Contribuições para o estudo das Megarhininae – II

Do Megarhinus haemorrhoidalis (Fabricius, 1794)*

Damos, em primeiro lugar, uma sinonímia bastante completa:

Culex haemorrhoidalis Fabricius (Entomologia systematica, v.IV, p.401, 5, 1794; Systema Antiliatorum, p.35, 8, 1805), Gmelin (Linnei Systema Naturae, edit. XIII, v.I, pars V, p.2888, 10, 1790), Wiedemann (Diptera Exótica, pars I, p.6, 7, 1, 1821); Megarhinus haemorrhoidalis Robineu-Desvoidy (“Essai sur la tribu des Culicides”, Mém. de la Soc. d'Hist. Nat. de Paris, Tome 3, p.412, v.I, 1827); Culex haemorrhoidalis Wiedemann (Aussereuropaeische zweifluegelige Insekten, Erster Theil, p.2, 2, 1834); MacQuart (Histoire naturelle des insectes diptéres, Tome I, p.33, I, 1884); Megarhinus haemorrhoidalis MacQuart (Diptères exotiques nouveaux ou peu connus, Tome I, Part. I, p.26, 30, 32, 2, I, Pl. I, Fig.I, Ia, Ib, 1838); Megarhinus haemorrhoidalis Rondani (“Esame di varie specie d'insetti ditteri brasiliani”, Studi Entomologici, publicati per cura di Flaminio Bandi e di Eugenio Truqui, Tom. I, fasc. I, p.108, 86, 1848); Megarhina hemorrhoidalis Walker (List of the Specimens of Dipterous Insects in the collection of the British Museum, part. I, p.I, 1848); Osten-Sacken (Catalogue of the described Diptera of North-America, second edition, p.18, 1878, pro parte); Arribalzaga (“Dipterologia Argentina”, Revista del Museo de La Plata, Tom. I, p.376, I; Pl., Fig. I, 1890, 91 pro parte); Mergahina haemorrhoidalis Williston (“Biologia Centrali-americana, Diptera”, Supplement, p.224, 2, 1900, pro parte); Megarhina haemorrhoidalis Hunter (“A catalogue of the Diptera of South-America”, Part. I, Trans. of the American Entomological Society, v.26, p.260, 298, cf., p.279, 1900); Megarhina separata Hunter (idem, 1900); Megarhina haemorrhoidalis Giles (A handobook of the Gnatas or mosquitoes giving the anatomy and life history of the Culicidae, p.122, I, pl. 6, fig. 5, 1900, pro part); Megarhinus haemorrhoidalis Theobald (A monograph of the Culicidae or mosquitoes, v.I, p.222-3, 1901); Megarhinus separatus Theobald (idem, v.I, p.218, 222, Pl. VII, fig. 27, Ins. Compl. Col., 1901, pro parte); Megarhina haemorrhoidalis Giles (A handbook of the Gnats or mosquitoes, 2nd edition, p.270, I, 1902); Megarhina separata Giles (idem, 2, 270, 1902, pro parte); Megarhinus separatus Theobald (A monograph of the Culicidae or mosquitoes, v.III, p.114, 1903); Megarhinas haemorrhoidalis Theobald (idem, v.III, p.114, 1903, pro parte); Megarhinus separatus Bourroul (“Mosquitos do Brazil”, p.3, 9 do Catálogo, p.4, 1 do Quadro, 1804); Megharinus haemorrhoidalis Bourroul (idem, p.3 do Catálogo, 1904, pro parte); Megarhinus haemorrhoidalis Theobald (Genera insectorum. Publiés par Wytsman, Fasc. 2, Culicidae, p.13, I, 1905, pro parte); Megarhinus separatus (idem, p.13, 2 PI. I., fig. 5, Ins. Comp. Col., pro parte); Megarhinus haemorrhoidalis Blanchard (Les moustiques, p.222, I, 1905, pro parte); Megarhinus separatus Blanchard (idem, p.222, 223, 2, 1905, pro parte); Megarhinus separatus Goeldi (Os mosquitos Pará, p.124, 127, 14, estampa N., fig. 114, 129, estampa V, fig. 19, Ins. Comp. Col. 1905, pro parte); Megarhinus haemorrhoidalis Aldrich (A catalogue of North- American Diptera, p.123, 1905, pro parte); Megarhinus haemorrhoidalis Dyar e Knab (“The species of mosquitoes”, The Genus Megarhinus, reimpresso da Smithson. Misc. Col., v.48, p.3, n.1657, p.243, 244 e 258, 1906); Megarhinus separatus Peryassu (Os Culicideos do Brazil, p.135-7, 19, 1908); Megarhinus haemorrhoidalis Peryassu (idem, p.137, 138, 20, 1908); Megarhinus separatus Theobald (idem, v.V, p.92, 1910); Megarhinus haemorrhoidalis Coquillett (“Neo Megarhinus haemorrhoidalis Fabr., a Classification of the Mosquitoes of North and Middle América”, U. S. Depart. of Agric. Technical Series, n.II, p.14, 1906).

