A transmissão de moléstias por sugadores de sanguee as espécies observadas entre nós*
É um fato banal que o sangue serve para alimentar os tecidos do organismo em cujos vasos circula; também ninguém ignora que este líquido não somente é aproveitado pelo dono legítimo, mas que, muitas vezes, esta corrente nutritiva é derivada por organismos de outra espécie, que a aproveitam para a sua alimentação. Todavia pouca gente tem uma apreciação correta da freqüência e intensidade com que este parasitismo se observa no reino animal, e quantos organismos vivem unicamente deste líquido orgânico, abundante e facilmente encontrado. Contamse por milheiros as espécies parasitárias que se alimentam com o sangue do homem e de outros vertebrados, deixando de lado os organismos que procuram o sangue branco dos invertebrados. Uma parte destes parasitas introduz-se no organismo, habitando ora o tubo gastrintestinal, ora o sistema circulatório, chegando a invadir as próprias hemácias; outros são apenas parasitas exteriores e grande parte destes só visitam temporariamente os seus hospedadores, às vezes só no breve espaço de tempo necessário para a subtração do sangue.
Tratando somente destes parasitas exteriores, podemos distinguir três espécies de conseqüências resultando dos seus assaltos.
A primeira é a perda direta de sangue que geralmente não alcança proporções sérias. Posto que numerosas e freqüentemente repetidas, cada uma destas perdas de sangue não excede de uma ou poucas gotas, e as hemorragias consecutivas são raras ou insignificantes. Há todavia algumas exceções no caso dos morcegos e sanguessugas, que não somente consomem mais sangue, mas também produzem maiores lesões cutâneas, às vezes seguidas de verdadeiras hemorragias devidas a lesões de veias superficiais, ou à diminuição do poder coagulante do sangue.
O segundo efeito nocivo resulta menos da lesão mecânica produzida pelo parasita do que da irritação consecutiva à inoculação de secreções venenosas, que acompanha as mordeduras de todos os pequenos sugadores de sangue. A irritação provocada pode chegar ao ponto de prejudicar seriamente a saúde, e as lesões cutâneas, que são a conseqüência direta ou indireta, podem servir de porta de entrada a várias infecções graves e até fatais. Os maruins, ou mosquitos-domangue, do gênero Ceratopogon, podem ser tão numerosos que tornam quase impossível a passagem por certas zonas; mas o pior flagelo são algumas espécies de Simulium que aparecem em certos lugares da Europa e da América do Norte. Tem-se observado a morte de milheiros de animais domésticos em conseqüência das suas mordeduras numerosas e irritantes.
A mais grave e perniciosa, porém, é a terceira conseqüência que resulta das mordeduras destes ectoparasitas temporários; consiste na inoculação de microrganismos produtores de moléstias. Esta possibilidade foi pressentida há muito tempo, mas foi somente nos últimos anos que se chegou a formar uma idéia aproximativa da sua importância enorme para a patologia do homem e dos animais domésticos, principalmente nas zonas quentes, onde freqüentemente constituirão o mais sério obstáculo ao progresso da cultura. Algumas das moléstias assim propagadas, como aquelas que resultam das mordeduras das moscas tsé-tsé e de certas argasidas, conquanto corretamente atribuídas a estas, foram por muito tempo consideradas como efeitos tóxicos e não como infecção. Em outros casos o papel dos parasitas transmissores era reconhecido por alguns indivíduos mais perspicazes ou mesmo pelo povo, embora inculto; mas, como tantas vezes aconteceu, a ciência, estribada em objeções teóricas, opôs-se ao reconhecimento dos fatos.
Para que uma moléstia possa ser transmitida por insetos sugadores de sangue, é preciso que o organismo causador se encontre no sangue, seja sempre, seja pelo menos em ocasiões determinadas. De outro lado, é indispensável que o inseto chupador repita a subtração de sangue em outros indivíduos e, durante o intervalo, possa conservar os organismos vivos e em condições de serem introduzidos no corpo de outro indivíduo mordido, o que se pode realizar por diferentes modos interessantes. Geralmente o período intermediário é aproveitado para a evolução do parasita que se multiplica passando por diferentes fases, formando uma espécie de geração alternante. Em certos casos mais excepcionais, a transmissão é realizada por outra geração descendente do parasita hematófago; neste caso está tudo providenciado para facilitar a passagem dos micróbios nos ovos, dos quais sairá a segunda geração. Estas evoluções ulteriores necessitam tempo, e por isso a transmissão não se pode realizar imediatamente, mas somente depois de um período bastante comprido, que tem contribuído muito a escurecer a percepção dos fatos, aliás bastante evidentes.
