A RAINHA CAPRICHOSA
Conto
Era uma vez um Rei que amava o seu povo… Isso começa como um conto de fadas, interrompeu o Druida? Também é, respondeu Jalamir. Era então uma vez um Rei que amava o seu povo e, por isso, era por este adorado. Esforçara-se por encontrar ministros tão bem-intencionados quanto ele; no entanto, tendo finalmente reconhecido a loucura de tal demanda, resolveu fazer ele mesmo tudo o que podia subtrair à actividade nociva dos ministros. Obstinado com o bizarro projecto de fazer os seus súbditos felizes, agia em conformidade com esta ideia, e esta conduta tão singular conferia-lhe entre os nobres um carácter ridículo indelével: o povo louvava-o, mas, na corte, era visto como um tolo. Apesar disto, não deixava de ter méritos; e chamava-se Fénix.
Se o Príncipe era extraordinário, tinha uma esposa que o era menos. Viva, distraída, inconstante, louca de cabeça, sábia de coração, boa por temperamento, má por capricho; eis em poucas palavras o retrato da Rainha. Caprichosa era o seu nome; nome célebre, que recebera dos seus antepassados da linha feminina e do qual ela defendia dignamente a honra. Esta pessoa tão ilustre e justa era o encanto e o suplício do seu querido esposo; pois também o amava muito sinceramente, talvez por causa da facilidade com que o atormentava. Apesar do amor recíproco que reinava entre eles, passaram muitos anos sem poderem obter qualquer fruto da sua união. O Rei estava desgostoso e a Rainha sofria de impaciências de que o bom Príncipe não era o único a ressentir-se: ela queixava-se a toda a gente por não ter filhos; não havia cortesão a quem não pedisse ocultamente algum segredo para os ter, e a quem não responsabilizasse pelo insucesso.
Os médicos não foram esquecidos, pois a Rainha tinha para com eles uma docilidade pouco comum, e não lhe prescreviam uma droga que ela não mandasse preparar muito cuidadosamente para ter o prazer de a atirar à cara assim que era preciso tomá-la. Os dervixes também foram chamados. Foi preciso recorrer às novenas, aos votos, sobretudo às oferendas. E coitados dos curas dos templos onde Sua Majestade ia em peregrinação: ela revirava tudo e, sob o pretexto de respirar um ar prolífico, não deixava de pôr de pernas para o ar as celas dos monges. Também usava as relíquias deles e vestia alternadamente todas os seus diferentes apetrechos: ora um cordão branco, ora uma cinta de couro, ora um capuz longo, ora um escapulário; não havia mascarada monástica que a sua devoção não aconselhasse; e como tinha um ar iluminado, que a tornava encantadora sob todos estes disfarces, não largava nenhum sem ter tido o cuidado de se fazer pintar nele.
Por fim, à força de devoções tão bem feitas, à força de remédios tão sabiamente usados, o céu e a terra atenderam os votos da Rainha; engravidou no momento em que começavam a desesperar. É fácil adivinhar a alegria do Rei e do povo; a da Rainha, como todas as suas paixões, ia até à extravagância: no seu delírio, partia e quebrava tudo; abraçava indiferentemente todos os que encontrava; homens, mulheres, cortesãos, criados; quem se encontrasse no seu caminho corria o risco de ser asfixiado. Dizia que não havia êxtase que se comparasse a ter um filho a quem poderia açoitar à vontade nos seus momentos de mau humor.
Como a gravidez da Rainha era há muito esperada em vão, foi vista como um desses acontecimentos extraordinários de que toda a gente quer ter a honra. Os médicos atribuíam-na às suas drogas, os monges às suas relíquias, o povo às suas orações e o Rei ao seu amor. Todos se interessavam pela criança que iria nascer como se fosse deles, e todos faziam votos sinceros pelo bom nascimento do Príncipe: isto porque desejavam um príncipe; sobre este ponto, o povo, os nobres e o Rei estavam de acordo. A Rainha levava muito a mal que lhe dissessem o que iria dar à luz e declarou que queria ter uma filha, acrescentando que lhe parecia muito singular que alguém lhe disputasse o direito de dispor de um bem que, incontestavelmente, só a ela pertencia.