Fabricius deste modo descreveu a espécie:

Culex haemorrhoidalis: fuscus abdominis margine apice ciliato. Gigas in hoc genere. Antennae densissime verticilliato pilosae, fuscae, primo articulo nudo, ederulco nitido. Rostrum inter antenas porrectum vagina bivalvi; valculis obtusis. Seta acuta. Caput fuscum vertice careruleo, nitidulo. Thorax elevatus, fuscus kmargine antico punctoque ante alas caeruleis, nitidulis. Abdomen fuscum, apice planum, margine valde rufo ciliatum. Pedes caerulei, nitidi femoribus subtus testaceis. Alae albae costa fusca.

Habitat Cajennae Dom. v. Rohr.

Wiedemann posteriormente teve ocasião de trabalhar com o tipo. Não consta ter sido examinado de novo até que em dezembro de 1910 um de nós (Neiva), depois de ter estudado 5 exemplares machos e 7 fêmeas pertencentes à coleção do U. S. N. Museum de Washington, tornou a descrever a espécie e a comparou em seguida com o tipo ainda existente em regular estado de conservação no Museu Zoológico de Copenhage. Aos Srs. F. Knab, do U. S. N. M. de Washington, e W. Lundbek, do Mus. Zool. de Copenhage aqui deixamos os nossos agradecimentos pela solicitude com que lhe facilitaram o acesso às coleções que lhes estavam confiadas.

Segue aqui nova descrição da imago.

Megarhinus haemorrhoidalis (Fabricius 1794) (Est. 5).

♂ Probóscide: de colorido arroxeado escuro, encurvado em anzol, espessa na base, afilando-se para o ápice; a curvatura começa na altura da articulação do 2° com o 3° segmentos dos palpos. Palpos: azuis de aço, com os ápices dos segmentos mais brilhantes em cima; todo o último artículo é, porém, mais escuro; dos 4 artículos longos, o 1° é mais escuro; todo o último artículo longo, o 1° é mais curto que o 2 °, o 3° quase do tamanho do 1 ° e o 4° o mais comprido de todos. No lado superior o revestimento é metálico com cambiantes de azul ao róseo; inferiormente, porém, é dourado, excetuando apenas o ápice do 2° e 3°, que são de colorido azul-violáceo, e o 4° artículo, que conserva o mesmo revestimento do lado superior. Antenas: com toro nu e de reflexo embranquecido; 2° artículo revestido de escamas policrômicas metalescentes; no lado inferior o dourado é a cor que prevalece; são muitos plumosas e o último artículo é apenas coberto por pubescência que lhe dá um tom esbranquiçado. As escamas que o revestem são de colorido entre azul e lilás. Occipício: azul celeste na margem orbital; no meio, verde e dourado. Lobos protorácicos: muito salientes, revestidos de escamas, metalescentes, de preferência azuis. Mesonoto: com fundo quase negro, coberto de pequenas escamas finas, um pouco eriçadas, muito caducas, de brilho metálico bronzeverde e azul celeste, dando a impressão macroscópica de bronze oliváceo; a margem posterior do escudo e todo o escutelo com escamas maiores e mais brilhantes, prevalecendo o azul celeste; contornando a raiz das asas e o escutelo, há uma fileira de pêlos escuros, mas com vivo brilho dourado. Pleuras: de fundo castanho escuro, com escamas muito finas, bastante transparentes, de brilho nacarado níveo.

