Não havia muito que Gansey não gostasse a respeito de voar. Ele gostava de aeroportos, com suas massas de pessoas todas fazendo coisas, e gostava de aviões, com suas janelas de vidro grosso e suas bandejas dobráveis. A maneira como um jato acelerava na pista de decolagem o fazia lembrar de como o Camaro o pressionava contra o banco do motorista quando ele pisava fundo. O lamento de um helicóptero soava como produtividade. Ele gostava dos pequenos botões, das alavancas e dos indicadores dos cockpits. Gostava do atraso tecnológico dos cintos de segurança de trancas simples. Grande parte do prazer de Gansey vinha de alcançar metas, mais especificamente de alcançar metas de maneira eficiente. Não havia nada mais eficiente do que visar ao destino de chegada, como faziam os corvos ao voar.
E, é claro, de mil pés de altura, Henrietta deixou Gansey sem ar.
Abaixo deles, a superfície do mundo era profundamente verde, cortada por um rio estreito, brilhante, um espelho para o céu. Ele poderia seguir com os olhos todo o seu curso até as montanhas.
Agora que estavam no ar, Gansey se sentia um pouco ansioso. Com Blue ali, ele estava começando a achar que talvez tivesse exagerado com o helicóptero. Ele se perguntou se Blue se sentiria melhor ou pior ao saber que o helicóptero era de Helen, que ele não havia pagado para usá-lo. Provavelmente pior. Lembrando-se da promessa de pelo menos não machucar com suas palavras, ele manteve a boca fechada.
— Lá está ela — disse Helen, dirigindo-se diretamente a Gansey; no helicóptero, todos usavam fones de ouvido para permitir que conversassem mediante o ruído incessante das hélices e do motor. — A namorada de Gansey.
O riso desdenhoso de Ronan mal se fez notar pelo fone de ouvido, mas Gansey o ouvira bem o bastante para saber que ele estava ali.
Blue disse:
— Ela deve ser bem grande para ser vista daqui de cima.
— Henrietta — respondeu Helen, e espiou para a esquerda do helicóptero enquanto inclinava lateralmente o aparelho, fazendo uma curva. — Eles vão se casar. Só falta marcar a data.
— Se você vai me fazer passar vergonha, vou te jogar para fora e voar eu mesmo — disse Gansey no assento ao lado. Aquela não era uma ameaça de verdade. Ele não só não empurraria Helen daquela altura como não tinha permissão legal para voar sem ela. Também, verdade seja dita, ele não era muito bom em pilotar helicópteros, mesmo tendo feito várias aulas. Gansey parecia não ter a importante capacidade de se orientar verticalmente nem horizontalmente, o que levava a discussões envolvendo árvores. Ele se contentava em pelo menos saber pousar em paralelo muito bem.
— Você vai dar um presente de aniversário para a mamãe? — perguntou Helen.
— Sim — respondeu Gansey. — Eu mesmo.
— O presente de sempre.
— Não acho que menores de idade sejam obrigados a dar presentes para os pais. Eu sou dependente. Essa é a definição de dependente, não é?
— Você, dependente! — a irmã disse e riu. Helen tinha uma risada como a de um personagem de quadrinhos: Ha ha ha ha! Era uma risada intimidadora, que fazia os homens suspeitarem que talvez fossem o motivo dela. — Você não é dependente desde os quatro anos. De uma criança no jardim de infância, você se transformou direto em um velho com uma quitinete.
Gansey fez um gesto com a mão dispensando o comentário. Sua irmã era conhecida por exagerar as coisas.
— O que você comprou para ela?
— É surpresa — respondeu Helen arrogantemente, tocando de leve uma espécie de interruptor com um dedo de unha rosa. O tom rosa era a única coisa fantasiosa nela. Helen era bela como um supercomputador: com um estilo elegante, mas utilitário, cheio de know-how de ponta, caro demais para a maioria das pessoas possuírem.
— Isso quer dizer vidrarias.
A mãe de Gansey colecionava pratos decorativos raros com o mesmo fervor obsessivo que Gansey colecionava fatos a respeito de Glendower. Ele tinha dificuldade em ver a atração de um prato roubado de sua finalidade original, mas a coleção de sua mãe havia aparecido em revistas e tinha um seguro maior que o de seu pai, então claramente ela não estava sozinha em sua paixão.
Helen estava séria.