Há um fenômeno de adaptação curiosíssimo no fato de certos parasitas do sangue limitarem o seu aparecimento na grande circulação às horas em que os insetos transmissores costumam fazer os seus assaltos. O exemplo mais conhecido é o da microfilária noturna, embrião da Filaria bancrofti, e o reconhecimento desta periodicidade e as conclusões tiradas dela inauguram uma nova era no estudo das moléstias infecciosas.
A passagem do sangue do hospedador para o organismo de um inseto hematófago traz um abaixamento considerável da temperatura do ambiente. Sendo esta grande demais, haverá uma interrupção temporária ou definitiva na evolução do parasita ingerido. Por isso se explica que a maior parte dos hematozoários, que vivem alternadamente em animais com sangue quente e artrópodes sugadores de sangue, propagam-se somente em clima quente, ou durante a estação quente nos climas temperados. Também a propagação dos transmissores e a intensidade dos seus instintos sanguinários dependem da temperatura, e o conjunto dos fatos enumerados nos explica o caráter especial da patologia dos países quentes em geral, e a distribuição local de certas moléstias que dependem da fauna local de insetos e aracnídeos sugadores de sangue.
Os parasitas habituais do sangue, cuja propagação depende da passagem no organismo de ectoparasitas hematófagos, pertencem, seja aos protozoários, seja aos metazoários. No último caso trata-se de nematódeos pertencentes ao gênero filária.
O número das espécies conhecidas do gênero filária é muito grande e aumenta de ano em ano. A mesma espécie de vertebrados pode hospedar várias espécies de filária, observadas ora em lugares diferentes, ora na mesma zona, e até no mesmo indivíduo. Isto dá-se com a espécie humana, da qual se conhecem mais filárias diferentes que de qualquer outra espécie, o que se explica, de um lado, por sua disseminação em todos os continentes e zonas; de outro lado, a parasitologia humana por naturais razões tem merecido mais atenção que a dos vertebrados.
Na América do Sul, conhece-se um grande número de vermes parasitários do gênero filária e de outros vizinhos, dos quais muitos não despejam os seus embriões no sangue. Assim mesmo observei, no sangue dos nossos vertebrados, perto de vinte formas embrionárias ou microfilárias, cuja classificação está ainda longe de ser completa, enquanto a evolução, na maior parte dos casos, fica completamente desconhecida. Há aqui assunto para muitos estudos, e as soluções destas questões devem ser interessantíssimas; mas só podem ser obtidas a custo de trabalhos longos e pacientes. Até hoje os transmissores privilegiados parecem as Culicidae ou mosquitos legítimos; mas será preciso experimentar com várias espécies e estudar também o papel de outros sugadores de sangue. Com mosquitos e microfilárias de pássaros tive vários resultados negativos.
Entre os protozoários indubitáveis destacam-se em primeiro lugar os tripanossomas pertencentes aos flagelados. Como parasitas do homem não foram ainda observados entre nós, mas há uma espécie de grande importância econômica: é aquela que causa nos eqüinos uma epizootia muito fatal, conhecida como peste das cadeiras.
Há, agora, vinte anos que fiz as primeiras observações sobre a ocorrência de tripanossomas no Brasil, encontrando-os em pequenos roedores e em batráquios. Nestes últimos anos também foram observados em pássaros e peixes, onde deve haver grande número de espécies, sendo, porém, geralmente pequeno o número de indivíduos encontrados nos animais infeccionados. Há aqui outro assunto para estudos pacientes não só na pesquisa das espécies, mas também na determinação do modo pelo qual se propagam. As poucas espécies, cujo modo de transmissão é bastante conhecido, indicam uma variabilidade insólita nos meios que conduzem ao mesmo fim.
