Enquanto Frankie tira uma soneca na canga a meu lado, leio o mesmo parágrafo do livro umas cem vezes, sem absorver nada. Estou pensando em outra coisa. Meu livro tem trezentas e uma páginas. Onde vamos jantar? Uau, a areia é cintilante! Mas daí Sam invade meus pensamentos — pensamentos que se tornaram perigosos e precisam de pouco encorajamento para se desvirtuar.
O sorriso dele. Pare, Anna!
Seus olhos verdes. Foco, foco!
A forma como ele diz “Anna Abby de Nova Yawk”.
Será que vendem smoothie de morango e banana ? Aposto que ele se bronzeia o ano todo. Será que tem namorada? Talvez. Quem sabe uma de cada estado. Uma coleção de turistas virgens esperando para ver quem será especial.
Penso na menina que vi no espelho quando Frankie e eu estávamos comprando trajes de banho. Quando concordei, brincando, com o concurso dos vinte, para o bem de Frankie. Além do mais, não posso me envolver com ninguém aqui. Compromisso. Todas aquelas palavras e sentimentos e intenções se entrelaçando em algo mais confuso do que meus cabelos — não, obrigada. O último menino que me atraiu daquela forma morreu.
Pensar em Matt revira meu estômago de novo. Esfrego os olhos e me concentro na água diante de nossa praia exclusiva, onde tubarões, a correnteza e os meninos podem ou não esperar para nos levar para o mar.
Chuá, chuá, chuá...
Medito. Limpo a mente. Sou a mestre de meus pensamentos. Minha mente está limpa. Estou flutuando. Sou uma pena, de cabeça vazia, flutuando ao vento.
Chuá...
O Sam disse que deveríamos tomar um smoothie hoje à noite ou amanhã?
Desisto.
Preciso sair desta praia, voltar para o silêncio frio da casa. Guardo meu livro na sacola e acordo Frankie.
— Vamos voltar. Estou com fome. — Esfrego o ombro dela com cuidado, sentindo o calor de sua pele rosada. — Frank, acorde. Você está toda quente.
Ela se remexe para amarrar a parte de cima do biquíni.
— Eu sei. Acho que este biquíni foi a melhor ideia que tive no ano.
— Não, quero dizer que você está quente mesmo. Sua pele está toda queimada.
Quando ela se senta, suas costas estão rosa-choque.
— Você não passou protetor solar antes de sair de casa? — pergunto.
— A mamãe me obrigou a passá-lo ontem. Mas por que eu deveria bloquear o sol dois dias seguidos? — Ela se balança para a frente e para trás como um peixe na água para conseguir ver suas próprias costas. — Preciso aplicar uma loção para não arder mais tarde.
— Você já está toda queimada — digo. — Não acredito que não esteja doendo.
— Estou bem. — Ela se levanta para tirar a areia da canga. — Deixe de ser tão paranoica. Você pode ganhar um pouco de cor, fantasminha.
Voltamos para casa fazendo vídeos das paisagens e dos vendedores perto da propriedade, para o caso de Red e Jayne se interessarem.
Eles estão lendo na varanda quando voltamos.
— Dia difícil? — pergunta Red ao deixarmos nossas coisas no chão e tirarmos as sandálias. — Não esperava vê-las até que... Frankie, o que você fez?
— Eu peguei no sono — diz ela, dando de ombros. — Mas estou bem. Só cansada. — Ela se joga no sofá e fecha os olhos antes que Jayne possa avaliar o estrago e regurgitar outra lição de moral sobre os perigos do sol.
— É a mesma coisa todo ano — Jayne comenta, balançando a cabeça. — Anna, vou colocar gel de lidocaína na geladeira. Ela não vai pedir, mas vou lhe dar mais tarde, quando ela não conseguir vestir o pijama.
Jayne segura um frasco tamanho família de uma substância pegajosa azul.
— Devemos cancelar nossa reserva e comer em casa hoje à noite? — pergunta Red. Mas Jayne diz que Frankie não deixará de comer lagosta por nada, por isso passamos uma hora jogando baralho na cozinha antes de acordá-la para o jantar.
