Nas duas horas e meia que demorei a regressar a Lisboa, não fiz outra coisa senão pensar nos passos a seguir, recusando-me a pensar no Evandro e no que poderia acontecer à Sofia se não tivesse sucesso.
Para levar o meu plano avante precisava de um cúmplice, de outro carro e de uma casa.
Tinha de confiar em alguém disposto a atravessar limites por ela, mas que não estivesse tão exposto como o pai. O João Rodrigues tinha-lhe dito que o estava a vigiar, podia ser mentira, mas o melhor era não arriscar.
A primeira pessoa que me ocorreu foi Filipe, que se tinha arriscado comigo em Moringane sem pensar duas vezes para a salvar. Ele era de confiança, gostava de ação e não era do tipo que dava para os dois lados, não era ele que estava a passar informação.
Cheguei a Lisboa às seis da manhã, com a cabeça quase a rebentar e um telefone pré-pago, que comprei na bomba de gasolina de Aljustrel.
Liguei ao Filipe. A chamada foi para o atendedor e deixei-lhe mensagem para me contactar com urgência para aquele número.
Só havia outra pessoa em quem podia confiar. Não gostava do gajo, mas vi-lhe nos olhos que também faria qualquer coisa por ela.
Vi o número no meu telefone e liguei-lhe do pré-pago. Às seis e quinze estávamos os dois dentro do carro do Evandro, cuja matrícula ia ser procurada pela polícia e do qual me tinha de livrar rapidamente.
O Ricardo parecia um zombie, estava completamente de rastos quando se sentou no lugar do passageiro e ficou pior quando o pus a par do fiasco da minha tentativa de resgate.
Contei-lhe o meu plano e qual ia ser o papel dele, mas o gajo mostrou-se renitente. Achava melhor falar com um marechal amigo do pai, que era muito amigo da procuradora-geral da República e do diretor nacional da PJ.
Aquela gente era sempre muito amiga de alguém, mas não era nisso que pensava quando lhe respondi.
− Faz isso, e o mais certo é matarem-na antes do dia acabar. Há um chibo na PJ e eu não faço puta ideia de quem seja. Até pode ser o diretor nacional da PJ, ou a pessoa de grande confiança a quem ele vai entregar o caso. Eu conheço esta gente. Estive infiltrado com eles cinco meses, sei como as coisas funcionam e já percebi porque não os apanhámos. Aliás, agora que penso nisso, faz todo o sentido haver alguém feito com eles na PJ. Eles sabiam quem eu era desde o início e, se não fosse a Sofia, tinham conseguido levar as mulheres todas que quisessem para a África do Sul nas minhas barbas! Como é que eu não pensei nisso antes...
Esfreguei a cara com força, mas a minha vontade era esmurrar-me pela minha grande burrice.
− Esta é a opção que lhe dá mais chances. Se de repente houver um grande alarido à volta do desaparecimento da Sofia, com muitos operacionais e inspetores envolvidos, o mais seguro para eles é livrarem-se dela rapidamente. Podes não vir comigo, mas ao menos empresta-me o teu carro e dá-me cinco horas. A seguir podes dizer que to roubei, meter os teus amigos importantes ao barulho e assinares-lhe a sentença de morte.
O gajo estremeceu, tirou uma cruz de dentro do casaco , beijou-a e benzeu-se a dizer umas palavras para dentro.
Aquilo enervou-me e fez-me ficar com os olhos húmidos. Decidi que ia mandá-lo embora e roubar um carro qualquer. Era mais arriscado, mas era preferível a gramar com aquelas lamechices de um homem feito.
Ia dizer-lhe para sair quando ele bateu com a mão aberta no tablier.
− Conta comigo, para o que for.
− Pensa bem, porque as coisas podem ficar feias, tu não teres estômago e roeres a corda...
Olhou-me sério e falou num tom decidido.
− Dou-te a minha palavra de honra que isso não vai acontecer.
Pareceu-me um tipo que ia cumprir, além disso não tinha outra alternativa.
Deixei o carro do Evandro à frente do ginásio e seguimos no dele para Oeiras.
Enquanto isso, uma tipa amiga da Sofia chamada Joana ligou-lhe mais de dez vezes. Ele não a atendeu e ela desatou a mandar mensagens. Era chata como tudo, e o pior era que na última mensagem dizia que ia à polícia. Vi-me obrigado a perguntar ao Ricardo se ela era de confiança.
Ele respondeu-me que elas eram como irmãs e eu decidi ligar-lhe, para lhe contar o que se passava antes que fizesse merda.
