Há algum médico a bordo?

[02/09/1995]

Poucas coisas devem ser mais desconfortáveis para um médico do que, estando ele a bordo de um avião (de um navio é menos provável), ouvir pelo alto-falante o pedido: “Se há algum médico a bordo, por favor, se apresente”. É certo que não se trata de nenhuma homenagem. Ao contrário, provavelmente é galho, um problema que não será fácil de resolver. Em primeiro lugar, os aviões têm o desagradável hábito de trafegar muito acima da terra firme, onde ficam os hospitais e os ambulatórios. Depois, o equipamento de que dispõem é necessariamente restrito. Ninguém esperará encontrar ali um eletrocardiógrafo, ou mesmo um esfigmomanômetro.

Mas, mesmo contando apenas com o raciocínio e as mãos nuas, o médico não pode se omitir. Ele tem de se levantar e acenar, desamparado, para a aeromoça.

Foi o que aconteceu comigo num voo Porto Alegre-Rio. “Se há algum médico a bordo…” Olhei ao redor: não, não havia médico nenhum, ou pelo menos nenhum médico disposto a assumir sua condição. Mas sempre é melhor um médico de saúde pública do que nenhum médico (e quero dizer que os sanitaristas frequentemente compensam com o bom senso resultante de sua visão global o que lhes falta em conhecimento), de modo que me apresentei.

Felizmente, não era coisa grave: uma senhora com um pouco de pirose (azia, para falar a verdade). Ela mesma fez o diagnóstico, informando que a sua hérnia de hiato de vez em quando incomodava. Havia antiácido na pequena farmácia do avião, de modo que minha intervenção médica terminou com êxito estrondoso.

Nem sempre as coisas são tão fáceis. Não em manuais médicos, mas em revistas de divulgação às vezes aparecem histórias de situações angustiantes. Há uns anos, um médico russo, a bordo de um submarino, operou a si mesmo de apendicite, o que deve exigir uma coragem monumental. Num submarino ocorreu uma outra apendicectomia: foi na Segunda Guerra Mundial, e quem fez foi o enfermeiro de bordo, orientado pelo rádio pelos médicos da base.

Por isso é que é bom contar com médico a bordo. O que lembra a história daquela mãe judia que, em pleno voo, levantou-se, gritando: “Um médico! Há algum médico a bordo?”. Levantou-se um doutor e veio correndo: “Eu sou médico, minha senhora. O que é?”. E ela, sorridente, mostrando a filha: “Ah, doutor, se o senhor soubesse que noiva eu tenho aqui para o senhor…”.