Ao chegarmos à água, são quase onze horas e o rímel à prova d´água de Frankie parece pesado e tolo em mim. Temo que todos os bons lugares na praia estejam ocupados, mas Frankie me garante que haverá espaço quando nos aproximarmos do canto da praia, bem longe dos “velhos”.
A outra extremidade é uma praia bem diferente — um trecho distinto de areia sem boias, vendedores de cachorro-quente, salva-vidas ou pessoas.
Ela tem uma coisa que falta em nossa praia: um alerta de Proibido Nadar.
— Está vendo? — pergunta Frankie. — Reservada por completo. Nada de crianças gritando ou famílias irritantes.
— Ou testemunhas.
— Não seja infantil, Anna.
— Frankie, se está dizendo Proibido Nadar é por alguma razão. Pedras pontudas? Tubarões? Correnteza?
— Diz Proibido Nadar só porque não é uma praia pública, por isso não tem salva-vidas — explica ela, se abaixando para abrir a canga. — É a mesma água, Anna. Se houver tubarões aqui, haverá tubarões na nossa praia também. Eles não sabem ler placas.
— Como você ficou sabendo deste lugar? — pergunto, repousando minha sacola e, com ela, a discussão sobre tubarões.
— Pelo meu irmão. Ele vinha para este canto às vezes.
A praia está sempre cheia de gente, ele me disse ano passado algumas noites antes de viajar para cá. Estávamos sozinhos na sala de estar, fingindo assistir a um filme enquanto Frankie cochilava na poltrona a nosso lado. Mas há um lugar de que gosto, mais distante. Às vezes eu vou lá para ler e pensar. O mar ajuda a limpar a mente.
E para olhar as meninas, eu completei.
Bom, claro. Ele riu. Mas não nesse lugar. Ninguém vai lá, tirando alguns surfistas. Não há salva-vidas. Só a água e as pedras. Uma vez fiquei lá sentado por três horas, só ouvindo a água e imaginando o que há nela.
Olho para a água e penso a mesma coisa, evitando imaginar que eu poderia estar ocupando o mesmo lugar de Matt, olhando para o mesmo mar azul, me fazendo as mesmas perguntas infinitas e sem resposta.
O que veríamos se o mar secasse como uma gigantesca banheira?
Enfio os dedos dos pés na areia, esperando que Frankie diga alguma coisa.
— Aqui, me ajude com a canga. — ela me dá um dos cantos e estica o pano do outro lado.
— Certo, a canga está esticada — digo, ainda lutando contra a imagem de Matt aquela noite, no sofá, me falando de suas coisas preferidas da Califórnia. — E agora? É só ficar aqui o dia todo até que algo interessante aconteça?
Frankie se ajeita até ficar em sua melhor pose — barriga chapada, lábios entreabertos, pernas meio curvadas, o bumbum empinado.
— Você vai ver.
— Você vai ficar deitada aí?
— Foi para isso que inventaram a areia da praia, Anna.
— E a água?
— Está brincando? Acabamos de arrumar o cabelo!
Ela adorava nadar. Ela e Matt me falavam disso nos cartões-postais — de todas as horas que passavam na água, a pele enrugada e os olhos queimando de arder por causa do sal, de nadar e pegar ondas, jogando frisbee com os amigos de verão, às vezes boiando de costas.
— Frank, vamos para a ág...
— Ai, meu Deus, Anna. Olha, gatões. E são dez da manhã.
— O quê? — Viro a cabeça para ver o que ela está olhando, e olhe que está mais para duas horas do que para dez, mas quem liga?
— Não olhe! — Ela belisca minha coxa. — Aja com naturalidade. Lá vêm eles.
Deito-me ao lado dela, tentando adivinhar o que significa agir “com naturalidade”. Decido imitar sua posição, mas mantenho a canga e tenho os braços cruzados sobre o peito. Para quem olha, alguém que não seja os meninos que estão se aproximando com rapidez, devo parecer fria. Ou bastante irritada.
— Ah, Anna! — Frankie diz numa voz exagerada quando os meninos estão próximos. — Estou com muito calor. Pode me passar a água?
