Capítulo 4

Em meu quarto, Frankie filma meu armário com a câmera, com sua melhor voz de locutora:

“Num mundo onde os sonhos de verão se tornam realidade, Anna e Frankie planejam as férias de suas vidas. Haverá praias. Haverá biquínis. E haverá rapazes. Mas algo se esconde sob a superfície, ameaçando arruinar o M.V.T.T. se essas belas e inteligentes amigas não voltarem sua atenção para a resolução imediata: o armário de Anna é um pesadelo!”.

De acordo com a incansável busca de Frankie pela menor porção de tecido a cobrir legalmente sua pele, seu traje de verão — e até mesmo os de inverno — está sempre pronto para a praia, exibindo lacinhos, saias curtas e sandálias de tiras pretas.

De acordo com a incansável busca de minha mãe pela última promoção, combinada com sua imunidade à moda, meu armário — no todo — deveria ser julgado, condenado e enforcado. Sem nada bonitinho, curto ou com tirinhas, meu armário abriga uma antologia de itens de promoção e fora de moda dos porões das lojas de departamento nas quais abri caminho por entre pechinchadoras de meia-idade nas araras de calcinhas.

— O que você sugere? — pergunto, tocando nas camisas que pendem diante de nós.

— Nem sei por onde começar — ela vira a câmera para si mesma e encolhe os ombros de jeito exagerado para as lentes. — Pegue tudo e jogue na cama.

Não estou com ânimo para tirar todas as coisas do armário, mas faço o que ela pede. Isso a faz sorrir só um pouquinho, por isso não discuto. Às vezes, quando ela parece feliz assim, eu a observo pelo canto dos olhos e me pergunto se minha melhor amiga ainda está ali em algum lugar, aquela com quem eu encenava elaborados casamentos para nossas bonecas e que me dava mil dólares a mais no Banco Imobiliário para que pudéssemos conspirar contra Matt. Nas trevas pós-morte de nosso relacionamento, não sei se voltarei a ver Frankie de novo. Somos pessoas diferentes agora; se eu a encontrasse na rua hoje, jamais seríamos amigas. Mas de vez em quando seu sorriso volta — ainda que fugaz — e eu a vejo, a vejo de verdade, e sei que farei o possível para mantê-la ali um pouco mais, para impedir que ela mergulhe de volta no coma do silêncio que quase a venceu no ano passado.

Mesmo que isso signifique falar de roupas e meninos e dietas de milk-shake em vez das coisas que de fato importam.

“O fiasco do armário de Anna Reiley, tomada um.” — Frankie filma enquanto jogo pilhas de roupas na cama. Tenho umas poucas preferidas, algumas fornecidas por frequentes ataques ao armário de Frankie, mas escondo a maioria delas num lugar em que esperam em vão pelo dia em que, como suas irmãs mais estilosas, voltarão à moda.

— Meu Deus, Anna. O que é isso? — Frankie larga a câmera para pegar uma calça jeans velha com a ponta dos dedos, como se a peça pudesse transmitir uma doença contagiosa.

— Era minha calça jeans preferida da escola. Tenho boas lembranças dela.

— Anna, zíper no tornozelo nunca é uma boa lembrança. E que diabos é isso? Está arruinado!

Minha mão fica seca quando Frankie pega a blusinha do saco plástico que guardei por todo o ano escondida atrás dos sapatos, no piso do armário. Ela tem manchas roxas ásperas e está desbotando do azul original. A princípio eu não queria lavá-la porque ela me fazia lembrar daquela noite e de tudo o que aconteceria em seguida. Depois que ele morreu, não queria lavá-la, me livrar dela ou fazer qualquer coisa com ela.

Nunca.

— Lixo — diz Frankie, pronta para separá-la.

— Não! — Atiro-me sobre ela, tomo a blusinha de suas mãos com mais força do que pretendia. Ela é a única testemunha da noite em que Matt e eu deixamos de ser apenas amigos para ser o que quer que fosse, e é quase impossível não chorar.

— O que há com você, Anna? É só uma blusinha. Você pode comprar outra por cinco dólares.

Não se preocupe. É o nosso segredo.

— Desculpe. — Estou surpresa e feliz por ela não ter se lembrado de nada. Passo meu dedo por uma parte áspera, na alcinha, enquanto uma versão de cinco segundos da luta do bolo se passa em minha mente como um filme em movimento acelerado. Não chore pela cobertura derramada, Anna. — É que... eu gosto desta.

