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— Tudo o que sempre encontramos é o idiota do Lord Lucan e malditos corvos sem asas — disse Gilman, sorrindo, como se aquele fosse o melhor dia de nossa vida.

Sexta-feira, 13 de dezembro de 1974.

Eu esperava por minha estreia na primeira página do jornal, os meus créditos, finalmente: Edward Dunford, repórter policial no norte da Inglaterra. Com malditos dois dias de atraso.

Olhei para o relógio do meu pai.

Nove da manhã, e ainda sem passar pela cama. Vindo direto do Press Club, fedendo a cerveja e metido naquele inferno: sala de conferências, delegacia de polícia de Millgarth, Leeds.

Todo o maldito clã sentado, esperando pela atração principal, com as canetas em punho e os gravadores em pausa. Quentes luzes de televisão e fumaça de cigarro naquela sala sem janelas, com ares de ringue de boxe digno de uma Late Night Fight Night. O pessoal da televisão sofria nos sets, as rádios paralisadas, numa espera surda:

— Eles pegaram a doce FA.

— Dizem que ela deve estar morta, se envolveram George no assunto.

Khalid Aziz nos fundos, nem sinal de Jack.

Senti uma cotovelada. Era Gilman outra vez, o Gilman do Manchester Evening News.

— Sinto muito pelo seu velho, Eddie.

— Tudo bem — respondi, pensando em como as notícias correm.

— Quando vai ser o funeral?

Olhei mais uma vez para o relógio do meu pai.

— Daqui a duas horas.

— Meu Deus. Hadden continuará revirando o seu pedaço de carne ensanguentada até lá.

— É... — eu disse, sabendo que, com ou sem funeral, não deixaria o idiota do Jack Whitehead tomar conta do assunto.

— Sinto muito.

— Tudo bem — eu disse.

Segundos se passaram.

Uma porta lateral se abriu, tudo ficou quieto, tudo ficou mais lento. Na frente, um detetive e o pai, atrás o detetive-chefe superintendente George Oldman, e por último uma policial com a mãe.

Liguei meu gravador de bolso assim que eles se sentaram atrás das mesas de plástico daquela sala, mexendo em papéis, pegando copos de água, olhando para todos os lados, menos para cima.

Do lado azul do ringue:

O detetive-chefe superintendente George Oldman, uma figura de outros tempos, um grande homem entre os grandes, com seus cabelos pretos penteados para trás a fim de parecerem menos fartos, um rosto pálido sob os holofotes, revelando veias cheias de sangue, como se fossem pegadas roxas de pequenas aranhas correndo por suas bochechas pálidas, sem cor, e seguindo em direção ao seu nariz meio torto.

E eu pensando: “O seu rosto, a sua gente, a sua época”.

E do lado vermelho do ringue:

A mãe e o pai, suas roupas amarrotadas e os cabelos engordurados. Ele espanando a caspa presa no colarinho, ela mexendo na nova aliança de casamento, os dois contraindo o corpo diante do estrondo e da lamúria de um microfone sendo ligado e parecendo, aos olhos de todos, mais os pecadores que as vítimas de um pecado.

Eu pensando: “Vocês fizeram isso com a própria filha?”.

A policial pousou uma das mãos sobre o braço da mãe, que virou o corpo, olhando para ela até o momento em que a policial desviou o olhar.

Primeiro round:

Oldman deu uma batidinha no microfone e tossiu:

— Obrigado por terem vindo, senhores. Foi uma longa noite para todos, especialmente para o senhor e a senhora Kemplay, e será um longo dia também. Então, serei breve.

E tomou um gole de água.

— Por volta das quatro da tarde de ontem, dia 12 de dezembro, Clare Kemplay desapareceu enquanto voltava para casa, vindo da Morley Grange Junior and Infants, em Morley. Clare saiu da escola com duas colegas de classe quando faltavam quinze para as quatro. Na esquina da Rooms Lane com a Victoria Road, Clare se despediu das amigas e desceu a Victoria Road em direção a sua casa, aproximadamente às quatro da tarde. Foi a última vez que foi vista.

O pai olhava para Oldman.

— Quando notaram que Clare não chegava em casa, a polícia de Morgan iniciou uma busca, na tarde de ontem, com a ajuda dos amigos e vizinhos do senhor e da senhora Kemplay. Mas nem assim foi encontrada pista alguma sobre o paradeiro de Clare. Ela nunca desaparecera antes, e obviamente ficamos muito preocupados com a sua segurança.

Oldman pegou o copo de água mais uma vez, mas não o levou à boca.

— Clare tem dez anos. É loira, de olhos azuis e cabelos longos e lisos. Ontem, vestia uma capa de chuva laranja, um suéter azul-escuro de gola alta, calça jeans desbotada, com uma águia bordada no bolso traseiro esquerdo, e galochas vermelhas. Quando saiu da escola, carregava uma bolsa de plástico do Co-op com um par de tênis de ginástica pretos dentro.

Oldman ergueu a foto ampliada de uma menina sorridente, dizendo:

— Cópias desta foto recente serão distribuídas ao final.

E tomou mais um gole de água.

