O dia da pesagem era habitualmente sossegado, sem exercícios marcados, e eu queria aproveitar todos os segundos para descansar. Era o único dia da semana em que me maquilhava para tentar parecer bem em frente à câmara. O processo de pesagem em si mesmo durava mais ou menos três horas, ao longo de vários takes. Estar ali de pé durante tanto tempo era uma tortura.

Após uma semana no rancho, era altura da nossa primeira pesagem. Antes de começar, um dos concorrentes fez circular uma folha de papel e pediu a todos que escrevessem os endereços de e-mail e os números de telefone para poder manter-se em contacto depois de o mandarem para casa. Eu não dava as minhas informações. Não ia arriscar submeter-me à possibilidade de que seríamos eliminadas.

Sabia também que alguns dos concorrentes não gostavam da personalidade da minha mãe e que, se caíssemos para baixo da linha amarela, iríamos provavelmente para casa. E isso deixava-me furiosa. E daí que ela fale alto e não tenha papas na língua? Era a maneira de ela lidar com a situação que atravessava, toda aquela dor, toda aquela luta. Na primeira semana, só levantar-se da cama todas as manhãs era difícil. Eu sabia que tinha literalmente de a arrastar para fora da cama porque o corpo lhe doía imenso. E era logo para ir para o ginásio para mais exercício. Lembro-me de uma manhã estar deitada na cama a olhar para ela, a pensar se ela estaria bem. Eu sabia que ela tinha de fazer isto para salvar a sua vida mas não sabia se iria morrer durante o processo. Assim, o facto de ninguém respeitar o seu esforço e não ter um pouco de compaixão pela sua luta deixava-me furiosa. Estávamos todos a passar pelo mesmo processo.

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NÃO IMPORTA O QUE OS OUTROS PENSAM

Tudo o que pode controlar é o que põe no seu corpo e o que queima. À medida que o meu corpo ia ficando cada mais forte todos os dias no rancho do concurso The Biggest Loser, comecei a perceber que não tinha de me preocupar em ter alianças com quem quer que fosse. Necessitava apenas de me lembrar de que podia fazer tudo a que me dedicasse.

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Estava literalmente assustada, à beira das lágrimas, à espera de trepar para aquela balança gigante. À medida que a pesagem progredia, todas as equipas com membros masculinos apresentavam números enormes – os homens estavam a perder peso depressa. Eu e a minha mãe, juntamente com a Jenn Widder e a Maggie King, éramos as únicas equipas só de mulheres e, habitualmente, as mulheres não perdem peso tão depressa como os homens. Estava assim aterrorizada que todas nós ficássemos abaixo da linha amarela.

A primeira pesagem pareceu durar uma eternidade e enquanto via todos aqueles números impressionantes a aparecerem na balança pensei: “Não há hipótese de conseguirmos fazer isto, não há mesmo hipótese. E eu não quero ir para casa. Preciso disto, quero isto.” Foi então que me desfiz literalmente em lágrimas e comecei a chorar convulsivamente. Toda a gente olhou para mim, a pensar no que se passava. Já não aguentava a pressão.

Mas, sem dar por isso, era a nossa vez e subimos para a balança. Os números apareceram no ecrã, e a minha mãe tinha perdido sete quilos e eu oito quilos e meio! Tivemos a segunda maior percentagem de perda de peso naquela semana. Houve um sentimento de redenção.

Quando estava no rancho, tínhamos uma hora para deliberar depois de acabar a pesagem e antes de nos voltarmos a reunir para a eliminação. As eliminações correram suavemente naquela primeira semana. As duas equipas que caíram abaixo da linha amarela foram a equipa pai-filha de Lynn e Jenni Westphal e a equipa de melhores amigas Maggie King e Jenn Widder. Como já disse, era chegada a Jenni, como alguém que tinha também um pai de meia idade como colega de equipa, mas Lynn fazia questão de mostrar que não precisava de estar no rancho para perder peso. Estávamos tão agradecidos pela nossa temporada no rancho que se alguém expressasse indiferença por ali estar, isso tornaria muito mais fácil a decisão de quem eliminar.

