É a noite da véspera de nossa partida. Uso minha camiseta nova e calça jeans e me deito entre os lençóis, mas não tenho nenhuma intenção de passar as últimas horas na baía de Zanzibar dormindo perto de Frankie. Antes de desligar a luz, configuro meu celular para despertar e o coloco com cuidado sob o travesseiro, para dali a uma hora e quarenta e cinco minutos.
Já estou desperta quando ele toca contra meu rosto. Dessa vez Frankie está na cama, mumificada entre os lençóis e parecendo adormecida.
Já vestida, pego minhas sandálias e saio do quarto. Dou uma verificada rápida no cabelo e no hálito no banheiro do andar de baixo e vou para a Shack — para Sam — uma última vez.
Sam e eu voltamos para a Vista e estendemos uma toalha na areia, esperando a mesma solidão que encontramos na noite anterior. Conto-lhe sobre o jantar e o show da banda Helicopter Pilot, sobre o qual continuo radiante.
— Isso significa que você e a Frankie voltaram a se falar? — Ele brinca com meus cabelos, envolvendo uma mecha em seus dedos.
— Mais ou menos — digo. — Bem, não... não assim. Foi tipo uma trégua.
— Tenho certeza de que vocês darão um jeito.
Suspiro.
— Não vamos falar da Frankie agora.
Sam meneia a cabeça e me puxa para perto. Nós nos envolvemos na toalha, observando as estrelas, calados. Estou perdida na noite, flutuando e nos vendo de cima, seguindo o rastro de uma estrela cadente.
— Vai ser estranho quando você for embora — Sam diz, apertando meus dedos e me trazendo de volta à terra.
— Não pense nisso. Ainda temos algumas horas.
Ele sorri e me beija, colocando-nos devagar na mesma posição da noite anterior. Dessa vez, eu não me esqueço. Dessa vez, enquanto ele se deita sobre mim, apertando sua barriga contra a minha, apertando-me contra a toalha e a toalha contra a areia, percebo que já não é algo que eu deva suportar; não é mais a misteriosa passagem do ponto A para o ponto B que me permitirá ir adiante, numa vida de outro modo paralisada.
O ar está quente, as ondas beijam nossos pés. No horizonte, o sol começa a surgir enquanto a lua continua a brilhar, a luz de ambos ocupando naquele momento o mesmo espaço, cada qual tornando o outro mais encantador. À medida que as estrelas desaparecem para dar lugar à luz rosa do amanhecer, sei que esta talvez seja a última vez que o verei e que, seja lá o que for que a vida me traga, nada será tão especial quanto este momento, o dia e a noite iluminando o mar ao mesmo tempo só para nós dois.
Tiro o moletom de Sam contra minha pele exposta e me deito ao lado dele na toalha, encarando o céu.
— É estranho — digo, esfregando meus pés contra os dele. — Sinto que eu deveria estar triste, mas não estou. Não que eu não vá sentir sua falta, mas parece que...
— Como se tudo estivesse certo — ele diz, completando meu pensamento.
Sorrio.
— Sam, obrigada por me escutar ontem. Você sabe, sobre Frankie e Matt e tudo o que aconteceu.
— Não me agradeça.
— Você sabia que ela foi queimada por uma água-viva? — eu rio, lembrando a encenação.
— A invencível Frankie foi derrubada por uma água-viva?
— Uma bem pequenininha. Mas, quando o pai dela nos contou sobre o show, ela ficou curada quase que por milagre. Foi um milagre e tanto.
Sam ri, encarando-me antes de me puxar para cima dele uma última vez.
Depois, a luz do céu me diz que é hora de voltar. Ainda tenho de arrumar as coisas, e Red e Jayne acordarão cedo para começar a carregar o carro para nossa viagem de volta.
Visto minhas roupas e devolvo o moletom de Sam.
— Fique com ele — diz. — É algo para se lembrar de mim.
— Não preciso de um moletom para isso — digo, já o vestindo.
— Então fique com ele porque está frio.
— Certo.
Sam guarda a toalha e se vira na direção de nossa casa de praia, pegando minha mão.
— Vou voltar sozinha desta vez — digo. — Quero dizer adeus à praia. Além disso, eles acordarão logo.
