Blue estava sofrendo mais do que achou que estaria pelo fato de Noah estar morto. Do contato com a polícia, era claro que ele nunca estivera vivo, pelo menos não desde que ela o conhecera, mas mesmo assim ela sentia um curioso pesar em relação à história. Para começar, a presença de Noah em Monmouth mudou distintamente após eles terem descoberto seu corpo. Eles nunca pareciam ter o Noah inteiro novamente: Gansey ouvia a voz dele no estacionamento, ou Blue via sua sombra se projetar ao longo da calçada enquanto ia para Monmouth, ou Ronan encontrava arranhões em sua pele.

Ele sempre fora um fantasma, mas agora estava agindo como um.

— Talvez — sugeriu Adam — seja porque o corpo dele foi tirado da linha ley.

Blue não conseguia parar de pensar no crânio com o rosto afundado e em Noah passando mal ao ver o Mustang. Sem vomitar de verdade. Apenas fazendo as ações envolvidas no ato, porque na verdade ele já estava morto.

Ela queria descobrir quem tinha feito aquilo e que apodrecesse em uma cela pelo resto da vida.

Blue estava tão absorta com a tragédia de Noah que quase esqueceu que ela e Calla haviam combinado de fazer uma busca no quarto de Neeve na sexta-feira. Calla devia ter percebido que ela estava distraída, pois deixara um bilhete descaradamente óbvio na geladeira para que Blue visse antes de ir para a escola: BLUE — NÃO SE ESQUEÇA DO FILME HOJE À NOITE. Blue surrupiou o lembrete da geladeira e o enfiou na mochila.

— Blue — disse Neeve.

Ela saltou tão alto quanto possível para um ser humano e girou ao mesmo tempo. Neeve estava sentada à mesa da cozinha, com uma xícara de chá diante dela e um livro na mão. Usava uma camisa creme da mesmíssima cor das cortinas atrás dela.

— Eu não vi você aí! — disse Blue com a voz entrecortada. O bilhete na mochila parecia uma confissão abrasadora.

Neeve sorriu suavemente e colocou o livro de cabeça para baixo.

— Quase não vi você esta semana também.

— Eu... estive... fora... com... amigos. — Entre cada palavra, Blue dizia para si mesma para parar de soar suspeita.

— Eu fiquei sabendo sobre o Gansey — disse Neeve. — Avisei a Maura que não era inteligente tentar manter vocês dois separados. Está escrito claramente que o caminho de vocês vai se cruzar.

— Ah. Hum... Obrigada mesmo.

— Você parece aflita — disse Neeve. Com uma de suas adoráveis mãos, ela bateu de leve no assento da cadeira ao lado dela. — Quer que eu olhe algo para você? Faça uma leitura?

— Ah, obrigada, mas não posso. Tenho que ir para a escola — Blue disse rapidamente. Parte dela se questionou se Neeve perguntava essas coisas por gentileza ou como uma psicologia invertida, porque ela sabia o que Calla e Blue estavam planejando. De qualquer maneira, Blue não queria ter nada a ver com as leituras que Neeve fazia. Juntou suas coisas enquanto ia em direção à porta e fez um meio aceno descuidado por cima do ombro.

Ela tinha avançado apenas alguns passos quando Neeve disse:

— Você está procurando por um deus. Não suspeitou que tinha também um diabo?

Blue congelou no vão da porta. Ela virou a cabeça, sem encará-la realmente.

— Ah, eu não estive xeretando por aí — disse Neeve. — O que você está fazendo é grande o suficiente para que eu veja enquanto estou olhando para outras coisas.

Agora Blue a encarou. A expressão suave de Neeve não havia mudado; suas mãos estavam fechadas em torno da xícara.

— Números são fáceis para mim — disse Neeve. — Eles vieram primeiro. Eu sempre consegui tirá-los do nada. Datas importantes. Números de telefone. São os mais fáceis. Mas a morte vem em segundo lugar. Posso dizer quando alguém a tocou.

Blue segurou firme as alças da mochila. Sua mãe e suas amigas eram estranhas, sim, mas elas sabiam que eram estranhas. Sabiam que estavam dizendo algo esquisito. Neeve não parecia ter esse filtro.

Ela respondeu finalmente:

— Ele estava morto fazia tempo.

Neeve deu de ombros.

— Haverá mais antes que isso termine.

Sem saber o que dizer, Blue apenas balançou lentamente a cabeça.

— Eu só estou avisando — disse Neeve. — Cuidado com o diabo. Quando há um deus, sempre há uma legião de diabos.