Contribuição para o estudo das ceratopogoninas hematófagas do Brasil

Parte sistemática. Segunda memória*

As ceratopogoninas hematófagas por mim observadas no Brasil são todas pequenas. A maior parte tem asas manchadas e pertence ao gênero Culicoides Latreille; algumas têm asas hialinas, igualmente cobertas com pêlos bastante densos e escuros. Por estas espécies que têm também o corpo e as pernas de cor uniforme e escura estabeleci o gênero Centrorhynchus que se distingue de Ceratopogon sensu strictiori por ter todos os estiletes bem desenvolvidos. A sua evolução não é conhecida e tampouco se conhecem espécies marinhas, como são observadas entre os Culicoides e outros gêneros.

As várias espécies de Culicoides são bem caracterizadas; as diferenças, posto que minuciosas, são claras e assaz constantes. Realmente basta uma comparação cuidadosa das asas para distinguir as espécies. Para este fim são necessárias boas estampas, que procurei dar de todas as nossas espécies, reproduzindo ao mesmo tempo as que já foram publicadas de espécies exóticas. Assim se pode dispensar uma descrição, que é difícil e não dá uma idéia bem clara. Duas espécies do gênero Culicoides não foram observadas no ato de chupar sangue, mas têm os estiletes completos e bem desenvolvidos, o que, junto com os outros caracteres, garante a sua posição. Quanto aos outros gêneros, que contêm espécies hematófagas, não pareciam existir entre nós: ultimamente, porém, recebi do dr. Astrogildo Machado uma nova espécie de Tersesthes do rio Tocantins.

Passo à descrição das nossas espécies, entre as quais só encontrei três que já receberam nomes e uma destas tinha sido fornecida por mim. Darei as indicações necessárias para completar as descrições já publicadas.

Gênero Culicoides Latreille

(Veja também a definição na parte geral)

Caracteres gerais: Pequenas espécies pouco pilosas com os caracteres gerais das Ceratopogoninae. O corpo mede em comprimento de um pouco abaixo de 1 até um pouco acima de 2mm; sua cor geralmente é castanha ou enegrecida, raras vezes mais clara, cor de mogno. Tromba subcilíndrica, com labelos pequenos, tendo todos os órgãos bem desenvolvidos; os da fêmea são maiores e apropriados ao ato de picar. Antenas com o toro escuro e geralmente maior no macho; o flagelo mais claro, tendo no artículo terminal uma cerda apical ou subapical; o penacho do macho quase alcança a ponta da antena. Palpos de cinco artículos, o primeiro menos destacado do que os outros; o terceiro espessado e quase sempre munido de um órgão escavado, contendo cerdas ou bastonetes pequenos e situado no meio ou na metade apical; no primeiro caso o artículo tem a forma ovóide. último segmento com algumas cerdas apicais.

O escudo, freqüentemente deformado pela dessecação, apresenta às vezes desenhos característicos. O abdome geralmente um pouco mais escuro na região dorsal, mas sem caracteres distintivos. As asas pouco mais compridas e largas no sexo feminino com a nervura característica; a costa passa um pouco da metade ou aproxima-se do ápice, alcançando 3/5, 3/4 ou 2/3; as nervuras finas pouco distintas, muitas vezes tarjadas de escuro e ladeadas de fileiras de pêlos, o fundo com grande número de pêlos microscópicos e outros maiores mais raros, às vezes limitados à borda apical e franjas marginais; mostram sobre o fundo enfumaçado algumas manchas escuras e outras hialinas, produzindo um aspecto muito característico, principalmente em certa iluminação, quando o fundo se torna azulado e as manchas amareladas ou douradas. Halteres compridos, de forma simples e geralmente de cor muito clara. Pernas ocráceas, acinzentadas ou enegrecidas, às vezes com manchas ou anéis escuros ou claros; no ápice da tíbia I há sempre um pequeno esporão, ora claro, ora escuro; ápice da última tíbia um pouco alargado, com dois espinhos curtos e escuros, seguidos de um pente de outros mais compridos; unhas simples. Os machos, pouco menores do que as fêmeas, com que se parecem, não chupam sangue. As dimensões do corpo são influenciadas pela conservação; é preferível registrar as das asas, que regulam em comprimento de 0,8 para 1,5 e em largura de 0,36 para 0,5mm. As espécies são caracterizadas pelas asas, contribuindo a forma dos palpos, o desenho do escudo e das pernas, assim como os hábitos para uma determinação mais rápida.

1- Culicoides maruim n. sp.

♀ Cor geral enegrecida; comprimento do corpo cerca de 1,75; das asas cerca de 1,4mm, por 0,65 de largura.

Tromba castanha; palpos pardo-acinzentados, o artículo basal curto, o segundo comprido, subcilíndrico, o terceiro em forma de fuso truncado nas extremidades, sem depressão apreciável, os últimos relativamente curtos, cilíndricos ou ovóides. Antenas pardo-acinzentadas, o toro pardo-ocráceo, segundo e último segmentos mais compridos do que os vizinhos, o último com pequena cerda apical. Occipício com pêlos maiores. Olhos escuros com pigmento vermelho.

Tórax pardo (na preparação microscópica cor de mogno); o escudo, com duas faixas longitudinais indistintas e o metanoto um pouco mais escuros, o escutelo um pouco mais claro.

Abdome pardo, com indicação de uma faixa dorsal, formada de manchas mais escuras.

Pernas inteiramente pardo-ocráceas nas preparações e enegrecidas nos exemplares secos. Esporões das tíbias anteriores pardo-amarelos, tíbias do meio com ápice hialino, inermes; as posteriores têm no ápice pouco dilatado um ou dois espinhos curtos e escuros, sucedidos por um pente de espinhos claros, primeiramente compridos e tornando-se gradualmente mais curtos.

Asas pontilhadas de pêlos microscópicos pretos, um pouco mais claros nas zonas hialinas; os pêlos maiores, distribuídos entre as nervuras, muito caducos e deixando no cair um resto que aparece como escâmula microscópica. A costa, que ocupa 5/7 da margem anterior, as nervuras longitudinais e transversal oblíquas marcadas de cor escura. As manchas hialinas de percepção menos fácil do que em outras espécies. Perto do ápice há uma mancha parda com direção oblíqua.