Sam faz que sim, passando a mão pelo meu pescoço e me puxando para um beijo profundo.
— Vejo-a por aí, Anna Abby de Nova Yawk — ele sussurra.
Levo meus dedos a seus lábios, encarando-o pela última vez, e caminho pela praia. Volto-me apenas mais uma vez, vendo-o desaparecer pela praia até que ele se transforme numa linhazinha bege, um pontinho no horizonte.
Eu não o conheço de fato; mesmo assim, em minha vida, você estará para sempre envolvido; em minha história, inextrincavelmente atado.
De volta para casa, todos ainda estão dormindo. Meu corpo está exaurido, mas nesse momento me sinto animada demais para dormir. Em vez disso, caminho para a frente da casa, cruzando a sala e abrindo a porta do deque para sair.
O sol não nasceu por completo até agora e o ar continua frio, misturado a gotículas de maresia. Ando descalça pela grama molhada, como fiz no primeiro dia, e me aconchego no último degrau, permitindo-me ser hipnotizada pelo ir e vir das ondas. Uma gaivota solitária anda pela praia à minha frente, como se estivesse esperando por notícias, mas todos os demais residentes da terra, do ar e da água ainda estão ocultos, deixando-me sozinha com a gaivota para pensar em todas as vezes em que podia ter contado a Frankie como sem querer me apaixonei pelo irmão dela.
Na noite de meu aniversário, antes da promessa, eu podia tê-la puxado para dentro de casa com a desculpa de uma crise feminina e lhe contado sobre meu desejo e sobre como ele se tornou realidade.
Todas aquelas vezes em casa, roubando olhares com Matt no jantar. Pegando seus livros emprestados. Divertindo-se no quarto dele, esperando até que Frankie nos interrompesse. Podíamos ter nos sentado e eu contaria.
Podia ter contado depois do funeral, ao nos trancarmos no quarto dela e escutarmos os CDs da Helicopter Pilot.
Ou quem sabe quando ela me contou aquela mentira sobre Johan.
Todas essas vezes eu não poderia tê-la poupado, não da única coisa que de fato importava para mim: perder Matt.
Eu só podia poupá-la em relação ao segredo. Só podia poupá-la de saber; de imaginar; do inevitável sofrimento ligado àqueles intermináveis “e se”.
E se ele não tivesse morrido?
E se nossa história não significasse nada?
E se significasse tudo?
Uma noite Matt me beijou. As semanas seguintes passaram por mim como um borrão, uma bala disparada para o céu, perdida da visão. Quando ele me puxou para perto dele atrás da casa, naquela primeira noite, vi nossa vida toda em seus lábios contra os meus; juntos, vivendo ao lado de Frankie, meu futuro marido, com nossos filhos crescendo juntos e sendo amigos um do outro, docinhos como nós.
Mas, quando ele morreu, eu vi... nada. Não havia nada para ver. Aconteceu o impossível, e foi belo. Então, tudo terminou antes mesmo de começar, não deixando nada para trás além de segredos e corações partidos.
E, nessa aurora antes de deixarmos a Califórnia, consigo perceber o que foi mais difícil para mim com a morte de Matt. Não, não foi o fato de eu ter perdido um quase irmão, como Frankie perdeu, ou um filho, como tia Jayne e tio Red. A coisa mais difícil para mim foi não saber com exatidão o quê eu perdi, o quanto poderia doer e por quanto tempo eu ainda continuaria a pensar nele. Ele levou esse mistério consigo ao morrer, e cem mil cartas no meu diário não me aproximariam mais dele do que a noite em que peguei no vidro do mar que ele usava no pescoço e o beijei.
Por mais de um ano as cartas foram minha única conexão com ele, a única prova de que nosso breve período juntos não foi outra coisa. Ao ver meu diário flutuando nas ondas, senti uma perda tão repentina e avassaladora que foi como voltar à recepção do hospital, quando o médico nos disse que não podia curá-lo. Num minuto o diário estava em minhas mãos, suave, familiar e real; logo depois, desapareceu.
Como Matt.
E, como Matt, eu precisava deixá-lo partir.