Ela devia ser uma tipa com o nariz empinado, porque não aceitou quando lhe disse para ficar quieta em casa e deixar-me resolver o assunto.
− Como é que eu sei que tu és a melhor opção para salvar a minha amiga? Podes tê-la engravidado e ser o pai da criança que ela tem na barriga, mas isso não faz de ti o polícia mais competente para resolver esta situação. Isso faz de ti uma pessoa muito interessada num bom desfecho. Até podes ser uma nódoa como polícia e pouco capacitado para orientar isto. Se calhar era melhor o Ricardo usar os contactos que tem, falar com o diretor nacional da PJ e escolherem uma equipa especializada. Isto é uma coisa gravíssima, tu não estás de cabeça fria e o Ricardo é um arquiteto que só disparou pistolas no paintball...
Cansei-me de a ouvir.
− Queres saber porque é que eu sou o mais competente para resolver esta situação? Vou dizer-te. Primeiro, porque não sabemos donde é que a informação está a vazar. Segundo, ao contrário dos manda-chuvas da PJ, eu estou-me a cagar para apanhar o raptor dela vivo e extrair-lhe informações. Vou passar por cima de todos os protocolos e todas as leis que existem, matar quem for preciso e dar a minha a vida sem pensar duas vezes para a libertar. Chega-te ou precisas de mais?
Percebi que começou a chorar.
− Posso fazer alguma coisa? Querem mais dinheiro? Como é que eu posso ajudar?
− Não precisamos de nada. Faz a tua vida normal.
Perdeu a pose, continuou a chorar e fungou várias vezes.
− Garante-me que a trazes de volta.
Lembrei-me de que a Sofia falava muitas vezes nela e tive alguns remorsos por ter sido bruto, mas não tinha tempo para aquelas distrações.
− Garanto. Agora ajuda-me não me fazendo perder tempo a falar contigo.
Às nove da manhã o Filipe ligou-me de volta, estava na casa de fim de semana dos pais, que ficava numa aldeia ao pé de Castelo Branco e não tinha rede de telemóvel em várias divisões.
Pu-lo a par do que se tinha passado e de que eles estavam a receber informações da PJ. Estavam à minha espera e só podiam ter sabido do meu envolvimento pela PJ. Nem o marido, nem o pai da Sofia nem a empregada que a adorava me iam denunciar.
− O Maia ontem proibiu-me de agir sozinho e eu percebo se não vieres. Ele disse-me que ia reunir com o responsável das operações de resgate e que corria comigo se agisse por conta própria. Vais ficar tão queimado como eu se te meteres nisto. Se eu tivesse escolha não te punha nesta situação. Vou quebrar todas as regras e muitas leis. Até é bastante provável que vá de cana... Estás no direito de não vir, só te peço que não me chibes...
O Filipe respondeu-me antes de eu acabar de falar.
− Estou-me a cagar para o Maia. Vou sair daqui em menos de cinco minutos. Se formos despedidos montamos um café, com a tua simpatia natural não tem como correr mal...
Não consegui sorrir da piada.
− Obrigado, fico a dever-te uma das grandes.
− Sempre às ordens. Vou querer abraços teus quando tivermos a Sofia em segurança e esse grande cabrão na choldra ou a fazer tijolo. Conta comigo.
A fazer tijolo parecia-me melhor e eu ia-lhe dar todos os abraços que ele quisesse. O Filipe ia arriscar muito por mim.
Senti-me completamente lixado pela vida. Tinha acabado de perder o Evandro, a Sofia estava nas mãos de um filho da puta do pior e, na melhor das hipóteses, ia lixar a carreira do meu parceiro para a salvar. Na pior das hipóteses, ia lixar-lhe a própria vida.
− Não te exponhas sem motivo, não sei quantos gajos lá estarão além do João e do Caxambu.
Foi muito fácil entrar no condomínio privado com segurança e depois no apartamento de cinco assoalhadas com vista para o mar.
Às nove e quinze, assim que ela abriu a porta vestida com roupas justas para ir ao ginásio, apontei-lhe a pistola à cara e fiz-lhe sinal com o indicador para não abrir a boca.
Obriguei-a a entrar outra vez e revistei a casa toda com a gaja debaixo de mira, não fosse ela lembrar-se de fazer alguma estupidez. Era suposto a miúda estar em casa, mas não a encontrei em lado nenhum.
Perguntei-lhe pela quinta vez e ela respondeu a mesma coisa:
− A Teresinha foi a uma competição de ginástica artística no Porto...
