Capítulo 23

Não demora muito para chegarmos à Vista, e lá reconheço a paisagem assim que chegamos. As luzes de todas as cidadezinhas da Califórnia iluminam o litoral como fogos de artifício, como eu vira nos cartões-postais perfeitos de Matt milhares de vezes.

— Costumávamos vir aqui fazer piquenique quando eu era pequeno — conta Sam, estendendo a toalha na areia. — Não venho aqui há algum tempo.

Sento-me na toalha ao lado dele. — Conte-me uma história — peço. — Só quero ouvir.

— Claro. Venha cá. — Ele se deita e me puxa contra seu peito, acariciando meus cabelos. Então ele me conta como é crescer na Califórnia e como é difícil fazer amigos, porque todo mundo que você conhece vai embora no fim do verão. Sua voz é grossa e suave, abafada contra meu ouvido.

— A coisa mais trágica na Califórnia é que nada é permanente ou real — ele diz. — Isso irrita, sabia?

— Não. Eu queria poder ficar aqui para sempre.

— Mas não pode, Anna. Essa é a questão. — Ele ergue meu queixo e olha para meu rosto. — Você é como um belo e maluco fantasma, e, quando eu acordar, você terá ido embora, e eu me perguntarei se isso aconteceu de fato.

— Sei o que você quer dizer — concordo, desejando não saber.

Sam me pergunta de Nova York, acariciando minhas costas enquanto conversamos. Eu lhe conto sobre nossa infância, dando uma cuidadosa volta na tragédia que me define tanto. Mas todas as minhas histórias de infância — histórias importantes — chegam ao mesmo e inevitável fim.

Antes — juntos.

Depois — separados.

Antes — feliz.

Depois — triste.

Estar com Sam nesta viagem é como tirar férias da dor, mas agora não posso falar sobre viver sem pensar em Matt. O esforço para afastá-lo de meus pensamentos e palavras me suga. Por fim, sua lembrança vence, se insinua em minha mente e me faz me aproximar em silêncio do som do mar e da respiração de Sam.

Pouco depois da morte de Matt, fiquei com medo de quase tudo. Não conseguia nem mesmo roer as unhas ou cheirar minha camiseta para ver se precisava de desodorante sem sentir que ele estava me observando. Chorei, rezei e implorei para que ele me desse um sinal de que estava mesmo olhando, de que estava comigo, para que eu soubesse.

Mas ele nunca me deu nenhum sinal. O tempo passou. Deixei de sentir medo.

Até agora, vulnerável e insegura e um pouco bêbada. Deitada na areia e me sentindo loucamente apaixonada por alguém que acabei de conhecer. Matt está me olhando. Observando. É bem provável até que esteja me julgando. E a pior parte é que não quero mais acordar ao lado de sua barreira de rochas tristes. Não quero sentir o sabor da cobertura de marzipã e de cigarro de cravo. Não quero pensar no colar de vidro azul ou nos livros que ele lia para mim na cama ou nas pilhas de coisas da faculdade ou em algum garoto na mercearia usando suas roupas que foram doadas.

Não quero ser a melhor amiga que se tornou outra coisa do menino morto.

Ou a vizinha amiga apoiadora.

Ou a mantenedora de graves segredos para sempre.

Só quero flutuar, suspensa aqui em minha cápsula do tempo californiana sem o anoitecer de ontem ou a aurora do amanhã no horizonte.

Apagada.

Qual é a sua primeira lembrança?, perguntei a Matt. Estávamos lavando seu carro enquanto Frankie preparava sanduíches na cozinha.

A maioria delas é na Califórnia. Do mar. Não me lembro bem da primeira vez que o vi, só de como me senti.

Como?

Incrivelmente pequeno. Impossivelmente insignificante. E completamente seguro. Meio louco, né?

Não.

Qual é a sua primeira lembrança?

Quero lhe dizer que foi meu aniversário de quinze anos, duas semanas antes, porque tudo o que aconteceu antes disso era um luar pálido contra o sol daquele beijo. Mas lhe digo que tem a ver comigo sentada no jardim com meu pai, enquanto Matt pega larvas e tenta alimentá-las com folhas de carvalho da árvore de nosso jardim. Eu devia ter uns três anos.

Eu queria criar uma fazenda de lagartas. Não acredito que você se lembra disso, Anna. Matt sorriu, tirando o sabão das mãos.

Não é tão legal quanto ver o mar pela primeira vez, mas ainda me faz sorrir.

Prometo que levarei você para lá algum dia. Quero vê-lo com você. Quero ver tudo com você.

Sam me olha sério, como se estivesse tentando ler minha mente. Não consigo encontrar palavras para essa conversa e, mesmo que conseguisse, talvez apenas chorasse. Assim, faço outra coisa melhor: um beijo.

Apagada.

Ele me beija com mais intensidade e se deita sobre mim, tirando meu moletom. Seus quadris estão pressionando os meus, com mais força e proximidade do que antes. Sinto coisas que nunca senti, em lugares que nem sabia que existiam, como cem florezinhas se abrindo ao sol depois de um verão longo e severo.