Cadeiras se arrastaram, papéis foram movidos, a mãe suspirou fundo e o pai olhou para ela.

— A senhora Kemplay gostaria de ler um curto comunicado, na esperança de que algum membro do público tenha visto Clare após as quatro da tarde de ontem ou tenha alguma informação sobre seu paradeiro. Pedimos que, se for o caso, essa pessoa venha até nós, para nos ajudar na investigação. Obrigado.

Gentilmente, o detetive-chefe superintendente Oldman virou o microfone na direção da senhora Kemplay.

Flashes espocaram na sala de conferências, apontados para a mãe e fazendo com que ela piscasse na nossa direção.

Dei uma olhada nas minhas anotações e no mecanismo que fazia girar a fita no gravador.

— Gostaria de fazer um apelo a qualquer pessoa que saiba onde Clare está ou tenha visto minha filha após as quatro da tarde de ontem. Por favor, entre em contato com a polícia. Clare é uma menina muito alegre, e eu sei que nunca fugiria de casa sem me dizer nada. Por favor, caso a tenham visto ou saibam onde está, por favor, telefonem para a polícia.

Uma tosse reprimida, depois o silêncio.

Ergui os olhos.

A senhora Kemplay tinha as mãos sobre a boca e os olhos fechados.

O senhor Kemplay se levantou, mas voltou a sentar-se ao ouvir Oldman dizer:

— Senhores, já passei toda a informação que temos até o momento, e sinto muito, mas não temos tempo para responder perguntas agora. Uma nova coletiva foi marcada para as cinco, a menos que nada extraordinário seja descoberto até lá. Obrigado, senhores.

Cadeiras sendo arrastadas, papéis sendo movidos, murmúrios se transformando em resmungos, palavras sendo sussurradas.

Nada de extraordinário, porra!

— Obrigado, senhores. Isso é tudo até o momento.

O detetive-chefe superintendente Oldman se levantou e girou o corpo para sair da sala, mas ninguém na mesa se moveu. Ele olhou para trás, para as luzes da televisão, fazendo um gesto com a cabeça para os jornalistas que não conseguia enxergar.

— Obrigado, rapazes.

Eu olhei mais uma vez para minhas anotações, o gravador continuava ligado, e fiquei imaginando o tal nada de extraordinário com o rosto virado para uma poça de lama, vestindo uma capa de chuva cor laranja.

Voltei a erguer os olhos, o outro detetive ajudava o senhor Kemplay a caminhar, segurando-o pelo cotovelo, enquanto Oldman mantinha a porta lateral aberta para a senhora Kemplay, murmurando algo para ela, fazendo-a piscar.

— Tome — disse um detetive grandalhão, distribuindo cópias da foto tirada na escola.

Eu senti um cutucão. Era Gilman mais uma vez.

— Nada promissor, certo?

— Não — eu respondi, com o rosto de Clare Kemplay sorrindo para mim.

— Pobrezinha. Imagino o que poderia estar passando.

— É... — concordei, olhando para o relógio do meu pai, com o pulso gelado.

— Melhor você dar o fora daqui, não?

— É...

A M1, Motorway One, em direção ao sul, de Leeds para Ossett.

Eu pisava fundo no acelerador do Viva do meu pai, na chuva, e o rádio tocava Shang-a-lang, dos Rollers.

Onze malditos quilômetros, e eu repetindo aquilo como se fosse um mantra:

Uma mãe faz um pedido emocionado.

A mãe de Clare Kemplay, menina de dez anos desaparecida, fez um pedido emocionado.

A senhora Sandra Kemplay fez um pedido emocionado enquanto o medo crescia.

Pedidos emocionados, medos crescentes.

Parei na porta da casa de minha mãe, na Wesley Street, em Ossett, às dez para as dez, tentando imaginar por que os Rollers não tinham feito um cover de The Little Drummer Boy, o que poderia ter sido bem melhor.

Ao telefone:

— Certo, sinto muito. Reescreva o parágrafo inicial e fechamos. Assim: Esta manhã, a senhora Sandra Kemplay fez um pedido emocionado pela sua filha Clare, no exato momento em que cresce o temor diante do desaparecimento da menina de dez anos, em Morley.

— Novo parágrafo: No início da tarde de ontem, ao sair do colégio e voltar para sua casa, em Morley, a menina Clare desapareceu. Um intenso cerco policial durante toda a noite não conseguiu encontrar nenhuma pista sobre seu paradeiro.

— Certo. Mas era assim que estava antes...

— Obrigado, querida...

— Não...

— Nos vemos, Kath. Adeus.

E desliguei, olhando para o relógio de meu pai:

Dez e dez.

Atravessei o hall de entrada em direção à sala dos fundos da casa, imaginando que o trabalho estava feito, e bem-feito.

Susan, minha irmã, estava de pé ao lado da janela com uma xícara de chá nas mãos, olhando para o jardim atrás da casa e para a garoa. Minha tia Margaret estava sentada à mesa, com uma xícara de chá à sua frente. Tia Madge estava na cadeira de balanço, com uma xícara de chá no colo. Ninguém se sentava na cadeira do meu pai, ao lado do armário.