Em vão, Fénix tentou chamá-la à razão; ela disselhe claramente que não era um assunto dele e fechouse no seu gabinete para amuar, actividade querida a que se dedicava regularmente durante pelo menos seis meses por ano. Digo seis, mas não eram seguidos, o que teria permitido ao marido descansar bastante, e sim em intervalos para o entristecer.
O Rei compreendia bem que os caprichos da mãe não determinariam o sexo da criança; mas ficava desesperado por ela mostrar os seus defeitos como um espectáculo a toda a corte. Ele sacrificaria tudo no mundo para que a estima universal justificasse o amor que tinha por ela, e o barulho inapropriado que ela fez nessa ocasião não foi a única loucura que o levou a alimentar a esperança ridícula de chamar a sua mulher à razão.
Já não sabendo para onde se virar, recorreu à Fada Discreta, sua amiga e protectora do seu reino. A Fada aconselhou-o a seguir a via da brandura, ou seja, a pedir desculpa à Rainha. O único objectivo, disse-lhe ela, de todas as fantasias das mulheres consiste em desorientar um pouco o orgulho masculino e acostumar os homens à obediência que lhes convém. A melhor maneira de curar as extravagâncias da sua mulher é ser extravagante como ela. Assim que deixardes de contrariar os seus caprichos, podereis estar certo de que ela deixará de os ter, e, para se tornar sensata, só espera que vos tornais completamente louco. Fazei então as coisas de boa graça e cedei nesta ocasião para obter o que desejais noutra. O Rei acreditou na Fada e, para seguir o seu conselho, dirigiu-se ao círculo da Rainha, chamou-a à parte e disse-lhe, em voz baixa, que se sentia mal por tê-la contrariado de forma inapropriada e que, no futuro, se esforçaria por compensá-la pela sua complacência de humor que possa ter posto nos seus discursos ao contrariá-la de forma grosseira.
Caprichosa, que temia que a delicadeza de Fénix a cobrisse do ridículo relativo a esta questão, apressouse a responder-lhe que, sob essa desculpa irónica, via ainda mais orgulho do que nas discussões anteriores, mas que, como os erros de um marido não autorizam os de uma esposa, acederia nessa ocasião como sempre fizera: o meu Príncipe e esposo, acrescentou ela em voz alta, ordena-me que dê à luz um rapaz e conheço muito bem o meu dever para deixar de obedecer. Não ignoro que quando Sua Majestade me honra com sinais da sua ternura é menos pelo amor de mim do que pelo do seu povo, cujo interesse não o ocupa menos de noite do que de dia. Devo imitar um tão nobre desinteresse e irei pedir ao conselho de notáveis uma memória instrutiva do número e do sexo das crianças que convêm à família real; memória importante para a felicidade do Estado e pela qual qualquer Rainha deve aprender a reger a sua conduta durante a noite.
Este belo solilóquio foi ouvido com muita atenção por todo o círculo e é fácil imaginar a quantidade de risos contidos muito desajeitadamente. Ah!, disse tristemente o Rei ao sair encolhendo os ombros, vejo que quando se tem uma mulher louca não se pode evitar ser um tolo.
A Fada Discreta, cujo sexo e nome contrastavam por vezes curiosamente com o seu carácter, achou esta querela tão engraçada, que resolveu levar a diversão até ao fim. Disse publicamente ao Rei que consultara os cometas, que presidem ao nascimento dos príncipes, e podia garantir-lhe que a criança que nasceria dele seria um rapaz; mas, em segredo, garantiu à Rainha que teria uma rapariga.
