PRÓLOGO
Blue Sargent havia esquecido quantas vezes lhe disseram que ela mataria o seu verdadeiro amor.
Sua família vendia previsões. Previsões que tendiam, no entanto, para o lado das generalidades. Coisas como: “Algo terrível acontecerá com você hoje. Pode envolver o número seis”. Ou: “Está vindo dinheiro. Abra a mão para recebê-lo”. Ou: “Você tem uma grande decisão a tomar e ela não vai se resolver sozinha”.
As pessoas que iam à pequena casa azul-clara na Rua Fox, 300, não se importavam com a natureza imprecisa das leituras. Tornava-se um jogo, um desafio, perceber o momento exato em que as previsões se realizavam. Quando uma caminhonete com seis pessoas bateu no carro de um cliente duas horas após sua leitura paranormal, ele pôde assentir para si mesmo com um sentimento de realização e libertação. Quando um vizinho se ofereceu para comprar o velho cortador de grama de outra cliente, caso ela estivesse precisando de uma grana extra, ela pôde se lembrar da promessa do dinheiro que viria e vendeu o cortador com o sentimento de que a transação havia sido prevista. Ou quando um terceiro cliente ouviu sua esposa dizer: “É uma decisão que precisa ser tomada”, ele pôde se lembrar das mesmas palavras sendo ditas por Maura Sargent diante das cartas de tarô sobre a mesa e então partir, decidido, para a ação.
Mas a imprecisão das leituras roubava parte de seu poder. As previsões podiam ser julgadas como coincidências ou palpites. Eram uma risadinha no estacionamento do Walmart quando você encontrava acidentalmente um velho amigo, como havia sido previsto. Um arrepio quando o número dezessete aparecia em uma conta de luz. Uma compreensão de que, ainda que você tivesse descoberto o futuro, seu modo de viver o presente não mudaria em nada. Elas eram verdadeiras, mas não eram toda a verdade.
— Devo avisar — Maura sempre dizia aos novos clientes — que essa leitura será precisa, mas não específica.
Era mais fácil assim.
Mas não era isso o que diziam a Blue. Em todas as ocasiões, abriam-lhe bem os dedos e examinavam-lhe a palma da mão, tiravam cartas de baralhos aveludados e as espalhavam sobre o tapete da sala de um amigo da família. Pressionavam-lhe o polegar contra o terceiro olho, místico e invisível, que dizem se encontrar entre as sobrancelhas de todos. Lançavam-se runas e interpretavam-se sonhos. Analisavam-se minuciosamente folhas de chá e conduziam-se sessões.
Todas as mulheres chegavam à mesma conclusão, direta e inexplicavelmente precisa. Todas elas concordavam num ponto, entre as muitas linguagens de clarividência diferentes:
Se Blue beijasse seu verdadeiro amor, ele morreria.
Por muito tempo, isso a incomodou. O aviso era específico, por certo, mas saído de um conto de fadas. Não dizia como seu verdadeiro amor morreria. Não dizia por quanto tempo após o beijo ele sobreviveria. Teria de ser um beijo nos lábios? Um beijinho ingênuo no dorso da mão seria igualmente mortal?
Até os onze anos, Blue esteve convencida de que contrairia sem saber uma doença infecciosa. Uma pressão nos lábios de sua hipotética alma gêmea e ele também morreria em uma batalha devastadora, intratável pela medicina moderna. Quando fez treze anos, achou que, em vez disso, o ciúme o mataria — um ex-namorado surgiria no momento daquele primeiro beijo, portando uma arma e um coração cheio de dor.
Aos quinze anos, Blue concluiu que as cartas de tarô de sua mãe eram apenas cartas de jogar e que os sonhos dela e das outras mulheres clarividentes eram movidos por coquetéis e não por visões de outro mundo. Assim, a previsão não importava.
Mas ela sabia que não era assim. As previsões que saíam da Rua Fox, 300, eram pouco específicas, mas inegavelmente verdadeiras. A mãe de Blue havia sonhado com o pulso quebrado da filha no primeiro dia na escola. Sua tia Jimi previra a devolução de impostos de Maura com uma margem de erro de dez dólares. Sua prima mais velha, Orla, sempre começava a cantarolar sua canção favorita alguns minutos antes de ela tocar no rádio.
Ninguém na casa jamais chegara a duvidar de que Blue estava destinada a matar seu verdadeiro amor com um beijo. Era uma ameaça, entretanto, que estivera à sua volta por tanto tempo que perdera a força. Pensar em Blue, aos seis anos, apaixonada era uma coisa tão distante a ponto de ser imaginária.
E, aos dezesseis anos, ela decidira que nunca se apaixonaria, então não havia por que se importar.
Mas essa crença mudou quando a meia-irmã de sua mãe, Neeve, chegou à cidadezinha de Henrietta, onde elas moravam. Neeve ficara famosa fazendo com estardalhaço o que a mãe de Blue fazia em silêncio. As leituras de Maura eram feitas na sala de estar, quase sempre para moradores de Henrietta e do vale que contornava a cidade. Neeve, por sua vez, fazia leituras na televisão, às cinco horas da manhã. Tinha um site que trazia antigas fotografias dela em foco suave, encarando diretamente o visitante. Quatro livros a respeito do sobrenatural traziam seu nome na capa.
Blue nunca havia encontrado Neeve, portanto sabia mais sobre sua meia-tia por pesquisas na rede do que por experiência pessoal. Também não tinha certeza do motivo pelo qual Neeve vinha visitá-las, mas sabia que sua chegada iminente incitara uma legião de conversas sussurradas entre Maura e suas duas melhores amigas, Persephone e Calla — o tipo de conversa que se extinguia em goles de café e batidas de caneta na mesa quando Blue entrava na sala. Mas a garota não estava muito preocupada com a chegada da tia; o que era uma mulher a mais em uma casa cheia delas?
Neeve finalmente apareceu em uma noite de primavera, quando as longas sombras das montanhas a oeste pareciam ainda mais extensas que de costume. Quando Blue abriu a porta para Neeve, pensou por um momento que se tratava de uma senhora desconhecida, mas então seus olhos se acostumaram à luz escarlate que se alastrava vinda do meio das árvores e ela percebeu que Neeve era apenas um pouco mais velha que Maura, o que não era ser muito velha, afinal.
Na rua, ao longe, os cães de caça latiam. Blue já estava acostumada com suas vozes; a cada outono, o Clube de Caça de Aglionby saía com seus cavalos e cães para a caça à raposa, quase todos os fins de semana. Blue sabia o que aqueles uivos frenéticos significavam naquele momento. Eles estavam em perseguição.
— Você é a filha de Maura — disse Neeve e, antes que Blue pudesse responder, acrescentou: — Este é o ano em que você se apaixonará.