O COLECIONADOR DE PECADOS

 

 

 

Movendo-se com passada fácil e atlética, o homem saltou a vedação à volta do jardim e dirigiu-se rapidamente para o parque infantil. O carro estava lá, pronto, negro naquele anoitecer de início de outono. Abriu a porta, deixou-se cair sobre o banco gasto e suspirou. Abriu a janela e acendeu um cigarro, sorvendo longamente o fumo. O cheiro apimentado das folhas lá fora misturou-se com o tabaco nos pulmões. «As árvores cobriram-se com folhas coloridas», pensou, «mas, em breve, tudo o que restará delas serão os seus ramos negros, como escrita críptica no céu pálido. De manhã, aqueles bancos estarão cobertos de geada. Depois, a primeira neve cairá e, por fim, parecerá que tudo ficou mais claro. Mas será uma ilusão, um engano da vista. O inverno virá. A catarse. Morte, sem esperança de clemência.» Também aquele ano morreria. E ele morreria com o ano. Não havia motivo para arrependimento.

O homem apagou cuidadosamente o cigarro no cinzeiro, fechou a janela e partiu. Durante algum tempo, a estrada ficou completamente vazia. Mas, de repente, com um alarido de sirenes, um carro de bombeiros tornou-se visível numa esquina, seguindo-se outro atrás desse.

«Foi rápido!» O homem riu-se com desdém. «Todos temem o fogo. Dizem mesmo que, em caso de ataque, deveremos gritar “fogo” em vez de pedir ajuda. Quem responderia a um pedido de ajuda?»

O homem engoliu o azedume na boca. Sabia que não passaria, por mais que tentasse engoli-lo ou por mais álcool que usasse para tentar limpá-lo. Tinha chegado à Avenida Kutuzovsky quando a silhueta arredondada de um polícia de trânsito agitando o bastão às riscas se destacou da escuridão na berma da estrada, fazendo-o encostar. O homem franziu a testa. Sabia que não tinha violado quaisquer regras porque nunca o fazia. Mas não desejava demorar-se ali. Em vez da carta de condução entregou ao polícia de trânsito o seu crachá e viu a face gelatinosa do agente transformar-se rapidamente em algo semelhante ao esgar formal de um homem numa parada militar.

– Tenha um bom dia, senhor!

O homem sentia o cheiro a queimado. O vento sopraria daquela direção. As suas mãos tinham o mesmo cheiro. E também cheiravam um pouco a gasolina. Teria de se lembrar de as lavar com desinfetante. Isso nunca enganaria o laboratório forense, mas, de manhã, o cheiro teria de estar anulado para os narizes mais curiosos no trabalho não farejarem nada. Restava-lhe trabalho para fazer. Masha Karavay desconfiaria de que faltaria um quando ouvisse o noticiário no dia seguinte. Mas estaria enganada. Faltavam dois. Voltou a sorrir. Era o sorriso honesto de um trabalhador esforçado que precisava apenas de um último esforço breve antes de um descanso merecido.

Mas, no sítio de onde tinha vindo, no alto da Colina de Poklonnaya, nas profundezas do Parque da Vitória, a enorme fogueira ardia, com clarões alegres e intensos de chama recortada contra o céu azul-escuro.