Trabalho e saúde

[01/05/2004]

Profissões novas surgem constantemente, mas profissões também desaparecem ou ficam menos visíveis. Escribas, por exemplo, não têm muito que fazer na era do computador. Nem limpadores de chaminés, figuras comuns na Europa à época em que a calefação das casas dependia das lareiras. As chaminés precisavam ser limpas com regularidade, e essa tarefa era delegada a meninos, sobretudo meninos magrinhos, que entravam no estreito conduto, não raro nus, de lá emergindo cobertos de fuligem.

No século xviii, o médico inglês Percivall Pott notou que esses jovens eram frequentemente acometidos por câncer de escroto, doença rara, o que atribuiu ao contato com a fuligem. Pott estava certo, como se verificou depois, e isso o tornou um pioneiro da medicina do trabalho. Neste Primeiro de Maio é bom lembrar que, durante muito tempo (e em certa medida até hoje), os trabalhadores constituíram uma categoria mal paga, explorada e sujeita inclusive a riscos de saúde.

Em relação à saúde, o trabalho pode ser uma faca de dois gumes. De um lado traz vários benefícios: permite ganhar o pão de cada dia, oportuniza contato com outras pessoas, proporciona algum grau de exercício físico, envolve desenvolvimento intelectual e criatividade. De outro lado estão o estresse e o risco ocupacional: lesões musculares e ósseas, envenenamento por produtos químicos como o asbesto e o mercúrio, acidentes.

No Brasil ocorrem anualmente cerca de 410 mil acidentes de trabalho, que matam 3 mil trabalhadores — oito óbitos por dia — e deixam 102 mil pessoas inválidas; e olhem que esses números só se referem aos trabalhadores da economia formal, que têm carteira assinada e pagam o inss, ou seja, 23 milhões de brasileiros. O custo dos acidentes de trabalho para as empresas é de cerca de 12,5 bilhões de reais anuais e, para os contribuintes, de 20 bilhões de reais anuais.

Doenças ocupacionais são legião. Lesões por esforço repetitivo são cada vez mais frequentes em bancários, metalúrgicos, operadores de telemarketing. Nem profissionais da saúde escapam ao risco, não apenas de doenças contagiosas, mas também de problemas emocionais: a depressão é frequente nesse grupo, como o é entre policiais.

Na área rural, o agrotóxico é o grande vilão. A Organização Mundial da Saúde calcula que, no mundo, cerca de 3 milhões de pessoas são anualmente envenenadas por essas substâncias; 70% dos casos ocorrem em países em desenvolvimento.

 

 

Os problemas de saúde do trabalhador acabaram chamando a atenção de governantes. Na Alemanha do século xix, o autoritário primeiro-ministro Bismarck, conhecido como “o chanceler de ferro”, tomou a iniciativa de criar o primeiro seguro-saúde. A medida foi recebida com protestos, sobretudo pelos grandes proprietários de terras, que não queriam gastar um centavo protegendo seus empregados.

A eles, Bismarck respondeu com uma frase até hoje lapidar: “Estou salvando os senhores dos senhores mesmos”. Ele sabia que o futuro de um país depende de trabalhadores protegidos e, portanto, estimulados. Neste Primeiro de Maio, isso continua sendo muito verdadeiro.