ANDREY

 

 

 

Se alguém tivesse dito a Andrey que o afligiam os complexos típicos de um tipo que não vinha da cidade grande, não sendo apenas um caso de provincianismo e sim de provincianismo pobre, ter-se-ia rido do que ouvia. Que alguém se considerasse provinciano em Moscovo era ridículo. Noventa por cento dos residentes da cidade vinham de outro sítio. E os dez por cento que insistiam nas suas ancestrais e venerandas raízes moscovitas? Procurando com atenção, encontrar-se-ia sempre uma tia em Saransk e um tio nos Urais. Andrey considerava que pertencia a Moscovo porque conhecia a cidade como os dedos da sua mão. Esse conhecimento era extremamente valioso.

Durante os seus primeiros meses de vida na capital, Andrey passara os fins de semana como taxista no seu velho Ford, tentando ganhar algum dinheiro extra enquanto conhecia a cidade. Nunca sabia realmente o que fazer com o tempo livre que tinha. Não lia muito, odiava televisão e, decididamente, não era alguém que tivesse sido criado para frequentar a filarmónica. Era um tipo prático. Por isso, habituou-se a usar as pausas no trabalho para reparar coisas na dacha que alugava. Rachava lenha para o fogão ou lavava a roupa. Mas esse tipo de coisa também não tinha grande piada e, por isso, agradava-lhe sempre quando o trabalho se acumulava.

Andrey compreendia vagamente que era um dos poucos sortudos no mundo que sentiam satisfação genuína com o trabalho que lhe pagavam um salário mensal para fazer. Essa satisfação era tão forte como, por exemplo, o prazer que o seu pai sentira com as suas bebedeiras de fim de semana ou como o prazer da mãe com as horas passadas a partilhar mexericos ao telefone. Para Andrey, a viagem até ao trabalho na Petrovka era um secreto prazer.

Depois, havia também o prazer de conduzir. Um segundo antes, tinha passado à frente de um BMW desportivo com uma miúda ranhosa ao volante. Que fazia ela com todos aqueles cavalos de potência, afinal? Andrey tinha bons motivos para ter um motor poderoso, além do prazer de ver o choque na cara das pessoas quando o seu carro de aspeto barato os deixava para trás numa nuvem de pó.

– Então o teu papá comprou-te um carro e uma carta de condução, mas não um cérebro? – riu-se. – Vamos, consegues fazer melhor do que isso! – Censurou o pai anónimo, que se parecia, na sua imaginação, com o homem do Monopólio.

Andrey estacionou habilmente no sítio do costume. O telefone guinchou-lhe no bolso e a voz baixa do seu chefe, o coronel Anyutin, bradou uma ordem:

– Apresente-se no meu gabinete daqui a cinco minutos! – Andrey franziu a testa.

Cinco minutos depois, empurrava a porta do gabinete de Anyutin, surpreendendo-se por contemplar uma rapariga. Nunca a tinha visto antes, mas era o tipo de fedelha que adorava humilhar no trânsito.

– Senhora Maria Karavay – anunciou o coronel. – Formada em breve pela faculdade de direito da Estatal de Moscovo.

«Claro», pensou Andrey, com a sua irritação crescendo. Não poderia ser um politécnico qualquer de nenhures.

A rapariga levantou-se e estendeu-lhe uma mão estreita. Andrey ignorou-a e limitou-se a acenar uma vez com a cabeça.

– Andrey Yakovlev.

– O Andrey é um dos nossos melhores detetives – disse Anyutin. O elogio pingava mel.

«Quer um pouco de limão para acompanhar, Senhor Chefe?», perguntou Andrey ao chefe. Em silêncio, claro. Anyutin costumava expressar-se com o tipo de prosa atabalhoada que se esperaria de um soldado e, habitualmente, com o intuito de fazer cabeças rolar.

– Entrego-a ao capitão Yakovlev. Trabalharão juntos – prosseguiu Anyutin, com palavras melódicas como o canto do rouxinol. – Poderá ensinar-lhe muito.

«Ensinar-lhe? Quem é ela?», questionou-se Andrey.

A seguir, Anyutin virou-se para ele.

– A Senhora Karavay trabalha na sua tese...

«Então foi isso o que o papá lhe comprou», concluiu Andrey.

– Sobre um assunto muito interessante – continuou Anyutin. – Homicídios em série arquivados como mortes acidentais. Será uma assistente fantástica!

Andrey forçou-se a olhar outra vez a rapariga. Escrevia uma tese sobre assassinos em série? A miúda não devia regular bem.

Aquele último pensamento teria ficado claro na face de Andrey porque Anyutin pediu educadamente à rapariga que saísse por um momento. Mal a porta se fechou atrás dela, Anyutin virou-se para Andrey. A expressão paternal tinha desaparecido.