Halteres claros na base, tornando-se pardo-acinzentados na extremidade.

O macho se distingue apenas pelos caracteres sexuais e pelas dimensões menores. Pode ser apanhado à luz ou nas janelas dos quartos.

Esta espécie é o verdadeiro maruim dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, mas a sua zona estende-se muito mais longe. Na Bahia é comum na zona do mangue. Recebi de Washington exemplares de Trinidad determinados como C. phlebotomus Will., o que certamente é um erro. é sempre periódico e próprio da vizinhança do mangue, aparecendo às vezes com tanta abundância, que as outras espécies parecem raras, comparadas com ela. Pica indiferentemente pessoas e animais maiores, cavalos, mulas, bois e cães, atacando também pássaros e animais menores.

As larvas são difíceis de achar; vivem sem dúvida no mar, mas muito escondidas no lodo; os casulos são encontrados vazios e, às vezes, ainda cheios na superfície do lodo ou boiando; deitadas sobre areia úmida, dão a imago característica. Todavia a sua procura dá muito trabalho e o resultado não está em relação com a grande abundância com a qual os adultos aparecem nas mesmas ocasiões. Obtive a postura in vitro , mas nunca a observei no mangue. Os ovos de forma de banana são postos isoladamente e tornam-se completamente negros. O casulo, na sua forma geral, se parece com os das outras espécies.

A imago se caracteriza pela cor enegrecida, as pernas escuras, o desenho das asas, e principalmente, a falta de um órgão palpal distinto.

2. Culicoides reticulatus n. sp.

♀ Cor geral ferrugínea pardacenta. Comprimento do corpo cerca de 1,5, da asa cerca de 1,2mm. Antenas com o toro castanho sobre uma saliência pilosa, muito grande, o flagelo da forma de costume; tromba castanha com algumas cerdas, palpos com artículo basal curto e pouco destacado, segundo e terceiro segmentos duas vezes mais compridos do que os dois últimos, todos de forma subcilíndrica, apenas o terceiro dilatado e fusiforme, com escavação esférica muito distinta na base da metade terminal; olhos escuros, occipício, com algumas cerdas escuras.

Tórax em geral pardo-ferrugíneo; sobre o escudo e invadindo as pleuras existe uma coloração pardacenta, incluindo várias manchas redondas ou ovais de cor ferrugínea; quatro destas, situadas na parte posterior, são dispostas como uma folha de trevo com quatro folíolos. Escutelo manchado, prevalecendo o claro sobre o escuro; metanoto escuro. Este desenho é muito característico, mas pode ser difícil de apreciar, tratando-se de exemplares antigos de cor bastante escura ou de preparados microscópicos.

Todas as pernas ocráceas com cerdas e pêlos pardos, as extremidades articulares do joelho pardo-enegrecidas, com anéis claros dos dois lados; há outro anel claro na extremidade posterior da tíbia do último par. Unhas simples. Tíbias do primeiro par com esporão terminal longo, de cor clara, as do meio inermes, as últimas com ápice dilatado, tendo adiante dois espinhos curtos e pretos, seguidos de um pente de espinhos mais claros e compridos, diminuindo gradualmente.

Asas com espinhos escuros, extremamente curtos e finos, que nas partes claras parecem deficientes ou muito reduzidos; na parte apical com numerosos pêlos mais compridos que, quando caem, deixam pequenas escâmulas. As outras particularidades ressaltam do desenho (Fig. 2).

Halteres amarelos, com mancha escura na extremidade.

Os machos mostram apenas as diferenças usuais.

A espécie foi encontrada no Rio de Janeiro, em Santos e na Bahia. As larvas e casulos são encontrados exclusivamente nos buracos de guaiamu, situados na margem do mangue e contendo água mais ou menos doce. A imago pode sair do casulo boiando e aparece muito na luz. A fêmea também pica pessoas, de preferência certos indivíduos, quando estes se acham perto do mangue. Ataca também cavalos e bois. Não mostra periodicidade bem acusada e não se afasta muito do mangue.

A cor mais amarela do mogno, o desenho característico do escudo, visível já com aumento fraco e a conformação dos palpos permitem reconhecer facilmente esta espécie.

3. Culicoides insignis n. sp.

♀ Cor geral pardo-enegrecida; comprimento do corpo pouco menos de 2, da asa 1,5mm. Antenas pardo-acinzentadas; o toro pardo-avermelhado, de tamanho regular, a base dos segmentos um pouco mais clara. Palpos castanhos, o primeiro segmento curto, como também o quarto e o quinto; o segundo e terceiro mais compridos, este último um tanto dilatado, a abertura do órgão palpal no meio da metade apical e dirigida para diante. Tromba castanha, do comprimento dos palpos.

Tórax pardacento, em cima três estrias escuras, formando um “m” fechado por diante.

Abdome pardo, mais escuro em cima e com pêlos maiores no ápice.

Pernas pardo-amarelas, as tíbias e o último fêmur mais escuros; os pares anteriores com os joelhos mais claros, amarelados, a tíbia de trás nas duas extremidades com zona bastante larga de cor amarela; unhas simples com ângulo um pouco saliente. Tíbia I com esporão comprido e escuro, II inerme, III um pouco alargado no ápice com um espinho curto e escuro seguido de alguns mais compridos e claros.

Asas em geral bastante escuras com desenho muito característico; as zonas claras em forma de manchas ou estrias. Na costa três manchas escuras. Nervuras normais e espúrias marcadas de escuro, a veia transversal oblíqua e em parte largamente marcada de preto.

Halteres pardo-amarelados, a base mais clara.

O macho se distingue pelos caracteres de costume, a parte basal da pinça anal muito grossa.

A espécie se reconhece facilmente a olho nu pelo tamanho maior e as asas muito variegadas. As fêmeas picam o homem, mas não com muita freqüência e atacam também os bovinos; ambos os sexos são apanhados à luz com bastante facilidade. Podem também ser obtidos em aparelhos que cobrem o fundo do mar, a seco nas marés pequenas. Ocorrem no Rio de Janeiro e na Bahia, onde pareciam mais abundantes.

As ninfas são maiores que as ninfas das outras espécies; as pontas terminais são dirigidas para trás e têm a extremidade preta. A região do clípeo com espinhos finos e curtos.