— Já terminou? — perguntou Susan, sem olhar para mim.

— Sim. Onde está a mamãe?

— Lá em cima, meu querido, se arrumando — respondeu tia Margaret, que se levantou, pegando seu chá e o pires. — Aceita uma xícara?

— Não, eu estou bem. Obrigado.

— Os carros vão chegar em pouco tempo — disse tia Madge, para ninguém em particular.

E eu comentei:

— Melhor eu ir me arrumar.

— Certo, meu querido. Vá se arrumar. Vou preparar uma deliciosa xícara de chá para quando você descer — disse tia Margaret, seguindo para a cozinha.

— Você acha que mamãe já terminou de usar o banheiro?

— Por que não pergunta para ela? — disse minha irmã, olhando para o jardim e a chuva.

Subi, vencendo dois degraus por vez, como fazia antes. Uma cagada, uma barbeada e um banho e eu estaria pronto, mas ao mesmo tempo pensava que uma punheta rápida e um banho seria melhor, embora imediatamente tenha ficado imaginando se meu pai seria capaz de ler meus pensamentos naquele momento.

A porta do banheiro estava aberta, a do quarto da minha mãe, fechada. No meu quarto, encontrei uma camisa branca limpa e recém-passada sobre a cama e a gravata preta do meu pai ao lado. Liguei o rádio em formato de navio.
David Essex cantava, prometendo me transformar numa estrela. Olhei para meu rosto no espelho do armário e vi minha mãe de pé na porta vestindo uma camisola cor-de-rosa.

— Deixei uma camisa e uma gravata na cama, para você.

— Eu vi. Obrigado, mãe.

— Como foi esta manhã?

— Tudo bem, você já sabe...

— Foi a primeira notícia que deram esta manhã no rádio.

— Foi? — eu perguntei, lutando contra as perguntas.

— Não parece nada bom, certo?

— Não — eu respondi, embora quisesse mentir.

— Você viu a mãe?

— Vi.

— Coitada — disse minha mãe, fechando a porta.

Eu me sentei na cama, em cima da camisa, olhando para o pôster de Peter Lorimer pregado atrás da porta.

Eu, pensando: “a cento e quarenta quilômetros por hora”.

A procissão de três carros desceu a Dewsbury Cutting, seguindo as luzes de Natal apagadas do centro da cidade e dirigindo-se lentamente ao outro lado do vale.

O corpo de meu pai seguia no primeiro carro. Minha mãe, minha irmã e eu estávamos no de trás, e o último estava cheio de tias minhas, de sangue e postiças. Não se falava muito nos primeiros dois carros.

A chuva diminuíra no momento em que chegamos ao crematório, embora o vento continuasse me açoitando quando fiquei de pé na porta, conciliando apertos de mão e um cigarro que fora uma merda para acender.

Lá dentro, um substituto fazia os discursos fúnebres, pois o vigário familiar estava muito ocupado com sua própria batalha contra o câncer — e no mesmo local que meu pai deixara na quarta-feira de manhã bem cedo. E o vigário substituto fez um discurso fúnebre para um homem que nem ele nem nós conhecíamos, pois tomou meu pai como um carpinteiro, e não alfaiate. E eu me sentei, indignado com a licença jornalística de tudo aquilo, pensando que aquelas pessoas deveriam ter bichos carpinteiros no cérebro.

Com os olhos voltados para a frente, fiquei olhando para o caixão a poucos passos de distância, imaginando outro, branco e pequeno, com os Kemplay logo atrás, me perguntando se um vigário também pioraria a merda toda quando finalmente a encontrassem.

Olhei para os nós de meus dedos, que ficaram brancos enquanto agarravam o frio banco de madeira, olhei para o relógio de meu pai sob a manga, e senti que alguém pousava a mão em meu braço.

No silêncio do crematório, os olhos de minha mãe pediam calma, dizendo que pelo menos aquele homem estava se esforçando e que os detalhes, no final das contas, nem sempre são tão importantes. Ao seu lado estava minha irmã, com a maquiagem borrada, quase desfeita.

E pouco depois ele desapareceu.

Eu me ajoelhei para pôr o livro de orações no chão, pensando em Kathryn, e pensando também que eu talvez devesse ter sugerido um drinque quando tivesse terminado de escrever o relato sobre a coletiva daquela tarde. Quem sabe a gente não poderia ir à casa dela de novo. De qualquer forma, não poderíamos ir para a minha, não naquela noite, de jeito nenhum. Depois pensei: “Meu pai morto não poderia estar lendo meus pensamentos, nem fodendo”.

Do lado de fora, fiquei de pé, outra vez entre os apertos de mão e o cigarro aceso, explicando a todos como deveriam fazer para voltar à casa de minha mãe.

Entrei no último carro e sentei-me em silêncio, incapaz de reconhecer rosto algum, de dizer seus nomes. Houve um momento de pânico quando o motorista tomou um caminho diferente de volta a Ossett, e isso me convenceu que tinha me unido à turma errada. Mas em pouco tempo estávamos subindo a Dwesbury Cutting, e os outros passageiros rapidamente sorriram para mim, como se todos estivessem pensando a mesma coisa.

