Na manhã seguinte se repetem todos os afazeres de nosso primeiro dia na Califórnia, mas eu já estava preparada. Enquanto Frankie toma banho, eu me visto e aplico um pouco de maquiagem para silenciá-la antes de nossa marcha até o lado deserto da praia.
— Se você quer conhecer os caras — pergunto ao abrirmos nossas cangas para desfrutar o segundo dia —, por que estamos aqui como duas nômades?
Se ontem foi um indicativo dos meninos disponíveis, não quero mais conhecer nenhum deles. Sinto-me mais segura na multidão — ainda mais depois de nosso encontro com Harold, o homem do milk-shake.
— Anna — ela responde, reconfigurando-se na canga como no dia anterior —, só os turistas ficam na parte cheia. Os nativos vêm para cá.
— Como você quiser — digo. — Mas vou nadar. Não quero ficar estendida no sol.
Tiro a canga que cobre meu corpo branco, ainda sem me acostumar a mostrar tanta pele em público. Aplico outra camada de protetor solar e espero que ninguém esteja observando enquanto entro na água.
O mar não está tão quente quanto no dia anterior, mas meus pés se acostumam logo, permitindo que eu entre até a cintura. Ao longe, famílias em férias entram e saem da água, suas risadas pairando pelo ar úmido.
Olho para trás para ver Frankie. Ela sorri e acena, reposicionando-se na canga de modo que consiga alcançar a mistura de trilhas sem precisar se sentar.
— Fique onde eu possa vê-la — grita ela. — Preciso filmar isso.
O canto da praia está silencioso hoje. À medida que a água avança e recua em minhas coxas, minha mente vaga em direção à conversa que tive com tia Jayne na noite em que fizemos anjos de areia. Quanto ela sabe? Será que ele lhe contou sobre nós? Será que ela viu que nos beijávamos na pia cheia de louça quando achávamos que ninguém estava olhando? Será que ela apenas deduziu? E a que ela estava se referindo quando disse que ele tinha o mesmo olhar quando falava a meu respeito? Matt e eu passamos tanto tempo falando sobre quando, como e o que diríamos a Frankie... nós nunca chegamos à parte de falar para os outros.
Uma nova onda de borboletas paira em meu peito ao pensar nisso, e tenho de fechar os olhos para eliminá-la. Matt está morto, lembra? Aquelas borboletas não têm para onde ir, exceto para a escuridão, batendo as asinhas até se partirem.
— Ei, virgem!
O adjetivo é tão áspero e inesperado que demoro alguns segundos para perceber que se dirige a mim. Viro-me e encontro Frankie rindo na canga, à sombra de dois caras bronzeados com pranchas de surfe — o perfeito clichê californiano.
— Virgem, certo? — pergunta a voz outra vez. Ela vem do cara alto com cabelo loiro caindo sobre os olhos. Frankie ainda está rindo, e meu corpo inteiro fica quente e vermelho, apesar da água fria. Se Frankie acha que vai apenas me leiloar, bem... Não sei. É difícil ser esperta quando se está tentando provocar uma lula gigantesca a engoli-la e levá-la para as profundezas do mar, para nunca mais ser vista ou ouvida ou ridicularizada.
Mergulho para a água cobrir meu peito.
— Qual é?
— Hum, vocês nunca surfaram antes? — O loiro meio que pergunta e afirma, abrindo os braços como se esperasse um aplauso por sua inteligência.
— Volte, Anna! — Frankie acena. — Venha conhecer nossos novos amigos.
Olho para trás para confirmar que a lula gigante ignorou meu pedido telepático, depois volto a me concentrar, deixando que minha canga flutue pela água e envolva meu corpo ao emergir das ondas. Não funciona, então penso em fingir cãibras e logo abandono a ideia, pensando que, se fingisse me afogar, um deles podia se lançar ao mar e pôr suas mãos em mim. Não o loiro, eu imagino. Ele está ocupado demais admirando as medidas de Frankie.
Avanço nadando para fora da água, o que parece mais sexy do que sair caminhando, pois você fica com o peito para fora da água e tem que marchar como se suas pernas fossem pistões para conseguir sair do mar. A lula gigante pode não estar interessada em mim, mas vou me certificar de que Frankie parece boa e saborosa quando tirá-la da cama hoje à noite e sacrificá-la aos deuses do mar.
— Ei — digo, tentando parecer casual ao tirar minha canga esticada dos cotovelos firmes de Frankie. — Sou Anna — Completo, com a canga em volta da cintura, estendendo a mão para o loiro, que se chama Jake.
— Por que, Anna Abigail, você é tão certinha? — Frankie ri, com um ligeiro sotaque sulista. Ainda estou com raiva dela por dar vazão à piada sobre minha virgindade e me pergunto em poucas palavras se um cumprimento mais adequado, menos certinho, seria tirar a parte de cima de meu biquíni e girá-lo sobre a cabeça feito um laço. Antes de poder responder, Frankie está de pé, tirando areia do bumbum em câmera lenta. Jake olha para ela. O outro, Sam, balança a cabeça e ri para mim.