Pareceu-me que estava a falar verdade. Merda.
Ia perder mais de seis horas a ir ao Porto e voltar. Além disso, podia ser difícil sacar a miúda do meio da equipa sem ninguém dar por nada...
Deixei o meu telemóvel no chão do apartamento e saí com a mulher do João Rodrigues, uma cabra chamada Juliana que eu já tinha interrogado duas vezes. Ela sabia que eu era polícia e podia pensar que eu estava a fazer bluff, por isso fui o caminho todo com a pistola encostada às costelas da gaja através do bolso do meu casaco, enquanto lhe dizia que se me denunciasse era última coisa que fazia na vida.
Correu bem, nenhum vizinho veio connosco no elevador e entrámos discretamente para o banco detrás do carro do Ricardo, que estava parado mesmo à entrada do prédio e arrancou assim que eu fechei a porta.
Algemei-a com as mãos à frente do corpo antes de começar a interrogá-la. Daquela vez, ia ser um interrogatório muito diferente dos anteriores.
− O teu marido sabe que a miúda está no Porto?
Negou com a cabeça e respondeu assustada.
– Não falo com o João há meses. Eu não sei de nada, já falei consigo e com os seus colegas...
Interrompi-a porque a última coisa de que tinha vontade era ouvir as suas lamúrias.
− A tua filha tem telemóvel?
Acenou que sim.
Claro que tinha, todos os putos tinham telemóvel e redes sociais. O Instagram era um banquete para os pedófilos na Internet. Tentei controlar a irritação para decidir o que havia de fazer.
− Liga ao professor que está com ela. Diz-lhe que ela o levou sem autorização. Ele que lho tire e o desligue imediatamente.
Começou a choramingar outra vez porque não compreendia o que lhe estava a acontecer.
Passei-lhe o telemóvel para as mãos e gritei-lhe que tinha duas alternativas, ou fazia a chamada ou eu ia buscar a miúda ao Porto.
Ela preferiu a primeira hipótese e fê-lo em alta voz. O professor até nem estranhou muito, devia ser normal mães histéricas ligarem-lhe antes das dez da manhã.
Vinte minutos depois chegámos à casa do Ricardo. Ele estacionou mesmo à entrada, tirei a Juliana do carro e entrámos rapidamente. Apesar da pressa e de estar a arrastar a gaja, reconheci as cores alegres da Sofia no tapete da entrada e nas almofadas do sofá, o que não foi bom porque me enervei ainda mais.
O meu plano tinha de correr bem. Não podia pensar em mais nada.
Pedi ao Ricardo para fechar todos os estores e acender as luzes. Agarrei na gaja e sentei-a numa cadeira da mesa da sala.
Dei-lhe o meu telefone pré-pago para as mãos algemadas.
− Liga ao teu marido.
− Eu não falo com ele desde junho. O telefone dele está desligado desde essa altura. Já disse isto mil vezes a si e aos seus colegas, não percebo...
Tirei-lhe o telefone das mãos e ela calou-se.
Sentei-me à frente da tipa, olhei para a sua expressão de vítima e senti asco. Só havia um tipo de pessoas que eu odiava tanto como os filhos da puta que faziam mal aos outros como o meu pai. Eram as pessoas que se faziam de boazinhas, mas sabiam do que se passava e ignoravam porque não era nada com elas.
No caso desta tipa ainda era pior, porque além de fingir que não sabia de nada com aquela expressão inocente, ainda usava uma mala de marca que devia custar mais de cinquenta clientes a uma desgraçada qualquer, sem sorte nenhuma na vida, assim como a minha irmã.
Tentei ser objetivo e não pensar naquelas merdas nem que era a vida da Sofia que estava em jogo. Normalmente, eu era bom a fechar os meus esqueletos no armário e a focar-me nas missões que tinha de realizar.
Daquela vez não ia ser possível, mas ia assegurar-me de que isso não ia comprometer os meus objetivos.
Segurei-lhe no cotovelo esquerdo e pressionei com o meu polegar num ponto extremamente doloroso, entre o bicípite e o braquial.
Ela debateu-se e gritou, mas eu não afrouxei, não tinha tempo nem paciência para repetir várias vezes o procedimento. Fiz mais força, ela contorceu-se e gemeu alto com a dor, mas não parei até ela começar a revirar os olhos.
Quando a larguei desviei a minha atenção para o Ricardo. Ele ia cumprir a palavra. Olhava para nós fixamente, com os maxilares tensos e os punhos contraídos, mas não ia fraquejar.
