— Ei, Parrish — disse Gansey.
O Camaro estava estacionado na sombra do caminho para pedestres, junto das portas de vidro do hospital. Enquanto Gansey esperava Adam sair, ele as observara abrir e fechar para pacientes invisíveis. Agora ele estava atrás do volante enquanto Adam se abaixava para entrar no banco do passageiro. Estranhamente, Adam não trazia nenhuma marca; normalmente, após encontros com o pai, havia hematomas ou arranhões, mas dessa vez a única coisa que Gansey podia ver era um ligeiro vermelhão na orelha dele.
— Eles disseram que você não tinha seguro — disse Gansey. E também que Adam provavelmente nunca mais voltaria a escutar com o ouvido esquerdo. Essa era a informação mais difícil de absorver, que algo permanente, mas invisível, havia acontecido. Gansey esperou que Adam lhe dissesse que encontraria uma maneira de pagar a conta. Mas Adam só ficava girando o bracelete do hospital no pulso.
Gansey acrescentou delicadamente:
— Eu já cuidei da conta.
Aquele era o momento em que Adam sempre dizia algo. Ou ele ficava bravo, ou disparava: “Não, não vou aceitar seu maldito dinheiro, Gansey. Você não pode me comprar”. Mas ele apenas continuou virando o bracelete em torno do pulso.
— Você venceu — disse Adam por fim, passando a mão no cabelo despenteado. Ele parecia cansado. — Me leve pra casa para pegar minhas coisas.
Gansey ia ligar o Camaro, mas tirou a mão da ignição.
— Eu não venci nada. Você acha que era assim que eu queria que as coisas acontecessem?
— Sim — respondeu Adam, sem olhar para Gansey. — Sim, eu acho.
Dor e raiva brigaram furiosamente dentro de Gansey.
— Não seja um pé no saco.
Adam não parava de mexer na ponta desigual onde o bracelete de papel fechava.
— Estou dizendo que você pode dizer “Eu avisei”. Diga: “Se você tivesse ido embora antes, isso não teria acontecido”.
— Eu disse isso algum dia? Você não precisa agir como se fosse o fim do mundo.
— É o fim do mundo.
Uma ambulância estacionou entre eles e as portas do hospital; as luzes não estavam ligadas, mas os paramédicos saltaram da cabine e correram para a parte de trás para atender a alguma emergência silenciosa. Algo queimava por trás das costelas de Gansey.
— Sair da casa do seu pai é o fim do mundo?
— Você sabe o que eu queria — disse Adam. — Você sabe que não era isso.
— Você fala como se a culpa fosse minha.
— Me diz que você não está feliz com o desfecho disso tudo.
Gansey não mentiria; ele queria ver Adam fora daquela casa. Mas nunca existira uma parte dele que quisesse ver o amigo machucado para conseguir isso. Nunca existira uma parte dele que quisesse que Adam tivesse de fugir de casa em vez de sair de lá triunfalmente. Nunca existira uma parte dele que quisesse que Adam olhasse para ele como estava olhando agora. Então era verdade quando Gansey respondeu:
— Eu não estou feliz com o desfecho disso tudo.
— Até parece — disparou Adam de volta. — Você queria que eu saísse de lá para sempre.
Gansey não gostava de levantar a voz (na sua cabeça, sua mãe dizia: As pessoas gritam quando não têm palavras para sussurrar). Quando percebeu que isso estava acontecendo, fez um esforço e manteve a voz estável.
— Não assim. Mas pelo menos você tem um lugar para ir. “Fim do mundo”... Qual é o seu problema, Adam? Quer dizer, tem algo na minha casa que seja repulsivo demais para você se imaginar vivendo lá? Por que tudo que eu faço de generoso você encara como pena? Como caridade? Pois vou dizer a verdade: estou de saco cheio de ficar pisando em ovos por causa dos seus princípios.
— Meu Deus do céu, não aguento mais a sua arrogância, Gansey — disse Adam. — Não tente fazer com que eu me sinta burro. Quem é que fala uma palavra como repulsivo? Não finja que você não está tentando me fazer sentir burro.
— Eu falo assim. Desculpe se o seu pai nunca lhe ensinou o significado de repulsivo. Ele estava ocupado demais batendo sua cabeça contra a parede do trailer enquanto você pedia desculpas por existir.