4. Culicoides pusillus n. sp.

♀ Cor geral parda. Comprimento do corpo 1,2, da asa pouco mais de 0,8 para uma largura de quase 0,4mm.

Cabeça parda. Palpos e antenas mais acinzentados, apenas o toro desta mais escuro, quase preto; segmentos dos palpos como de costume, apenas o terceiro pouco dilatado, com a abertura circular do órgão na base da metade apical. Os estiletes bem desenvolvidos.

Tórax pardo, em cima mais escuro, mas aparentemente sem desenho característico.

Abdome pardo na sua totalidade.

Pernas de pardo-amarelado diluído, marcadas de escuro nas articulações e principalmente nos joelhos. Os trocanteres e a base dos fêmures claros, dos dois lados dos joelhos anéis claros, faltando apenas no ápice do fêmur de trás. Unhas e ápice das tíbias como de costume, as primeiras com esporões claros.

Asas com a largura alcançando quase a metade do comprimento; a costa terminada pouco além da metade (7:6); mancha do estigma, larga, curta e bastante escura; as manchas claras pouco vistosas; pêlos maiores apenas na margem apical.

Halteres muito claros em todo o comprimento.

(Descrito de preparados microscópios):

Os machos se distinguem pelos caracteres de costume.

A espécie é, certamente, marinha, mas parece rara e, até hoje, só foi encontrada em Manguinhos. Uma ♀ foi colhida no ato de picar; outros exemplares foram apanhados à luz ou criados da lama do mangue. Numa ocasião apareceram vários machos e fêmeas nas janelas de um quarto, no qual tinha ficado aberto, por bastante tempo, um balde cheio de lodo do mangue.

A espécie se distingue das outras marinhas pelo tamanho pequeno e as asas características. Embora um tanto aberrante, deve ser considerada como espécie de Culicoides .

5. Culicoides maculithorax Williston

Esta espécie foi descrita por Williston com o nome genérico de Ceratopogon, servindo de tipo um único exemplar proveniente de São Vicente (Antilhas). Examinei dois exemplares procedentes do Museu de Washington; foram determinados como Culicoides (Oecacta) furens Poey e levam o rótulo Isl. of Pines, Columbia (é a ilha de Pinos perto de Cuba). Combinam tão bem com muitos exemplares colecionados aqui e caracterizados por várias particularidades que não pode haver dúvida sobre a identidade da espécie. Visto isso também não se deve hesitar em identificá-los com a espécie de Williston, porque as diferenças são insignificantes, levando em conta que se trata de um só exemplar e este conservado durante bastante tempo. Trata-se evidentemente de uma espécie marinha que deve encontrar as mesmas condições numa zona muito vasta. A comparação com a descrição original exclui a identidade com a espécie de Poey. Dou aqui uma tradução da descrição de Williston, seguida de uma que fiz independentemente antes da identificação.

Ceratopogon maculithorax n. sp. (E. IX, fig. 36, asa)

♀ Asa com o ápice piloso, nervura III contígua com I, terminando no meio da asa ou perto desta. Nervura IV com prefurca pouco distinta; metatarsos do comprimento de todos os segmentos seguintes. Tromba, palpos, face, fronte e artículo basal das antenas pardo-amarelados; tromba delgada; segundo segmento dos palpos intumescidos; antenas amarelas, mais curtas do que o tórax. Mesonoto opaco, cinzento-amarelado com muitas manchas arredondadas, pequenas, pardo-escuras sobre fundo cinzento-amarelado; pêlo escasso e pouco comprido. Escutelo amarelo nos lados, pardo no meio. Halteres amarelo-claros. Pleuras pretas e amarelas com ligeira pruína cinzenta. Pernas amarelas; todos os fêmures e as tíbias do primeiro e último par com anel enegrecido largo; ápice extremo dos fêmures também enegrecido. Asas com desenhos pardo-claros e manchas e estrias hialinas ou alvacentas; uma mancha enegrecida na extremidade das nervuras I e III. Comprimento 2mm. – Um exemplar.

Descrição de exemplares de Manguinhos feita por mim:

Espécie pequena e escura com os caracteres do gênero. Comprimento do corpo 1,4, da asa pouco mais de 1mm.

♀ Cabeça e antenas cinzento de ardósia, o toro das antenas e o occipício mais escuros. Palpos: Segmento I curto, II um pouco mais comprido, subcilíndrico, III um pouco mais curto, intumescido, o órgão na metade apical com a abertura dirigida para diante, IV e V curtos, a soma dos comprimentos igual ao do II; IV um pouco mais grosso e V um pouco mais comprido. último segmento da antena com cerda apical curta.

Escudo: com fundo pruinoso cinzento-amarelado, apresentando uma tarja escura e visto de lado duas estrias longitudinais largas e escuras; dos lados da linha média cerca de vinte manchas redondas, muito escuras. Os desenhos se modificam conforme a incidência da luz, como se observa no dorso do abdome de muitas mucidas. Pronoto como o escudo, de cada lado uma mancha redonda e uma tarja escura; escutelo com aparência igual e muito proeminente. Pleuras e esterno de cinzento de ardósia escuro.

Abdome de cinzento de ardósia escuro, fortemente anelado.

Pernas: as coxas e trocanteres claros, cinzento-amarelados, com pêlos escuros; nas articulações a parte superior com tarja apical estreita e escura; todos os fêmures e tíbias um pouco mais escuros; os joelhos todos escuros, tendo dos dois lados um anel largo branco-amarelado.

Asas muito variegadas com manchas escuras e claras, pêlos escuros e nervuras pardas e tarjadas de pardo, na costa há uma mancha escura bastante estreita, subquadrática. Um grupo de três manchas claras na margem anterior é muito característico.

Halteres claros, um pouco mais escuros na parte terminal.

Na preparação microscópica as pernas parecem mais claras e todas as partes mais amareladas, desaparecendo quase completamente o desenho singular do escudo.

O macho se distingue pelos caracteres sexuais primitivos e secundários; é um tanto menor e mais claro, porém mais piloso. Os apêndices genitais muito desenvolvidos, do comprimento dos três anéis anteriores.

Obtive numerosos machos e fêmeas, cobrindo o lodo do mangue, exposto durante o tempo das marés pequenas, por meio do aparelho descrito na parte geral. As fêmeas não parecem ser ávidas de sangue humano.

