8 semanas e 2 dias
Decidi que seria a Dra. Margarida a seguir a minha gravidez, porque era muito querida e me tinha dado sorte.
Assim que fiz oito semanas, marquei consulta na clínica da Rua Visconde de Valmor que a Joana me indicou. A Dra Margarida apercebeu-se da minha ansiedade e tranquilizou-me num tom brincalhão.
– Olhe lá que espetáculo de embrião, aqui com o coração a bater todo cheio de genica!
Saí do consultório nas nuvens e decidi que iria ligar ao Alex nesse mesmo dia.
Ele ia compreender. Não o tinha enganado de propósito quando lhe disse que não podia engravidar. Tinha sido quase um milagre.
Ensaiei as palavras mentalmente várias vezes e liguei para o número português, que ele me tinha obrigado a decorar quando fui «falar sobre preservativos para onde o diabo perdeu a mãe».
Tocou várias vezes e foi para a caixa do correio sem que ele atendesse. Na terceira tentativa, fiquei cheia de medo. Imaginei que ele podia ter sido ferido enquanto andava a perseguir o João Rodrigues e o Caxambu... ou pior. Entrei em pânico e comecei a vaguear pela casa, a pedir a Nossa Senhora pelo meu Alex.
− O que é que queres, Sofia?
Sobressaltei-me com o tom de voz ríspido, mas fiquei aliviada por ele estar bem e falei num tom animado.
− Olá, Alex! Não precisas de te mostrar sempre tão feliz quando...
Cortou-me a palavra bruscamente.
− Não tenho tempo nem paciência para os teus joguinhos. O que é que queres?
Fiquei triste com aquele tratamento. Não eram joguinhos, era uma brincadeira, alusiva à maneira como nos tratávamos em Moringane, quando ele estava a tentar afastar-me de si e da rede de tráfico humano onde se estava a infiltrar.
− Já voltaste para Portugal? Queria falar contigo.
− Não temos nada para falar, Sofia. − Falou-me num tom seco e definitivo. Pelos vistos tinha ficado muito magoado com a nossa despedida. Apesar de ele estar a ser bruto, fiz um esforço para manter a calma.
− Temos sim, Alex. Eu vim-me embora porque não tive coragem para te contar uma coisa... e... quero falar contigo, para te contar.
Fez um riso sarcástico, carregado de animosidade. Nunca o tinha ouvido rir assim e naquele momento pareceu-me uma pessoa má.
− E agora já me queres contar, é? Não te preocupes com isso. Fiz uma pequena investigação depois de te vires embora a correr e já sei o que é.
Senti-me muito infeliz por ele saber que estava grávida e estar a destratar-me daquela maneira.
− Então, sabes porque me vim embora?
− Sim, Sofia, já sei de tudo.
Ele tinha-me «perseguido» quando «fugi» do hospital e encontrado o taxista que me levou para o hotel. Depois de eu o abandonar, devia ter voltado ao hospital e feito a sua pequena investigação. Perante o distintivo da brigada antiterrorista, o Dr. Álvaro tinha-me denunciado.
Deixei as lágrimas correrem em silêncio,
− Estás muito zangado, Alex? Eu não te menti, eu pensava que...
Interrompeu-me outra vez e falou ainda mais bruscamente.
− Não, não estou nada zangado. Não quero saber. Fica descansada e deixa-te de falinhas mansas. Estou-me a cagar para isso.
Era difícil saber o que me teria feito sentir pior, ele ficar zangado como eu receava, ou estar-se a cagar para o facto de eu estar grávida de um filho seu... Perdi a compostura, falei-lhe num tom alto e acusador, indignada com aquela atitude cruel e sem justificação.
− Alex, para! Não tens o direito de falar assim comigo! Não foi de propósito! Deixa-me explicar, eu nunca imaginei que...
Cortou-me outra vez a palavra, hostil e indiferente.
− Não me interessa, Sofia. Não quero saber. Podes fazer-me um favor?
Eu faria qualquer coisa para o convencer de que não o tinha enganado deliberadamente e para ele voltar a ser o meu querido serendipity humano...
− Sim, Alex, claro. Eu não te queria enganar. Eu gostava muito...
Não consegui dizer que gostava muito de conversar com ele pessoalmente.
− Não me ligues mais e esquece que eu existo. – Falou com voz de comando, impiedoso e determinado.
Logo a seguir desligou, mas eu não quis acreditar. Continuei a pedir-lhe que me ouvisse até que me rendi à evidência de que ele já não estava lá.
Deitei-me na cama, agarrei-me ao almofadão com borboletas que a minha mãe me tinha comprado e comecei a chorar.
Foi assim que ela me encontrou, não sei quanto tempo depois, quando veio à minha procura para irmos jantar.
Enquanto ela me consolava, contei-lhe sobre o telefonema e também sobre o Alex, a sua infância marcada por um pai violento, a culpa que sentia por não o ter impedido de maltratar e expulsar a irmã de casa aos 17 anos, grávida de um drogado, e o seu destino trágico, ditado pela toxicodependência.
Contei-lhe também que a sua mãe lhe dizia, quando ele era criança, que era igual ao pai, e era por isso que ele não queria ter filhos, porque achava que a mesma «brutidade» lhe corria nas veias.
Apesar do que tinha acabado de acontecer, eu tinha a certeza de que ele estava enganado, mas a minha mãe não pensava como eu, antipatizou definitivamente com o Alex e arrependi-me de ter partilhado demasiada informação sobre o pai do meu filho. Por baixo daquela capa dura, ele tinha uma essência bondosa e terna que era difícil de explicar.