O elogio dos canhotos

[24/01/2009]

Meu filho, Beto Scliar, é canhoto. Isto não impede que ele seja um excelente fotógrafo: trabalha a câmera com uma desenvoltura de dar inveja. No que, aliás, ele está na companhia de canhotos ilustres: Leonardo da Vinci, Michelangelo, Toulouse-Lautrec, Robert de Niro, Nicole Kidman, Angelina Jolie (e Brad Pitt, claro), Marilyn Monroe, o Lewis Carroll de Alice no País das Maravilhas, Spike Lee, Paul McCartney, Albert Einstein, Napoleão, Pelé (e Maradona, a propósito) e cerca de 10% da população. É uma coisa genética, e seria apenas uma curiosidade, não fosse o significado funcional, e também simbólico, que tem a mão para a espécie humana.

 

 

No teto da Capela Sistina, em Roma, há uma pintura famosa, do canhoto Michelangelo: mostra a criação do primeiro homem. Ali está Deus, barbudo e severo, dando vida a Adão. E Ele o faz estendendo a mão para a mão do primeiro homem. Da mão brota a vida. O que faz sentido, quando se pensa que a mão transformou o ser humano no Homo faber, capaz de produzir desde machados de pedra até computadores. Mas, claro, para a maioria das pessoas isto se refere à mão direita. O canhoto é diferente. E a diferença sempre foi encarada com suspeição. A mão direita é a destra, e destreza é sinônimo de habilidade; a mão esquerda é, em latim, a sinistra, e o termo fala por si. Mão esquerda, em praticamente todas as culturas, é uma metáfora para o inusitado, para o desviante. “Vai, Carlos, vai ser gauche na vida”, diz o verso famoso em que Drummond prevê, para si próprio, um futuro incerto, coisa mais que esperada, afinal, ele queria ser poeta, um gauche — a palavra francesa quer dizer exatamente isso, esquerda.

E existe ainda o aspecto político. Na Revolução Francesa, os contestadores sentavam à esquerda no parlamento, e desde então esquerda designa aqueles que querem mudar a sociedade, às vezes pela revolução. Por outro lado, em muitos idiomas europeus, “direito” significa aquilo que é certo, correto. No folclore português (e brasileiro), “canhoto” às vezes identifica o demônio. “Ter duas mãos esquerdas” significa inaptidão.

 

 

Bem, agora acaba de assumir o governo norte-americano um presidente canhoto (não é o primeiro: George Bush pai também o era, mostrando que neste caso o significado político nada tem a ver com a mão preferencial). A eleição de Obama ajuda os negros a recuperar sua dignidade. Espera-se que ajude os canhotos também.