ANDREY
«Todos deviam ter um amigo que examinasse cadáveres.» Andrey riu-se sozinho. Talvez nem todos concordassem.
As pessoas naquela carreira específica encaixavam numa de duas categorias. Os primeiros eram os imitadores. Alguém que passasse os seus dias entre cadáveres poderia começar a parecer-se com os seus clientes. Basicamente, pálidos e mortiços. O segundo tipo tornava-se cada vez mais vigoroso e saudável. Eram otimistas com um sentido de humor muito específico. A única coisa que todos tinham em comum era uma propensão para bebida forte e, naquilo, Andrey poderia acompanhar qualquer uma das categorias. O trabalho ditava que estivessem juntos com frequência. Andrey, o médico-legista e cadáveres, cadáveres e mais cadáveres.
Pasha pertencia à segunda categoria. Tinha três filhos e uma mulher muito pragmática que era proprietária de uma agência de viagens. Sustentava a família de modo discreto e adorava abertamente o seu marido, um tipo que passava o seu tempo a remexer nas tripas de mortos.
Andrey tinha passado pela morgue para ouvir o que Pasha tivesse descoberto, mas o médico-legista estava de saída. O seu filho do meio tinha um concerto da escola preparatória e esses horríveis concertos amadores («Perceberás quando tiveres filhos, pá») não podiam ser perdidos.
Mas, antes de partir, Pasha disse-lhe que a causa da morte tinha sido afogamento. Era o primeiro facto. Além disso, o cadáver tinha congelado. O tipo podia não ter morrido apenas dias antes, como a condição dos tecidos moles parecia indicar. Esse era o segundo facto.
– Espera! – Andrey segurou-o pela manga. – Congelado como? Estamos no verão!
– Larga-me! – Pasha libertou-se da mão de Andrey. Correndo pela porta fora, respondeu com um falsete cantado. – Amanhã, amanhã, e não hoje, como dizem os preguiçosos!
E deixou Andrey sozinho na morgue, esfregando com irritação a cana do nariz.