Frankie está visivelmente ardida, mas, como Jayne previu, não está disposta a desistir da lagosta. Ela mal consegue andar, mas de alguma forma consegue tomar um banho frio e passar uma hora se maquiando e arrumando o cabelo. Não pode revelar a ninguém o quanto dói, com medo de que Red e Jayne a obriguem a usar camisas de mangas compridas e calças pelo restante da viagem. Se eu fosse uma amiga melhor, é provável que fosse solidária e me oferecesse para carregar sua bolsa ou coisa parecida, mas ver a menina dramática tentar esconder a dor é divertido demais.
Ela se sai bem com o teatro, mas fica de mau humor a noite toda, reclamando de coisas sem sentido em vez de reclamar do problema real das queimaduras de décimo grau em suas costas e pernas.
— Quanto tempo temos de esperar por uma mesa, papai? Está demorando. E...
— Como um lugar pode não ter ginger ale[2]? Quem administra um restaurante e não tem ginger ale? E...
— Nosso garçom parece estar em treinamento. Quem não sabe descrever um molho de mahimahi? E...
— Está tão quente aqui. Que tipo de lugar não tem ar-condicionado no meio do verão?
— Eu disse que não quero água, obrigada.
Assim, ela acena para o ajudante de garçom que serve água em um jarro de plástico. Seja a aparência de Frankie, suas queimaduras ou seu comportamento, alguma coisa o distrai. Ele derrama todo o jarro no colo dela, tateando em câmera lenta para impedir a força da gravidade de levar a água até seu destino final, pela camisa e pelo colo de Frankie.
Frankie grita e se levanta da mesa, toda molhada na parte de baixo. O pobre ajudante se põe a agir, pegando um guardanapo da mesa vazia atrás de nós e tentando acenar diante de Frankie, sem tocar no corpo dela, para não provocar uma cena ainda pior. Red, Jayne e eu estamos perplexos, cada um segurando uma gargalhada. Um movimento errado e perdemos as estribeiras, sei que sim. O ajudante, que deve estar temendo por sua vida, pede desculpas e procura o gerente.
— Desculpe, senhor — diz o gerente. — O jantar de sua família vai ser por conta da casa esta noite. A sobremesa também.
— Não se preocupe com isso — responde o pai de Frankie, tapando o rosto com um guardanapo para esconder um sorriso. — Ela estava mesmo com calor. Hora perfeita.
Ao ouvir isso, Jayne e eu não conseguimos mais nos conter. Nossa risada confunde o gerente, que finge ter uma emergência culinária e implora que o chamemos se houver algo que ele possa fazer para melhorar nossa recepção.
Frankie se afasta da mesa e vai para o banheiro feminino como um tornado raivoso.
Eu queria ficar na mesa com Red e Jayne e tomar os daiquiris de morango com creme (sem álcool, claro) que o garçom trouxe (de graça, claro), mas depois de dez minutos me sinto na obrigação de ver nossa diva furiosa.
No banheiro feminino, ela está na pia, limpando o rosto com uma toalha de papel úmida.
— Vamos lá, Frankie — digo. — Volte para a mesa. Trouxeram daiquiris de morango.
Ela me ignora e joga fora o papel-toalha.
— Vamos, admita que até que foi divertido — digo.
— Ótimo. Vou pedir ao ajudante que jogue um galão de água gelada em você, daí vamos ver como é divertido.
— Frankie, você estava reclamando do calor. É tipo uma resposta do universo.
Ela se faz de ofendida, mas posso ver um sorriso se insinuando em seu rosto.
— Você está fantástica, por sinal — digo, apelando para seu lado mais suscetível. — E deve ter sido por isso que ele derramou a água. Ele ficou paralisado com sua beleza. Em termos técnicos, você deveria interpretar isso como um elogio.
— É verdade. — Ela dá de ombros e limpa um pouco do delineador de seus cílios.
— Vamos voltar — eu peço. — Seu pai pediu lagosta.
Ela abre a porta.
— Perfeito. Mais piadas à minha custa. — De volta à mesa, Red e Jayne pedem desculpas por rir da filha e se oferecem para nos levar até o minigolfe depois do jantar.
Depois de nos saciarmos de frutos do mar e sobremesas, sem falar naqueles daiquiris, vagamos pela Moonlight Boulevard em busca do melhor minigolfe, que é um lugar temático chamado Pirate’s Cove. O local está cheio de velhos que andam bem devagar e contam mesmo os pontos, crianças que abandonam seus tacos e colocam as bolas nos buracos com as mãozinhas grudentas e pessoas como Frankie e eu, que preferiam estar na loja de sucos do Sam a passar mais um tempo com seus pais.