De volta à casa, começando pelo começo:

Ligo para a redação.

Nada.

Nenhuma notícia ruim para os Kemplay sobre Clare, o que era uma boa notícia para mim.

Vinte e quatro horas se aproximando, tique-taque.

Vinte e quatro horas significando que Clare estava morta.

Desliguei, olhei para o relógio de meu pai e fiquei imaginando quanto tempo teria de estar por ali.

Uma hora.

Desci ao hall de entrada, eu era o rapaz cujo nome saía nos créditos da notícia, trazendo mais morte à casa do morto.

— Um sujeito vindo do sul, e seu carro quebra em Moors. Ele volta caminhando à fazenda logo abaixo e bate na porta. Um velho fazendeiro abre, e o homem do sul pergunta: “Você sabe onde fica a oficina mais próxima?”. O velho fazendeiro diz que não. “E o telefone mais próximo?”. O velho fazendeiro diz que não. Então o homem do sul diz: “Você não sabe muito, certo?”. E o fazendeiro responde que talvez tivesse razão, mas que não era ele quem estava perdido por ali.

Aquele era o tio Eric fazendo as honras da casa, orgulhoso ao dizer que a única vez que deixara Yorkshire fora para matar alemães. O tio Eric, que vi matando uma raposa com uma espada quando eu tinha dez anos.

Sentei no braço da cadeira vazia do meu pai, pensando em apartamentos com vista para o mar em Brighton, em garotas do sul chamadas Anna ou Sophie e no sem sentido dever de filho agora meio redundante.

— Posso apostar que você está feliz por ter voltado, certo? — perguntou tia Margaret, colocando mais uma xícara de chá em minhas mãos.

Fiquei ali, sentado no meio daquela sala lotada, nos fundos da casa, com a língua presa no céu da boca, tentando remover o pão que ficara colado, feliz por ter algo que me livraria do gosto de presunto salgado, louco por um uísque e mais uma vez pensando em meu pai; homem que assinou um pacto em seu aniversário de oitenta anos simplesmente porque lhe pediram que fizesse isso.

— E agora você poderia dar uma olhada nisso.

Eu estava muito longe dali quando finalmente notei que todos olhavam para mim.

Minha tia Madge sacudia um jornal ao meu redor, como se estivesse caçando uma mosca varejeira.

Eu estava sentado no braço da cadeira e me sentia a própria mosca.

Alguns dos primos mais jovens tinham saído atrás de doces e trazido de volta o jornal, o meu jornal.

Minha mãe pegou o jornal das mãos de tia Madge, virando as páginas até chegar aos obituários.

Droga, droga, droga.

— Papai está aí? — perguntou Susan.

— Não. Deve aparecer amanhã — respondeu minha mãe, olhando para mim com seus olhos tristes, muito tristes.

— Esta manhã, a senhora Sandra Kemplay fez um pedido emocionado pelo retorno de sua filha — o jornal estava nas mãos de minha tia Edie, de Altrincham.

Que se fodam os pedidos emocionados.

Por Edward Dunford, repórter policial no norte da Inglaterra.É isso — disse tia Margaret, lendo o jornal por cima dos ombros de minha tia Edie.

Todos na sala ficaram me convencendo de que meu pai estaria orgulhoso e que era uma pena que não estivesse ali, testemunhando aquele grande dia, meu grande dia.

— Li tudo o que você escreveu sobre o Ratcatcher — disse o tio Eric. — Aquele sim era estranho.

O Ratcatcher, páginas internas do jornal, migalhas caídas da mesa do idiota do Jack Whitehead.

— Sei — eu disse, sorrindo e balançando a cabeça de um lado para o outro, imaginando meu pai sentado naquela cadeira vazia ao lado do armário, lendo a última página primeiro.

Seguiram-se alguns tapinhas nas costas, e, por um breve momento, o jornal caiu nas minhas mãos, e eu pude ler:

Edward Dunford, repórter policial no norte da Inglaterra.

E não li mais nada.

O jornal voltou a circular pela sala.

Vi minha irmã na outra ponta, sentada no parapeito da janela, com os olhos fechados e a mão sobre a boca.

Ela abriu os olhos e me viu. Tentei ficar de pé, aproximar-me, mas ela se levantou e saiu da sala.

Quis segui-la, quis dizer: “Sinto muito, sinto muito, sinto muito que tenha acontecido justo hoje”.

— Em pouco tempo estaremos pedindo o autógrafo dele, certo? — perguntou tia Madge, sorrindo e me oferecendo mais uma xícara de chá.

— Para mim, ele sempre será o pequeno Eddie — disse tia Edie, de Altrincham.

— Obrigado — agradeci.

— Não parece nada bom, não é? — perguntou tia Madge.

— Não — menti.

— Já são alguns casos agora, certo? — perguntou tia Edie, com uma xícara de chá numa das mãos, pois com a outra mão tocava uma das minhas.

— Vem acontecendo há anos. Aquela menina de Castleford... — disse minha tia Madge.

— Isso já faz um tempo, sim. E aquele outro, há poucos anos, lá para os nossos lados — disse tia Edie, tomando um bom gole de chá.

