Enquanto dirigia o Instituto Bacteriológico de São Paulo (1893-1908)1
Lutz inicia sua carreira de dipterologista com o trabalho de 1903 (a, b), tecendo considerações gerais sobre insetos sugadores de sangue, principalmente dípteros (tema retomado em 1907). Em 1904, na tese de doutoramento de Celestino Bourroul, publica seu primeiro trabalho sobre a taxonomia dos Culicidae, propondo vários gêneros novos. Segue-se então umai mportante série de trabalhos, na Imprensa medica de São Paulo, descrevendo grande número de espécies novas (Lutz, 1905a-l). Só retoma seus estudos culicidológicos anos depois, já no Instituto Oswaldo Cruz, em colaboração com Arthur Neiva (Lutz & Neiva, 1911, 1913, 1914). Em 1921 (c, d) escreve seus dois últimos trabalhos sobre o assunto. Na Tabela 1 são apresentados os gêneros e espécies de Culicidae descritos por Lutz e Lutz & Neiva, com seus respectivos nomes atuais.
TABELA 1 – Gêneros e espécies de Culicidae descritos por Lutz e Lutz & Neiva e seu nome atual
Blephariceridae – Deve-se a Fritz Müller (1879, 1880, 1881a, 1881b; cf. tb. Osten Sacken, 1880, 1881) a descoberta das curiosas larvas aquáticas e do dimorfismo das fêmeas desta família, um dos morfos incriminado como hematófago. Lutz dedicou a esta interessantíssima família três trabalhos, 1912a (I e IV), 1920 (a, b) (este com ilustrações verdadeiramente magníficas) e 1928. A família consta atualmente, na região neotropical, com duas subfamílias (cf. Hogue, 1971), (i) Edwardsiinae, com o único gênero Edwardsina Alexander, 1920 (com 11 espécies no Chile e na Argentina) e (ii) Paltostominae, com os gêneros Elporia Edwards, 1915 (uma única espécie, na Argentina), Kelloggina Williston, 1907 [= Dimorphotarsa Lutz, 1920; = Dimorphotaenia Lutz, 1920] (com 34 espécies, 16 das quais descritas por Lutz), Limonicola Lutz, 1928 (com duas espécies, do Peru e da Venezuela, uma das quais descrita por Lutz, 1928) e Paltostoma Schiner, 1866 (com 10 espécies). Depois de Lutz, só se ocuparam desta família Lane & d’Andretta (1956). O total de espécies nominais da Neotrópica, atualmente reconhecidas, é de 58. Lutz descreveu, portanto, cerca de 28% das espécies [cf. Tabela 2].
TABELA 2 – Gêneros e espécies de Blephariceridae descritos por Lutz e seu nome atual
Ceratopogonidae. Lutz dedica a esse difícil grupo de dípteros, então considerado uma subfamília de Chironomidae, três memórias, 1912b (umbelo apanhado sobre o conhecimento que se tinha na época sobre os ceratopogonídeos), 1913 e 1914 (descrição das novas espécies). é o primeiro autor a ilustrar os estágios imaturos de representantes dessa família no Brasil. A Tabela 3 lista as espécies descritas por Lutz e seu nome atual.
TABELA 3 – Espécies de Ceratopogonidae descritas por Lutz e seu nome atual
Cuterebridae, Gasterophilidae, Oestridae. Em seu trabalho de 1917 (versão inglesa, 1918a), Lutz trata de três famílias de dípteros cujas larvas parasitam mamíferos, antigamente reunidas sob os “Oestridae” (ver Papavero, 1976, para a história do grupo). Esse trabalho é magnificamente ilustrado por figuras coloridas extremamente precisas. A coleção reunida por Lutz é a maior jamais feita na região neotropical – de Pseudogametes semiater (Wiedemann), por exemplo, contava com mais de uma centena de exemplares, quase todos machos, que, em suas próprias palavras,
foram coletados [em Petrópolis (RJ) por Foetterle] ... todos num pequeno espaço do tronco da mesma árvore, 3-4 metros acima do chão. Apareciam somente nos meses de verão (principalmente fevereiro), os primeiros quase exatamente ás 9 horas da manhã; sentavam-se na casca onde demoravam-se durante horas, geralmente singelos e nunca em maior número.
O saudoso Prof. Hugo Souza Lopes sempre contava esta anedota: o dono da propriedade em Petrópolis onde Foetterle coletava esses exemplares na árvore, cansado de ver o lepidopterista pular a cerca para capturá-los, derrubou a árvore, e nunca mais se coletou um exemplar dessa espécie. Lutz descreveu quatro novas espécies de Cuterebridae nessa monografia, apenas uma das quais válida atualmente (ver Tabela 4). Relata a presença de espécies introduzidas de Gasterophilus e Oestrus no Brasil.
TABELA 4 – Espécies de Cuterebridae descritas por Lutz e seu nome atual
Hippoboscidae. Em 1915, em colaboração com os eminentes entomologistas Arthur Neiva e Ângelo Moreira da Costa Lima, Lutz dá á luz uma monografia sobre os Hippoboscidae, ectoparasitos de aves e de certos grupos de mamíferos. Os táxons propostos e seu nome atual encontram-se na Tabela 5.
Muscidae e Sarcophagidae. Em 1912(b) Lutz & Neiva publicaram uma nota sobre a nomenclatura do muscídeo “Mydaea pici MacQuart”, atualmente alguma espécie do gênero Philornis, cujas larvas são coprófagas, hematófagas ou parasitos subcutÂneos de certos grupos de aves (cf. Couri, 1999; Teixeira, 1999). Lutz (1910a [II, III]) publicou também algumas notas sobre Sarcophagidae e sobre o gênero Stomoxys.
Psychodidae (Phlebotominae). Também com Neiva, Lutz publicou em 1912(a) um trabalho sobre os Phlebotominae (Psychodidae) do Brasil, descrevendo algumas espécies novas (ver Tabela 6).
Simuliidae. Completando as contribuições ao conhecimento da taxonomia dos dípteros hematófagos, Lutz publica alguns trabalhos sobre Simulium (1909, 1010b, 1912a [II], 1917a, 1928, Lutz in Pinto, 1931), tratando de aspectos taxonômicos, morfológicos e biológicos. A lista de suas espécies consta da Tabela 7.
TABELA 7 – Espécies de Simuliidae descritas por Lutz, Lutz & Núñez-Tovar, 1928 e Lutz & Pinto, e seu nome atual
Tephritidae. Entre suas atividades taxonômicas Lutz publica com Ângelo Moreira da Costa Lima (1918) seu único trabalho que não trata de dípteros de interesse médico ou veterinário – trata-se de um trabalho sobre as “moscas de frutas” (família Tephritidae), em que são descritas as novas espécies constantes da Tabela 8.
Trabalhos gerais sobre Diptera. Além de suas atividades como naturalista viajante, morfologista, taxônomo e parasitólogo, Lutz dedicou-se também a deixar, como bom mestre, trabalhos gerais sobre dípteros, para facilitar a formação de novos pesquisadores, coroando assim sua multifária carreira (Lutz, 1912a [I], 1921a-d, 1922a-b, 1931a-b; Lutz & Castro, 1926a-b).
Nelson Papavero
Museu de Zoologia/Universidade de São Paulo
São Paulo, SP, Brasil