar ali era uma perda de tempo.

O Maia era uma sombra do gajo que já tinha sido. Nunca mais voltou ao normal desde que teve uma doença em que o sistema imunitário lhe começou a atacar os órgãos todos. Ficou de baixa durante quase um ano e quando voltou à PJ já não era o mesmo. Estava sem foco nem energia, a fazer o mínimo e indispensável para mostrar serviço.

A própria operação em Moçambique tinha sido uma cagada, mal orientada desde o início. Ele sabia disso, mas nunca iria admitir que a doença lhe tinha dado cabo da moral. Tinha-se transformado num merdas de secretária que não se importava verdadeiramente com o que acontecia lá fora.

Eu nunca me tinha importado tanto.

Não ia esperar pelo Maia, mas ele não precisava de saber. Não ajudava tê-lo contra mim quando falasse com a Direção-Geral do Combate ao Banditismo, isso podia prejudicar a operação oficial e as chances da Sofia.

− Está bem. Avisa-me assim que souberes alguma coisa.

− Alex, ouve-me bem, estás proibido de te ires armar em campeão e agir por conta própria. Não faças merda. Eu vou tratar disto agora mesmo.

Acenei que sim. Não fazer merda, para mim, passava por não ficar à espera de reuniões.

− Vai para casa e espera que eu te ligue. Eu sei onde andas, não te esqueças disso. O carro não é teu, é do Ministério da Justiça. Se não cumprires estas ordens vou excluir-te da equipa de resgate e podes esquecer a PJ para sempre.

Acenei novamente, enquanto pensava em todas as outras ordens daquele grande filho da puta que tinha cumprido sem pestanejar, para depois ele me lixar sem pensar duas vezes.