— É verdade, em Rochdale. Eu me lembro disso — disse tia Madge, agarrando firme o pires.

— Nunca a encontraram — suspirou tia Edie.

— Sério? — eu perguntei.

— Nunca encontraram ninguém, na verdade.

— Nem encontrarão... — disse tia Madge, olhando para todos na sala.

— Eu me lembro de um tempo em que nada disso acontecia.

— Thems, em Manchester, foi o primeiro.

— É... — murmurou tia Edie, soltando minha mão.

— Eles são malvados, muito malvados — murmurou tia Madge.

— E pensar que ela caminhava como se nada de errado estivesse acontecendo.

— Algumas pessoas são completamente malucas.

— E têm memória curta — disse tia Edie, olhando para o jardim sob a chuva.

Edward Dunford, repórter policial no norte da Inglaterra, hora de ir embora.

Gatos e malditos cachorros.

Motorway One, de volta a Leeds, caminhão pesado e seguindo lentamente. Pisando fundo no Viva, seguia a cem por hora. Na chuva, era o melhor que podia fazer.

Rádio local:

“A busca pela estudante desaparecida, Clare Kemplay, continua, e o medo aumenta...”

Uma espiada no relógio confirmou o que eu já sabia:

Quatro da tarde. O tempo estava contra mim, o tempo estava contra ela, não havia tempo para buscas em relatórios sobre crianças desaparecidas, e não haveria perguntas na coletiva de imprensa das cinco da tarde.

Merda, merda, merda.

Saindo rapidamente da estrada, pesei os prós e os contras de fazer minhas perguntas sem preparação, lá, às cinco horas da tarde, com nada além das informações que recebi de duas senhoras.

Duas crianças perdidas, em Castleford e Rochdale, sem datas, apenas suposições.

Grandes tiros no escuro.

Aperto um botão, uma rádio nacional: “67 demitidos do Kentish Times e do Slough Evening Mail, jornalistas do interior resolvem entrar em greve a partir do dia 1º de janeiro”.

Edward Dunford, um jornalista do interior.

Os tiros atingem um balde.

Eu vi o rosto do detetive-chefe superintendente Oldman, vi o rosto de meu editor e vi um apartamento no bairro londrino de Chelsea, com uma linda menina do sul chamada Sophie ou Anna fechando a porta.

Você talvez esteja ficando careca, mas não é nenhum Kojak.

Estacionei atrás da delegacia de polícia de Millgarth; estavam abastecendo o mercado, e a rua estava cheia de folhas de repolho e frutas podres. Pensei: “Vou no certo ou no incerto?”.

Apertei o volante com força, fazendo um pedido aos céus:

QUE NENHUM IDIOTA FAÇA A PERGUNTA.

Eu sabia o que era aquilo: uma prece.

Desliguei o motor, fiz outro pedido agarrado ao volante:

NÃO ESTRAGUE A PORRA TODA.

Subi a escada e atravessei as portas duplas, voltando à delegacia de polícia de Millgarth.

Piso turvo e luzes amareladas, vozes misturadas e pavios curtos.

Olhei para minha credencial de jornalista na mesa; o sargento abriu um sorriso amarelo, dizendo:

— Cancelada. A coletiva de imprensa foi cancelada.

— Você está brincando? Por quê?

— Nada de novo. Amanhã de manhã, às nove.

— Ótimo — eu disse, abrindo um sorriso forçado, pensando nas perguntas não feitas.

O sargento se afastou.

Dei uma olhada em volta, abri minha carteira.

— O que significa S.P.?

Ele pegou a carteira da minha mão, tirou uma nota de cinco libras e me devolveu.

— Isso será suficiente, senhor.

— O quê?

— Nada.

— Aquilo era uma nota de cinco libras.

— Então uma nota de cinco diz que ela está morta.

— Pode ficar com a primeira página para você — eu disse, me afastando.

— Já ofereci o melhor para Jack.

— Vai se foder.

— Quem te quer, meu querido?

Cinco e meia da tarde.

De volta à redação.

Barry Gannon atrás das caixas, George Greaves olhando para a própria mesa, Gaz, do “Caderno de Esportes”, falando merda.

Nenhum sinal do idiota do Jack Whitehead.

Graças a Deus.

Droga, mas onde ele estaria?

Paranoia:

Eu sou Edward Dunford, repórter policial no norte da Inglaterra, e isso está escrito em todos os exemplares do Evening Post.

— Como foi? — perguntou Kathryn Taylor, com roupa de babados e um feio suéter cor de creme, levantando-se atrás de sua mesa, depois voltando a sentar-se.

— Parecia um sonho.

— Um sonho?

— Sim. Perfeito. — Eu não conseguia manter o sorriso forçado no rosto.

Ela franzia a testa.

— O que aconteceu?

— Nada.

— Nada? — Ela parecia completamente perdida.

— Foi cancelado. Ainda estão fazendo buscas. Não encontraram nada — eu disse, esvaziando meus bolsos na mesa.

— Eu perguntei sobre o funeral.

— Ah. — E peguei meus cigarros.

Os telefones tocavam, máquinas de escrever faziam barulho.

Kathryn olhava para meu bloco de anotações na mesa dela.