Esta revelação tornou logo Caprichosa tão racional quanto extravagante havia sido até então. Foi com uma delicadeza e uma complacência infinitas que tomou todas as medidas possíveis para consternar o Rei e toda a corte. Apressou-se a mandar fazer um enxoval dos mais soberbos, tendo o cuidado de o tornar tão adequado a um rapaz, que seria ridículo para uma rapariga; para isso, foi preciso mudar muitas modas, mas isto não lhe custava nada. Mandou preparar um belo colar cheio de pedras preciosas e quis absolutamente que o Rei nomeasse de antemão o governador e o preceptor do jovem Príncipe.
Assim que lhe foi garantido que teria uma rapariga, só falava do filho e não omitia nenhuma das precauções inúteis que podiam fazer esquecer as que se deveriam tomar. Ao pentear-se, ria-se à gargalhada da cara parva e de espanto dos nobres e dos magistrados que deveriam abrilhantar o parto com a sua presença. Parece-me, dizia ela à Fada, ver de um lado o nosso venerável chanceler a segurar em grandes óculos para verificar o sexo da criança, e, do outro, Sua Sagrada Majestade a baixar os olhos e a dizer, balbuciando: pensava que… mas a Fada disse-me… Senhores, a culpa não é minha… e outros apotegmas igualmente espirituosos recolhidos pelos sábios da corte e logo levados até aos extremos das Índias.
Imaginava com um prazer malicioso a desordem e a confusão que esse maravilhoso acontecimento iria provocar em toda a assembleia. Antecipava as discussões, a agitação de todas as damas do palácio para reclamar, ajustar, conciliar nesse momento imprevisto os direitos dos seus cargos importantes e toda a corte em movimento por uma touca.
Foi também nesta ocasião que ela teve a ideia decente e espirituosa de mandar os magistrados de robe darem sermões ao Príncipe recém-nascido. Fénix quis explicar-lhe que isso seria aviltar inutilmente a magistratura e que todo o cerimonial da corte pareceria uma comédia extravagante se fossem em grande aparato expor Febo a um bebé antes que este pudesse entender ou pelo menos responder.
E tanto melhor!, retorquiu vivamente a Rainha, tanto melhor para o vosso filho! Não seria bom para ele que as parvoíces que lhe irão dizer se esgotassem antes que as entendesse, e quereis que lhe reservemos para a idade da razão discursos que o podem enlouquecer? Por Deus, deixai que lhe dêem os sermões à vontade enquanto estamos certos de que ele não percebe nada e que, pelo menos, só se aborrecerá. De resto, deveis saber que nem sempre é fácil fugir disso. É preciso passar por isso, e por ordem expressa de Sua Majestade, os presidentes do Senado e das Academias começaram a compor, a estudar, a rasurar e a folhear o seu Vaumoriere e o seu Demóstenes para aprenderem a falar a um embrião.
Por fim, chegou o momento crítico. A Rainha sentiu as primeiras dores com delírios de alegria nunca antes vistos em tal ocasião. Queixava-se com tão boa graça e chorava com um ar tão sorridente, que se imaginaria que o maior dos seus prazeres era o de dar à luz.
Logo um rebuliço extraordinário percorreu todo o palácio. Uns correram em busca do Rei, outros dos príncipes, outros dos ministros, outros do Senado: a maior parte dos mais apressados andava de um lado para o outro, rolando os seus tonéis como Diógenes, tendo como única ocupação fingirem-se ocupados. Na pressa de se reunir tanta gente necessária, a última pessoa em quem pensaram foi no obstetra; e o Rei, preocupado e fora de si, pediu por engano uma parteira, inadvertência que provocou risos imoderados entre as damas, que, em conjunto com o bom humor da Rainha, fizeram do parto o mais alegre de que já alguma vez se ouviu falar.