Em algum lugar sob minha pele recém-bronzeada eu sei que deveria esperar, que isso deveria ser algo especial, que deveria ser com alguém com quem eu pudesse acordar pela manhã, amanhã e sempre.

E se ele pensar que sou uma turista em busca de um caso romântico a distância, de modo que eu possa apenas compartilhar seus cartões-postais manchados pela praia com as amigas?

Não — depois destas férias, é isso. Sam e eu não existiremos no contexto Sam e eu. Eu o perderei, assim como Matt. Seja a morte ou a distância entre Nova York e a Califórnia, em pouco tempo acordarei e Sam desaparecerá.

Sam, cujos cabelos marejados caem em ondas sobre meu rosto enquanto ele me beija.

Sam, cujos olhos verdes estão sobre mim como suas mãos, procurando e achando, quente e intenso.

Sam, cuja pele tem sabor de sal e verão.

Sam, cujo sobrenome é... um mistério total.

— Espere! — Afasto-me dele, que se confunde para tirar a parte de cima de meu biquíni. — Acabo de perceber que não sabemos os sobrenomes um do outro. O meu é Reiley. — Olho para ele com uma sensação de urgência, como se essa nova informação impulsionasse a noite louca.

Ele ri.

— Macintosh.

— Como a maçã? — pergunto.

— Como o computador.

— Isso. A mesma coisa, não é?

— Humm, Anna?

— Sim?

— Chega de falar — ele sorri.

— Certo — suspiro, passando os dedos pelo lábio inferior dele. Minha mente está mais agitada do que meu coração, mas não sei como impedi-la. Não quero parar. Quero devorar tudo a respeito dele. Quero saborear sua boca e sentir o cheiro de seu xampu e morrer com essa lembrança, imediata e rápida, antes que qualquer coisa possa eliminá-la.

Ele se aproxima para me beijar de novo, mas coloco a mão sobre seu peito.

— Sam, quero dizer, está tudo bem. Você tem...? — Espero que minha lembrança brilhe em seu rosto.

— Sim — ele diz, enfiando a mão no bolso de seu moletom, a meu lado. Ouço o barulho do plástico sendo rasgado enquanto ele abre a embalagem da camisinha.

— Tem certeza? — ele pergunta.

— Tenho.

Ele me beija com mais força, respirando pelo nariz enquanto abre o zíper, desamarra, desabotoa e tira nossas roupas, beijando minha barriga. Sua boca se volta devagar para meus lábios, murmurando enquanto abro minhas pernas e o aceito dentro de mim.

Não dói exatamente — é só... estranho. A princípio prendo a respiração, minha bermuda e biquíni pendendo de um dos tornozelos como se não tivessem sido tirados a tempo e agora tivessem de passar por tudo aquilo sem fazer qualquer barulho, muito menos ser descobertos.

Sam se apega a meus cabelos, indo e vindo contra meu corpo como as ondas diante de nós. Sinto o ritmo e relaxo enquanto meus ombros e quadris criam trincheiras na areia sob nossa toalha. Por meio da seda de seus cabelos, observo o luar alaranjado, sentindo o sal de sua pele em minha boca, respirando fundo, esperando que as estrelas caiam ao nosso redor.

Mas elas não caem.

Elas só se apagam, admirando em silêncio, pairando sobre as ondas até que Sam se desembaraça do meu corpo e eu me sento, vestindo minhas roupas.

O brilho do céu noturno ofusca na maré baixa, evaporando na aurora rosada com o albatroz que há muito abandonei.

De alguma forma, não me sinto nada diferente de como me senti diante do espelho na festa. Não me sinto mais velha. Nem mais inteligente. Nada de oculto em minha vida foi de súbito esclarecido ou desmistificado agora que faço parte de um clube secreto.

Sam se deita com os olhos fechados, os braços cruzados sobre o peito.

— Fique comigo, Anna Reiley — ele sussurra, sonolento, sorrindo. Toco a barriga dele com a ponta dos dedos.

— Vou só lavar os pés. Já volto — seguro as sandálias com um dos dedos e ando descalça até a água, minha bermuda aberta pendendo da parte de baixo do biquíni. Suja de areia, a borda do biquíni balança em minhas coxas como teias de aranha.

Deixo que a água lamba meus pés e espero por um sinal de que estarei bem, de que o que fiz está certo, de que tudo está certo. Olho para o mar de alcaçuz e espero.

As ondas sussurram contra o litoral como fizeram a noite toda, sábias, antigas, inalteradas.

A areia e o luar e os guarda-sóis fechados do hotel como flores no anoitecer permanecem imóveis, sem serem alterados ou afetados.

O mar molha meus dedos dos pés, para então recuar, seu toque opaco na areia evaporando no mesmo instante.

Tomei a pílula mágica, agora está feito.

Lavo as mãos na água e me volto para Sam. Devem ser cinco da manhã. Ele está sentado agora, observando-me com seus olhos verdes, tremendo e sorrindo.

— O quê? — pergunto, enfiando os dedos na areia, escondendo meu sorriso.

— Não se mova, Anna Reiley — ele diz. — Neste exato momento, tudo está perfeito.