Estava grávida de um homem e era casada com outro.
Não podia fugir, de nenhum dos dois, nem do pai do meu bebé, que tinha abandonado assim que descobri que estava grávida, nem do meu ainda marido, com quem tinha planeado ter muitos filhos.
Senti o peito gelar ao imaginar ambas as conversas, mas contar ao Ricardo que tinha engravidado de outro homem parecia-me a mais penosa, e decidi que ia começar por essa.
No entanto, demorei mais de uma semana a fazer o telefonema que lhe tinha prometido.
Ele veio ter comigo assim que saiu do atelier. Sugeriu irmos lanchar um croissant no Careca, mas eu recusei ao imaginar a viagem de regresso depois das minhas revelações. Usei a desculpa de ter de passear a Gwen e pedi-lhe para irmos dar um passeio no jardim ao pé da minha casa.
Durante o percurso, ele quis saber pormenores sobre Moçambique e como tinha sido ferida. Desconversei sem responder, porque abordar essa parte da minha vida era invocar o Alex, o que me desesperava mais do que já estava.
O Ricardo compreendeu que as suas perguntas me contrariavam e não insistiu. Resolveu falar-me das coisas que tinha feito na minha ausência, o que tornava ainda mais difícil contar-lhe o segredo que me ecoava no cérebro e me dava vontade de fugir. Eu não queria saber que ele tinha feito obras na cozinha e arranjado as mudanças da minha bicicleta. Ouvi-lo estava a provocar-me um mal-estar insuportável no corpo todo e dificuldade em respirar.
Quando chegámos ao jardim, sentei-me num banco de madeira que ficava na sombra de um pinheiro, decidida a acabar com o meu sofrimento.
− Ricardo, vamos resolver a nossa vida. Por favor, assina aquele acordo que deste ao meu pai, ou outro qualquer que queiras.
Inclinou a cabeça ligeiramente de lado, num gesto desapontado mas conciliador.
− E será que não podemos resolver a nossa vida sem assinarmos acordo nenhum?
Apoiei os cotovelos nos joelhos e a testa nas mãos, contrariada por ele me tornar ainda mais penosa aquela tarefa.
− Não. Não podemos. Aconteceram-me muitas coisas em Moçambique.
Ele apoiou também os cotovelos nos joelhos e ficou com a cara ao pé da minha. Cheirava tão bem, ao meu passado feliz e a Ricardo... e eu tinha tantas saudades de olhar para os seus olhos... Estavam demasiado próximos e eram irresistíveis, duas chamas que me dissolviam a vontade...
− Estiveste lá alguns meses, mesmo que te tenham acontecido muitas coisas, não acredito que se tenham apagado as que aconteceram entre nós durante dez anos.
Tapei os olhos para não o ver e ser mais fácil continuar, dobrei-me e falei para as minhas pernas.
− E não se apagaram, mas agora quero seguir em frente. Por favor, faz o que te peço!
Puxou-me as mãos docemente e encarou-me com um sorriso terno.
− Olha para mim enquanto estou a falar contigo, Sofi.
Era espantoso como ele continuava a adivinhar os meus pensamentos e motivações, seria tão mais fácil convencê-lo de que nos devíamos divorciar se não olhasse para ele...
− Perdoas tudo a toda a gente, mas a mim, que te amo mais do que ninguém, não és capaz de perdoar?
A minha garganta fechou e senti-me como se o meu peito estivesse a ser apertado por uma entidade invisível, que não parou até eu ficar sem ar.
− Tu também me amas, Sofi, eu sei que sim. Vais desistir de nós por causa de um... − Franzi o sobrolho e ele corrigiu-se sem refutar. − ... dois erros. Dois estúpidos erros?! Achas mesmo que castigar-me é mais importante do que a nossa felicidade e do que o amor que sentimos um pelo outro? − Abanou a cabeça e foi a sua vez de esconder a cara entre as mãos. − Se te faz sentir melhor, fica a saber que eu já fui muito castigado. Aliás, o meu castigo começou muito antes de ter feito a estupidez que fiz. Começou no dia em que abortaste... – Deu um suspiro longo e sentido. − E como se eu também não estivesse a sofrer, culpaste-me pelo que nos aconteceu e votaste-me ao abandono para tudo o que não tivesse a ver com o teu «projeto de engravidar». Esse foi um dos piores dias da minha vida... E depois desse ainda vieram outros piores...
Não consegui impedir-me de pensar que ele adivinhava os meus pensamentos desde que nos conhecemos e tinha dito que eu também o amava...
− Não é para te castigar.
Levantou a cabeça, os seus olhos estavam brilhantes e prestes a transbordar.
− Então é porquê? Eu amo-te, sem condições nem reservas. Tu sabes isso. Porque é que não me dás uma segunda oportunidade de to provar? Diz-me, Sofi, pelo amor de Deus... O que queres que eu faça?
Depois de ele dizer que me amava sem condições nem reservas, não fui capaz de lhe confessar que tinha engravidado de outro homem.
Levantei-me e falei muito depressa.
− Não vale a pena continuarmos a ter esta conversa, Ricardo. Tu recusas-te a aceitar que as outras pessoas não façam exatamente o que tu queres. Vou-me embora. Adeus!
Deixei-o sentado no banco, estupefacto enquanto eu chamava a Gwen aos gritos. Corri até casa a ignorar a dor na perna, fechei a porta com um estrondo e senti-me a criatura mais traidora à face da terra.