Abdome: Em cima, o primeiro segmento doirado mate, com mancha triangular azul celeste, assentada na margem posterior; o resto do dorso com brilho metálico escuro, azul de aço nos dois primeiros segmentos, passando depois para o roxo avermelhado; no 8° segmento prevalece a cor azulada e no 9° um tom bronzeado, devido a algumas escamas douradas. Nos 5°, 6° e 7° segmentos existem abundantes pêlos cor de fogo, formando tufos laterais; no 5° segmento, somente a metade apical é revestida pelo tufo. O lado ventral é de colorido dourado-mate, com exclusão, porém, dos 2 últimos segmentos, que são de colorido roxo negro, e da faixa mediana longitudinal, composta de manchas alongadas azuis de aço; há outras manchas azuis ao lado dos segmentos que, não atingido a margem apical, e pêlos compridos e escapados, de brilho dourado. O 8° segmento, na porção apical e no lado superior, mostra algumas escamas douradas. Pernas: de colorido azul de aço, cambiando para o roxo; a face inferior dos fêmures doirado-claro. Existe um dente na unha maior dos pares anteriores. Asas: compridas e estreitas, revestidas de escamas obovais ou espatuladas pardacentas, com reflexos azulados; costas e subcosta muito escuras, salientando-se na parte basilar o brilho azulado das escamas; 1° célula forquilhada muito menor que nas outras espécies congêneres, sendo 5 ou 6 vezes mais curta que a outra, e com pedúnculo muito comprido; a embocadura do ramo posterior da 2° célula forquilhada um pouco mais perto da base do que a bifurcação da 1° forquilhada.

Comprimento do corpo sem os apêndices: 12mm.

♀ Probóscide: encurvada, de colorido violeta metalescente; os labelos são dourados, principalmente no lado inferior. Palpos: uniformemente de azul-violáceo escuro, as extremidades articulares com ponto lilás, do lado de fora com algumas escamas bronzeadas. Tem 3 artículos compridos, o 1° mais ou menos do comprimento do 3°, sendo porém mais espesso; o 2° artículo é o mais comprido de todos. Antenas: com toros de reflexo esbranquiçado e flagelo escuro. Clípeo: preto com brilho níveo. Occipício: margem revestida de escamas irisando em azul, branco e róseo; no meio há escamas azul-claras, passando pelo verde ao doirado para trás e para os lados. Lobos protorácicos: revestidos de escamas metalescentes, prevalecendo o azul celeste. Mesonoto: como no macho, porém mais de colorido verdepavão. Escutelo: revestido de escamas azuis. Pleuras: como no macho. Abdome: como no macho, mas de colorido verde-pavão, em vez de azul de aço; no lado exterior há pontos apicais lilases; nos 3 primeiros segmentos, mais para trás, passa para o azul e depois violáceo com brilho avermelhado; no 5° segmento há uma mancha branca triangular muito característica com o ápice assentado na base do segmento. O lado ventral com escamas de ouro-mate, misturadas com azuis e brancas, podendo formar manchas macroscópicas na zona mediana; a mancha ventral, quando presente, corresponde à mancha dorsal. Dos lados, há uma mancha azul-celeste em cada segmento. Pernas: em geral de colorido azul-aço, passando para o violáceo; o lado inferior, até o ápice dos fêmures, dourado-mate; há escamas azul-celeste virando para o branco, formando uma mancha basilar, no dorso do 1° tarso do 1° par; no par médio, o primeiro tarso é inteiramente níveo, com exceção de um ponto apical, o 2° na sua maior extensão, porém mais em cima do que embaixo; no 3° par, o primeiro tarso níveo, com exceção da porção apical; o limite inferior do branco um pouco irregular. Às vezes, os joelhos são marcados por um ponto azul-claro. Asas: com as nervuras pretas, podendo as escamas mostrar brilho azul. Balancins: como no macho, ocráceos, com a extremidade mais escura. Unhas: sem dentes.