A tipa chorava e gritava como uma condenada, esperei um bocado para a histeria lhe passar e voltei a pôr-lhe o meu telefone pré-pago na mão.
− Liga-lhe. Da próxima vez vai ser pior.
Olhou-me cheia de lágrimas e muito medo.
− Eu já lhe disse, e aos outros polícias todos, que...
Nem me dei ao trabalho de ouvir o resto, tirei-lhe o telefone e voltei a pôr o polegar direito no sítio onde estava, com ainda mais força.
Enquanto ela se debatia e gritava por ajuda, eu esforcei-me para manter a calma. Se aquela cabra não tivesse como entrar em contato com o marido, eu tinha chegado a um beco sem saída...
− Tu tens uma filha do João Rodrigues, tens de ter alguma maneira de falar com ele numa emergência. Eu não sou como os meus colegas e não vou desistir enquanto não me disseres...
Esperneou a soluçar e eu comecei a entrar em desespero, a pensar que ela podia estar a dizer a verdade. Apertei com mais força.
− Eu ligo! Eu ligo!
Pela primeira vez desde o tiroteio em Tavira, senti que os meus pulmões se enchiam com ar.
O Ricardo também se mexeu pela primeira vez desde que se tinha encostado à parede, a ver-me convencer aquela cabra a telefonar ao marido. Entrelaçou as mãos atrás da cabeça, juntou os cotovelos à frente da cara e ficou algum tempo naquela posição. Também devia estar aliviado e a pensar que ainda havia esperança para a Sofia, mas não disse nada nem saiu do lugar.
A tipa percebeu que tinha feito merda da grossa.
− Ele só me contactou há dois dias, eu ia avisar-vos...
Agarrei-lhe na cara para ela se calar com as mentiras. Exceto para fazer o que lhe mandasse, não queria que ela abrisse mais a boca.
− AGORA JÁ NÃO INTERESSA!
Passei o meu telefone para as mãos da gaja, que chorava sem parar.
Eu não conseguia ter pena nenhuma dela. Pelo contrário, aquelas lágrimas, juntamente com o facto de ela ter como contactar o cabrão do marido e não nos ter dito, ainda me irritavam muito mais. A omissão daquela cabra podia vir a custar a vida à Sofia e à bebé que ela tinha na barriga, a Luisinha, porque a Sofia adorava palavras acabadas em inho e inha...
Não podia pensar nisso. Aquela não era a altura para pensar nisso.
Passei a mão pela nuca várias vezes, para fazer desaparecer da minha cabeça a imagem da Sofia, grávida e prisioneira. O corpo pequeno dela ainda mais indefeso pela gravidez, à mercê dos maus-tratos de um dos maiores filhos da puta que eu conhecia...
− Vais ligar-lhe agora. Vais dizer que estás com a tua filha e comigo. Se não lhe mentires bem e ele não acreditar, garanto-te que vou buscar a tua filha e vos desfaço às duas.
Choramingou e fez cara de vítima.
− Porque me está a fazer isto? Eu nunca fiz mal a ninguém. Juro por tudo!
Pus-lhe uma mão à volta do pescoço e a seguir apontei-lhe a pistola ao joelho.
− Claro que não fizeste, mas não me digas que não sabes de onde vem o dinheiro que paga todos os teus luxos, não me digas que achas que o teu marido é construtor... − Percebi que estava indecisa entre manter a fachada de ingénua ou ser verdadeira. − Não me digas isso, porque eu estou num dia muito mau e se tentares fazer de mim parvo, sou capaz de te dar um tiro na rótula, que é um dos sítios não letais mais dolorosos para se ser alvejado.
Ela merecia que eu o fizesse, e o cabrão do João Rodrigues ainda mais. O Evandro estava morto, a Sofia tinha levado um tiro para salvar as mulheres que ele ia traficar em Moçambique e estava sequestrada em parte incerta.
Num último resquício de sanidade, olhei para o Ricardo, que assistia à cena de braços cruzados. Falou-me calmamente e sem um pingo de recriminação.
− Ela não vai fazer de ti parvo.
Continuei com o dedo no gatilho, mas já não ia disparar. A gaja não sabia e choramingava assustada, o que era bom, para ela não pensar nem por um segundo em foder o telefonema que tinha para fazer.
− Sabes de onde vem o teu dinheiro não sabes, Juliana?
− Mais ou menos, sim...
Senti nojo daquela mulher bonita e a cheirar bem. Tentei não me lembrar de outra mulher muito mais bonita e a cheirar melhor, que eu não sabia onde estava nem o que lhe podia acontecer.