A transmissão por dípteros hematófagos parece ser o mais importante modo de propagação. Assim a tripanossomíase humana, cuja fase terminal constitui a moléstia do sono, é inoculada pela Glossina palpalis e talvez por uma outra espécie (fusca), enquanto que uma outra tripanossomíase africana, a nagana, também se transmite pelas glossinas ou moscas tsé-tsé, das quais se conhecem cerca de dez espécies. Outras tripanossomíases asiáticas e africanas são transmitidas pelas tabanídeas e talvez isso seja também o caso com a peste das cadeiras. Nos pequenos roedores a infecção é atribuída a pulgas ou piolhos hematófagos, e no caso dos peixes parece estabelecido que os intermediários são hirudíneos ou sanguessugas de várias espécies.
Experimentalmente as tripanossomíases podem ser transmitidas de um modo mais direto pela introdução de sangue infeccionado nos vasos ou tecidos de outro organismo suscetível e há algumas observações de infecção de mordeduras que se explicam pelo mesmo modo. Todavia são fatos excepcionais, mas existe uma moléstia, considerada como tripanossomíase, em que a infecção direta é a regra, ficando duvidosa a transmissão por insetos. Trata-se da durina dos eqüídeos, propagada apenas pelo contato das mucosas sexuais. Parece que nesta moléstia a distribuição do parasita no corpo do hospedador é diferente e mais adaptada ao modo de transmissão citado.
Em segundo lugar vêm os hematozoários endoglobulares, classificados geralmente como esporozoários. Os que são causadores das diferentes formas da malária humana em condições naturais são transmitidos somente por mosquitos, e entre estes, segundo os nossos conhecimentos atuais, apenas pelos Anophelidae que são encontrados em todas as regiões onde predomina a malária. O número das espécies é muito grande, mas nem todas têm um papel na propagação da moléstia.
Quanto aos outros parasitas aliados, encontrados em macacos, pássaros e tartarugas, a sua transmissão geralmente não é bastante conhecida; mas sabe-se que certas espécies, parasitas de pássaros, são propagadas por mosquitos do gênero Culex. Quanto às verdadeiras hemogregarinas, cuja afinidade com os esporozoários é muito mais evidente e que vivem nas hemácias de répteis, anfíbios e de alguns mamíferos, o papel de transmissor é atribuído, com mais ou menos fundamento, ora a carrapatos, ora a sanguessugas, ora a pulgas ou piolhos.
Parasitas endoglobulares de forma muito mais reduzida encontram-se nos piroplasmas, cuja posição na classificação zoológica não está ainda bem estabelecida. Tem todavia uma importância capital, por causa dos estragos que produzem entre os bovinos e eqüinos, como também entre os carneiros e os cães de caça; pode até haver mais de uma espécie no mesmo hospedador. A sua ocorrência no gênero humano não está ainda bem estabelecida. Nos bovinos, principalmente, a sua importância patológica não é inferior à do impaludismo no gênero humano.
Nesta categoria de moléstias, a transmissão por carrapatos está bem estabelecida, variando, porém, as espécies transmissoras nas diferentes formas. Na piroplasmose bovina, conhecida como febre do Texas, está bem estabelecido que o parasita passa nos ovos do transmissor, realizando-se a propagação apenas pela segunda geração. A importância da demonstração deste fato singular é fundamental.
Bastariam os processos parasitários já enumerados para mostrar a importância do assunto, mas a lista está longe de ser completa.