Comprimento: cerca de 12mm.

O material comparado não foi pequeno.

Além dos exemplares existentes no Museu de Washington, tivemos à nossa disposição material da coleção de Lutz e que provém de Manaus, onde as larvas foram apanhadas numa tina; embora os adultos não estejam bem conservados, pode-se dizer que estão de acordo com as descrições de M. haemorrhoidalis Fabr., dadas por Wiedemann e MacQuart, as indicações de Dyar e Knab e a verificação feita com o tipo da espécie.

Há, ainda, a acrescentar, um macho, criado de larva, colhido por Lutz em uma bromeliácea no rio Arari (ilha de Marajó, Pará) e uma coleção enviada pelo dr. Peryassú, de Belém do Pará, contendo 9 exemplares criados de larvas em tina.

O total de exemplares examinados atinge a 23. Excluindo o da coleção do Instituto e o tipo de Fabricius, os outros tinham as seguintes proveniências: quatro machos colecionados pelo Dr. K. S. Wise em Omai, Guiana Inglesa; um destes trazia ainda a seguinte nota: “Siperuni-creek Essequibo B. Guiana. 4 p.m. flying”. um macho, capturado pelo Sr. B. Bilger “Paramaribo, March 1908”. Das sete fêmeas colecionadas, três o foram em Omai, Guiana Inglesa, e três em Siperuni-creek (Guiana Inglesa) pelo Dr. K. S. Wise e outra colecionada em Manaus (Brasil) por Miss H. B. Merril. Todos estes exemplares pertencem à coleção do U. S. National Museum de Washington.

Além de Caiena, lugar de origem do exemplar-tipo e dos exemplares estudados por MacQuart, temos que citar: Baixo Amazonas: Austen; Manaus: Goeldi, Lutz, Merril. Belém: Goeldi, Peryassú; Marajó: Lutz. Na monografia de Theobald, outras localidades têm sido dadas: México: Williston; Cuba: Osten-Sacken; São Simão (São Paulo): Lutz; Itaparica (Bahia): Lutz; Rio de Janeiro: Lutz e Godoy; mas a espécie do México e Cuba é o M. superbus D. & K. e outras citações ou estão erradas ou houve confusão com outras espécies.

Conclui-se do grande número de exemplares examinados, aos quais ultimamente acresceram outros de Pará, Amazonas e Guiana, que há apenas uma espécie de tufos vermelhos, o legítimo M. haemorrhoidalis.

Quanto aos primeiros estados, diremos o seguinte:

Ovos: A única observação conhecida é a de Goeldi, que obteve 19 ovos reunidos, enfileirados em grupos de 4-6. Dois terços da superfície são cobertos por saliências verrucosas que Goeldi interpreta como constituindo o aparelho de flutuação.

Larva: O habitat natural, mas não exclusivo, das larvas parece ser as bromeliáceas, nas quais Lutz obteve uma larva, no rio Arari (Marajó, Pará). O colorido é avermelhado; o desenho (Est. 6) não foi feito em cor natural porque o exemplar se achava um pouco descorado pelo líquido conservador.

Pupa: A pupa desenhada (Est. 6) nos foi remetida pelo dr. A. Peryassú. Goeldi registra uma observação na qual a larva se transformou em pupa em 4 de setembro de 1903 e no dia seguinte se metamorfoseou em mosquito; certamente há nisso algum erro, porquanto, para várias megarininas por nós criadas, nunca o prazo da transformação de uma pupa em imago foi menor que 4-5 dias.

Explicação das figuras

A estampa colorida (Est. 5) mostra um macho adulto, a outra (Est. 6) uma larvab e uma ninfa de Megarhinus haemorrhoidalis F. O aumento em todas elas é de 5 vezes.