ANDREY
No sítio onde Andrey almoçava, não serviam espargos com um bom Chablis. Ninguém usava botões de punho. No sítio onde Andrey almoçava, havia fumo e estava abafado, mas os clientes não despiam os casacos para comer. Comiam sobre mesas de plástico, ingerindo sandes de origem suspeita. Bebiam cerveja.
Andrey sentava-se diante de Arkhip. O nome verdadeiro de Arkhip era Arkhipov e era o seu informador. Arkhip achava Andrey um tipo porreiro e, por isso, mantinha de boa-fé o seu lado do acordo. Quanto a Andrey, nunca ameaçava prendê-lo, mas, apesar da informação valiosa que partilhava, nunca desenvolvera sentimentos calorosos pelo homem. Na verdade, sentia-se um pouco enojado pela face coberta de acne de Arkhip, estreita como uma lâmina de faca. E Arkhip tinha uma forma de aproximar mais e mais a sua cara enquanto fazia confidências, com o hálito a cheirar ao jantar do dia anterior.
– O Yelnik regenerou-se há muito – sussurrou Arkhip enquanto bebia outro gole de cerveja barata e espumosa. – Depois do último julgamento, ninguém tinha trabalhos para ele. Foi viver para a província. Não se encontrava com ninguém que conhecesse de antigamente. Era como se quisesse que mantivessem a distância para o deixarem manter-se limpo na velhice. Como se fosse possível! O Turka disse que alguns tipos do exército costumavam visitá-lo.
– Que tipos do exército? – perguntou Andrey, mastigando a sandes de pão duro.
– Como queres que saiba? Tipos importantes, pelo que ouvi. Mesmo que viessem sempre vestidos à civil e conduzissem carros merdosos.
– Então como soube o teu amigo Turka que eram soldados? – perguntou Andrey, desconfiado.
– Que te parece? – exclamou Arkhip. – Pela postura, para começar. E pela maneira de andar, como se estivessem numa parada, e pelas caras como tijolos. Olhavam para as pessoas como se esperassem um relatório. Eram coronéis, no mínimo.
Andrey pensou por um minuto, bebeu outro gole de uma caneca da zurrapa quente a que ali chamavam café e franziu a testa.
– Ouve. Da última vez que o Yelnik esteve dentro, quem cumpriu pena com ele?
– Posso descobrir.
– Faz isso. Manda-me uma mensagem.
– Está bem. – Arkhip limpou a boca. – Vou-me.
Andrey limitou-se a acenar com a cabeça.
Então Yelnik tinha-se regenerado. E, depois disso, alguém o matara. Qual era a lógica disso? Punição por pendurar as botas? Alguma conta velha por ajustar? E qual o envolvimento daqueles tipos militares? Recordava o esgar na cara do morto. O corpo vazio. As moedas ferrugentas, sem qualquer valor. Algum tipo de misticismo? Andrey decidiu que chegara o momento de visitar a casa de Yelnik na província. Dirigiu-se ao balcão para pagar o seu almoço e o de Arkhip.
*
No corredor, Andrey foi de encontro à sua estagiária. Literalmente. Enquanto dobrava a esquina com a sua fúria característica, chocaram um contra o outro como bolas de ténis e a rapariga caiu com violência, perdendo o fôlego. A princípio, Andrey receou que se tivesse magoado, mas, depois, viu os papéis espalhados à sua volta, fotocópias de fotografias.
Sentou-se atabalhoadamente a seu lado e começou a reuni-las, rapidamente, a princípio, e depois, mais devagar. Os números nas vítimas de homicídio da Bersenevskaya surgiam negros nas fotocópias, mas Andrey recordava com clareza que tinham sido escritos com sangue. Um grande plano de um bíceps tatuado com um quatro. Na sua memória, viu a imagem do catorze tatuado no pescoço de Yelnik. Ergueu-se em simultâneo com a rapariga. Estava vermelha como uma lagosta.
– Então investiga?
A estagiária acenou vigorosamente com a cabeça.
– Muito bem – disse Andrey, surpreendendo-se e percebendo subitamente que os olhos da estagiária Karavay estavam ao nível dos seus. Aqueles olhos expressivos, verde-claros, com pestanas escuras e quase parecendo molhadas. Simultaneamente envergonhados e desafiadores. Os seus lábios pressionados, pálidos, formaram um sorriso quando lhe ouviu aquelas palavras.
– Darei o meu melhor – disse Karavay. E seguiu caminho, dobrando a esquina.
«Como é alta!», pensou Andrey, sem que esse traço lhe desagradasse, por uma vez.
Precisava de preparar umas coisas e partir para Tochinovka, a aldeia onde Yelnik, o assassino contratado tentara aposentar-se.