Os dois pararam de respirar.
Gansey sabia que tinha ido longe demais. Longe demais, tarde demais, coisas demais.
Adam escancarou a porta.
— Vá se foder, Gansey. Vá se foder — ele disse, com a voz baixa e furiosa.
Gansey fechou os olhos.
Adam bateu a porta, e então a bateu de novo quando o trinco não fechou. Gansey não abriu os olhos. Ele não queria ver o que Adam estava fazendo. Não queria ver se as pessoas estavam observando um garoto brigando com o outro em um Camaro laranja brilhante e com um blusão da Aglionby. Só então ele odiou seu uniforme com o corvo no peito e seu carro chamativo e todas as palavras de três e quatro sílabas que seus pais haviam usado em conversas casuais na mesa do jantar. E também odiou o pai abominável de Adam e a mãe permissiva de Adam e, mais do que tudo, o som das últimas palavras de Adam se repetindo sem parar.
Ele não suportava tudo aquilo dentro dele.
No fim das contas, ele não era ninguém para Adam nem para Ronan. Adam cuspia as palavras de volta para ele, e Ronan desperdiçava todas as chances que ele lhe dava. Gansey era apenas um cara com um monte de coisas e um buraco dentro dele que mastigava um pedaço a mais de seu coração a cada ano.
Os amigos estavam sempre se afastando dele. Mas ele nunca parecia capaz de se afastar deles.
Gansey abriu os olhos. A ambulância ainda estava ali, mas Adam tinha partido.
Ele levou alguns momentos para localizá-lo. Adam já estava a alguns metros de distância, atravessando o estacionamento na direção da estrada, sua sombra uma coisa pequena e azul ao seu lado. Gansey se esticou para o lado do carro para baixar a janela do passageiro e então deu partida no Pig. Após dar a volta em torno da área de carga para chegar ao estacionamento, Adam havia chegado à pista de quatro faixas que corria ao largo do hospital. Havia um pouco de tráfego, mas Gansey encostou perto de onde Adam caminhava, fazendo com que os carros na faixa da direita o ultrapassassem, alguns buzinando.
— Para onde você está indo? — ele gritou. — Para onde você precisa ir?
É claro que Adam sabia que ele estava ali — o Camaro era mais alto que qualquer coisa —, mas apenas seguiu caminhando.
— Adam — repetiu Gansey. — Só me diga que não vai voltar pra lá.
Nada.
— Não precisa ser Monmouth — Gansey tentou uma terceira vez. — Mas me deixe te levar para onde você está indo.
Por favor, apenas entre no carro.
Adam parou. Entrou no carro abruptamente e fechou a porta. Como não bateu com força suficiente, teve de tentar duas vezes mais. Eles ficaram em silêncio enquanto Gansey voltava para o tráfego. As palavras pressionavam sua boca, implorando para serem ditas, mas ele se manteve calado.
Adam não olhou para ele quando disse, finalmente:
— Não importa como você diga isso. No fim, é o que você queria. Todas as suas coisas num só lugar, debaixo do mesmo teto. Tudo que você tem sob sua vista...
Mas então ele parou. Deixou cair a cabeça nas mãos. Os polegares trabalharam em meio ao cabelo acima das orelhas, de novo e de novo, os nós dos dedos brancos. Quando inspirou com força, foi o som áspero que vinha de tentar não chorar.
Gansey pensou em uma centena de coisas que poderia dizer para Adam sobre como ficaria tudo bem, como tudo mudaria para melhor, como Adam Parrish era dono do próprio nariz antes de ter conhecido Gansey, e não tinha como ele deixar de ser independente apenas mudando de casa, como em alguns dias Gansey gostaria de estar na pele dele, porque Adam era tão real e verdadeiro, de uma maneira que Gansey nunca parecia capaz de ser. Mas as palavras de Gansey tinham se tornado armas inconscientes, e ele não confiava em si mesmo para não descarregá-las acidentalmente de novo.
Então ele dirigiu em silêncio para buscar as coisas de Adam, e, quando eles deixaram o parque dos trailers pela última vez, sua mãe observando por detrás da janela da cozinha, Adam não olhou para trás.