— Desculpe pelo meu primo mal-educado — diz ele, e seu sorriso me faz esquecer por um momento minha irritação.
— Então, de onde vocês são? — pergunta Jake.
— Nova York — responde Frankie, sem esclarecer que somos do norte do estado.
— Sério? —Jake pergunta. — Que legal.
— Isso mesmo — ela diz, examinando as unhas e vestindo uma carapuça de nova-iorquina que nunca teve.
— Como é lá no verão? — Jake quer saber.
— Ah, você sabe — Frankie responde. — Nunca é monótono. Por isso viemos relaxar na Cali. — Ela bebe um gole de água e lambe os lábios, olhando para o mar. Jake parece maravilhado por aquela mulher misteriosa e intrigante: Frankie, herdeira de Nova York, jantando com as estrelas, andando com os ricos e famosos, arriscando a vida todos os dias nas ruas. Na verdade, antes de irmos para a Califórnia, há apenas dois dias, nossas atividades de verão incluíam aventuras empolgantes como deitar ao sol fazendo palavras-cruzadas, simular entrevistas com a câmera de Frankie, experimentar máscaras faciais feitas de aveia e maionese e ir com mamãe e papai a um festival culinário, apostar cinco dólares tentando adivinhar qual de nossos vizinhos malucos se vestia como ketchup e mostarda.
— E quanto a vocês? — pergunta ela.
— Moramos aqui — Jake diz. — Não na praia, na cidade. Nada como Nova York. Lá é incrível.
Penso em nossos vizinhos usando fantasias de molho. Incrível. Demais.
Pronto para avançar na conversa, Jake se volta para a água e anuncia em alto e bom som, na direção de Frankie, que é “hora de se molhar”. Ela solta um “ah, é mesmo?” exagerado e arruma o biquíni no traseiro, soltando-o com um barulhinho, clop, antes de seguir Jake rumo à água.
Sam se vira para mim e sorri. Por alguns segundos dançamos uma espécie de tango no qual ambos tentamos falar ao mesmo tempo e acabamos rindo sem dizer nada. Frankie acena da água e Sam dá de ombros, olhando para mim.
A despeito de meu desprezo pelo tema dos vinte garotos, algo em Sam me atrai. Com cabelos bagunçados e loiros manchados pelo sol e olhos verdes, sem dúvida ele é bonito. Sem acne nas costas. Sem o astral de um velho. Parece inteligente.
Em outras palavras, todo errado para mim.
— Certo, Anna Abby de Nova Yawk — ele começa, acenando para sua prancha. — Quer tentar?
Devo ter dito que sim, porque deixo a canga de lado e o sigo até a água, sem prestar atenção a seus músculos bem definidos, à estria no lado esquerdo acima de seu quadril ou à sensação estranha em minha barriga quando ele olha para trás e sorri para mim.
Absolutamente nenhuma atenção. Ne-nhu-ma.
Na água, Frankie está deitada na prancha de Jake, remando com os braços enquanto ele explica o básico.
— Este canto da praia é ótimo para aprender porque a água é bem calma — diz Jake com a mão nas costas dela, como se fosse a única coisa que a estivesse prendendo na prancha. — Na parte popular da praia tudo fica cheio e tumultuado. Agora a primeira coisa que você vai fazer é sentir o peso da prancha e como ela reage ao seu corpo. — A habilidade dele como professor é tão boa que me pergunto se os dois andam pela praia todos os dias, com as pranchas em riste, para causar boa impressão às meninas.
— Ele é professor — explica Sam.
Ah, não! Será que falei em voz alta?
— Ele é mesmo um bom professor, apesar do ego — Sam completa.
— Sam — Jake chama, arqueando a sobrancelha. — Não confunda ego com confiança na própria capacidade.
— Por favor, continue — diz Sam, com um aceno exagerado.
— Como eu estava dizendo, você rasteja, os joelhos ficam contra a prancha, com seu corpo o mais próximo possível, como se você fosse beijá-la. — Ele orienta Frankie, movendo as mãos pelo corpo dela como um escultor.
Jake continua sua aula enquanto Sam prepara a prancha para mim. Quando me movimento para subir nela, minha perna resvala na dele na água, a pele nua contra o tecido molhado de sua bermuda, e eu sinto uma sacudida de cima a baixo.
Isso só me surpreendeu, só isso. Não estava esperando que a perna dele estivesse lá. Achei que era um tubarão. Ou coisa parecida.
— Você está bem? — ele pergunta enquanto subo na prancha instável.
— Estou. — A parte de minha perna que o tocou ainda está arrepiada. Sam não é tão bom professor quanto Jake, e suas mãos meio que pairam sobre mim, esperando minha permissão para prosseguir a cada passo. Quando quase viro a prancha, ele segura meu braço com cuidado para me equilibrar, e eu tenho de parecer bem, fingindo que ele é minha professora gorda e de meia-idade me dando uma lição de natação.