6. Culicoides paraensis Goeldi

Como já declarei, de acordo com a suposição de outros autores, a espécie, descrita por Goeldi sob o nome de Haemotomyidium paraense é um Culicoides típico, sendo por isso supérfluo reproduzir a definição do seu gênero que, além de ser incompleta, é inexata no que se refere à nervatura das asas. Depois de muitos esforços, só neste ano consegui obter bastante material (pela maior parte bem conservado em meio líquido) desta espécie que pode ser reconhecida pela descrição e as figuras, tanto mais que se trata de um hematófago comum e bem conhecido na zona. Concordam não somente os desenhos característicos da asa e das pernas, mas também a forma do terceiro segmento palpal, visível na figura e que é claviforme, correspondendo à situação do órgão palpal, cujo orifício está perto do ápice. A disposição das nervuras da asa também corresponde ao tipo comum de Culicoides ; o que Goeldi considera como quarta nervura longitudinal simples nascendo da base das asas, na realidade, é o ramo posterior da forquilha da quarta nervura, cuja base é pouco nítida nas preparações microscópicas. Nos exemplares secos reconhece-se claramente que o fundo do escudo é finamente granulado e de cor cinzento-amarela com três faixas longitudinais escuras de forma um tanto irregular.

Goeldi se inclina a considerar a sua espécie como marinha, o que me levou a compará-la com as conhecidas espécies de mosquitinhos-do-mangue, sem encontrar nenhuma igual.

Tenho, todavia, exemplares do interior do estado de São Paulo (Piedade, perto de Tietê) que não podem ser distinguidos do C. paraensis . Das informações dos colecionadores também resulta claramente que só aparece no tempo das chuvas, enquanto nos climas quentes as espécies marinhas, posto que periódicas, são observadas em todos os meses do ano. Durante os meses secos não consegui obter material do Pará, embora fosse procurado assiduamente pela comissão de febre amarela, trabalhando nas condições mais vantajosas. Com o período de chuva adiantado recebi do sr. A. Ducke material de vários pontos do estado do Pará, e do dr. Astrogildo Machado mais exemplares do rio Tocantins; somente em janeiro os mosquitinhos apareceram em grande número. A suposição do sr. Ducke de que eles se criem na água de inundação, em vista disso, não deixa de ter bastante probabilidade.

Dou, em seguida, a descrição do sr. Goeldi, copiada do original.

Haematomyidium paraense nov. sp. Goeldi (1905)

Habitat geral da imago feminina (♀) visível na Fig. 143. Colorido em vida um azulado cinzento. A asa é atravessada de cima para baixo, por quatro séries de grandes espaços claros redondos (janelas) em campo geral ligeiramente escuro. Estas conspícuas janelas disseminadas sobre os intervalos entre as veias da parte distal da asa conforme o esquema 2, 3, 3, 3 (de fora para dentro), enchendo quase os respectivos vãos. Campo das asas crivado de pequeníssimos cabelos curtos, entre os quais se percebem algo maiores, regularmente acompanhando o percurso longitudinal das veias; circunferência guarnecida de cabelos um pouco mais fortes, os mais robustos encontrando-se na margem ântero-medial. Fitas claras transversais através das articulações trocanter-fêmur e fêmur-tíbia dos dois pares de pernas anteriores (I e II) e uma fita clara através da parte medial da tíbia do terceiro par (III), perto da articulação tíbio-femoral. Um forte espinho lanceolado pelo lado externo da tíbia, na articulação tíbio-tarsal. Dimensões: Comprimento total: 1,54 mm. Comprimento da antena: 0,5mm. Largura do tórax: 0,4mm. Comprimento do abdome: 0,93mm. Maior largura do abdome: 0,48mm. Comprimento da asa: 0,83mm. Largura da asa: 0,36mm.

Pequena mosca invadindo as casas, impertinentíssima chupadora de sangue; picada dolorosa, produzindo regularmente uma zona circular inflamada bastante grande. Freqüente na época das chuvas, sobretudo nas horas de maré baixa, o que parece apontar para uma criatura litoral do Pará e arredores.

(Observo que a tíbia do último par tem um anel basal e o ápice claros, o que está de acordo com a estampa, mas não com a descrição de Goeldi, na qual se parece ter introduzido um erro. O esporão comprido está, como sempre, na tíbia do primeiro par.)

Aditamento: a espécie combina em muitos pontos com C. stellifer Coq., mas uma comparação minuciosa com a descrição e a estampa não permite identificála. O desenho do toro é difícil de descrever; parece um pouco variável e modificase muito conforme a incidência da luz. Em exemplares conservados só excepcionalmente aparece distinto. Ao passo que a espécie de Coquillett mostra no dorso do abdome duas séries de pontos escuros, o paraense pode apresentar no mesmo lugar manchas transversais retangulares de cor escura.

7. Culicoides guttatus Coquillett

♀ Esta espécie foi descrita de exemplares mandados por mim e colecionados em Cachoeirinha, na serra da Cantareira, perto de São Paulo. A espécie é caracterizada pelo tamanho grande e o desenho esquisito da asa que se percebe na estampa e do qual a descrição minuciosa de Coquillett não consegue dar uma idéia clara. O escudo finamente granuloso tem a parte anterior ocrácea ou amareloclaro, para trás há manchas, ora pretas, ora branco-nacaradas, mudando de aspecto e forma segundo a incidência da luz. A margem do escudo é de cor clara; o escutelo preto com margem branca; o protórax tesselado de branco e preto. As asas podem aparecer distintamente amareladas. As pernas pardas têm os joelhos e as duas extremidades da tíbia de trás mais claras. Os palpos são finos, o terceiro artículo um pouco dilatado em forma de clava, com órgão escavado perto do ápice, nem sempre distinto. Esta espécie foi também encontrada em Xerém, no estado do Rio de Janeiro pelo dr. Neiva; costumava aparecer em casa. Apanhei-a também numa altura de 1.200 metros na Fazenda Bonito (serra da Bocaina), em cavalos nos quais procuravam o pescoço, ora em janelas onde eram atraídas pela luz. Não se pode considerar freqüente; os machos não foram encontrados.

Os primeiros estádios são desconhecidos.