— E o que eles acham?

Tirei o paletó, peguei um café para ela e acendi um cigarro, tudo praticamente num só movimento.

— Ela está morta. Aliás, o chefe está em reunião?

— Não sei. Acho que não. Por quê?

— Quero que ele me consiga uma entrevista com George Oldman. Amanhã de manhã, antes da coletiva de imprensa.

Kathryn pegou meu caderno e ficou brincando com ele entre os dedos.

— Seria muita sorte.

— Você vai falar com Hadden. Ele gosta de você — eu disse, pegando o caderno de suas mãos.

— Está brincando?

Preciso de fatos, preciso da merda dos fatos.

— Barry! — eu gritei, tentando vencer o barulho dos telefones, das máquinas de escrever e de Kathryn. — Quando tiver um minuto, eu gostaria de ter uma conversa rápida com você, tudo bem?

Barry Gannon me respondeu, por trás de sua montanha de pastas:

— Se você me obriga...

— Ótimo — eu disse, notando imediatamente os olhos de Kathryn em cima de mim.

Ela parecia estar com raiva.

— Está morta?

— Quando há sangue, há história — eu disse, caminhando em direção à mesa de Barry, com raiva de mim mesmo.

Girei o corpo.

— Kath, por favor...?

Ela se levantou e saiu da sala.

Droga.

Cara a cara, acendi outro cigarro.

Barry Gannon, magro, solteiro e obcecado, com papéis por todos os lados, repleto de imagens.

Eu me agachei ao lado de sua mesa.

Barry Gannon mordia a caneta.

— Então?

— Crianças desaparecidas. Casos nunca resolvidos. Um em Castleford, outro em Rochdale... talvez?

— Sim. Esse de Rochdale eu preciso checar, mas o caso de Castleford foi em 1969. O homem na Lua. Jeanette Garland.

Sirenes tocaram.

— E nunca encontraram?

— Não. — Barry tirou a caneta da boca e ficou me olhando.

— A polícia pode ter alguma coisa?

— Duvido.

— Ótimo. Vou dar uma olhada nisso, então.

— Sim, escreva sobre isso — ele disse, abrindo um sorriso amarelo.

Eu me levantei.

— Como vai Dawsongate?

— Eu que sei... — Barry Gannon, sem abrir um sorriso, voltou a seus papéis e fotos, mais uma vez mordendo a ponta da caneta.

Merda.

Eu entendi.

— Até mais, Barry.

Estava na metade do caminho para minha mesa quando Kathryn voltava à sala com um sorriso, e Barry gritou:

— Você vai ao Press Club mais tarde?

— Se conseguir me livrar de tudo isso.

— Caso eu me lembre de algo mais, nos vemos por lá.

Fiquei mais surpreso que grato.

— Obrigado, Barry. Eu agradeceria.

Kathryn Taylor, sem nenhum traço do sorriso anterior:

— O senhor Hadden tem um encontro marcado com o seu repórter policial no norte da Inglaterra às sete em ponto.

— E você, quando terá um encontro com esse repórter policial no norte da Inglaterra?

— No Press Club, eu acho. — Ela sorriu.

— Ótimo — abri um sorriso forçado.

Desci o corredor em direção aos arquivos.

Notícias de antigamente.

Mergulhei nas gavetas de metal, nas caixas.

Centenas de “Ruby Tuesdays”.

Peguei os rolos, tomei assento na frente da tela e comecei a passear pelos microfilmes.

Julho de 1969.

Deixei o filme rolar:

B Specials, Bernadette Devlin, Wallace Lawler e In Place of Strife.

Wilson, Wilson, Wilson; como Ted nunca fora.

The Moon e o idiota do Jack Whitehead estavam por todos os lados.

Eu em Brighton, a duzentos anos-luz de casa.

Desaparecida.

Bingo.

Comecei a escrever.

— Então, repassei todos os arquivos, conversei com alguns companheiros, liguei para Manchester e acho que temos algo — eu disse, esperando que meu editor erguesse os olhos da pilha de fotos da merda do Spot Ball que tinha em cima da mesa.

Bill Hadden pegou uns óculos magníficos e perguntou:

— Você conversou com Jack?

— Ele não está por aqui. — Graças a Deus.

Mudei de posição na cadeira e olhei pela janela, para dez andares acima, do outro lado de uma Leeds escurecida.

— Então o que você encontrou exatamente? — Hadden acariciava sua barba grisalha, olhando para as fotografias através de seus óculos magníficos.

— Três casos muito similares...

— Sério?

— Três meninas desaparecidas. Uma aos oito anos, duas aos dez. 1969, 1972, ontem. Todas desaparecidas a poucos metros de casa. Porém, a milhas de distância umas das outras. Ótima matéria, mais uma vez.

— Esperemos que sim.

— Estou com os dedos cruzados.

— Eu estava sendo sarcástico, desculpe.

— Ah — disse eu, mudando mais uma vez de posição na cadeira.

Hadden continuou olhando para as fotografias em preto e branco por trás dos óculos.

Olhei para o relógio de meu pai: oito e meia.

— Então, o que você acha? — Não escondia minha irritação.

