Notas dipterológicas. Contribuições para o conhecimento dos dípteros sanguessugas do noroeste de São Paulo e do estado de Mato Grosso (com a descrição de duas espécies novas)*

I. Culicidae

Em excursão que fizemos ao noroeste de São Paulo, em fins de 1908, fizemos uma coleção de culicídeos, contendo as 23 espécies seguintes: Cellia albimana Wied., argyrotarsis Rob.-Desv., brasiliensis Chagas, Manguinhosia lutzi Cruz, Ianthinosoma albigenu Lutz, discrucians Walk., lutzi Theo., Culex cingulatus Fabr., scapularis Rond. (= confirmatus Arr.), Protoculex serratus Theo., Taeniorhynchus albicosta Chagas, fasciolatus Arr., juxtamansonia Chagas, Mansonia titillans Walk., Chrysoconops fulvus Wied., Melanoconion indecorabile Theo., Stegoconops leucomelas Lutz, Sabettus albiprivatus Lutz, longipes MacQ., Sabettinus intermedius Lutz; além destas, temos que acrescentar uma nova espécie, Culex albipunctatus.

A zona percorrida, em extensão aproximada de quinhentos quilômetros, não deu maior número de espécies, principalmente pelo fato da completa ausência de certas bromeliáceas e bambusáceas, criadouros exclusivos de grande número de espécies.

Recebemos outra coleção trazida pelo Sr. Julio Cezar Diogo que a formou emzona muito distante de Mato Grosso, nas lagoas de Mandicoré e Guaíba, Forte Coimbra, Cuiabá e arredores, entre os meses de junho e agosto de 1908. Os numerosos exemplares pertenciam às nove espécies seguintes, das quais uma era nova:

Anopheles mattogrossensis n. sp., Celia argyrotarsis Rob.-Desv., Ianthinosomadiscrucians Walk., Stegomyia calopus Meigen, Culex fatigans Wied., Mansonia titillans Walk., Aedeomyia squamipennis Arr. e a espécie de Psorophora, geralmente classificada como ciliata Fabr.

A presença das Cellia brasiliensis e Manguinhosia lutzi indica um clima mais quente no noroeste de São Paulo e em Mato Grosso, como existe no norte de Minas Gerais, onde foram encontradas em primeiro lugar.

Das espécies novas que descrevemos, uma é paulista, o Culex scutipunctatus, mas, provavelmente, se estenderá a Mato Grosso, porquanto foi encontrada em Itapura, às margens do Tietê, 15 quilômetros apenas distante do Paraná, cuja margem direita pertence a Mato Grosso.

A outra nova espécie é anofelina e foi capturada na lagoa de Manicoré, não parecendo ser espécie muito abundante nesta região, pelo menos no mês em que foi colhida, porque apenas um exemplar foi apanhado.

Em Itapura o Chrysoconops fulvus Wied. é muito abundante, de modo que foi freqüentemente observado por um de nós (Neiva) em ocasião posterior. é mosquito diurno, como Lutz observou também em outros lugares, e dotado de enorme voracidade, que se repleta de sangue a ponto de custar a voar depois de farto.

Damos em seguida a descrição das duas espécies novas:

Anopheles mattogrossensis n. sp.

Comprimento, 5mm.

Probóscide um pouco menor que o abdome, preta, com pêlos curtos e escamas obovais curvadas; palpos de cor escura sem anéis visíveis, com abundantes escamas espatuladas e obovais, bastante compridas e eretas; toros das antenas com fundo ocráceo, quase totalmente enegrecido.

Occipício com fundo preto e escamas eretas, obovais e espatuladas, de cor escura; entre os olhos há pêlos com brilho dourado, bastante compridos e inclinados para diante; atrás há também algumas escamas estreitas e curvadas em retroversão. Lobos protorácicos bastante salientes e com algumas escamas eretas, parecidas com as do occipício.

Mesonoto com um fundo escuro no meio, pardo ocráceo para os lados, com estrias longitudinais indistintas; há restos de escamas muito estreitas e curvadas, de cor dourada, bastante parecidas com pêlos curtos; nas pleuras há escamas semelhantes, porém de cor mais clara; escutelo com fundo enegrecido, mas com brilho prateado; há indícios de ter havido pêlos maiores numa série marginal simples.

Metanoto escuro com ligeiro brilho esbranquiçado.

Abdome na sua totalidade de cor de piche e com alguns reflexos prateados, revestido de pêlos numerosos; no primeiro e nos últimos segmentos são mais abundantes na face dorsal, enquanto nos outros acompanham principalmente as margens laterais; não há evidência de escamas na face dorsal; na ventral há vestígios de escamas alongadas, estreitas e pouco compridas.

Pernas escuras com brilho bronzeado e com anéis indistintos nas articulações, onde ocupam o ápice do segmento proximal.