Dou, em seguida, a tradução da descrição de Coquillett:

Ceratopogon guttatus nova espécie.

Preto, antenas, e porção apical dos tarsos amarelo-pardacentas; mesonoto pardo-amarelado, ombros, escutelo e uma porção apical estreita das tíbias amarelados, halteres esbranquiçados, todos os pêlos amarelos; antenas bastante mais longas do que a cabeça e o tórax reunidos; mesonoto opaco, com pruína amarela, a parte posterior com pruína branca; abdome opaco; pernas delgadas, sem espinhos, com alguns pêlos bastante compridos nas tíbias, o primeiro segmento dos tarsos posteriores quase duas vezes mais comprido do que o segundo; o penúltimo quase duas vezes mais longo do que o último, unhas iguais, pequenas, empódios faltam; asas com a metade apical pilosa, base da asa até aos ápices da primeira e quinta nervura brancohialino e marcada com cerca de oito manchas cinzentas, uma subtriangular, estendendo-se da costa até a nervura quarta um pouco antes da transversa pequena, uma subquadrada, correndo da costa até a terceira nervura um pouco antes do ápice da primeira nervura, um risco sobre a nervura transversa pequena e outro sobre a quarta nervura a pouca distância desta, uma mancha pequena no lado superior da quinta nervura pouco além do meio e uma mais larga do lado inferior antes do meio, uma mancha larga seguindo a margem posterior da célula axilar perto do meio e uma curvada no ápice desta célula; resto da asa cinzento, uma larga mancha esbranquiçada no ápice da terceira nervura, atravessando a célula posterior e estendendo-se seguindo a terceira nervura até a porção hialina da base da asa, outra mancha larga branco-hialina entre os ápices da terceira nervura e o ramo superior da quarta, atravessando quase as primeira célula posterior, uma mancha pequena hialina no ápice da segunda célula posterior e outra anterior a pouca distância desta, uma maior no meio do ramo inferior da quarta nervura, uma no ápice da terceira e outra perto do meio da margem posterior da quarta célula posterior; ramo superior da quarta nervura, porção apical do ramo inferior e ambos os ramos da quinta nervura estreitamente tarjados de hialino; terceira nervura reunida perto do seu meio à primeira por uma transversal, ápice da terceira a mais de dois terços do comprimento da asa, da primeira perto do centro do primeiro terço, a quarta nervura se bifurca pouco antes da transversal pequena, ângulo axilar da asa tem desenvolvido; comprimento 1,4mm.

Três fêmeas colecionadas pelo dr. A. Lutz.

Habitat – São Paulo, Brasil

Tipo – N. 7724, U. S. National Museum.

8. Culicoides debilipalpis n. sp.

♀ Comprimento do corpo e da asa cerca de 1mm, largura desta 0,36-0,38mm. Cor geral parda.

Antenas com pêlos de brilho branco; palpos com pequeno segmento basal, o segundo bastante comprido, o terceiro um pouco espessado com abertura subterminal do pequeno órgão palpal, quarto e quinto como de costume. Occipício mais escuro do que os apêndices.

Escudo mais escuro do que o resto do tórax.

Abdome pardo um pouco amarelado.

Pernas com os joelhos escuros, os primeiro pares com anel claro de cada lado, o último com anel branco-amarelado só na base e no ápice da tíbia. Esporão do primeiro par claro.

Asas com a costa terminada no fim dos 3/5 basais com muitas manchas claras e uma bastante escura no estigma; costa e subcosta marcadas com riscos escuros. Alguns pêlos entre a margem da asa e as nervuras que são ligeiramente tarjadas de pardo sépia.

Recebi esta espécie de Anhembi no estado de São Paulo e apanhei outras fêmeas em Formoso (Serra da Bocaina), em cavalos, na hora do crepúsculo. Parece atacar também as pessoas.

9. Culicoides horticola n. sp.

♀ Tamanho do corpo 1,2, da asa 0,8mm. Largura da asa 0,36mm. Cor geral enegrecida. Cabeça, pardo de veado escuro, os apêndices mais amarelados, apenas o toro volumoso da antena mais escuro. O terceiro segmento dos palpos um tanto dilatado com abertura distinta do órgão palpal na base da metade apical.

Escudo com pruína branca e pêlos claros, com quatro manchas grandes de forma oval e de cor escura, convergindo para o meio; as anteriores são transversais, as posteriores, orientadas obliquamente para trás e para fora. Escutelo, pleuras e esterno pardos. Abdome pardo.

Pernas de cor ocrácea, mais ou menos escura; os joelhos muito escuros e ladeados nos pares anteriores de um anel claro, tanto acima como abaixo, no terceiro par somente abaixo. Esporões nos ápices das tíbias anteriores claros.

Asas bastante curtas com a costa terminando pouco depois do meio, com manchas claras e fileiras de pêlos maiores, acompanhando as nervuras.

Halteres amarelados, tintos de ferruginoso em extensão variável.

Em Tatuí (estado de São Paulo) foram apanhadas várias fêmeas numa horta, mas em anos posteriores não foram mais encontradas. Uma fêmea que parece da mesma espécie foi apanhada em Formoso (Serra da Bocaina) em janeiro deste ano, quando sugava um cavalo, à tarde. Talvez se trate de um habitante de bromélias.

A espécie é bem caracterizada em estado fresco pelo desenho do escudo. A pequena estatura, a forma das asas e o desenho destas e das pernas ajudam para caracterizá-la.

10. Culicoides bambusicola n. sp.

♀ Cor geral parda. Comprimento do corpo: 1,6; da asa: cerca de 1,2mm. Cabeça parda. Tromba com os estiletes bem desenvolvidos, antenas pardo-claro, o toro mais ocráceo, palpos com o terceiro segmento um tanto intumescido, com órgão distinto no meio da metade apical.

Escudo mais escuro do que o resto do tórax, mas com pruína clara e três faixas longitudinais, cada uma com fileira de pêlos escuros, dos quais há também alguns entre as faixas.

Abdome pardo, as margens dos segmentos e o lado inferior mais claros.

Pernas pardo-claro, os joelhos com manchas escuras e com anel claro de ambos os lados; o terceiro fêmur sem anel apical. Fêmur I e II com base clara.