Hadden segurou no ar uma das fotografias em preto e branco de jogadores de futebol, e um deles era Gordon McQueen, atravessando um campo, sem bola.

— Você já cobriu esse tipo de coisa?

— Não — menti, pois não gostava nada do jogo que estávamos a ponto de iniciar.

— O Spot Ball — disse Bill Hadden, o editor — é a razão que faz 39% dos homens da classe trabalhadora comprar este jornal. O que você acha disso?

Diga sim, diga não, mas evite isso.

— Interessante — menti mais uma vez, pensando exatamente o contrário, pensando que 39% dos homens da classe trabalhadora estavam se divertindo com seus repórteres de investigação.

— O que você acha, honestamente? — perguntou Hadden, olhando para outras fotografias, com a cabeça baixa.

Fui pego de surpresa, de forma absurda.

— Sobre o quê?

Hadden voltou a erguer os olhos.

— Você realmente acha que poderiam ter sido feitos pelo mesmo homem?

— Ah. Sim, eu acho.

— Tudo bem — disse Hadden, deixando os óculos magníficos na mesa. — O chefe superintendente Oldman vai vê-lo amanhã. Mas não vai gostar nada disso. A última coisa que ele quer é ver as pessoas alarmadas sobre um sequestrador de crianças sanguinário. Ele vai pedir que não escreva sobre isso, você concordará, e ele parecerá grato. E um detetive-chefe superintendente agradecido é algo que qualquer repórter policial no norte da Inglaterra gostaria de ter.

— Mas... — Fiquei com as mãos erguidas nos ares, sentindo-me estúpido.

— Você deve seguir em frente e preparar todo o material sobre as meninas de Rochdale e Castleford. Entreviste os familiares, caso eles o recebam.

— Mas por quê, se...

Bill Hadden sorriu.

— Interesse humano... há cinco anos, ou algo parecido. Mas, caso você esteja com a razão, não vamos deixar quieto.

— Sei — eu disse, como se tivesse acabado de receber o presente de Natal que sempre quis ganhar, mas com tamanho e cor errados.

— Mas não pegue pesado com Oldman amanhã — disse Hadden, voltando a colocar os óculos no rosto. — Este jornal tem uma relação excelente com a nova Força Policial Metropolitana de West Yorkshire. E gostaria que a mantivesse, especialmente neste momento.

— Claro. — Pensando: “Especialmente neste momento?”.

Bill Hadden reclinou sua enorme poltrona de couro, com os braços postos atrás da cabeça.

— Você sabe tão bem quanto eu que essa merda toda poderia explodir até amanhã. Porém, mesmo que isso não aconteça, quando o Natal chegar já terá sido esquecida.

Eu me levantei, pois entendi o que deveria fazer, mas pensava no quanto ele estava equivocado.

Meu editor voltou a ajeitar os óculos magníficos.

— Continuamos recebendo cartas sobre Ratcatcher. Bom trabalho.

— Obrigado, senhor Hadden. — E abri a porta.

— Você precisa dar uma olhada num desses jogos — disse Hadden, batendo numa das fotos. — É no final da sua rua.

— Irei, obrigado. — E fechei a porta.

Do outro lado, ouvi:

— E não se esqueça de conversar com Jack.

Um, dois, três, quatro, desci a escada em direção à porta.

O Press Club, logo após os dois leões de pedra, no Leeds City Centre.

O Press Club, lotado, movimento de Natal daquela data em diante.

O Press Club, apenas para sócios.

Edward Dunford, sócio, desceu a escada, passando pela porta. Kathryn estava no bar, com um bêbado desconhecido pregado a sua orelha, os olhos pousados em mim.

O bêbado diz:

— E um leão disse ao outro: você é quieto pra caralho, certo?

Olhei para o palco, e uma mulher usando vestido de penas cantava We’ve Only Just Begun. Dois passos para lá, dois passos para cá, no menor palco do mundo.

Uma agitação tomou conta de meu estômago, revirando meu peito, com um uísque e água nas mãos, sob os enfeites de Natal e os holofotes, um bloco de notas, pensando: “É isso aí”.

Longe dos vermelhos e pretos, Barry Gannon ergueu a mão, num gesto gay. Pegando meu drinque e afastando-me de Kathryn, fui em direção à mesa de Barry.

— Primeiro, Wilson é assaltado, dois dias mais tarde o idiota do John Stonehouse desaparece — decreta Barry Gannon à corte tonta e cheia de pose.

— Não se esqueça de Lucky — disse George Greaves, macaco velho.

— E quanto ao maldito Watergate? — sorriu Gaz, do “Esportes”, cansado de Barry.

Roubei um assento. Acenei para todos ali em volta: Barry, George, Gaz e Paul Kelly. O gordo Bernard e Tom de Bradford estavam duas mesas à frente. Eram amigos de Jack.

Barry terminou sua cerveja.

— Tudo está interligado. Mostre-me duas coisas que não estejam interligadas.

— Stoke City e a merda da League Championship — sorriu Gaz mais uma vez. Ele era o senhor dos esportes, e acendeu outro cigarro.

— Jogo importante amanhã, certo? — perguntei, pois era fã de futebol nos tempos livres.