Asas bastante escuras, principalmente na costa, onde há duas manchas de cor mais clara, amarelo-pardacento; há um risco branco-amarelado transversal e subapical, formado por um grupamento de escamas de cor creme; há outras, distribuídas de modo um tanto irregular, sobre as nervuras longitudinais, que apenas se distinguem a olho nu; a forma das escamas é de oboval muito alongado e bastante pontiagudo. 1a célula forquilhada bastante comprida, de comprimento três vezes maior do que o pedúnculo; a 2a célula pouco mais curta, quase igual ao pedúnculo; as nervuras transversais, pouco distintas, parecem formar uma linha quase ereta.

Halteres enfuscados com pedúnculo pálido.

Descrito de um exemplar muito imperfeito, apanhado em agosto de 1908 na lagoa de Manicoré pelo Sr. Julio Cezar Diogo.

Culex scutipunctatus n. sp.

Comprimento 5mm.

Probóscide com anel largo, branco-amarelado, ocupando o terço médio; palpos pretos, com a extremidade esbranquiçada; antenas com toro ocráceo, bastante enegrecido; flagelo e verticilos de cor pardacenta, os pêlos menores com brilho prateado; clípeo preto; occipício com fundo escuro e escamas eretas, estreitas e bifurcadas, principalmente dos lados, e pêlos pretos compridos, inclinados para diante; entre estes há escamas estreitas, compridas e curvadas, de cor creme; na região mental existem algumas escamas curtas, chatas e espatuladas.

Mesonoto com fundo escuro e escamas bronzeadas bastante escuras; estas são muito estreitas, e entre elas há grupos de escamas brancas que, a olho nu, aparecem como manchas cinzentas sobre fundo castanho aveludado.

Escutelo com as mesmas escamas estreitas e curvadas, de cor branca e com pêlos escuros.

Pleuras e coxas com pequenas escamas lanceoladas de cor branca.

Metanoto castanho, bastante claro.

Abdome, em cima de cor preta, e brilho azulado, com escamas escuras e muitos pêlos escuros, mais compridos nas margens; o primeiro segmento um pouco saliente, com grandes pêlos de brilho dourado e em cima um grupo central de escamas brancas de forma oboval estreita; no dorso dos segmentos há uma faixa apical das mesmas escamas, sendo porém largamente interrompida na linha mediana. Do 4° segmento para diante aparecem algumas manchas formadas por escamas brancas, na parte mediana e sub-basal dos segmentos, porém, sempre limitado às regiões laterais; fica assim uma estria mediana escura visível a olho nu. Embaixo encontram-se escamas branco-amareladas, misturadas com outras escuras, em toda a extensão dos segmentos; o último anel não tem escamas de cor clara.

Pernas: no 1° par o fêmur e a tíbia são escuros, mas salpicados de pequenas escamas de cor branco-amarelada que formam um anel subterminal no fêmur e terminal na tíbia, tarso com quatro ou cinco anéis branco-amarelados; 2° par com fêmur branco nos 2/3 basais do lado inferior, anel branco subterminal e algumas escamas brancas irregularmente esparsas; joelhos marcados em cima com mancha branca, como também no 1° e 3° par; tíbia salpicada de manchas brancoamareladas; metatarso e tarsos com seis anéis brancos. O último par tem o fêmur, em cima e dos lados, preto com escamas brancas isoladas; embaixo formam estas uma camada quase uniforme; há também um anel subterminal; tíbia e resto do pé como no 2° par. As pernas geralmente mostram muitos pêlos rijos, bastante espaçados, mais aconchegados nos fêmures. Unhas nos dois primeiros pares iguais, longas e simples; no 3° par um pouco menores.

Asas com escamas de Culex, escuras e claras; intimamente misturadas, sendo o número das brancas um pouco menor; 1° célula forquilhada bastante comprida, um pouco maior do que seu pedúnculo; a 2° célula forquilhada muito mais curta; as nervuras transversais A e B formam um ângulo muito obtuso, C acha-se mais perto da base por duas ou três vezes o seu comprimento. Halteres inteiramente de cor branco-amarelada, com brilho ouro-mate.

Descrito de duas ♀♀ capturadas em janeiro nas margens do Tietê logo acima de Itapura.

Recebemos mais um lote de mosquitos do Sr. Dr. Pedro Martins. Colheu-os em dezembro de 1910, no km 136 da porção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil que principia no Porto Esperança, nas margens do rio Paraguai, e perto de Corumbá (sudoeste de Mato Grosso). A coleção continha:

1. Cellia sp. ♂♂ e ♀♀ duma Cellia muito pequena, parecida a C. albimana, mas talvez diferente.

2. Psorophora sp. Algumas ♀♀. A espécie é geralmente classificada como P. ciliata F. mas parece diferente. A questão será discutida em outro trabalho.

3. Chrysoconops fulvus Wied. 5 ♀♀

4. Aedeomyia squamipennis Arr. 2 ♂♂, 1 ♀.

5. Culex scapularis Rond. (= confirmatus Arr.) sete exemplares dos dois sexos.

6. Mansonia titillans Walk. 1♀.

7. Ianthinosoma musica Say 2 ♀♀.

8. Ianthinosoma discrucians Walk. Muitas ♀♀.

Todas as espécies são palustres e perseguem muito o homem, com exceção da Aedeomyia que é apenas atraída pela luz. Faltam espécies fitófilas.