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Viver Uma Vida Mediana
Havia uma parte de mim sempre a autoagredir-se. Sabia que era suposto viver uma vida melhor do que aquela que tinha. Eu vivia uma vida sem importância. Não era uma vida má, de maneira nenhuma, mas era suposto que eu me distinguisse, e sabia isso desde pequena.
Comecei a nadar antes de saber andar. A minha avô era uma nadadora na Nova Zelândia e a minha mãe uma nadadora de velocidade classificada no ranking nacional. Quando eu era criança, brincávamos aos “patinhos pequenos” na piscina. A minha mãe, a Amber e eu nadávamos como patos numa fila e eu era sempre o último patinho atrás de Amber, o mais afastado da minha mãe, algo que odiava! Mas adorava a água desde o início. Sabia que pertencia ali (sou do signo Peixes) e criei o meu próprio mundo, fingindo que era uma sereia.
Comecei na natação de velocidade nos campeonatos de verão e os treinadores dessas equipas criaram uma equipa de natação sincronizada. Amber e eu fomos convidadas a juntar-nos às Arizona Aqua Stars e tornei-me um membro da equipa permanente aos 6 anos. A piscina era o meu mundo. Tinha o meu refúgio ali debaixo de água, um local que criei e onde vivia. Estava de tal maneira convencida de que era uma sereia, que acreditava não ser preciso vir à tona para respirar. Deixava apenas a minha cara ultrapassar ao de leve a superfície da água e inspirava uma grande golfada de ar, ao mesmo tempo que mergulhava novamente como se fosse um golfinho. A minha treinadora espreitava para as profundezas da piscina, a gritar: “Ali, onde estás?” A coisa de que mais gostava na minha vida de sereia era poder decidir quando viria à superfície.
Tínhamos treino de natação todas as manhãs e tardes. A avó acordava-nos e levava-nos ao treino das cinco da manhã. Quando ficámos mais velhas, passámos a ir de bicicleta para os treinos e ela seguia-nos no carro. Depois da escola, nunca ficava a brincar com os meus amigos – ia para a piscina.
Para mim, a natação sincronizada reunia o melhor de todos os mundos – ganhei a resistência de uma nadadora, a flexibilidade de uma ginasta, a elegância de uma bailarina e tinha de estar dentro de água. Mal sabia eu que, anos depois, iria sentir-me demasiado envergonhada para estar em fato de banho.
QUANDO OS QUILOS APARECERAM
No liceu, parei a natação sincronizada e envolvi-me mais na escola e nas atividades. Estava na via rápida para a popularidade no liceu por ser irmã mais nova da Amber. Até me tornei uma cheerleader. Porém ainda me sentia um pouco diferente do resto de toda a gente. As pessoas conheciam-me, porém não era bem assim. Não me ajudou que durante os meus três anos do liceu (formei-me através de um GED2) tenha frequentado cinco escolas diferentes, consoante eu e a Amber andávamos para a frente e para trás entre as casas dos nossos pais. Identificava-me com os excluídos, as pessoas que não se encaixam. Se via alguém a almoçar sozinho, sentava-me com essa pessoa, e os meus amigos sabiam que não valia a pena questionarem-me acerca disso. Ainda gostava de ser uma cheerleader gira e uma namorada troféu, mas ninguém se metia comigo.
Quando estava a nadar, podia comer aquilo que me apetecesse e nem sequer pensava acerca disso. Conseguia comer uma piza inteira. Mas tinha crescido tão acostumada a alimentar o meu corpo como uma atleta, que quando abandonei a natação o meu apetite manteve-se igual. E, nessa altura da minha vida, não tinha a noção de que aquilo que comia podia alterar o meu corpo. Não pensava na comida em termos de calorias ou fonte de energia.
Também não compreendia realmente o exercício. Tinha frequentado aulas de dança e feito musculação, mas isso era parte do meu programa de natação. E não pensava na natação como exercício. Era uma paixão, algo de que eu gostava. Mas o meu corpo sabia que era exercício e quando parei começaram a surgir alguns quilos.
Ganhei aqueles primeiros dois quilos por volta dos 18 anos, assim que saí do liceu. E o curioso é que me via a mim própria como obesa. O meu estatuto de namorada troféu começou a desaparecer, e lembro-me de sentir que um dos meus namorados tinha deixado de me amar não por aquilo que eu era, mas por causa do peso que estava a ganhar. Queria ser amada pela pessoa que era, não pelo meu aspeto. Mas não sentia que as coisas se passavam assim.
Ninguém me disse nada, mas comecei a sentir-me desconfortável na minha própria pele. Tenho uma memória bastante nítida de ser mandada parar por um agente da polícia depois de ter começado a ganhar peso. E quando lhe dei a carta de condução – a qual tinha a indicação do meu peso – ele ter dito: “É impossível você ter 68 quilos.” E lembro-me de pensar: “Tem razão; provavelmente tenho mais.” As pessoas menosprezavam o meu peso devido à minha constituição atlética. Quando ouvia amigos queixarem-se por causa do seu peso, pensava: “Se eles soubessem.” A minha irmã, Amber, conseguiu manter-se em forma depois de termos deixado de nadar, o que tornou ainda mais difícil o meu aumento de peso.