Asas com a costa alcançando a base do último terço, como forma típica das nervuras e com pêlos bastante compridos; as manchas claras pouco numerosas e inconspícuas.

Halteres com base chocolate, capítulo branco-amarelo (cor de rosa chá).

A larva do tipo comum, com mancha ocelar dupla e oito cerdas anais e encontrada freqüentemente em grande número na água do Taquaruçu. A ninfa com tubos branquiais curtos em forma de azeitona; os segmentos abdominais na metade apical com pequena cerda ventral e mediana, a ninfa termina em dois apêndices agudos que correm paralelos para trás.

A fêmea não ataca o homem de dia, mesmo na sombra escura do mato.

Centrorhynchus n. g. (Typus C. stylifer n. sp.) [confirmar: pendência anterior]

Pequenas ceratopogoninas de cor escura, bastante peludas, com estiletes bucais e empódios bem desenvolvidos, antenas com protoro; asas hialinas, sem manchas, mas com muitos pêlos maiores, pelo resto como Culicoides e Ceratopogon s. str.

11. Centrorhynchus stylifer n. sp.

♀ Cor geral pardo-enegrecido. Comprimento do corpo: cerca de 1,5; o das asas: de 1,5 por 0,45mm de largura.

Cabeça chocolate, os olhos com brilho claro e os apêndices de cor mais clara. Antenas com o toro situado numa eminência (protoro), toro grande com reflexos claros na sua parte interna; os segmentos basais do flagelo subesféricos, os últimos cinco subcilíndricos, o terminal com apêndice apical estiliforme, todos com pêlos compridos de brilho claro. Palpos com o terceiro segmento fusiforme, a grande abertura circular do órgão cupuliforme situada no meio.

Tórax chocolate, o escudo quase preto com reflexos claros e pêlos escuros, bastante compridos. Escutelo com macroquetas. Metatórax hemisfério, quase preto.

Abdome chocolate, em cima com pêlos assaz compridos de cor escura e reflexos bronzeados claros.

Pernas chocolate, os fêmures com muitos pêlos compridos, os pés mais claros, pardo-avermelhados, principalmente no último par. Unhas iguais e simples. Os empódios bem desenvolvidos, pinatífidos, afastando-se das unhas na base e voltando entre elas mais acima. Tíbias do primeiro e último par com esporões bem desenvolvidos, de cor parda.

Asas sem desenho com numerosos pêlos escuros, bastante compridos (50-70 mícrons) e distribuídos igualmente sobre toda a superfície.

Halteres de cor chocolate; o capítulo muito claro na extremidade.

A espécie é muito escura, praticamente unicolor e abundantemente guarnecida de pêlos escuros com brilho mais ou menos claro. E caracterizada pelo apêndice do último segmento das antenas como indica o nome.

Em Lassance (Minas Gerais) apanharam-se umas vinte fêmeas na cabeça e nas orelhas de cavalos, outros exemplares foram colhidos em pessoas na entrada da gruta de Maquiné (Minas Gerais). Já muito antes tinha recebido de Anhembi (São Paulo) exemplares de um mosquito-pólvora que parecem pertencer à mesma espécie. Podia tratar-se de uma espécie bromeliácea, faltando taquaras no seu habitat .

12. Centrorhynchus setifer n. sp.

♀ Cor geral pardo-amarelado, com pêlos pouco compridos e abundantes. Comprimento do corpo: 1,5mm. Asa longa, de 1,2-1,3 e larga de 0,5mm.

Cabeça parda, com os apêndices mais claros, antenas com protoro, toro e 13 segmentos, com pêlos curtos; o segmento terminal um pouco mais comprido do que os anteriores, tendo uma cerda subapical igual em comprimento à metade do segmento. Palpos pouco mais compridos do que a tromba; o primeiro artículo claro, pouco destacado, segundo comprido e delgado, terceiro assaz comprido e espessado em forma de clava, sendo a maior espessura entre o meio e o ápice, onde também existe a abertura do órgão cupuliforme, dirigida obliquamente para diante e para dentro; segmentos 4 e 5 curtos, subfusiformes, o último com algumas cerdinhas na extremidade.

Tórax pardo-amarelado, apresentando lugares onde caíram as macroquetas.

Abdome pardo de sépia, os anéis dorsais mais claros na margem anterior e posterior.

Pernas pardo-claro, com marcas mais escuras nas juntas, principalmente nos joelhos; tíbia anterior com dois esporões apicais de cor pardacenta, as do meio inermes, as últimas com dois espinhos curtos e escuros, seguidos de um pente de espinhos mais claros e compridos. Empódio pinatífido, muito fino, mas assaz longo e recurvado entre as unhas.

Asas pardacentas na região costal, os pêlos maiores só têm 0,02 a 0,03 mícrons.

Halteres com o capítulo de pardacento muito diluído.

O material era conservado a úmido, tendo perdido muitos pêlos na viagem. Assim mesmo pode se perceber que a espécie tem pêlos menos compridos do que as duas outras, sendo também a cor mais clara. Distingue-se facilmente pela forma do último segmento das antenas.

Recebi muitas fêmeas dessa espécie enviadas pelo dr. E. Von Bassewitz, em Santa Vitória do Palmar (estado Rio Grande do Sul). Trata-se de um hematófago comum e abundante no verão, que, provavelmente, será encontrado também no Uruguai e na Argentina.

13. Centrorhynchus pusillus n. sp.

♀ Comprimento do corpo e da asa: cerca de 1mm; largura da asa: cerca de 1/3 de mm. Espécie peluda e preta a olho nu.

Cabeça e apêndices cor de chocolate até preto. Antenas muito pilosas, o segmento apical sem prolongamento, nem cerda apical.

Tórax chocolate escuro, em cima com pêlos isolados e compridos. Escutelo com pruína amarelo-pardacento e cerca de seis macroquetas compridas e fortes.

Abdome da cor do tórax, bastante peludo.

Pernas da mesma cor, apenas os pés um pouco mais claros.

Asas parecidas com as de C . stylifer , os pêlos muito finos e direitos, francamente pretos, em comprimento de 50 mícrons. As nervuras mais grossas, pretas, o fundo hialino com reflexos amarelos.

Halteres com a haste parda e o capítulo da cor das rosas chá.