Frankie está quase mancando por causa das queimaduras, mas Red e Jayne estão tão empolgados que seria cruel interromper a diversão deles. Além do mais, é bom vê-los rindo tanto.
— Numa só tacada! — Red joga o taco para o ar depois de colocar a bola no buraco, fazendo-a passar pela boca de um crocodilo de plástico. — Escreva isso no cartão, querida. Uma tacada. É um recorde!
Red e Jayne avançam para o tesouro escondido enquanto Frankie tenta o crocodilo. À medida que ela se prepara para a tacada, vejo os meninos do nosso primeiro dia no píer no caixa.
— Frankie, olhe. — Aponto na direção deles. — Seus namorados do Caroline’s.
Ela se vira para olhar e depois se esconde atrás de mim.
— Achei que você estivesse brincando. Esconda-se!
— Outro dia você estava praticamente posando para eles.
— Anna, não quero que ninguém me veja assim.
— Então você admite que está parecendo uma lagosta frita? — Saio na frente dela, imitando seu mancar em câmera lenta.
— Pela última vez, isso é só uma base que passei! Estou falando de ser vista com eles. — Ela acena para Red e Jayne, que estão se cumprimentando sob uma bandeira de caveira dois buracos à frente.
— Vamos, suas velhacas! — grita Red para nós, gerando olhares empáticos dos patronos dos buracos cinco a sete. — Vamos logo ou vocês vão andar na prancha.
Certo, Frankie tem razão. Seguro a mão dela e vamos para o penúltimo buraco, para longe dos pais piratas e, o mais importante, para longe dos meninos do Caroline’s. Pensando bem, eles não são tão ruins. Ainda assim, Sam é muito melhor.
Anna! Você está enrolada. Quase dez minutos inteiros sem pensar nele!
Concluímos nossos dois últimos buracos com pouco esforço e devolvemos nosso equipamento, esperando no bar até que Red e Jayne completem os buracos em sua própria fantasia pirata.
— O que vamos fazer depois? — pergunto.
Frankie paira sobre um banco de ferro, tentando se sentar sem causar mais dor em suas costas queimadas.
— Talvez nada — diz ela. — Você sabe que o papai e a mamãe vão para a cama cedo. Por quê?
— Estou louca de vontade de tomar um smoothie.
— Não entendo você — digo no caminho de volta para casa. — Você é que estava tentando me fazer matar o A.A. e nem quer vê-los hoje à noite. Eles nos convidaram!
Já passa das dez, Red e Jayne foram para a cama há muito tempo e eu estou tentando convencer Frankie a dar uma fugida. Eu. Tentando convencê-la. Passaram-se apenas três dias, eu mal me reconheço.
— Meu Deus, Anna. Parece que você nunca ficou com um cara antes. Ah, certo, você nunca ficou mesmo! — Frankie joga um travesseiro em minha direção.
— Ah, cale a boca. — Isso é bobo, mas não posso corrigi-la.
— Vá, se quiser — diz ela. — Mas eu vou ficar bem aqui. — Ela demonstra dor ao se deitar no lençol frio.
— Admita. — Sento-me na beirada da cama. — Admita que está com vergonha da sua estúpida queimadura e que é esse é o único motivo pelo qual não quer ir.
— Anna, só não quero quebrar as regras, certo? — Ela me olha com uma seriedade falsa, dando início a uma reação em cadeia de risadas histéricas. Eu me inclino sobre ela, de mãos abertas, e ameaço lhe dar um tapa na pele tenra de seus braços se ela não retirar o que disse.
— Certo, você venceu! — ela diz, ainda rindo. — Está queimando! Está queimando!
— E? — pergunto, aproximando minha mão.
— E eu pareço uma turista!
Satisfeita com a humildade de Frankie, pego o frasco de lidocaína da geladeira, dando-lhe um alívio temporário da própria estupidez.
Mais tarde, depois que nos ajeitamos na cama e aceitamos nosso destino como um todo, cidadãs da comunidade praiana ao menos por uma noite, Frankie me aconselha a pegar leve com Sam.
— Sam e Jake são apenas os números quatro e cinco na nossa lista. Não quero que eles pensem que estamos mesmo interessadas, Anna — ela aconselha, provavelmente procurando em sua memória por outra referência a Johan para demonstrar seu conhecimento sexual.
— Certo — concordo. — Não estou. Interessada, quero dizer. Estou só comentando, é isso.