Embora Caprichosa tenha guardado o melhor possível o segredo da Fada, não deixou de o confidenciar às mulheres da sua casa, e estas guardaram-no tão fielmente, que não demorou três dias a espalhar-se por toda a cidade; de maneira que há muito que o Rei era o único que nada sabia. Todos estavam assim muito atentos à cena que se preparava; com o interesse público a fornecer um pretexto para todos os curiosos se divertirem à custa da família real, seria um prazer espiarem o comportamento de suas majestades e verem como, com duas promessas contraditórias, poderia a Fada sair do apuro e conservar o seu crédito.
Oh, isto, senhor, disse Jalamir ao Druida interrompendo-se; concordai que só eu poderei impacientarvos com as regras: é que chegámos ao momento das digressões, das reflexões, dos retratos e dessas multidões de belas coisas que qualquer homem de espírito nunca deixa de empregar de propósito no momento mais interessante para divertir os seus leitores. Por Deus!, diz o Druida, imaginas que há assim tantos tolos para lerem todo esse espírito? Fica a saber que há sempre aqueles que dispensam isso e que, apesar do Senhor Autor, cobrem os armários com as folhas do seu livro. E tu, que fazes aqui de narrador, pensas que para evitar a imputação de uma tolice basta dizer que só tu o podes fazer? Na verdade, seria preciso mais do que falar para prová-lo; e, infelizmente, não tenho meios para virar as folhas. Consolai-vos, disse-lhe calmamente Jalamir, pois outros as virarão por vós se alguma vez escrevermos isso. No entanto, considerai que temos toda a corte reunida no quarto da Rainha, que é a mais bela ocasião que eu alguma vez teria para vos descrever tantas personagens ilustres e talvez a única que teríeis para as conhecer. Que Deus te ouça!, retorquiu alegremente o Druida; conhecê-las-ei bem pelas suas acções: fá-las então agir se a tua história precisar delas e não digas nada se forem inúteis; não vejo outros retratos para além dos factos. Como não há maneira, disse Jalamir, de animar a minha narrativa com um pouco de metafísica, irei simplesmente retomar o fio à meada. Mas contar por contar é tão aborrecido… não sabeis que belas coisas perdereis! Ajudai-me, peço-vos, a reencontrar-me, pois a Filosofia arrebatou-me de tal maneira, que já não sei em que parte do conto eu estava.
Nessa Rainha, disse o Druida impaciente, que tens tanta dificuldade em fazer dar à luz e com a qual me ocupas há uma hora. Oh, oh, retorquiu Jalamir, pensais que os filhos dos reis se põem como ovos de tordo? Vereis se não valeria a pena perorar. A Rainha, portanto, depois de muitos gritos e risos, acabou finalmente com a impaciência dos curiosos e com a intriga da Fada, dando à luz uma rapariga e um rapaz mais belos do que o Sol e a Lua, e tão parecidos que era difícil distingui-los; o que levou a que, na sua infância, os vestissem de igual. Neste momento tão desejado, o Rei, largando a majestade para se entregar à natureza, fez extravagâncias que, noutras circunstâncias, não teria permitido à Rainha, e o prazer de ter filhos tornou-o tão criança, que correu até à sua varanda para clamar bem alto ao povo: meus amigos, regozijai-vos, nasceu agora um rapaz, para vós um pai, e uma rapariga para a minha mulher. A Rainha, que se encontrava pela primeira vez na sua vida em tal festa, não se apercebeu da obra que fizera; e a Fada, que lhe conhecia o espírito caprichoso, limitou-se, em conformidade com o que ela desejara, a anunciar-lhe logo uma filha. A Rainha pediu que lhe trouxessem a filha e, o que surpreendeu muito os espectadores, beijou-a ternamente, mas com lágrimas nos olhos e com um ar de tristeza pouco coerente com o que até então exibira. Já disse que ela amava sinceramente o esposo: ficara sensibilizada com a inquietação e a ternura que vira nos olhares dele durante os seus sofrimentos. Reflectira, num tempo singularmente escolhido, sobre a crueldade de desolar um marido tão bom, e, quando lhe apresentaram a filha, ela pensou apenas na infelicidade do Rei por não ter um rapaz. Discreta, a quem o espírito do seu sexo e o dom de Fada ensinavam a ler facilmente os corações, percebeu logo o que se passava no coração da Rainha e, já não tendo motivos para lhe esconder a verdade, mandou que trouxessem o pequeno Príncipe. Recomposta da surpresa, a Rainha achou o expediente tão divertido, que soltou gargalhadas perigosas no estado em que se encontrava. Sentiu-se mal e tiveram muita dificuldade em acordá-la, e se a Fada não a tivesse reanimado, a dor mais viva iria suceder aos delírios de alegria no coração do Rei e nos rostos dos cortesãos.