DEIXAR PARA TRÁS AS VELHAS FERIDAS

Estar no rancho com a minha mãe foi uma experiência delicada mas ainda assim espantosa. Naquela altura, ela era a mulher mais velha que alguma vez estivera no campus e ela tinha realmente orgulho nisso. Mas eu sei que lhe era difícil sentir-se como um dos elos mais fracos. Na minha família, não fazíamos nada a não ser que pudéssemos vencer. Concentrávamo-nos num desporto em que fôssemos bons e depois sobressaíamos nele. Eu escolhi a natação, embora sempre tivesse querido jogar voleibol ou softball quando estava a crescer. Mas não sabia se poderia ser boa nestas modalidades e eu e a minha irmã fomos encorajadas a praticar outros desportos. Tanto para mim como para a minha mãe, aprender coisas novas – em algumas delas não éramos propriamente as melhores – foi um desafio. Nunca fui consistentemente forte nos desafios, mas comecei a perceber que faziam parte da viagem.

À medida que treinávamos cada vez mais com a Jillian, percebi que ela estava a começar a detetar a nossa singular dinâmica mãe-filha. Jillian gostava de separar colegas de equipa tanto quanto fosse possível, principalmente aqueles que vinham para o rancho com os mecanismos capacitadores no sítio. A primeira grande jogada dela na separação de mim e da minha mãe foi dada num dia em que estávamos a treinar no ginásio e a minha mãe caiu da passadeira ao meu lado. Saltei imediatamente da passadeira para a ajudar e a Jillian gritou-me.

“Não!”, disse. “Vocês estão separadas. Já não podem voltar a policiar-se ou a salvar-se uma à outra. Para de proteger a tua mãe.”

Salvar a minha mãe não era a resposta para os meus problemas, ou para os dela. Eu sabia que tentava proteger a minha mãe. Por um lado, guardava ressentimentos por ela não ter estado presente tanto quanto eu queria quando era criança. Tinha desejado uma infância normal e estável sem o caos a que eu e Amber fomos sujeitas. Detestava algumas das situações em que ela nos colocou, ao viver com diferentes namorados, adormecer numa cadeira nas festas depois de ter bebido de mais, ficar furiosa comigo por eu ser amiga da minha madrasta. Por outro lado, eu amava-a. Era a minha mãe. E defendia-a sempre que sentia que ela estava a ser criticada. Ninguém tinha o direito de atacá-la.

As nossas guerras ao longo dos anos foram frequentemente desencadeadas quando eu sentia que ela estava a julgar-me pela maneira como eu vivia a minha vida. Eu queria que ela compreendesse que algumas das minhas escolhas de estilo de vida eram uma reflexo do que aprendera com ela – como andar demasiado na borga ou não me autovalorizar suficientemente e tomar más decisões. Outras vezes, eu tentava apenas expressar-lhe a dor da minha infância, de sentir-me tão só e abandonada. Mas ela ficava na defensiva e dizia-me que não era culpada pela minha angústia.

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QUEM VEM PRIMEIRO?

Uma coisa que aprendi ao estar no rancho com a minha mãe foi que tinha de ser eu a mudar primeiro. Era a única maneira de poder depois aceitar o apoio dela e oferecer a ela o meu apoio. Deixar de tentar tomar conta dela ajudou-me a recuperar o equilíbrio emocional. É, provavelmente, um dos maiores desafios na perda de peso: saber que para podermos ajudar os outros temos primeiro de nos ajudar a nós próprios.

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Jillian perguntara-me, à queima-roupa, se eu achava que podia perder peso sem primeiro lidar com as memórias dolorosas que tinha da minha mãe. E, no fundo, eu sabia que não era capaz, embora odiasse a ideia de a confrontar acerca disso. Sabia que se não escavasse ao longo desta situação, não conseguiria sair no outro lado. Não poderia mudar se continuasse tão agarrada a ela.