Temos ainda de citar as espiriloses, cuja propagação corre por conta das Argasidae, a saber: a espirilose africana do homem, transmitida pelo Ornithodorus moubata e a espirilose das galinhas, propagada pelo Argas miniatus. As outras espiriloses dos bois e cavalos, pela transmissão das quais se responsabilizam, com boas razões, certas ixodídeas, e outras observadas nos gansos e nos camundongos, cujo modo de propagação não está ainda bem estabelecido, como acontece tam bém com a espirilose de Obermeyer ou febre recorrente. Julgava-se que esta última era transmitida por percevejos, mas as experiências, feitas na escola de Liverpool, não confirmaram este modo de ver. Finalmente, não vejo razões para excluir a sífilis e a framboésia das espiriloses (que, na verdade, deviam ser chamadas espiroquetoses porque os parasitas destas moléstias pouco se distinguem das espiroquetas legítimas. Na segunda destas moléstias não se pode excluir a transmissão por insetos, mas o mesmo não se dá em relação à sífilis, cuja propagação se faz evidentemente por contaminação direta, sendo o modo mais freqüente aquele que já citamos em relação à durina. É claro que a contaminação ou inoculação direta, que na maior parte das moléstias citadas ainda se pode realizar pela injeção do sangue parasitado, constitui o caminho mais antigo, mas que hoje, em muitos casos, foi abandonado por outro menos direto.
As espiriloses conduzem-nos diretamente para as moléstias devidas a bactérios, porque, não obstante a tendência atual de ligar as espiroquetas com os tripanossomas, achamos que o seu parentesco com os bactérios é muito mais evidente. É possível que estes últimos também sejam mais aliados aos flagelados que aos cogumelos, mas, em todos os casos, trata-se de formas tão simples ou reduzidas, que a sua classificação não pode ser atualmente resolvida.
Há várias moléstias produzidas por bactérios, em cuja transmissão os ectoparasitas hematófagos parecem ter um papel mais ou menos importante. Mencionarei apenas o carbúnculo maligno ou antraz, a peste, a febre de Malta e a lepra. No antraz, esta transmissão parece ser, antes, excepcional e acidental, havendo outros modos de propagação, nas outras três moléstias este modo de propagação não está ainda cabalmente demonstrado, mas a transmissão direta ou é rara e excepcional, como na peste, ou mesmo, como no caso da lepra, não pode ser obtida, seja por inoculação, seja por convivência em lugar imune.
O micróbio desta moléstia também deixa de crescer nos meios nutritivos, mostrando assim que precisa de condições muito especiais para multiplicar-se. Por estudos feitos há mais de cinco anos, verifiquei que, na regra geral, o bacilo de Hansen não passa no estômago dos mosquitos quando estes picam doentes afebris, mesmo nos próprios tubérculos. Do outro lado, nos períodos febris, existem bacilos no sangue, embora em pequeno número, e estes não podem deixar de ser às vezes absorvidos pelos sugadores de sangue. Assim se explica como, mesmo em lugares favoráveis, muitos doentes deixam de contaminar as pessoas com que convivem, quando outras vezes basta um só indivíduo doente para não somente produzir na vizinhança casos novos, mas até para infectar uma população inteira.
Quanto à febre de Malta, febre do Mediterrâneo ou ondulante, está bem ligada a certas paragens, não se propagando por exemplo na Inglaterra, não obstante o número dos casos levados para lá.
Depois de muitos exames negativos, um médico de Honolulu afirma ter encontrado ultimamente o bacilo de Hansen tanto em mosquitos como em percevejos, e quer considerar estes últimos como transmissores principais. Esta teoria, como tantas outras, cai por si quando se estuda a distribuição geográfica da lepra e do suposto transmissor. Nas próprias Ilhas Sandwich, há 15 anos, verifiquei que os mosquitos eram tão comuns quanto os percevejos eram raros, e os brancos que geralmente usavam de mosquiteiros adoeciam em proporção muito menor, sem gozarem de proteção contra percevejos. Não consta que os países europeus, onde grassa a lepra, tenham mais percevejos do que, por exemplo, as cidades de Paris e Viena que são indenes; mas em todos eles há muitos mosquitos. É provável que duas espécies muito afins de mosquitos domésticos, o Culex fatigans e o pipiens, dividam entre si todo o território onde a lepra é endêmica.
