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A infeliz infanta Constança, alistada nos registos da História apenas como esposa traída daquele que viria a ser o rei D. Pedro I, casara-se pela primeira vez aos sete anos de idade com Afonso XI, que tinha então catorze anos, a idade na época legalmente considerada como maioridade, e acabara de tomar o controlo efectivo do reino de Castela, de que era rei desde os três meses de vida. D. Afonso não consumou o casamento e decidiu repudiar a impúbere esposa, que encarcerou num castelo. Constança viria a casar de novo, aos vinte e três anos, com o príncipe Pedro de Portugal, um primo direito do seu primeiro marido que se tornaria – já depois da morte da mulher – rei de Portugal. Uma das aias de Constança era a jovem galega Inês de Castro, filha bastarda de um fidalgo. Pedro enamorou-se dela, e Constança convidou-a para madrinha do seu primeiro filho, Luís, numa tentativa de a afastar do marido, dado que a relação de apadrinhamento estabelecia um parentesco moral entre pais e padrinhos da criança. Mas o bebé viveu apenas uma semana. Constança morreria em 1345, aos vinte e nove anos, por complicações geradas pelo seu terceiro parto, de que nasceu Fernando, que sucederia no trono a D. Pedro I. A lenda popular conta que Constança morreu de ciúmes, ou simplesmente de desgosto; nunca saberemos qual terá sido a real interferência destes sentimentos num mundo patriarcal, hierarquizado e cruel em que os conceitos de infância e juventude não existiam e a vida era um curto turbilhão de guerra, poder e morte. Os filhos eram considerados propriedade dos pais, que lhes sentenciavam o futuro.
Ainda hoje choramos e veneramos a linda Inês a quem Camões atribuiu «um engano de alma ledo e cego», mas não guardamos memória nem amor algum por Constança, menina por duas vezes usada como moeda de troca de interesses políticos, casada, repudiada e encarcerada na idade em que as crianças de hoje começam a aprender a ler e que, como milhões de outras mulheres ao longo da História, encontrou no parto a sentença de morte. O primeiro filho, que poderia consolá-la do desprezo de Pedro, morreu rapidamente. O terceiro, herdeiro do trono, foi a sua condenação.
Quanto a Maria, a segunda filha de Constança, o pai viria a casá-la aos doze anos com Fernando de Aragão, um primo afastado, quinze anos mais velho do que ela. Sendo estéril, sobreviveu ao marido e encantou-se por um genovês com o qual foi para Génova e que a abandonou; segundo Fernão Lopes, a infanta Maria morreu na miséria, em data incerta, «mui afastada do que a sua honra pertencia».
Já no século XIX, a rainha D. Maria II, que assumiu o poder aos quinze anos, morreria no seu décimo primeiro parto, aos trinta e quatro anos, depois de ter visto morrer à nascença a terceira filha, bem como o nono e o décimo. Mortes à nascença e mortes no parto foram, até ao século XX, factos banais do quotidiano. A esperança de vida era baixa, mesmo para aqueles que usufruíam de maior assistência: em média, do início da nacionalidade até ao fim da monarquia, os reis portugueses viveram cinquenta e dois anos. O rei Sebastião reinou dos treze aos vinte e quatro anos, idade com que arrastou consigo a fina-flor da nobreza portuguesa para a batalha suicida de Alcácer-Quibir. Ao longo da História, o poder dirimiu-se entre crianças, adolescentes e adultos; estas categorias nem sequer haviam nascido: a existência individual resumia-se a um trajecto brutal e veloz.
Os míticos Romeu e Julieta de Shakespeare eram adolescentes – ele tinha catorze ou quinze anos, ela treze. Hoje, a fuga do par ultra-romântico não seria abençoada por nenhum frade, mas imediatamente reportada à Justiça, que não deixaria de responsabilizar os respectivos pais pela imaturidade dos filhos menores, enquanto sociólogos e psicólogos se afadigariam a apurar as condições económico-sociais e os traumas de integração que teriam conduzido a semelhante desvario.