− Sofi, querida...
Ouvi a minha avó ao longe, ao mesmo tempo que sentia dores e uma sensação de queimadura na pele.
Estava muito cansada, nauseada e com sede.
Demorou algum tempo até que consegui abrir os olhos, mas mesmo assim não percebi o que se passava comigo. Estava numa sala com mais pessoas, deitada numa cama toda branca e rodeada de tubos.
Tentei levantar a cabeça, mas o movimento provocou-me tonturas.
Resolvi chamar alguém que me pudesse ajudar e apareceu uma senhora vestida de azul-claro.
− Está tudo bem, Sofia. Está no hospital de Beja. Que bom que acordou, estávamos preocupadíssimos consigo. Como é que se sente?
Tentei raciocinar para descobrir o que estaria a fazer no hospital. Muito mais devagar do que desejaria, alcancei a minha barriga dorida com a mão direita. Reparei que estava muito mais pequena e entrei em pânico.
− A minha filha? Onde é que está a minha filha?
A enfermeira Dália apresentou-se, mas eu não queria saber o seu nome, nem onde estava e que dia era.
Obrigou-me a mexer lentamente o outro braço para lhe agarrar a roupa e repetir a pergunta mais alto.
− Tenha calma, Sofia. A sua filha nasceu há três dias. Pesava 1340 gramas e foi transferida para o Hospital Garcia de Orta. Estava bem, tendo em conta que era prematura e as suas convulsões... Enfim, foi uma sorte o seu marido tê-la trazido tão depressa...
Se não fosse a sensação de queimadura na parte debaixo da barriga, não teria acreditado que a enfermeira Dália era real e não estava a ter um pesadelo.
− Convulsões? Há três dias? Não me lembro de nada...
Explicou-me que tinha tido a primeira convulsão no passeio em frente à casa da minha avó. O Ricardo tinha-me levado logo para o hospital, mas como continuei a ter convulsões apesar da medicação, tiveram de me fazer uma cesariana porque a bebé estava a sofrer com falta de oxigénio. A seguir entrei em coma, provavelmente por edema cerebral. Estava com as tensões mais controladas nas últimas horas, mas as análises...
Tive de a interromper porque não estava interessada no que me estava a dizer. O meu cérebro estava a voltar ao normal e a minha ansiedade estava a tornar-se incontrolável.
− A minha família?
Fez-me um sorriso compreensivo.
− Tem lá fora os seus pais, o seu marido e o seu irmão. Vão ficar tão felizes quando souberem que acordou... Têm estado numa apoquentação terrível, ontem a sua mãe...
Era egoísta da minha parte, mas não estava nada preocupada com a apoquentação a minha mãe.
− Eles que entrem, preciso de falar já com eles. – Achei que a enfermeira não gostou do meu tom imperativo, por isso fiz um sorriso conciliador e um tom suplicante. – Por favor?
A enfermeira Dália não me perdoou, ou então limitou-se a seguir as regras.
− Só pode entrar uma pessoa de cada vez na Unidade...
Não me sentia capaz de raciocinar sobre a melhor opção, por isso segui o meu instinto.
− Chame o meu marido.
A seguir fechei os olhos, para que a enfermeira Dália fosse buscá-lo sem perder mais tempo a falar-me sobre proteínas ou análises.
Contive a minha impaciência, enquanto ela demorou uma eternidade a tirar sangue a um senhor que estava ao meu lado antes de fazer o que eu lhe tinha pedido. Só me controlei porque repeti a mim própria que o senhor parecia estar quase a morrer e aquelas análises deviam ser muito urgentes.
A enfermeira deixou os tubos com sangue em cima do balcão e pouco depois entrou com o Ricardo.
Quando ele se aproximou, o seu rosto teve o dom de me revigorar.
Ele tentou falar, mas eu não deixei.
− Diz-me tudo o que se passa com a minha bebé! Tudo!
Alargou o sorriso e olhou-me com uma expressão aliviada, como se a minha brusquidão o tivesse sossegado mais do que a conversa com a enfermeira Dália.
− A Luisinha está nos cuidados intensivos neonatais do Garcia de Orta. Foi transferida porque aqui não podiam tratar uma bebé tão pequenina. Liguei para lá hoje de manhã e disseram-me que estava estável. Acalma-te, por favor, Sofi. Não te podes enervar...
Bebi as suas palavras enquanto ele me acariciava a face. Comecei a sentir que a força voltava ao meu corpo e usei-a para lhe apertar o braço com as minhas duas mãos, muito inchadas e cheias de tubos nas veias.
− Vou pedir-te um grande favor, Ricardo. O maior que já alguma vez te pedi.
Encarou-me expectante e sem nunca parar de sorrir, parecia muito feliz.
− Vai-te embora. Vai para o pé da minha filha. Toma conta da situação, fala com os médicos e certifica-te de que ela tem o melhor tratamento possível. Fica lá com ela, reza por ela e não saias do pé da Luisinha até eu chegar...
Demorei muito tempo a dizê-lo, porque as lágrimas corriam-me pela cara e a voz falhava-me.
− Por favor, Ricardo. Vai tomar conta dela. Vou ficar em dívida contigo para sempre por isto e nunca mais na vida te peço nada.
O Ricardo levou a minha mão sapuda aos seus lábios e falou-me com ternura.
− Para de te emocionares assim, Sofi. Por amor de Deus! Vai-te subir a tensão... Claro que eu vou. Promete-me que te acalmas...
Ele ia. Eu podia acalmar-me. Pelo menos um pouco. Depois de mim, o Ricardo era a melhor pessoa para zelar pela minha bebé.
− Prometo, mas então vai já. – Ele assentiu, deu-me vários beijos na mão e depois um único, muito longo, no sítio dele.
− Queres que chame alguém? Estão lá fora os teus pais, o teu irmão e o Alex. A Joana estava em Budapeste, mas antecipou o regresso e também vem a caminho...
− Como é que o Alex soube?
− Eu liguei-lhe. – Fez uma expressão muito infeliz e ficou com os olhos brilhantes de lágrimas. − Tu estiveste muito mal, Sofi. Disseram-nos que o prognóstico era reservado...
Eu não o queria ver triste nem que fraquejasse, queria que ele voltasse a ser o homem forte e confiante que gostava de decidir tudo. Era o meu porto seguro e ia ser também o da minha filha, pelo menos até eu ir para junto dela.
− Agora já estou melhor, mas estou muito ansiosa por a minha bebé estar sozinha num hospital longe daqui. Podes ir-te embora para ao pé dela, por favor?
Voltou a sorrir e fez-me carícias leves nos cabelos.
− Acordaste do coma a querer fazer logo tudo à tua maneira, não é?
Sorri-lhe de volta.
− Tu és igual, também queres sempre fazer tudo à tua maneira.
Quando me abraçou, muito preocupado em não interferir com os tubos que me rodeavam, senti-me tentada a ficar nos seus braços ternos durante muito tempo, mas depois lembrei-me de que a minha filha estava sozinha...
− Pede para a minha mãe entrar e trazer o telemóvel. No minuto exato em que estiveres com a Luisinha, liga-lhe para me dares notícias.