Quanto à peste, ficou definitivamente estabelecido por experiências recentes, feitas na índia, que as pulgas dos ratos podem infeccionar outros pequenos roedores. Diz-se que uma pulga destas, o Pulex cheopis Rothschild, também ataca o homem, mas as pulgas dos nossos ratos nunca mostraram esta disposição, nem mesmo o Pulex brasiliensis, anteriormente descrito por Baker, de exemplares fornecidos por mim, e que deve diferir da espécie de Rothschild, se não for idêntico. De outro lado, verifiquei muitas vezes que a pulga do cão (Ctenocephalus canis), na falta deste animal, ataca com a mesma facilidade tanto os pequenos roedores como o homem, e considero-a como o verdadeiro intermediário. De homem a homem a transmissão pode também ser realizada pelo Pulex irritans. Tendo colhido alguns exemplares deste do cadáver de um pestoso, com muitos bacilos no sangue, consegui isolar uma cultura pura de bacilos de Yersin de excrementos evacuados somente três dias depois. Posto que não seja bem demonstrado que a transmissão se faz pela picada, pode já bastar o contato destes excrementos infeccionados para produzir a moléstia, principalmente se a pele for friccionada em conseqüência de comichão provocada pelas picadas.
Devemos citar ainda as moléstias infecciosas com micróbios desconhecidos. Entre estas há uma, cuja transmissão por picadas de mosquitos está bem verificada. Falamos da febre amarela e de seu transmissor, a Stegomyia calopus, mais conhecida como Stegomyia fasciata, hoje espalhada em todas as zonas quentes onde acompanhou a sua vítima predileta, o homem. A sua pátria verdadeira não está bem estabelecida, mas a história da febre amarela indica como tal as ilhas e o continente da América Central. É provável que haja outras espécies do mesmo gênero ou de outros aliados que possam transmitir esta moléstia; mas até hoje o fato não foi verificado, e nenhuma delas é igualmente espalhada e adaptada a este papel de transmissor. Quanto a uma transmissão direta que se pode realizar tanto nesta moléstia como na malária por injeção de sangue, nunca foi verificada em condições naturais.
De outras moléstias com vírus desconhecido, cuja transmissão foi atribuída a sugadores de sangue, apenas citarei o tifo exantemático, a dengue e a verruga peruviana. Por ora trata-se apenas de meras suposições, e não de fatos observados. Menciono também a febre fluvial do Japão, transmitida por uma acarina; os sintomas ainda ultimamente foram atribuídos a uma secreção tóxica, mas é bem possível que se trate antes de um vírus desconhecido.
Cumpre-me, agora, dizer algumas palavras sobre os artrópodes hematófagos, dos quais, nestes últimos anos, tenho feito um estudo especial. Só tratarei das espécies do Brasil e dos Estados vizinhos, excluindo o território andino e transandino. A maior parte destas espécies era desconhecida, só nas ixodídeas e tabanídeas o maior número das espécies já tinha uma denominação científica. As ixodídeas apresentam um pequeno número de espécies não obstante o grande número de indivíduos observados em certas condições; no homem e nos animais domésticos só encontrei quatro espécies.
Uma destas, o Argas miniatus, transmissor da espirilose das galinhas, não se fixa, pelo menos em estado adulto, na pele destas aves, mas apenas as ataca de noite. (Foi observado no Rio de Janeiro e perto de Campinas, mas, provavelmente, não é indígena e a sua introdução parece datar de pouco tempo.) Pelo contrário, o Boophilus microplus Canestrini encontra-se em todos os estados de sua evolução, fixando na pele dos bois e em geral não ataca outros animais.
Observei duas espécies de Amblyomma, que se encontram no homem e nos animais domésticos, tanto adultos como em estado larval, e que devem ser os transmissores dos piroplasmas eqüinos e caninos. Determinei um como Amblyomma cayennense Koch, e o outro como Amblyomma fossum Neumann, sendo o primeiro mais comum e encontrado também nas repúblicas platinas, onde se acha o mesmo Boophilus, difere das espécies norte-americana, africana e australiana.
Os Acari, Pediculi e Mallophaga são ectoparasitas miúdos, mas o número de espécies é muito grande, ocorrendo formas diferentes em quase qualquer gênero de mamíferos e aves. Os primeiros também se encontram em animais e répteis. Sendo só em parte hematófagos e em geral pouco inclinados a mudar de hospedador, a sua importância patogênica, aliás pouco estudada, não parece estar em relação com a sua freqüência.