Ela está brincando?
Ela me olha com ansiedade, os olhos arregalados, quase irritados.
Ela não está brincando.
Sento-me e pego uma garrafa de água de minha sacola de praia. Os meninos estão a uns seis metros de distância, olhando para nós de boca aberta enquanto Frankie toma uns goles de maneira totalmente inapropriada.
— Ei! — diz um dos caras, com um meneio de cabeça masculino. — Tudo bem? — Frankie dá de ombros e acena, convidando-os para nosso até então calmo trecho de areia.
Eles trocam olhares como leões famintos que acabaram de ser convidados para um jantar na toca das zebras e se aproximam, apresentando-se como Warren e Todd (ou seria Rod? Já me esqueci). Depois de trinta segundos de conversa, posso resumir suas intenções.
Beber cerveja. Conhecer menininhas. Bronzear-se.
Depois, entrar na água, repetir.
Graças à insistência de Frankie, eles se sentam a nosso lado, por sorte ao lado dela. Rod ou Todd ou quem quer que seja é o mais barulhento, incapaz de ficar sério, incapaz de se concentrar num assunto por mais de um minuto. Ele é calouro em Berkeley, estudante de biologia marinha, e o que sua namorada de faculdade não sabe não lhe fará mal, piscadinha, piscadinha.
Os meninos acham mesmo que esta besteira funciona com as meninas?
Frankie ri. Acho que funciona com algumas meninas.
Warren não é o que se pode chamar de silencioso, mas o fato de eu fingir dormir enquanto Frankie e RodTodd riem e trocam telefones não lhe dá espaço.
— Cara — diz Warren, depois de quinze minutos fitando o mar. — Tenho de ir. Vejo você mais tarde.
Abro os olhos quando ele se levanta, sua sombra está cobrindo meu rosto. Frankie dá um semibeijo em RodTodd — mais do que de amizade, mas não um beijo completo. Espero esse tipo de comportamento gratuito com alunos de intercâmbio, mas com estranhos? Estranhos irritantes? A cena toda é mais do que consigo suportar.
— Frank, acho que vi seus pais.
— É a minha deixa — diz RodTodd. — Liga mais tarde, gata.
Liga mais tarde, gata? Vou passar mal. Frankie, por outro lado, está quase pronta para ir com ele.
Os meninos saem pela praia, e Frankie procura pelos pais do lado oposto.
— Onde eles estão? — pergunta ela. — Não os vejo, Anna.
— Acho que estava enganada. Podemos entrar na água agora? — Estou com calor, entediada e ficando de mau humor.
— Anna, aqueles foram dois da lista dos vinte. Por que você não conversou com Warren?
— Ele tem espinhas nas costas, Frank. Sem contar que é tão interessante quanto uma alga marinha.
Frankie ri.
— Certo. Mas ainda estou contando como dois. Com eles e os meninos que nos olhavam no Caroline’s ontem, já são quatro.
— Ontem não conta — respondo.
— Bem, teria contado se meus pais não aparecessem. — Ela procura a câmera na sacola de praia e focaliza meu rosto. — Então, Senhorita Reiley, você vai ou não admitir os espécimes A e B do Caroline’s na contagem oficial dos vinte garotos do verão, de acordo com o contrato original do Melhor Verão de Todos os Tempos?
Franzo a testa para parecer séria.
— Depois de uma atenção especial, a corte chega ao meio-termo. Devemos contar a dupla platônica de ontem como um único menino.
Ela concorda, segurando três dedos diante da câmera antes de virá-la para si mesma.
— Três já foram. Faltam dezessete. Nada mal para nossas primeiras vinte e quatro horas.
Reviro os olhos e tiro minha canga, pronta para entrar na água. Se chegar aos vinte garotos exige ignorar um alto padrão de higiene, uma personalidade interessante e um QI mínimo da sexta série, estou desistindo agora mesmo.
— Podemos ir nadar, por favor? — pergunto.
— Ah, está bem — Frankie coloca a câmera na sacola e me segue até a água, rindo nas ondas sem tubarões da beiradinha.