— Não quero ouvir. Você nem comprou um presente.
— Eu não disse nada!
— Você chamou de vidrarias.
Ele perguntou:
— O que eu devia ter dito?
— Nem todos são de vidro. Esse que eu comprei não é de vidro.
— Então ela não vai gostar.
O rosto de Helen passou de duro a muito duro. Ela olhou carrancuda para o GPS. Gansey não queria pensar quanto tempo ela havia investido no prato que não era de vidro. Ele não gostaria de ver nenhuma das duas mulheres da família desapontadas; isso arruinava refeições perfeitamente saborosas.
Helen ainda estava em silêncio, então Gansey começou a pensar sobre Blue. Algo a respeito dela o desconcertava, embora ele não pudesse dizer o quê. Tirou uma folha de hortelã do bolso, colocou-a na boca e observou as estradas familiares de Henrietta serpentearem abaixo deles. Do ar, as curvas pareciam menos perigosas do que eles as sentiam no Camaro. Qual era o problema com Blue? Adam não suspeitava dela, e ele suspeitava de todos. Mas ele estava claramente apaixonado. Isso também era um terreno estranho para Gansey.
— Adam — disse ele. Não houve resposta, e Gansey olhou para trás. Os fones de ouvido de Adam estavam soltos em torno do pescoço, e ele estava inclinado na direção de Blue, apontando para algo no chão. Como ela tinha se movimentado, seu vestido havia subido e Gansey pôde ver o longo e delgado triângulo de sua coxa. A mão de Adam estava retesada sobre o assento a alguns centímetros, os nós dos dedos pálidos com seu pavor de voar. Não havia nada particularmente íntimo a respeito da maneira como eles estavam sentados, mas algo na cena fez Gansey se sentir estranho, como se ele tivesse ouvido uma declaração desagradável e depois esquecido tudo sobre as palavras, exceto o modo como elas o haviam feito se sentir.
— Adam! — gritou Gansey.
A cabeça do amigo se virou de súbito, o rosto sobressaltado. Ele se apressou para colocar os fones de ouvido de volta. Sua voz seguiu pelo aparelho:
— Vocês já encerraram a conversa sobre os pratos da sua mãe?
— Totalmente. Aonde vamos dessa vez? Eu estava pensando em talvez voltar à igreja onde gravei a voz.
Adam passou a Gansey uma folha de papel amassado.
Gansey alisou o papel e encontrou um mapa tosco.
— O que é isso?
— Blue.
Gansey olhou para ela atentamente, tentando decidir se Blue tinha algo a ganhar ao desorientá-los. Ela não se esquivou do olhar. Voltando à posição original, ele estendeu o papel liso sobre os controles à sua frente.
— Para lá, Helen.
Helen inclinou o aparelho para seguir na nova direção. A igreja a que Blue os havia direcionado estava provavelmente a quarenta minutos de carro de Henrietta, mas, de helicóptero, eram apenas quinze minutos. Sem uma discreta intervenção de Blue, Gansey não a teria visto. Era uma ruína, vazia e tomada pela vegetação. A linha estreita de um muro de pedra muito antigo era visível em torno dela, assim como uma impressão no chão onde um muro adicional devia estar originalmente.
— É isso?
— É só isso que sobrou.
Algo dentro de Gansey ficou imóvel e muito quieto.
Ele perguntou:
— O que você disse?
— É uma ruína, mas...
— Não — disse ele. — Repita exatamente o que você disse. Por favor.
Blue lançou um olhar na direção de Adam, que deu de ombros.
— Eu não lembro o que eu disse. Será... É só isso?
Isso é tudo.
Tudo?
Era isso que o vinha incomodando esse tempo todo. Ele sabia que havia reconhecido a voz dela. Ele conhecia aquele sotaque de Henrietta, aquela cadência.
Era a voz de Blue no gravador.
Gansey.
Isso é tudo?
É só isso.
— Eu não sou feita de combustível — disparou Helen, como se já não tivesse dito isso antes e Gansey não tivesse prestado atenção. Talvez ele tivesse. — Me diga para onde ir agora.
O que isso quer dizer? Mais uma vez, ele começou a sentir a pressão da responsabilidade, da veneração, algo maior que ele. Gansey se sentia ao mesmo tempo temeroso e esperançoso.
— Qual é a orientação da linha, Blue? — perguntou Adam.