Deu-se então o acontecimento mais singular de toda esta aventura. O arrependimento sincero que a Rainha sentia por ter atormentado o marido fê-la ter um afecto mais forte pelo jovem Príncipe do que pela sua irmã, e o Rei, por seu lado, que adorava a Rainha, mostrou a mesma preferência pela filha que ela desejara. As carícias indirectas que estes dois esposos singulares faziam um ao outro tornaram-se rapidamente um gosto muito pronunciado, e a Rainha já não podia passar sem o filho, tal como o Rei não podia passar sem a filha.
Este duplo acontecimento deu um grande prazer a todo o povo, tranquilizando-o, pelo menos durante algum tempo sobre o medo de não ter soberano. Os cépticos, que haviam troçado das promessas da Fada, foram por sua vez alvo de troça. Mas não se davam por vencidos; diziam que não atribuíam à Fada a infalibilidade da mentira nem às suas previsões a virtude de tornar impossíveis as coisas que anunciava. Outros, baseados na predilecção que começava a declarar-se, levaram a imprudência ao ponto de afirmar que, ao dar um filho à Rainha e uma filha ao Rei, o acontecimento desmentira totalmente a profecia.
Enquanto se preparava tudo para a pompa do baptismo dos dois recém-nascidos e o orgulho humano se compunha para brilhar humildemente nos altares dos deuses… Um momento, interrompeu o Druida, confundes-me de forma terrível: rogo-te que me digas onde estamos. Primeiro, para que a Rainha engravidasse, passeaste-a por relíquias e capuzes. Depois, fizeste-nos de repente ir às Índias. Agora falasme do baptismo e, depois, dos altares dos deuses. Pelo grande Tharamis, já não sei se, na cerimónia que preparas, iremos adorar Júpiter, a Nossa Senhora ou Maomé. Não é que eu, o Druida, me importe muito que os teus dois anjinhos sejam baptizados ou circuncidados, mas é preciso observar o costume e não me expor a tomar um bispo por um mufti e o Missal pelo Alcorão. Grande infelicidade!, disse-lhe Jalamir, Outros tão hábeis quanto vós enganar-se-iam bem. Deus tem em má conta todos esses prelados que têm serralhos e tomam como árabe o latim do breviário. Deus dê paz a todos os honestos velhacos que seguem a intolerância do Profeta de Meca, sempre dispostos a massacrar santamente o género humano pela glória do Criador. Mas deveis lembrar-vos de que estamos num país de fadas, onde ninguém vai para o inferno pelo bem da sua alma, onde não olham para o prepúcio das pessoas para as condenarem ou as absolverem, e onde a mitra ou o turbante verde cobrem igualmente as cabeças sagradas para servirem de sinal aos olhos dos sábios e de ornamento aos dos tolos.
Sei bem que as leis da Geografia, que regem todas as religiões do mundo, implicam que os dois recémnascidos sejam muçulmanos, mas só circuncidam os do sexo masculino, e preciso que os meus gémeos sejam ambos administrados. Por isso, é importante que os baptize. Fá-lo, fá-lo, disse o Druida; palavra de padre que é a escolha mais bem motivada de que já ouvi falar na vida. Jalamir continuou.