— Por quê? — quer saber Frankie.

Basta contar a ela.

— É... É que... — Mordo o lábio inferior.

Conte.

— Anna? O que houve?

Ah, não é nada, mesmo. Só que a blusinha foi usada na primeira vez que seu irmão me beijou e me fez prometer nunca lhe contar. E eu me apaixonei por ele para sempre, e ele deveria lhe contar tudo quando vocês estivessem na Califórnia, e todos viveríamos felizes para sempre. Ainda lhe escrevo cartas no diário que me deu, as quais ele não responde, porque está morto e tal. Alguma coisa além disso? Com sinceridade, não é nada.

— Anna? — Ela me olha de lado de novo.

— Oi? Ah, desculpe. Nada. Estou bem. Eu... Eu vou me livrar dela mais tarde. De qualquer modo, olhe estas. — Engulo em seco, guardo a blusinha atrás de algumas caixas de sapato no armário e pego um par de sandálias do Snoopy. — Você se lembra de quando tínhamos sandálias que combinavam, na terceira série?

— Anna, tudo que a gente tinha combinava naquela época. Isto — ela passa a mão sobre as roupas — é moda; moda Heidelberg, como você diria. Não sei quando nos distanciamos tanto.

Eu sei. Lembro-me do exato momento em que o pai dela começou a nos deixar no shopping com seu cartão de crédito, dizendo a Frankie que comprasse o que precisasse e que ele voltaria dali a algumas horas. “Nada como um draminha familiar para dar início a um guarda-roupa decente”, dizia ela, fingindo não chorar enquanto experimentava pilhas de roupas caras de suas lojas preferidas.

— É Hindenburg, Frank. E, se está se sentindo nostálgica quanto a roupas que combinam, você é bem-vinda para se juntar a mim e à mamãe na próxima viagem à Casa de Pechinchas da Shay.

— Deve haver alguma coisa salgável aqui.

Salvável. E não há nada.

— É, foi isso o que eu disse. Salvável. Capaz de ser salvo. Além disso, só precisamos mesmo de biquínis, shorts jeans e sandálias. E talvez um ou dois vestidos para sair à noite. Pensando bem, talvez a gente devesse...

Biquíni? Em público?

Meu mundo está desabando! Frankie — alta e magra, pele bronzeada, a gordura no lugar certo — vai estar maravilhosa na praia. Mas e eu? Imagino minha pele azulada e branca e os braços com sardas pendendo de um biquíni. Ninguém quer ver isso. Olho Frankie de cima a baixo e roo a unha do meu polegar. Talvez férias na praia com minha estonteante melhor amiga não seja uma boa ideia.

— Acho que não, Frank.

— Anna, ninguém vai nos notar se andarmos por aí vestidas como senhoras. Eles vão pensar que estamos grávidas ou coisa assim.

— Em vez de quererem nos engravidar?

— Exatamente.

— Não sei, Frankie. Acho que não...

— Anna, você é linda e sabe disso. Você só precisa parar de ser tão tímida e começar a trabalhar nisso. Passe um batom, ande reto, jogue os ombros para trás, encolha a barriga, empine os seios... e vai dar tudo certo!

No meu filme mental de “trabalhar nisso”, saio-me bem com o batom, mas me concentro tanto em ficar reta, com ombros para trás, barriga para dentro e seios empinados que não noto uma prancha de surfe ou um pedaço de madeira na água nem uma criancinha e tropeço, afundando o obstáculo e caindo de cara na areia quente.

— Não vai dar certo — digo.

Frankie sobe na cama e me segura pelos ombros.

Vai dar certo. Acredite em mim. Você é perfeita.

— Você acha mesmo?

CABRUUUM!

Frankie e eu deixamos escapar um gritinho diante do trovão inesperado. Para mim, a mudança repentina no clima é um claro sinal de que o universo não me quer usando um biquíni. Conforme o céu escurece e a chuva começa, percebo Frankie olhando pela enorme janela atrás de nós, observando a chuva no vidro. Ela fica olhando por muito tempo, acompanhando as gotas na janela, distante. Às vezes faz isso — como se sua mente se dividisse e um dos lados ficasse ali comigo enquanto o outro vivesse uma vida bem diferente, a distância, com pessoas que não posso ver ou ouvir.

— Ele adorava as tempestades à noite, lembra? — ela sussurra, mais para seu reflexo na janela do que para mim. Faço que sim e apoio a cabeça no ombro dela. Fazia tempo que ela não falava nele.