Blue, que tinha o polegar e o dedo indicador pressionados contra o vidro como se estivesse mensurando algo, respondeu:
— Ali. Na direção das montanhas. Está vendo aqueles dois carvalhos? A igreja é um ponto, e outro ponto é bem entre eles. Se traçarmos uma linha reta entre esses dois pontos, esse é o caminho.
Se era com Blue que ele estivera conversando na véspera do Dia de São Marcos, o que isso queria dizer?
— Tem certeza? — perguntou Helen, na sua voz enérgica de supercomputador. — Eu só tenho uma hora e meia de combustível.
Blue parecia um pouco indignada.
— Eu não teria dito isso se não tivesse certeza.
Helen sorriu ligeiramente e levou o helicóptero na direção que Blue havia indicado.
— Blue.
Era a voz de Ronan, pela primeira vez, e todos, até Helen, se viraram para ele. Sua cabeça estava aprumada de um jeito que Gansey reconhecia como perigosa. Algo em seus olhos estava afiado quando ele encarou Blue. Então perguntou:
— Você já conhecia o Gansey?
Gansey se lembrou de Ronan encostado contra o Pig, rodando várias vezes a gravação.
Blue pareceu defensiva diante do olhar dos outros e disse relutantemente:
— Só o nome dele.
Com os dedos entrelaçados frouxamente e os cotovelos sobre os joelhos, Ronan se inclinou, intrometendo-se na frente de Adam para ficar mais próximo de Blue. Ele podia ser incrivelmente ameaçador.
— E como foi que você ficou sabendo do nome dele? — perguntou.
Para seu crédito, Blue não recuou. Suas orelhas estavam rosadas, mas ela disse:
— Em primeiro lugar, saia de perto de mim.
— E se eu não sair?
— Ronan — disse Gansey.
Ronan se recostou.
— Mas eu gostaria de saber — disse Gansey, com o coração parecendo não pesar nada.
Blue olhou para baixo e segurou algumas camadas do vestido nas mãos. Por fim, disse:
— Acho que é justo. — Ela apontou para Ronan. Parecia brava. — Mas essa não é a maneira de fazer com que eu responda nada. Da próxima vez que ele falar comigo desse jeito, vou deixar que você encontre essa coisa sozinho. Eu vou... Olha. Eu conto como eu sabia o seu nome se você me explicar o que é aquele desenho que tem no seu diário.
— Por que estamos negociando com terroristas? — perguntou Ronan.
— Desde quando eu sou uma terrorista? — demandou Blue. — Me parece que eu dei algo que vocês queriam e vocês estão sendo uns idiotas.
— Nem todos nós — disse Adam.
— Eu não estou sendo um idiota — disse Gansey, sentindo-se desconfortável com a ideia de que ela talvez não gostasse dele. — Agora, de que desenho você quer saber?
Blue estendeu a mão.
— Espere, vou te mostrar qual é.
Gansey deixou que ela tomasse o diário de novo. Folheando as páginas, ela o virou para ele de maneira que pudesse ver o desenho em questão. A página detalhava um artefato que ele havia achado na Pensilvânia. Ele também havia feito outros rabiscos em vários lugares da folha.
— Acho que isso é um homem correndo atrás de um carro — disse Gansey.
— Não esse. Este aqui — e apontou para um dos outros rabiscos:
— São linhas ley — ele respondeu, estendendo a mão para o diário. Por um momento estranho, hiperconsciente, Gansey percebeu quão atentamente ela o observava enquanto ele pegava o diário. Ele não achou que passara despercebido a Blue como sua mão esquerda se curvava familiarmente em torno da encadernação de couro, como o polegar e o dedo da mão direita sabiam exatamente quanta pressão aplicar para induzir as páginas a se abrirem onde ele queria. O diário e Gansey claramente se conheciam há muito tempo, e ele queria que ela soubesse disso.
Este sou eu. Quem sou de verdade.
Gansey não queria analisar a fundo a fonte daquele impulso. Em vez disso, ele se concentrou em folhear o diário e encontrou rapidamente a página desejada — um mapa dos Estados Unidos, marcado por toda parte com linhas curvas.