A Rainha, que tinha prazer em subverter toda a etiqueta, quis lavar-se ao fim de seis dias e sair ao sétimo com o pretexto de que se sentia bem. Com efeito, amamentava os filhos. Exemplo odioso, sobre cujas consequências todas as mulheres a avisaram muito vivamente. Mas Caprichosa, que temia os males do leite comum, dizia que não havia tempo mais perdido para o prazer da vida do que aquele que vem após a morte, e que o seio de uma mulher morta não murcha menos que o de uma que amamenta, acrescentando com um tom de Dona que não há mais belo peito aos olhos de um marido do que o de uma mulher que amamenta os seus filhos. Esta intervenção dos maridos em cuidados que não lhes dizem respeito fez as damas rirem-se muito e a Rainha, demasiado bonita para o ser impunemente, pareceu-lhes assim, apesar dos seus caprichos, quase tão ridícula quanto o seu esposo, a quem elas chamavam, por gozo, o Burguês de Vaugirard.
Vejo, disse logo o Druida, que queres atribuir-me insensivelmente o papel de Schah-bahan e fazer-me perguntar se também havia um Vaugirard nas Índias, como uma Madrid no bosque de Bolonha, uma Ópera em Paris e um filósofo na corte. Mas prossegue a tua rapsódia e não me estendas mais essas armadilhas; pois, não sendo casado nem sultão, não vale a pena ser um tolo.
Por fim, disse Jalamir sem responder ao Druida, estando tudo pronto, chegou o dia de abrir as portas do céu aos dois recém-nascidos. A Fada chegou de manhã ao palácio e declarou aos augustos esposos que iria dar a cada um dos seus filhos um presente digno do seu nascimento e do seu poder. Desejo, disse ela, antes que a água mágica os subtraia à minha protecção, enriquecê-los com os meus dons e dar-lhes nomes mais eficazes que os de todas as pessoas normais do Calendário, pois exprimirão perfeições de que também queria dotá-los ao mesmo tempo. Mas como deveis conhecer melhor do que eu as qualidades que convêm à felicidade da vossa família e do vosso povo, escolhei vós mesmos e fazei assim, num acto de vontade sobre cada um dos vossos dois filhos, aquilo que vinte anos de educação raramente fazem na juventude e que a razão já não faz numa idade avançada.
Gerou-se logo uma grande discussão entre os dois esposos. A Rainha queria decidir sozinha, pela sua fantasia, o carácter de toda a família, e o bom Príncipe, que sentia toda a importância de tal escolha, não desejava abandoná-la aos caprichos de uma mulher da qual adorava as loucuras sem as partilhar. Fénix queria filhos que se tornassem um dia pessoas sensatas; Caprichosa achava melhor ter filhos bonitos e, desde que brilhassem aos seis anos, não se importava que fossem tolos aos trinta. A Fada esforçou-se muito para que as suas majestades chegassem a acordo. O carácter dos recém-nascidos passou logo a ser apenas o pretexto da discussão, e já não se tratava de ter razão, mas de a imporem um ao outro.