Gaz, com fúria nos olhos, respondeu:

— Vai ser confusão na certa se for como a semana passada.

Barry se levantou:

— Alguém quer alguma coisa do bar?

Acenos e grunhidos de todos os lados, Gaz e George partiam para mais uma noite conversando sobre o Leeds United. Paul Kelly olhava para o relógio, balançando a cabeça.

Eu me levantei, tomando meu uísque.

— Vou te ajudar.

De volta ao bar. Kathryn estava na outra ponta, conversando com o barman e com Steph, o tipógrafo.

Barry Gannon, surgido do nada:

— O que está planejando, então?

— Hadden conseguiu marcar uma entrevista com George Oldman para amanhã de manhã.

— E por que você não está sorrindo?

— Ele não quer que eu puxe os assuntos sobre os assassinatos não resolvidos com Oldman, só pediu que eu faça pesquisas, entreviste os familiares... isso se eles me atenderem.

— Feliz Natal, senhor e senhora pais da desaparecida, provavelmente morta. Sou Papai Noel, trazendo esse assunto de volta à casa — disse Barry.

Eu entendi perfeitamente.

— Eles vão fazer uma busca por Clare Kemplay. Voltarão a essas casas, de qualquer maneira.

— Na verdade, você os estará ajudando. Uma catarse. — Barry sorriu por um segundo, dando uma olhada ao redor.

— Estão conectados, tenho certeza.

— Como? Duas cervejas e um...

Demorei um pouco, mas disse:

— Um uísque e água.

— Um uísque e água — pediu Barry Gannon, olhando para o outro lado do bar, para Kathryn. — Você é um homem de sorte, Dunford.

Eu, com a culpa e os nervos à flor da pele, com muito uísque ou pouco uísque, a conversa era estranha.

— O que você quer dizer? O que você acha?

— Até onde você captou?

Foda-se, eu estava muito cansado para brincadeirinhas.

— Sim. Eu sei o que você quer dizer.

Mas Barry girara o corpo para conversar com um jovem no bar; o menino usava um folgado terno marrom, cabelos laranja. Notei uns nervosos olhos escuros postos na minha direção, sobre os ombros de Barry.

O idiota e malvado Bowie.

Tentei escutar, mas o Vestido de Plumas no palco começou a cantar Don’t Forget to Remember.

Olhei para o teto, olhei para o chão e depois olhei de volta para o bar.

— Está se divertindo? — perguntou Kathryn, com olhos cansados.

Eu pensei, depois disse:

— Você conhece Barry. É um tanto obtuso — murmurei.

— Obtuso? Que vocabulário!

Ignorando aquela isca, caí em outra:

— E você?

— Eu o quê?

— Está se divertindo?

— Ah, eu adoro ficar sozinha num bar, doze dias antes do Natal.

— Você não está sozinha.

— Mas estava, até Steph chegar.

— Poderia ter se unido a nós.

— Não fui convidada.

— Isso é patético — eu disse, sorrindo.

— Certo, eu vou. Já que está convidando... e quero uma vodca.

— Acho que vou te acompanhar.


O ar frio não ajudou muito.

— Eu te amo — eu dizia, incapaz de manter o equilíbio.

— Vamos, querido, tem um táxi ali — dizia uma voz feminina, de Kathryn.

O cheiro de pinheiro do aromatizador também não ajudou muito.

— Eu te amo — eu repetia.

— Espero que ele não vomite — gritou o taxista paquistanês, sem olhar para trás.

Eu sentia o cheiro do suor dele, que vencia o cheiro do aromatizador.

— Eu te amo — eu dizia.

A mãe dela dormia, o pai roncava, e eu estava de joelhos no chão do banheiro.

Kathryn abriu a porta e acendeu a luz, e eu colocava tudo para fora.

Aquilo doía e queimava, mas eu não queria parar. Quando finalmente terminei, fiquei olhando para o uísque e o presunto, para o que estava dentro e fora do vaso.

Kathryn apoiou as mãos em meus ombros.

Tentei controlar a voz na minha cabeça, que dizia: “Tem gente sentindo pena dele, nunca pensei que isso fosse possível”.

Kathryn passou as mãos pelos meus braços.

Eu não queria me levantar nunca mais. E, quando finalmente me levantei, comecei a chorar.

— Vamos, querido — ela murmurou.

Acordei três vezes aquela noite, vítima do mesmo sonho.

E todas as vezes pensei: “Está tudo bem agora, está tudo bem agora, volte a dormir”.

E todas as vezes o mesmo sonho: uma mulher numa rua de casas geminadas, apertando um cardigã vermelho ao redor do corpo, gritando sem parar na minha cara.

E todas as vezes o mesmo corvo, ou algum tipo de pássaro negro, enorme, que descia do céu em vários tons de cinza, pondo suas garras na linda mulher de cabelos loiros.

E todas as vezes o pássaro a caçava pela rua, tendo como alvo os olhos dela.

E todas as vezes eu ficava gelado, despertando com frio, com lágrimas molhando o travesseiro.

E todas a vezes Clare Kemplay, sorrindo, dependurada no teto escuro.