Gansey passou o dedo sobre uma linha que se estendia da cidade de Nova York até Washington, D.C. Outra se estendia de Boston a St. Louis. Uma terceira cortava horizontalmente as duas primeiras, estendendo-se da Virgínia até o Kentucky e seguindo para oeste. Havia, como sempre, algo satisfatório em rastrear as linhas, algo que fazia lembrar as brincadeiras de caça ao tesouro e os desenhos infantis.
— Estas são as três principais linhas — disse Gansey. — As que parecem importar.
— Importar como?
— Quanto você leu do diário?
— Humm... um pouco. Um monte. Quase tudo.
Ele continuou:
— As que parecem importar quanto a achar Glendower. Aquela linha que passa pela Virgínia é a que nos conecta com a Grã-Bretanha. Com o Reino Unido.
Ela revirou os olhos de maneira tão dramática que ele captou o gesto sem virar a cabeça.
— Eu sei o que é Grã-Bretanha, obrigada. O sistema de ensino público não é tão ruim assim.
Ele havia conseguido ofendê-la de novo, sem esforço algum. E concordou:
— Certamente não. Aquelas duas outras linhas têm um monte de relatos de visões extraordinárias nas proximidades delas. De... coisas paranormais. Poltergeists, homens-mariposa e cães negros.
Mas sua hesitação foi desnecessária; Blue não zombou dele.
— Minha mãe traçou esse desenho — ela disse. — As linhas ley. E também a Nee... uma das outras mulheres. Elas não sabiam o que era, mas sabiam que era importante. É por isso que eu queria saber.
— Agora você — disse Ronan para Blue.
— Eu... vi o espírito do Gansey — disse ela. — Eu nunca tinha visto um antes. Eu não vejo coisas assim, mas dessa vez vi. Eu perguntei o seu nome, e você me disse: “Gansey. É só isso”. Honestamente, isso é parte da razão por que eu quis vir com vocês hoje.
Essa resposta satisfez Gansey relativamente bem — afinal de contas, Blue era filha de uma médium, e a história casava com o relato de seu gravador —, embora lhe soasse como uma resposta parcial. Ronan demandou:
— Viu onde?
— Enquanto eu estava sentada ao ar livre com uma das minhas meias-tias.
Isso pareceu satisfazer Ronan também, pois ele perguntou:
— Qual a outra metade dela?
— Meu Deus, Ronan — disse Adam. — Chega.
Houve um momento de silêncio tenso, ocupado apenas pelo lamento contínuo e monótono do helicóptero. Gansey sabia que eles estavam esperando pelo seu veredicto. Ele acreditava na resposta dela? Achava que eles deviam seguir as orientações dela? Ele confiava nela?
A voz de Blue estava no gravador, e Gansey se sentiu sem escolha. O que ele estava pensando, mas não queria dizer com Helen ouvindo, era: Você está certo, Ronan, está começando, algo está começando. E também pensava: Me diga o que você acha dela, Adam. Me diga por que você confia nela. Pelo menos uma vez, não me obrigue a decidir. Não sei se estou certo. Mas o que ele disse foi:
— De agora em diante, preciso que todo mundo seja sincero. Acabaram os joguinhos. Isso não vale só para a Blue; vale para todos nós.
— Eu sempre sou sincero — disse Ronan.
— Ah, cara, essa é a maior mentira que você já contou — respondeu Adam.
— Ok — disse Blue.
Gansey suspeitou que nenhum deles estava sendo completamente honesto em suas respostas, mas pelo menos ele lhes havia dito o que queria. Às vezes, tudo que ele podia esperar era apenas deixar registradas suas palavras.
Os fones de ouvido ficaram em silêncio à medida que Adam, Blue e Gansey olhavam atentamente pela janela. Abaixo deles havia uma imensidão verde, tudo parecendo de brinquedo e gracioso daquela altura, um set de campos de veludo e árvores de brócolis.
— O que estamos procurando? — perguntou Helen.
— O de sempre — disse Gansey.
— O que é “o de sempre”? — perguntou Blue.
O de sempre frequentemente eram hectares de nada, mas Gansey disse:
— Às vezes, as linhas ley são marcadas de forma visível. Por exemplo, no Reino Unido algumas das linhas são marcadas com cavalos entalhados em encostas.
Ele estivera em um avião pequeno com Malory da primeira vez que vira o Cavalo de Uffington, um cavalo de cem metros escavado na encosta de uma colina de calcário na Inglaterra. Como tudo associado às linhas ley, o cavalo não era muito... comum. Era estendido e estilizado, uma silhueta misteriosa e elegante, mais parecida com a sugestão de um cavalo real.