Passamos uma hora com eles na água, aprendendo o básico do bodyboard, vendo Jake se mostrar, conversando sobre a idiotice inerente da escola. Eles são um ano mais velhos do que nós e estão se preparando para o último ano. Passam a maior parte do tempo livre na praia. Jake ensina natação e surfe para os veranistas e Sam trabalha no Smoothie Shack, loja de seu primo na outra praia turística, quase a um quilômetro daquele canto da praia.
— Então basta sair carregando estas pranchas por aí procurando pelas meninas? — Frankie interroga, como se não se importasse.
— Você desvendou o mistério! — Jake responde, tirando-a de sua prancha.
— Na verdade, Jake ia me mostrar alguns novos truques — diz Sam. — As pessoas em geral não vêm ao canto da praia. O que vocês estão fazendo por aqui? Aqui é proibido nadar.
— Por favor — debocha Frankie. — Venho aqui a vida toda. Conheço esta praia inteira e nado onde quero.
— Como é que nunca a vimos antes? — pergunta Jake.
— Vocês não estavam prestando atenção. — Ela dá de ombros, ignorando que era provável que não estivesse usando um biquíni e que não tinha nada para cobri-lo. — Ou eu estava ocupada conversando com alguém.
Pelo que parecia, a apatia era o modus operandi do dia. Seja bonitinha e flerte um pouco e, depois, quando eles forem fisgados, diminua a temperatura, fingindo indiferença. Vodu. Funciona sempre.
— Você não falaria com outra pessoa se eu estivesse aqui — provoca Jake. — Quem consegue resistir a estes cabelos, este corpo? — Frankie joga água nele. Ele lhe diz que ela é gostosa. Acho que ela está apaixonada. De novo.
Enquanto isso, de volta à realidade, Sam precisa ir trabalhar.
— Passo aqui mais tarde, se vocês quiserem — ele diz. — Se gostarem de smoothie, sou a pessoa certa.
— E quanto a nossa aula? — Frankie pergunta. — Não fizemos nada.
— Essa foi a primeira lição — Jake responde. — A segunda parte começa amanhã, no mesmo horário e lugar.
— Talvez tenhamos outros planos — Frankie diz, mas nós não temos. Não só estaremos aqui quinze minutos antes da hora marcada como passaremos duas horas escolhendo o figurino de Frankie e ensaiando suas falas.
— Vamos, cara — Sam chama Jake. — Vou me atrasar.
Saímos da água e vamos em direção a nossa canga. Frankie abraça Jake, mas Sam sorri para mim com um ligeiro arquear de sobrancelha — esperançoso? Curioso? Sem a menor ideia?
— Vejo você mais tarde, Anna Abby de Nova Yawk — ele se despede, se virando e desaparecendo pela praia com Jake.
— Ah, meu Deus! — diz Frankie, deitando-se na canga. — Eles são tão gatos!
— Frank, só se passaram dois dias e meio. Não vamos chegar a vinte se você desistir da busca e se casar amanhã. — Enrolo minha canga na cabeça, como um véu. — Aceita? Aceito! Aceita? Aceito! Ah, Jake! Você precisa me contar quem faz as suas luzes.
Frankie ri e me ataca com a canga.
— Ah, certo, senhorita. “Sam, segure a prancha para mim! Sam, como você faz isso? Sam, quero ver você pelado.”
— Ah, pare! — Rio com Frankie. — E quanto ao pobre RodTodd? Você não vai ligar para ele?
— Está de brincadeira? Aquele cara é nojento.
— Por que você o beijou?
— Não foi um beijo!
— Hummm, certo. Então por que você deu seu celular?
— Anna, juro, às vezes você é tão... tão aretusa.
— Você passou o número falso... Pera lá, do que você me chamou?
— Aretusa. Você sabe, densa.
— Frank, acho que você quis dizer obtusa.
— Você entendeu.
Balanço a cabeça e rio.
— Ei, este aqui é o protetor solar. Experimente um pouco.
— Não, obrigada. Ao menos conhecemos uns caras decentes hoje — ela diz, deitando-se de bruços e tirando a parte de cima do biquíni. — E nós duas queremos caras diferentes.
Coloco os óculos escuros e apoio a mão na perna — a parte que tocou a perna de Sam na água. A parte que ainda lateja.
— Não quero ninguém.
— O que há de errado com você? — ela pergunta, como se fosse uma médica incapaz de diagnosticar minha estranha combinação de sintomas improváveis. — Sam estava analisando você inteirinha. E parecia que vocês estavam se divertindo.
Dou de ombros, de repente remexendo minha sacola em busca de um livro. Deve ter um milhão de coisas que posso dizer para ela se calar. Ele não é bonito o bastante. Não gosto de seus cabelos. Vi alguém mais perto da casa que quero investigar. Mas nada disso é verdade. A verdade é algo que não posso dizer — se posso me interessar por Sam, estou me esquecendo de Matt.