Esta espécie se parece com o C . stylifer , distingue-se, porém, pelo tamanho menor, a cor geral mais escura, o escutelo claro e a forma do último segmento palpal. Até hoje só foram observadas três fêmeas, das quais uma se perdeu. Picam tanto o homem, como os cavalos. Foram observadas em Bonito, na Serra da Bocaina.

Gênero Tersesthes Townsend (1893). Espécie tipo T . torrens Townsend; sinônimos do gênero: Centrotypus Grassi (1900) e Mycterotypus Noé (1905).

Tive ocasião de examinar exemplares de Tersesthes torrens Townsend e duas espécies italianas de Mycterotypus , recebendo a espécie americana do sr. Howard, diretor do Bureau of Entomology, em Washington, e as italianas do sr. prof. Mario Bezzi, em Turim. Concordando com a suposição de Kieffer, considero os gêneros idênticos, tendo Tersesthes a precedência cronológica. Das diferenças citadas por Kieffer, uma que se refere à existência de uma nervura transversal não é de grande monta, a outra não tem absolutamente nada de distintivo para o gênero Mycterotypus .

As três espécies e uma nova, que descreverei abaixo, têm os caracteres seguintes em comum. As antenas se distinguem de todos os outros gêneros por ter apenas o último segmento alongado e os outros em forma esférica, um tanto achatada no eixo da antena, na fêmea falta um segmento; a tromba é completamente adaptada à punção (tendo todos os estiletes) e todas as espécies são ávidas de sangue; os palpos parecidos nestas espécies se distinguem dos dos outros gêneros por ter o número de segmentos reduzido. As tíbias se distinguem por terem todas esporões; as unhas podem ser dentadas. As asas são caracterizadas pela falta de manchas e pêlos maiores; as nervuras, às vezes um pouco indistintas, nascem na base existindo também a nervura II. O abdome atenuado na parte apical e munido de ooscapto é muito parecido em todas as espécies, formando um caráter típico. As espécies também concordam na coloração parda uniforme.

14. Tersesthes brasiliensis n. sp.

♀ Cor geral pardo sépia; comprimento do corpo: pouco mais de 2mm; da asa: 1,1mm; largura da asa: 0,4 a 0,45mm. Ooscapto: cerca de ¼ de mm em comprimento.

Cabeça e apêndices pardos; antenas com protoro, toro e 11 segmentos arredondados, seguidos de um cilíndrico com extremidades cônicas; palpos com pequenos pêlos laterais e subterminais; segmento I e II fundidos de cor clara e de comprimento ovalar; segue outro segmento comprido com anel basal claro que se pode considerar como fusão dos dois últimos segmentos, presentes em outros gêneros.

Tórax pardo, mais escuro do lado dorsal.

Abdome em cima pardo-escuro, com a margem anterior e posterior dos segmentos mais clara; face ventral pardo-claro, as membranas laterais mais claras ainda. Ooscapto composto de duas partes, de pardo diluído com a base mais escura, formando um cone alongado, coberto de pêlos, ora muito finos, ora um pouco maiores.

Pernas pardas, os pés um tanto mais claros, segmentos tarsais, tornando-se mais curtos em sentido do ápice, apenas o último aumentado outra vez; todas as tíbias com esporões sendo os do último par os mais compridos. Empódios curvados para trás, mais curtos do que as unhas inermes.

Asas hialinas, na parte basal da região costal de pardo diluído; todas as nervuras presentes nascendo da base; com exceção das franjas não há pêlos maiores no fundo; a costa não é bem definida, nervura I e II pouco distintas não passando do meio da margem anterior, a terceira nervura termina pouco antes do ápice.

Halteres com haste escura e capítulo claro.

O dr. Astrogildo Machado apanhou maior número de fêmeas na parte inferior do rio Tocantins. Trata-se de espécie hematófoga, atacando também o homem. Os estádios anteriores são desconhecidos, mas o ooscapto indica que os ovos não são postos superficialmente.

Aditamento I

De fins de abril até princípio de julho fiz uma viagem ao rio São Francisco de Pirapora até ao Juazeiro, seguindo depois pela estrada de ferro até a capital da Bahia. Embora a estação não me favorecesse, havendo lá uma seca bem acusada, sempre consegui fazer algumas observações sobre ceratopogonídeos hematófagos. De Culicoides foi encontrada uma espécie, o paraensis de Goeldi, em numerosos exemplares na terma Paulista e com ele havia raríssimos exemplares de um pequeno Centrorhynchus parecendo ser o pusillus . é singular que também nos Estados Unidos foram encontrados Culicoides em dois lugares, cujo nome indica a existência de termas. Paulista está no estado da Bahia, cerca de quarenta quilômetros para dentro de Urubu, pequena cidade da margem do São Francisco e muito distante do mar. No próprio rio peguei alguns exemplares de C. guttatus à noite, numa lâmpada de acetileno. A mesma espécie foi colhida em Boqueirão, na confluência do rio Verde com o rio Grande, tributário maior do rio São Francisco. Os mosquitos incomodavam de manhã cedo, picando as pessoas, mas desapareciam durante o dia. A natureza da região indica que as larvas não precisam de água de bromeliáceas ou taquaras para o seu desenvolvimento.

Perto de Vila Nova, onde não havia seca, foram capturados muito exemplares de Centrorhynchus stylifer , na margem de um córrego. Sentavam-se quase que exclusivamente na face externa das orelhas dos cavalos.

Num artigo intitulado “Notes on punkies” de C. Pratt (U.S. Dep. of Agric. Bur. of Entomol., Bull . n.64) encontram-se estampas de Ceratopogon ( Culicoides ) guttipennis e stellifer Coq., dos quais serão reproduzidas as asas. As larvas de guttipennis foram encontradas em coleções de água em troncos de árvores. Também num trabalho de Austen ( Bull. of Ent. Research , v.III, n.1, 1912, p.99) há uma descrição de três novas espécies africanas de Culicoides, acompanhadas de estampas das asas. Cita também espécies hematófagas de Ceratopogon que provavelmente deverão entrar no meu gênero Centrorhynchus .