Finalmente, durante a terceira semana no rancho, após mais uma sessão de exercício esgotante, eu estava na cozinha a preparar um lanche. Jillian entrou e disse que queria que eu fosse lá para fora para o que chamamos pátio da prisão, uma área grande junto da cozinha onde nós, por vezes, treinamos ao ar livre. Não fazia ideia de que tinha chegado a altura. Mas, enquanto ela me conduzia lá para fora, vi a minha mãe sentada, encostada a um muro, exausta e gasta como nunca a tinha visto. Senti-me como se tivesse acabado de entrar num campo minado.

“Não, não vou fazer isto”, disse.

“Tens de o fazer”, disse Jillian.

Com Jillian ali de pé, disse à minha mãe o quanto me sentira só quando estava a crescer. Disse-lhe que não queria continuar a ser infeliz, que não queria continuar dentro deste corpo e que estava cansada de estar encalhada. Admiti que o peso tinha que ver com algo mais do que apenas comer demasiado.

A minha mãe foi, francamente, maravilhosa. As suas defesas estavam em baixo. Disse-me que sabia que trouxera gente pouco recomendável para casa quando eu era nova, que passara demasiadas noites fora de casa e que estava arrependida. Disse nunca ter querido que eu me sentisse só, queria estar presente a partir daquele momento. Reconheceu que foram as suas duas filhas que a criaram e que não estava orgulhosa disso. “Amo-te mais do que a própria vida”, disse. “Porque pensas que vim para este sítio parvo? Queria estar contigo.

Foi um momento imenso para nós. Aquele momento foi a única vez no rancho que falámos dos nossos problemas, mas era tudo o que eu precisava. Estar no concurso The Biggest Loser foi, provavelmente, a primeira coisa incondicionalmente maternal que eu sabia, com todo o coração, que ela fizera por mim. Sei que a minha mãe foi para ali apenas por minha causa. Tinha tudo que ver com a sua Buba.

A experiência de estar no rancho do concurso The Biggest Loser desnuda a nossa alma. Não há esconderijo possível. Estamos completamente vulneráveis. Onde quer que eu vá, as pessoas querem ouvir a minha história da perda de peso. Mas a história da perda de peso faz parte do meu percurso de vida, o percurso para me aceitar tal como sou e gostar de mim tal como sou. A parte física é, obviamente, importante – contar calorias, queimar calorias, comer bem, tudo isso. Mas, pelo menos para mim, isso é mais ou menos dez por cento da equação. Trata-se apenas de o fazer. Enfrentar as minhas emoções e deixar-me separar da minha mãe foi muito mais difícil do que qualquer desafio físico. Pela primeira vez na minha vida, estava a pensar em mim.

AS CARTAS

Pela quarta semana, já todos sentíamos que seríamos capazes de sobreviver fisicamente a esta experiência. Já estávamos habituados à dor.

Paul Marks e Kelly Fields esforçaram-se bastante naquela semana e venceram o desafio. A recompensa foi poder ler as cartas dos nossos entes queridos. Mesmo tendo sido Paul e Kelly a ganhar, deixaram que todos nós, os adversários, lessem também as cartas.

Lembro-me de pensar que receber uma carta de casa não era nada de especial. Fantástico para as pessoas que têm filhos ou esposos, pensei, mas não para mim. Pensando agora nisso, acho que me deixara alienar e isolar tanto ao longo dos anos que não me sentia realmente chegada à minha família. Para ser honesta, não esperava que alguém me enviasse uma carta.

Afinal de contas, recebi cartas da minha avó; da minha irmã, Amber; do meu pai; da minha madrasta; e de todos os meus outros meios-irmãos. Amber e eu sempre nos mantivemos juntas ao longo dos tempos difíceis da nossa infância. Mesmo quando Amber queria ir viver com o nosso pai e eu não queria, acabei por fazê-lo porque sentia que pertencíamos uma à outra. Éramos como metades opostas da mesma pessoa – eu era a maria-rapaz desarrumada e ela a menina limpa e organizada. Mas às vezes aproveitava-me dela. Quando era adolescente, agarrava em coisas do armário dela de que gostava e nunca devolvia. Já adulta, pedia-lhe dinheiro emprestado mas ela acertava as contas todos os natais.