Entramos até que a água bata em nossos ombros, esperando para pegar impulso nas ondas mais fortes, até a beirada. A água e o ar são salgados, ferindo meus olhos e recobrindo minha pele, bem como Matt dizia nos cartões-postais.
Quando você sente o gosto da água nos lábios é como se tivesse comido batata frita. Mas não há nada igual, Anna.
— Pronta para o almoço? — pergunta Frankie depois de duas horas pegando onda. — Estou morrendo de fome.
Pegamos nossa canga esticada e as sacolas de praia e vamos para as barraquinhas perto de casa, onde pedimos cachorro-quente e fritas. Depois de nos observar comendo, um cara que parece velho o bastante para ser nosso pai se senta a meu lado na mesa de piquenique.
— Posso comprar milk-shake para vocês? Ou mais fritas?
Seu hálito cheira a leite azedo ao pousar em meu ombro.
— Claro — diz Frankie. — Quero um milk-shake de chocolate.
Ele sorri.
— E você, querida?
— Estou bem — digo, chutando Frankie sob a mesa. Impressiona-me o fato de Frankie encorajar esse pedófilo geriátrico a passar mais tempo conosco.
— Tem certeza? Vou lhe comprar um milk-shake de cereja, que tal?
Frankie responde por mim.
— Ela adora cereja.
Ele pisca para nós e se dirige à barraca.
— Frankie, pegue suas coisas — digo. — Vamos embora.
— De jeito nenhum. Isso é mais diversão do que tive num ano inteiro.
— Ele é um velho.
— Vamos conseguir milk-shakes de graça, certo?
Sua lógica me assombra.
— A que custo? — pergunto.
— Calma, mamãe.
O homem de couro volta antes que eu possa convencer Frankie a ir embora. Ela esfrega seus dedos nos dele ao pegar o milk-shake, e os olhos dele se detêm nos seios dela por muito tempo antes de ele se voltar para meu lado da mesa.
Sem conseguir suportar seu hálito azedo de álcool em minha pele, somos salvas por uma mulher também enrugada, de vestido rosa.
— Harold, o que você está fazendo? — Ela amassa um cigarro pela metade na areia com a sandália. Sua voz é rouca, e a pele bronzeada e flácida de seus braços balança. — A Márcia está esperando no carro.
— Já estou indo, querida. — Ele revira os olhos e sai da mesa de piquenique; dá um trabalhão quando se está bêbado. — Aproveitem os milk-shakes, meninas. Quero dizer, senhoras.
A Senhora Harold o pega pelo braço e o leva até o carro, repreendendo-o pelo caminho.
— Não vamos beber isso. — Pego o milk-shake de Frankie e o jogo na lata de lixo. Frankie ri.
— Certo, irmãozão — ela gargalha. Quase rio, imaginando o que o seu irmãozão de verdade faria se testemunhasse aquele incômodo diálogo.
— Então o Melhor Estuprador era qual número? — ela pergunta. — Quatro ou cinco?
— Não o estamos contando — digo. — Este é o Verão dos Vinte Garotos, não o Verão dos Vinte Velhos Sujos.
— Parece que já temos um nome para a viagem do ano que vem — debocha Frankie, arqueando as sobrancelhas. Ela pisca para mim e vai até o balcão pedir dois novos milk-shakes, sem soporíferos.
Nada disso entra no relatório final que fazemos para Red e Jayne durante o jantar, quando eles nos perguntam sobre nosso dia na praia.
— Tivemos o melhor dos dias — conta Frankie, mostrando gravações pré-selecionadas de nossa diversão ao sol. Depois do almoço, gravamos vídeos na parte tumultuada da areia com esse objetivo. — A praia estava cheia, mas ainda assim nos divertimos na água.
Red passa pratos de comida chinesa que Jayne fez para nosso primeiro jantar oficial na casa depois do arroubo da noite anterior, feliz porque sua filha e a melhor amiga dela tiveram um belo dia na praia de Zanzibar.
— Estou feliz que decidimos ficar — ele confessa, sorrindo.