Quanto aos outros hemípteros entre nós só conheço duas espécies que atacam o homem: o cosmopolita percevejo comum, também importado nas nossas cidades mas em geral pouco freqüente, e outra espécie muito maior, indígena do Brasil. Esta última, como me afirmaram pessoas fidedignas, é comum no estado de Goiás e as suas mordeduras são dolorosas, sem todavia trazerem conseqüências mais sérias.
Os afanípteros ou pulgas constituem um grupo de insetos modificados pelo parasitismo, e, conquanto afins aos dípteros, não podem ser confundidos com estes. Todas as suas espécies chupam sangue quando adultas; em algumas delas a fêmea fecundada penetra embaixo do estrato córneo da epiderme do hospedador, onde o abdome distendido por sangue e ovos forma uma espécie de quisto. Os ovos maduros são expelidos para fora ou eliminados com o quisto e não se desenvolvem no hospedador. As lesões determinadas são principalmente mecânicas, devidas à pressão do quisto e à atrofia dos tecidos; todavia são acompanhadas de alguma irritação e exsudação. Eliminado o quisto, aparece uma depressão desprotegida que facilmente se enche de terra ou lama e pode servir de porta de entrada a micróbios perigosos, como o do tétano. Deste grupo de pulgas observei três espécies, sendo a mais importante o Rhynchoprion penetrans, conhecido como bicho-de-pé. Este é munido de olhos e ataca muitos animais, inclusive o homem. Outras espécies, cegas, encontrei nas orelhas dos ratos e camundongos e na barriga dos tatus. Além disso observam-se entre nós, em diversos mamíferos, muitas outras espécies, em parte não descritas. Pertencem ao gênero Rhopalopsylla, ultimamente destacado do gênero Pulex por Baker, mas há também espécies dos gêneros Pulex, Ctenocephalus e Typhlophsylla. Estudos mais aprofundados deste grupo prometem resultados interessantes zoológicos e biológicos, principalmente em relação à transmissão dos parasitas.
Quanto aos dípteros, fornecem-nos um número muito maior de sugadores de sangue que todas as outras classes e ordens reunidas. Tenho na minha coleção cerca de 250 espécies do Brasil e das repúblicas platinas que pertencem a famílias nas quais a hematofagia é mais ou menos geral. O maior número, cerca de 150, é fornecido pelas tabanídeas que todas chupam sangue dos mamíferos; destas, apenas 15% pertencem a espécies novas, tendo este grupo despertado a atenção de muitos naturalistas do século passado. De outras moscas citarei duas espécies de Stomoxys, sendo uma importada e outra talvez nova. A primeira, também conhecida como mosca brava, é a Stomoxys calcitrans, espécie cosmopolita acompanhando os cavalos. Há também espécies de pupiparos que vivem entre os pêlos ou penas dos hospedadores e passam por seu estado larval no corpo materno.
Entre os nematóceros ou mosquitos há uma espécie de Simulium, duas de Ceratopogon e uma de Phlebotomus que chupam sangue humano e só em parte foram anteriormente descritas. O papel mais importante entre os transmissores de moléstias toca às culicídeas, ou mosquitos pernilongos. Há cerca de cem espécies no território mencionado; a distribuição desta é geralmente mais extensa que a das tabanídeas, mas, como para os outros dípteros, os Andes formam uma barreira absoluta. Entre eles há sete ou oito gêneros da subfamília dos anofelinos, representados por dez espécies; e conquanto nem todos tenham importância como transmissores de malária, explica-se facilmente a prevalência desta infecção em muitas regiões do território. Das outras espécies, as que chegam a incomodar seriamente o homem não excedem o número de vinte; ainda assim há assunto para muitos estudos em determinar as espécies que servem de transmissores de moléstias importantes.
Mais da metade das espécies tem larvas fitófilas e só se criam na água acumulada em certas plantas, de preferência silvestres; neste caso, os adultos encontramse apenas nas matas, e entre estas há uma espécie transmissora da malária que cria-se em bromeliáceas. As espécies domésticas, pouco numerosas, são importantes porque incluem o Culex fatigans, propagador da filariose e talvez da lepra, e a Stegomyia calopus, transmissora da febre amarela.