Um dia depois de ter chegado a Portugal recebi uma chamada do Ricardo.
A Sofia tinha sofrido convulsões, umas atrás das outras, devido a uma complicação da gravidez chamada eclâmpsia. Era uma situação muito grave e os médicos tiveram de lhe fazer uma cesariana emergente.
Eu já era pai de uma criança com dois dias de vida, que tinha sido transferida para uma unidade de cuidados intensivos para bebés prematuros que não conseguiam respirar sozinhos.
A Sofia também estava nos Cuidados Intensivos. Depois das convulsões tinha entrado em coma e os médicos não sabiam dizer se ela iria melhorar.
Fui ter com ele à sala de espera dos Cuidados Intensivos de Beja. Estava com o mesmo aspeto de zombie de quando lhe pedi ajuda para apanhar a mulher do João Rodrigues, pálido e com os olhos vermelhos.
O pai e o irmão da Sofia também estavam de rastos quando me explicaram que a tensão arterial dela tinha aumentado de repente, causando lesões nos vasos sanguíneos do cérebro.
Quando vi a mãe dela senti um nó na garganta. Ainda não me tinha habituado ao facto de elas serem tão parecidas, até a expressão de sofrimento era igual à que a filha tinha feito quando estava refém do João Rodrigues. Tinham ambas o mesmo aspeto indefeso e o espírito forte.
− A minha filha vai ficar bem, tenho a certeza absoluta. Assim que o edema do cérebro diminuir ela vai acordar.
Não era fácil para mim gerir tanta informação e o ambiente estava muito pesado, por isso aceitei quando o Ricardo me propôs irmos à cafetaria do hospital.
Ele acabou o café e encarou-me com uma expressão amistosa.
− Tens fé, Alex?
Eu sabia lá se tinha fé...
− Sim, acredito em algumas coisas...
Abanou a cabeça, descontente com a minha resposta.
− És como a Sofi. Acredita em tudo e não acredita verdadeiramente em nada. Só na Nossa Senhora de Fátima...
Fiquei a avaliá-lo em silêncio, sem saber o que esperar daquela conversa.
− Sabes que rezei vezes sem conta para Deus dar um filho à minha Sofi. Não quis fazer a FIV com os ovócitos de dadora, porque nunca perdi a esperança de que ela engravidasse de um filho verdadeiramente seu. Sempre me imaginei a ser pai de uma menina parecida com ela.
Mudei de posição e mostrei-me desagradado... Não me interessava saber pormenores sobre rezas para a sua Sofi engravidar.
Ele percebeu a dica.
− Só te estou a dizer isto porque a Sofi me contou que não querias ter filhos. Quero que saibas que não tens de registar a bebé. Eu e a Sofi ainda somos casados e a Luisinha vai ter-me sempre aqui para ela. Posso dar-lhe todo o amor e todo o conforto do mundo.
Sempre me irritou ver gajos a chorar, apetecia-me logo dar-lhes uma lambada no focinho para se controlaram, mas quando o vi passar a mão na cara depois de falar, não me apeteceu bater-lhe. Pelo contrário, senti que também ia fraquejar a qualquer momento.
− Mesmo se acontecer alguma coisa à Sofia?
Olhou-me fixamente e respondeu-me muito sério.
− Sim, aconteça o que acontecer. Dou-te a minha palavra.
Mudei de assunto porque não queria pensar que a Sofia podia deixar de existir.
− Porque é que ainda são casados? A Sofia disse-me que ias fazer um acordo justo com os teus advogados...
Ele cruzou os braços e encolheu os ombros.
− Ela não te enganou. Eu disse-lhe isso, mas não tratei de nada.
Aquele gajo não era normal.
− Não puseste papéis nenhuns? Então, a bebé vai ser automaticamente tua filha...
Acenou-me e ignorou a minha hostilidade.
− Sim. Não consigo abrir mão da Sofi e também não quero abrir mão da Luisinha. Amo as duas. Amo a Luisinha desde que a imagino dentro da barriga da Sofi. É o bebé-milagre que eu tanto pedi a Deus. Agora só peço que a Sofi possa vê-la crescer...
Parou de falar e mordeu os lábios, voltou a ficar com os olhos quase a transbordar e eu não soube o que dizer. Nunca pensei ter vontade de consolar homens adultos e muito menos que eu próprio também tivesse vontade de ser consolado.
− Soube que ia ser para sempre no momento em que me apaixonei por ela. Foi numa festa medieval, fez dez anos em agosto.
Devo ter feito uma cara estranha quando falou em festa medieval, porque ele se sentiu obrigado a explicar.
− É uma festa em que parece que estamos na Idade Média, com música da época e bancas de artesanato. A Sofi queria ir, e como eu andava a meter-me com ela, aproveitou para me pedir boleia. Apaixonei-me quando a vi dançar ao som de uma música árabe, de olhos fechados e a sorrir.
Fez um sorriso triste e suspirou.
− A Sofi dançava para ela própria e para a música, nunca tinha visto nada assim... Até parecia que a música é que acompanhava o seu corpo e não o contrário. Era magia, um hino à alegria e à pureza. Amo-a desde esse dia e nunca vou deixar de a amar. E ela também me ama. Podes perguntar-lhe quando acordar. Eu sei que ela vai acordar.
Esforcei-me por não demonstrar que a história me tinha irritado, disse-lhe que precisava de fazer uns telefonemas e fui-me embora.