Devo citar também duas novas espécies africanas de Tersesthes ( Myeteromyia ), T. interruptus Schultze e T . laurae Weiss (v. Denkschr. Der med. naturw. Ges. Bd., XIII e Arch. de l’Inst. Past. de Tunis , v.I, n.1, 1912). Com estas, o número de espécies conhecidas chega a seis, das quais duas européias, duas africanas, uma da América do Norte e outra da América do Sul.

II Culicoides acotylus n. sp.

♀ Cor geral parda. Em grandes exemplares o comprimento do corpo cerca de 1,6, da asa de 1,5 e a largura da asa de 0,6mm.

Cabeça chocolate, o occipício com brilho esbranquiçado e alguns pêlos mais claros; tromba cilíndrica de 0,25mm de comprimento; palpos pouco mais longos, com cinco segmentos distintos, os últimos quatro progressivamente mais compridos na ordem seguinte: 4, 5, 2, 3, o terceiro artículo intumescido, toro fusiforme, mas sem órgão cupuliforme. Antenas: o toro castanho, o flagelo pardo-acinzentado, tendo os oito primeiros segmentos bastante curtos, os outros pouco mais compridos com exceção do último que é mais de 1½ vez mais comprido do que o penúltimo, sem prolongamento, mas com cerda subapical bastante comprida.

Tórax chocolate, o escudo com pêlos claros espaçados e densamente pontilhado de papilas microscópicas transparentes que macroscopicamente aparecem como incrustação de brilho branco, formando manchas ovalares cujos contornos mudam conforme a posição; no escudo são longitudinais, no escutelo e no metatórax transversais.

Abdome com poucos pêlos, pardo, as membranas laterais enegrecidas com dobras e pontuações elevadas escuras, muito densas.

Pernas pardo sépia, mais ou menos carregado; a base de todos os fêmures mais clara, como também a das tíbias, principalmente das quatro posteriores, e a do maior número dos tarsos. A última tíbia tem também o ápice branco, porém um tanto amarelado. Tíbias I e III com esporões pardos. Unhas sem particularidades.

Asas: Terceira nervura separada da subcostal em toda a sua extensão, muito espessada e enfuscada na sua parte apical, a quarta e quinta enforquilhada; todas elas, incluindo a transversal, marcadas de pardo. Pêlos mais compridos em fileiras paralelas às nervuras e espalhados, principalmente no terço apical.

O desenho aparece na Fig. 1 da estampa 8.

Halteres bastante claros, apenas a face apical mais escura.

Recebi numerosas ♀♀ colecionadas pelo dr. Murillo de Campos, perto do Salto Augusto, no rio Tapajós. Não estavam muito bem conservadas, porém o que se percebe basta para caracterizar a espécie. O desenho da asa que se vê na figura é muito característico.

Explicação das figuras:

Estampa 6.

Reprodução de desenhos de asas de espécies já descritas de Culicoides Latreille.

Fig. 1. Asa de fêmea de Ceratopogon (Culicoides) varius Winnertz.

Fig. 2. Asa de fêmea de Ceratopogon (Culicoides) fascipennis Staeg.

Fig. 3. Asa de fêmea de Ceratopogon (Culicoides) pictipennis Staeg.

Fig. 4. Asa de fêmea de Ceratopogon (Culicoides) arcuatus Winnertz.

Fig. 5. Asa de fêmea de Ceratopogon (Culicoides) pulicaris L.

Fig. 6. Asa de fêmea de Ceratopogon (Culicoides) marmoratus Skuse.

Fig. 7. Asa de fêmea de Ceratopogon (Culicoides) molestus Skuse.

Fig. 8. Asa de fêmea de Ceratopogon (Culicoides) maculithorax Williston.

Fig. 9. Asa de fêmea de Ceratopogon (Culicoides) phlebotomus.

Fig. 10. Asa de fêmea de Haematomyidium (Culicoides) paraense Goeldi.

Fig. 11. Asa de fêmea de Psychophaena (Culicoides) pictipennis Philippi.

Fig. 12. Asa de fêmea de Culicoides milnei Austen.

Fig. 13. Asa de fêmea de Culicoides brucei Austen.

Fig. 14. Asa de fêmea de Culicoides grahami Austen.

Fig. 15. Asa de fêmea de Ceratopogon (Culicoides) stellifer Coquillett.

Fig. 16. Asa de fêmea de Ceratopogon (Culicoides) guttipennis Coquillett.

Os desenhos originais acham-se na literatura enumerada mais adiante, as de 1-5, no n. I, 6-7 no n. II, 8-9 no n. III, 1-0 no n. IV, 1-1 no n. V, 12-14 no n. VI, 15-16 no n. VII. Os desenhos de C. stellifer e guttipennis não estão bem de acordo com a descrição original.

Explicação das figuras.

Estampa 7.

1. Asa de Culicoides maruim ♀.

2. Asa de Culicoides reticulatus ♀.

3. Asa de Culicoides insignis ♀.

4. Asa de Culicoides pusillus ♀.

5. Asa de Culicoides maculithorax

6. Asa de Culicoides paraensis ♀.

7. Asa de Culicoides guttatus ♀.

8. Asa de Culicoides debilipalpis ♀.

9. Asa de Culicoides horticola ♀.

10. Asa de Culicoides bambusicola ♀.

Sendo as asas todas feitas do mesmo tamanho, o aumento varia entre cerca de quarenta até cerca de setenta vezes. O tamanho natural está indicado no texto.

Na Fig. 1, no processo de redução houve uma pequena alteração nas proporções saindo a asa ligeiramente larga demais.

Explicação das figuras.

Estampa 8.

11. Culicoides acotylus , asa. Aumentado vinte vezes

12. Centrorhynchus stylifer , asa. Aum. quarenta vezes.

13. Centrorhynchus setifer , asa. Aum. quarenta vezes.

14. Culicoides maruim , ovos. Aum. 25 vezes.

15. Culicoides reticulatus , larva. Aum. sete vezes.

16. Culicoides maruim , ninfa. Aum. 15 vezes.

17. Culicoides reticulatus , imago ♂. 27 vezes

18. Tersesthes brasiliensis , imago ♀. 36 vezes

19. Culicoides maruim , palpo. Aum. 135 vezes.

20. Culicoides reticulatus , palpo. Aum. 135 vezes.

21. Culicoides acotylus , palpo. Aum. 135 vezes.

22. Centrorhynchus stylifer , palpo. Aum. 135 vezes.