Quando ela acabou por casar, foi difícil para mim. Senti que ela me deixara. Amber mudou-se para Spokane, Washington, para estar com o marido. Fiz sempre julgamentos acerca do casamento dela e critiquei as suas escolhas. Não gostava da maneira como ela vivia a sua vida e mostrei-lhe o que sentia.

Sentada ao lado da minha mãe no nosso quarto no rancho, abri a carta de Amber e li-a em voz alta para todo o mundo ouvir:

Querida Ali,

Sou a tua maior fã e tu és a irmã mais nova que sempre tomou conta de mim. És uma líder natural e é apenas natural que levasses a mãe e a conduzisses através disto. És adorável e uma das pessoas mais generosas que conheço. Tenho orgulho em ser tua irmã. Estiveste sempre disponível para mim e para toda a gente mas agora chegou a altura de seres essa pessoa para ti própria. Algures ao longo do caminho decidiste que não merecias e eu estou aqui para dizer que sim. Mereces tudo e muito mais, e eu torço por ti todos os dias. Vales a pena. Continua assim.

Com todo meu amor,

Amber.

A minha mãe desfez-se em lágrimas, e eu desatei a chorar antes de acabar de ler. Senti-me tão mal por ter cortado a comunicação e deixar-me isolar de toda a gente que me amava e queria ajudar. Durante toda a minha vida, a Amber esteve sempre disponível para mim. Mas, ao longo dos anos, não a deixei apoiar-me porque a verdade é que ela não podia ajudar-me e eu não queria ser ajudada. Parei, assim, de lhe estender a mão. Percebi que ela fora sempre a minha maior fã – tinha, simplesmente, esquecido.

Acabei de ler o resto das cartas e, no final, estava chocada. A minha família acreditava em mim. Eu, simplesmente, não acreditara em mim própria.

GAME OVER

Naquela semana, perdi três quilos e seiscentos e fiquei abaixo da marca dos 90 quilos. “Nunca mais”, pensei. Os jogadores de futebol pesam 90 quilos! Para a minha altura, 1,67 metros, não é aceitável. Progredira muito, mas éramos ainda competidores num jogo. E o jogo estava prestes a assumir o controlo.

Mark e Jay foram os melhores da semana, o que significou que tinham imunidade quanto à eliminação. E Paul e Kelly, em quem eu e a minha mãe votáramos para irem para casa na semana anterior, venceram-nos a todos. Pelo que podiam escolher quem iria embora. Eu e a minha mãe não estávamos em boa situação.

Na sala de eliminação, Paul e Kelly decidiram mandar-nos para casa. Não podia acreditar no que estava a acontecer. Sabia no meu coração que iria ser a primeira mulher a vencer o The Biggest Loser, trabalhara no duro, provara que era capaz de fazer isto e agora ia para casa? Temia não ser capaz de manter o meu novo e saudável estilo de vida em casa. Não estava preparada para lidar com a minha vida regressando ao Arizona mas continuava determinada. Disse a todos naquela sala de eliminação que acabaria por vencer o The Biggest Loser. Algo em mim não me deixava desistir com tanta facilidade.

Tínhamos feito as malas antes da eliminação e já estavam à nossa espera na carrinha quando saímos da sala. Tinha de encontrar forças. Pensava constantemente: “Eu vou fazer isto. Vou aparecer naquela final com a maior percentagem de peso perdido. Outra pessoa ficará com o título, mas toda a gente saberá que ganhei, que é possível uma mulher conseguir, eu conseguir.”

Deixámos o rancho e chegámos ao nosso hotel por volta das duas ou três da manhã. E na manhã seguinte, às sete, levaram-nos ao aeroporto. E foi assim. Estava sentada no avião e regressava a casa. Tinha acabado. E agora? Apareceram alguns amigos para nos receber quando aterrámos no aeroporto de Phoenix e fiquei feliz por vê-los, mas precisava de algum tempo só para mim. Iria ainda ser a primeira mulher a ganhar o The Biggest Loser, desse por onde desse. Só tinha de descobrir como lá chegar.