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PREPARE-SE PARA OS SENTIMENTOS
Durante anos tentei inconscientemente preencher com comida os vazios na minha vida. Quando deixei de o fazer, tive de lidar em primeiro lugar com as emoções que estavam a provocar-me essa vontade de comer em excesso. Mas, como a minha mãe disse uma vez, torna-se muito mais fácil lidar com as coisas inesperadas da vida quando não nos escondemos por baixo de camadas de gordura. Não é fácil derrubar as muralhas que nos protegeram da vida – mas essas muralhas também nos impediram de ter as vidas que realmente queríamos.
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NEM RÁPIDO NEM FÁCIL
Antes do concurso The Biggest Loser, eu era uma viciada em fast-food. No rancho, aprendi que existem vários passos para fazer uma refeição saudável. Há o pesar da comida, o preparar da comida... eu queria rápido e fácil, mas depois lembrei-me de que rápido e fácil tinha sido aquilo que me levara aos 106 quilos.
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Na minha cabeça, eu era enorme. Após os primeiros dois quilos senti-me enorme. Depois senti-me enorme aos 68... 72,5... 77. Conforme os números ficavam maiores, eu apenas me desligava deles. Comecei a recolher-me. Na realidade, evitava tanto que me tirassem fotografias que quando fui para o concurso The Biggest Loser e me pediram retratos dos últimos anos, não tinha nenhum para lhes dar. Era uma rapariga gorda e não se tira fotografias às raparigas gordas. Não tinha documentado a minha vida porque não queria olhar para ela.
Comecei a tentar comprimidos para emagrecer e vários programas para perder peso. Perdia sempre 4,5 quilos em duas semanas, depois deixava a pouco e pouco de ir às reuniões ou a prestar atenção às regras. Era demasiada disciplina para mim. Não achava importante perceber como o meu corpo funcionava. Apenas fazia aquilo que me mandavam durante algum tempo e depois perdia a pouco e pouco o interesse e voltava a ganhar o peso.
APRENDER NO EMPREGO
Finalmente, dei por mim numa pequena faculdade de uma cidade de província da qual não gostava. Era demasiado mórmon e eu não me sentia muito mórmon. As boas raparigas mórmones não têm sexo e, bem, eu não era uma boa rapariga mórmon nesse aspeto. Também não ia à escola com muita frequência.
Tive empregos estranhos. Fui empregada de mesa em muitos locais de fast-food e cadeias de restaurantes e comia no trabalho. Sentia-me mal em relação a mim e a pouco e pouco deixei de sair socialmente. Mas trabalhava no duro. O meu primeiro emprego foi numa pizaria e tinha queimaduras nos braços porque me assegurava de que não havia uma única bolha naquelas pizas. Quer estivesse a fazer pizas ou a varrer o chão, o meu trabalho era importante para mim. De alguma maneira, no meu emprego podia mostrar excelência e controlo. Era uma maneira de ser reconhecida na minha vida porque não estava a expor-me em mais nenhum sítio.
Durante uma das minhas relações condenadas, mudei-me para o Texas e trabalhei numa fábrica de vidro. Manusear enormes pratos de vidro era um trabalho quente, sujo e intenso. No primeiro dia apareci com uma maquilhagem completa, que derreteu toda na minha cara em poucos minutos. Trabalhava ao lado de homens adultos, alguns deles desistiram no final do seu primeiro turno, porque era uma tarefa demasiado dura. Como acabei a trabalhar numa fábrica? Nunca tinha estado numa fábrica na minha vida. Mas obrigava-me a ir pensando na próxima pausa durante o turno. Se conseguisse aguentar só até essa pausa, e a próxima, então conseguia aguentar o dia inteiro. (Foi uma estratégia que usei mais tarde, quando estava a batalhar na passadeira no rancho do concurso The Biggest Loser.) E pensava nos meus avós. Eles eram a rede de segurança, caso a minha vida começasse a desabar. Se as coisas se tornassem realmente horríveis, sabia que podia ligar ao meu avô. Mas ao ficar perto do calor daquela fornalha de vidro, também comecei a pensar acerca do que realmente pretendia na minha vida.
Tomei consciência de que queria ser cabeleireira.
Sempre adorei isso; queria arranjar cabelos desde o tempo em que era uma miúda. Costumava sair do treino de natação mais cedo para poder usar um ferro de frisar a butano, que na altura se chamava clicker, no cabelo da minha treinadora. Entrancei os cabelos de todas as minhas colegas de equipa para a cerimónia de entrega de prémios quando a Amber e eu éramos nadadoras sincronizadas. Penso que aprendi com a minha mãe, que sempre nos cortou o cabelo de acordo com as últimas tendências da moda. Ela era naturalmente boa nisso e descobri que, afinal, eu também o era.