Não funcionou. Era impossível não me lembrar do que estava em jogo.
− Sabes que era por causa de pessoas como tu que eu achava que este mundo era uma merda sem solução. Depois conheci a Sofia. Para a salvar a ela, sou capaz de te matar a ti e a mais dez como tu.
Houve algo nas minhas palavras, ou na forma como as disse, que a fez parar de choramingar. Ficou muito pálida e até os seus lábios brilhantes perderam a cor. Ainda bem que percebeu que eu estava a dizer a verdade.
− Agora faz a chamada. Se fizeres merda podes ter a certeza de que nunca mais voltas a ver a tua filha.
Ela não fez merda. Representou bem o seu papel e quando o João Rodrigues me atendeu acreditava que eu tinha as duas.
− Alex, deixa-me falar com a minha filha.
Fingi-me razoavelmente controlado.
− Claro que deixo, deixo tanto como tu ias entregar a Sofia em troca dos cem mil euros que pediste ao pai dela. Só voltas a ouvir a tua filha quando me entregares a Sofia. Tens três horas para te meteres no carro e chegares a Lisboa.
− Deves pensar que eu sou estúpido e que vou a correr para a boca do lobo, Alex. Tu continuas a ser um polícia que me quer apanhar.
A seguir desligou o telefone. Perdi a calma, bati na mesa de madeira e percebi que só nos restava uma opção.
− Vamos ao Porto buscar a miúda.
Quando ele ouvisse a voz da filha ia reconsiderar.
Estávamos a sair depois de prendermos a Juliana, quando o meu telefone tocou outra vez.
− Podes vir buscá-la, Alex. Eu troco a Sofia pela Juliana e pela minha filha, mas não quero ser apanhado. Tens de vir sozinho com as duas ao sítio que te vou dizer. É um armazém no fim da estrada que segue para este, ao pé de Almada de Ouro. Se vier mais algum carro atrás de ti ou alguém contigo, a Sofia morre. Não me tentes enganar, Alex. Em matéria de maldade, tu és um aprendiz ao pé de mim. Vou dar-te as coordenadas. Tens três horas.
O Ricardo não era burro e chegou à mesma conclusão que eu.
− Ele ligou-te de volta porque a pessoa que lhe está a passar as informações não sabia de nada... Tinhas razão...
Liguei ao Filipe, que vinha na A2 e estava a chegar a Santarém. Expliquei-lhe que não podia esperar por ele. Cada minuto que passava era mais um que o João Rodrigues tinha para descobrir que a filha estava no Porto. Além do chibo na PJ, ele podia ter mais gente a trabalhar para ele.
Pedi ao Filipe para deixar o carro longe e vigiar o perímetro. Precisava dele na retaguarda. No caso de a coisa me correr mal, ele tinha de os surpreender à saída e salvá-la. A prioridade era a Sofia, só a Sofia.
Respirei fundo depois de desligar. Comigo e com o Filipe, ela e a minha filha tinham uma chance.
Fui buscar a Juliana para a levar para o carro, mas o Ricardo impediu-me de sair porque queria vir comigo.
Disse-lhe que tinha sido uma boa ajuda, mas a partir dali o caso não era para amadores e havia uma grande probabilidade de se acabar com um tiro nas trombas.
Mesmo assim ele insistiu e não me saiu da frente, uma péssima ideia tendo em conta o meu estado de espírito.
− Eu também vou, Alex. É a vida da Sofi que está em jogo. Quando estivermos a chegar eu saio do carro para eles pensarem que estás sozinho.
Detestava ouvi-lo dizer Sofi, como se se referisse a alguma coisa que era só dele. Agarrei-lhe no ombro para o desviar e me deixar ir embora.
− Esquece, a partir de agora não é para ti.
O gajo não se desviou e afrontou-me.
− É para mim, SIM. − Avisei-o com o olhar de que levantar-me a voz lhe podia correr mal, mas o tipo devia estar com vontade de se magoar porque continuou a falar muito decidido. – É para mim, porque é a minha mulher que lá está. E eu vou fazer TUDO para a salvar. Até matar ou morrer. Eu não sou estúpido e sei o que me pode acontecer, mas vou.
Olhei-o de cima a baixo. O gajo até tinha tomates.
− Tens alguma arma em casa?
Abanou a cabeça desiludido.
Tanta garganta e nem uma mísera pistola tinha.
− Eu tenho uma a mais que te posso emprestar.