— Conte a ela sobre Nazca — murmurou Adam.
— Ah, certo — disse Gansey. Apesar de Blue ter lido grande parte do diário, havia muita coisa que não estava nele, e, diferentemente de Ronan, Adam e Noah, ela não vivera naquele universo durante o último ano. Era difícil que ele não ficasse animado com a ideia de explicar tudo a ela. A história sempre soava mais plausível quando ele colocava todos os fatos de uma vez só.
Gansey continuou:
— No Peru, existem centenas de linhas entalhadas no chão, no formato de coisas como pássaros, macacos, homens e criaturas imaginárias. Elas foram feitas há milhares de anos, mas só fazem sentido do ar. De um avião. São grandes demais para serem vistas do chão. Quando você está parado ao lado delas, parecem apenas caminhos escavados.
— Você viu tudo isso pessoalmente — disse Blue.
Quando Gansey vira as linhas Nazca em primeira mão, enormes, estranhas e simétricas, percebera que não seria capaz de desistir até encontrar Glendower. A escala das linhas fora o que havia lhe chamado atenção primeiro — centenas e centenas de metros de desenhos curiosos no meio do deserto. Ele ficara abismado com a precisão. Os desenhos eram matemáticos em sua perfeição, sem falhas em sua simetria. E a última coisa que o atingira em cheio fora o impacto emocional, uma dor bruta e misteriosa que não o deixava. Gansey sentiu como se não pudesse sobreviver sem saber se as linhas significavam algo.
Essa era a única parte de sua caçada por Glendower que ele nunca parecia conseguir explicar para as pessoas.
— Gansey — disse Adam —, o que é aquilo ali?
O helicóptero diminuiu a velocidade enquanto os quatro passageiros esticavam o pescoço. Àquela altura, eles estavam bem no meio das montanhas, e o chão se aproximava em sua direção. Ao redor deles, havia encostas de florestas verdes e misteriosas, um mar negro e ondulante lá de cima. Entre os declives e valas, entretanto, via-se um campo inclinado, como um carpete verde, marcado por linhas pálidas e fraturadas.
— Forma um desenho? — ele perguntou. — Helen, pare. Pare!
— Você acha que isto aqui é uma bicicleta? — perguntou Helen, sobrevoando o local.
— Olhe — disse Adam. — Tem uma asa ali. E ali um bico. É um pássaro?
— Não — disse Ronan, com a voz fria e neutra. — Não é apenas um pássaro. É um corvo.
Lentamente, a forma se tornou clara para Gansey, emergindo da relva crescida: um pássaro, sim, com o pescoço voltado para trás e as asas achatadas, como se estivessem entre as páginas de um livro. A cauda estava aberta em leque, e as garras esboçadas.
Ronan estava certo. Mesmo estilizado, o domo da cabeça, a curva generosa do bico e o eriçamento de penas no pescoço faziam do pássaro, sem dúvida alguma, um corvo.
Ele sentiu a pele arrepiar.
— Pouse o helicóptero — disse Gansey imediatamente.
— Não posso pousar em uma propriedade particular — respondeu Helen.
Ele lançou um olhar suplicante para a irmã. Gansey precisava anotar as coordenadas do GPS, precisava tirar uma foto para os seus registros, precisava fazer um esboço da forma em seu diário. Acima de tudo, precisava tocar as linhas do pássaro e torná-lo real em sua cabeça.
— Helen, dois segundos.
Ela respondeu com um olhar de entendimento; era o tipo de olhar condescendente que poderia ter causado discussões quando ele era mais jovem e se irritava com mais facilidade.
— Se o proprietário me descobrir aqui e decidir me denunciar, eu posso perder minha licença.
— Dois segundos. Você viu. Não tem ninguém em um raio de vários quilômetros. Não tem casas.
O olhar de Helen era equilibrado.
— Preciso estar na casa da mamãe em duas horas.
— Dois segundos.
Por fim, ela revirou os olhos e se recostou no assento. Balançou a cabeça e se voltou para os controles.
— Obrigado, Helen — disse Adam.
— Dois segundos — ela repetiu, séria. — Se você não aparecer, vou decolar sem você.
O helicóptero pousou a cinco metros do coração do estranho corvo.