Mas ali estava eu numa fábrica de vidro do Texas. Tornei-me cortadora de peças pequenas e um dia feri-me. Foi a última gota para mim. Arrumei as coisas no carro e fui para casa.
Sabia que iria ser difícil ir para a escola de estética. Tinha contas para pagar. Portanto candidatei-me e recebi ajuda financeira, trabalhei em três empregos e fui estudar. Estava determinada a ir para a melhor escola que conseguisse encontrar. Durante todo o dia estava na escola. Depois, à noite, trabalhava como empregada de mesa. Aos fins de semana, levantava-me às 4h30 para trabalhar no turno do pequeno-almoço/almoço de um restaurante e à noite como empregada de bar. Na escola de estética, encerava o chão para ganhar cinquenta dólares extra.
TORNAR-ME CABELEIREIRA
Adorei tornar-me cabeleireira. Adorava o modo como podia dar uma boa aparência ao cliente, claro, mas também a relação, o quanto este confiava em mim. Aquela pessoa sentada na nossa cadeira está a dar-nos autorização para criar a imagem com que vai apresentar-se ao mundo. Senti-me bem a ajudar as pessoas a sentirem-se bem consigo próprias. Assim que alguém se tornava minha cliente, regressava.
E eu estava bastante confiante nas minhas capacidades – considerava-me uma artista. Era pesada e não me vestia com roupas da última moda ajustadas ao corpo como era norma, mas o meu guarda-roupa largo e de tamanho grande era sempre bonito e prestava bastante atenção no que tocava ao meu cabelo, sapatos e maquilhagem – nunca me viam sem as minhas pestanas falsas! Não intimidava as minhas clientes e fazia um trabalho excelente. Mas sentia que o meu tamanho estava a impedir-me de dar o passo seguinte, que era entrar na equipa de desenvolvimento de projetos da empresa. As pessoas nessa equipa eram uma classe à parte de cabeleireiras, normalmente bastante sofisticadas e com uma aparência de acordo com o que estava na moda. Eu não me encaixava nesse estilo.
Mas trabalhei tão bem no meu salão que, quando estava preparada para uma mudança, me ofereceram um lugar em São Francisco. Estava ansiosa por um novo começo num sítio novo!
SÃO FRANCISCO
Tornei-me verdadeiramente adulta em São Francisco. Os meus amigos tornaram-se a minha família – toda a gente em São Francisco é um transplante, portanto é isso que a nossa família se torna. E no trabalho fui recebida de braços abertos. Penso que até perdi peso! Ainda era volumosa, mas senti-me tão bem como já não acontecia há vários anos. São Francisco é uma cidade que não faz juízos de valor. Não havia nada que me desagradasse. Era permitido ter opiniões diferentes. Podíamos discordar de alguém e ainda ser amigos no dia seguinte. Não estava habituada a esse tipo de compreensão e era maravilhoso.
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MANTER CONTACTO
Quando sente que não tem ninguém – não é assim. Faça um esforço para tentar conseguir apoio, seja online, ao telefone ou indo visitar um amigo. Tudo é possível, desde que estabeleça um sistema de apoio que possa funcionar quando sente um acesso de solidão a chegar.
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Tinha-me apaixonado, encontrado a pessoa que sentia ser o amor da minha vida. O meu companheiro ia mudar-se para a Indonésia e eu também me tinha comprometido a fazer a mudança para o estrangeiro. Não estava realmente certa se queria morar na Indonésia, mas sabia que queria estar na relação.
Planeámos uma festa de despedida enorme – um luau no Parque Golden Gate com um DJ e todos os nossos amigos. No dia antes da celebração, a minha avó ligou-me com notícias devastadoras: o meu avô tinha morrido. Fiquei completamente desfeita. A minha avó disse-me para seguir em frente e gozar a minha festa e depois apanhar o avião para casa e ir ao funeral. Mas quando cheguei ao Arizona, percebi que o meu próximo passo não seria ir para a Indonésia. Decidi ficar com a minha avó e ajudá-la na transição de vida sem o meu avô. Ele sempre tomara conta dela – ela nunca tinha pago uma conta na vida; nunca enchera o seu próprio depósito de gasolina do carro. Eu sabia que ela precisava da minha ajuda. Uma semana depois do funeral do meu avô, voei de regresso a São Francisco, abandonei o meu emprego, fiz as malas e voltei definitivamente para o Arizona.
2 [N. do T.: * O GED (General Educational Development) é uma alternativa à frequência normal do ensino secundário em que uma pessoa se propõe a um conjunto de cinco testes de outras tantas disciplinas. Caso seja aprovada, tem direito a um diploma que dá equivalência ao ensino secundário.]