Discreta imaginou então um meio de ajustar tudo sem prejudicar ninguém: cada um deveria dispor à vontade da criança do seu sexo. O Rei aprovou um expediente que proveria o essencial, colocando a salvo dos desejos bizarros da Rainha o herdeiro da coroa, e, vendo as duas crianças ao colo da Governanta, apressou-se a pegar no Príncipe, não sem se virar para a sua irmã com um olhar de comiseração. Mas Caprichosa, tanto mais revoltada quanto menos razão tinha para o estar, correu como uma louca para a pequena Princesa e tomou-a também nos seus braços. Uni-vos todos, disse ela, para me irritar, mas para que os caprichos do Rei, apesar de ele mesmo, façam proveito a um dos seus filhos, declaro que peço para aquele que seguro o contrário do que ele pedirá para o outro. Escolhei agora, disse ela ao Rei com um ar de triunfo, e já que tanto gostais de decidir tudo, decidi com uma só palavra a sorte de toda a vossa família. A Fada e o Rei esforçaram-se em vão por demovê-la de uma resolução que punha este Príncipe num estranho embaraço, mas ela não quis ceder e disse que se felicitava muito por um expediente que faria recair sobre a sua filha todo o mérito que o Rei não pudesse dar ao seu filho. Ah!, disse o Príncipe ultrajado de despeito, nunca tivestes por vossa filha senão aversão, e provais isso na ocasião mais importante da sua vida; mas, acrescentou ele num assomo de raiva que não pôde controlar, para a tornar perfeita apesar de vós, peço que esta criança se vos assemelhe. Tanto melhor para vós e para ele, replicou vivamente a Rainha; mas serei vingada e a vossa filha assemelhar-se-á a vós. Assim que estas palavras foram proferidas pelos dois com uma impetuosidade sem igual, o Rei, desesperado pela sua desconsideração, quis voltar atrás. Mas estava feito, e as duas crianças ficaram irremediavelmente dotadas dos caracteres pedidos. O rapaz recebeu o nome de Príncipe Capricho e a rapariga chamou-se Princesa Razão, nome bizarro que ela ilustrou tão bem, que nenhuma mulher se atreveu a usá-lo desde então.
Eis então o futuro sucessor ao trono dotado de todas as perfeições de uma bela mulher e a Princesa irmã destinada a ter um dia todas as virtudes de um homem honesto e as qualidades de um bom Rei. Uma distribuição que não parecia das mais acertadas, mas em relação à qual não se podia voltar atrás. O agradável foi que, por causa do amor mútuo dos dois esposos, agindo nesse momento com toda a força que lhe davam sempre, mas muitas vezes demasiado tarde, as ocasiões essenciais, e sem que a predilecção deixasse de agir, cada um achou que o seu filho parecia o menos agraciado dos dois e pensava menos em felicitá-lo do que em lastimá-lo. O Rei tomou a filha nos seus braços e, abraçando-a ternamente, disse-lhe: infelizmente, de que te serviria a beleza da tua mãe sem o talento dela para a fazer valer? Serás demasiado sensata para dar a volta a cabeça a alguém! Caprichosa, mais circunspecta sobre as suas próprias verdades, não disse tudo o que pensava sobre a sabedoria do futuro Rei, mas era fácil de adivinhar, pelo ar triste com que o acariciava, que tinha no fundo do coração uma grande opinião sobre a sua partilha. No entanto, olhando-a com uma espécie de confusão, o Rei fez-lhe algumas censuras sobre o que acontecera. Lamento os meus erros, disse-lhe ele, mas são obra vossa; os nossos filhos teriam valido muito mais do que nós, sois a culpada por nada fazerem senão assemelhar-se a nós. Pelo menos, disse logo ela saltando sobre o pescoço do marido, estou certa de que se amarão tanto quanto possível. Emocionado com a ternura desse traço de espírito, Fénix consolou-se com esta reflexão, que tantas vezes tivera a ocasião de fazer, de que, com efeito, a bondade natural e um coração sensível bastam para tudo reparar.
Adivinho tão bem o resto, disse o Druida a Jalamir, interrompendo-o, que seria capaz de terminar o conto por ti. O teu Príncipe Capricho dará a volta à cabeça de toda a gente e será demasiado bom imitador da mãe para não ser o seu tormento. Transformará o reino ao querer reformá-lo. Para tornar os seus súbditos felizes, levá-los-á ao desespero, atribuindo sempre aos outros os seus próprios erros: injusto por ter sido imprudente, cometerá novos erros para reparar os primeiros. Como a sabedoria nunca o conduzirá, o bem que quiser fazer agravará o mal que tiver feito. Em suma, embora no fundo seja bom, generoso, sensível, as suas próprias virtudes conduzi-lo-ão a errar, e apenas o seu aturdimento, aliado ao seu poder, o fará mais odiado do que o teria feito uma maldade sensata. Por outro lado, a tua Princesa Razão, nova heroína do país das fadas, será um prodígio de sabedoria e prudência, e, sem ter adoradores, será de tal maneira adorada pelo povo que todos desejariam ser por ela governados. A sua boa conduta, vantajosa para toda a gente e para ela mesma, só causará problemas para o seu irmão, a quem oporão sem cessar os defeitos às virtudes dela, e a quem a prevenção pública atribuirá todos os defeitos que ela não terá, mesmo que ele não os tenha. Pensar-se-á em inverter a ordem da sucessão ao trono, em submeter o ceptro à roca e a fortuna à razão. Os doutores exporão com ênfase as consequências de tal exemplo e provarão que mais vale que o povo obedeça cegamente aos furiosos que a sorte lhe pode dar por senhores do que escolher para si mesmo chefes sensatos; que embora se interditasse a um louco o governo dos seus próprios bens, é preferível deixar-lhe a suprema disposição dos nossos bens e das nossas vidas; que o mais insensato dos homens é ainda preferível à mais sábia das mulheres; e que no caso do macho ou do primogénito, mesmo que fosse um macaco ou um lobo, seria necessário, em boa política, que uma heroína ou um anjo que nasceram depois dele obedecessem às suas vontades. Objecções e réplicas da parte dos insurrectos, nas quais Deus sabe como veremos brilhar a eloquência sofística: pois eu conheço-te, é sobretudo a maldizer o que se faz que a tua bílis se expele com volúpia, e a tua amarga franqueza parece regozijar-se com a maldade dos homens pelo prazer que sente a reprová-la.
Caramba, padre Druida, como falais, disse Jalamir muito surpreendido. Que fluxo de palavras! De onde diabo haveis tirado tão belas tiradas? Em toda a vossa vida nunca haveis pregado tão bem no bosque sagrado, embora não tenhais dito senão a verdade. Se eu vos deixasse, transformaríeis logo um conto de fadas num tratado de política e encontrá-lo-íamos um dia nos gabinetes dos príncipes Barba Azul ou Pele de Asno em vez de Maquiavel. Mas não vos esforceis tanto para adivinhar o fim do meu conto.
Para vos mostrar que não me faltam desfechos, vou dizer-vos um, não tão sábio quanto o vosso, mas pelo menos tão natural e certamente mais imprevisto.
Sabereis então que sendo as duas crianças gémeas, como observei, tão semelhantes em figura e, além disso, vestidas de igual, o Rei, crendo ter tomado o filho, segurava a filha nos seus braços no momento da influência e a Rainha, enganada pela escolha do marido, tendo tomado o filho pela filha, a Fada aproveitou este erro para dotar as duas crianças da maneira que mais lhes convinha. Capricho foi então o nome da Princesa, Razão o do Príncipe seu irmão, e, apesar das bizarrias da Rainha, tudo ficou na ordem natural. Chegado ao trono após a morte do Rei, Razão fez grande bem e muito pouco ruído; procurando mais cumprir o seu dever do que adquirir glória, não fez guerra aos estrangeiros nem violências aos seus súbditos, e recebeu mais bênçãos do que elogios. Todos os projectos planeados no reinado anterior foram executados no dele, e ao passar do domínio do pai para o do filho, o povo duas vezes feliz acreditava não ter mudado de soberano. A Princesa Capricho, depois de ter feito perder a vida ou a razão a multidões de amantes ternos e gentis, acabou por casar com um Rei vizinho, que ela preferiu por ter o bigode maior e por saltar melhor ao pé-coxinho. Quanto a Caprichosa, morreu de indigestão de um guisado de pés de galinha, que quis comer antes de ir para a cama, onde o Rei se fartou de esperar por ela, numa noite em que, à força de provocações, ela o incitara a ir dormir consigo.