Contribuições ao conhecimento dos oestrídeos brasileiros*

Em redor do género Oestrus, estabelecido por Linné, se agrupa uma série de outros que se costumava reunir na família Oestridae ou oestrídeos. Os autores modernos preferem a designação Oestrinae, que indica que estas moscas parasitárias apenas representam uma subfamília das Muscidae. Concordo com esta classificação, mas não me parece oportuno ir mais longe e colocar os géneros em outras subfamílias com as quais mostram certas afinidades. Posto que o parasitismo das larvas, demonstrado para a maioria dos géneros e espécies, seja o principal caráter comum, oferecem também outras afinidades, diferindo das moscas não parasitárias por alguns caracteres não biológicos. Não fosse assim, teria de se colocar também a Mydaea piei entre as Oestrinae, do que ninguém se lembrou ainda.

As Oestrinae permitem outras subdivisões que, deixando de ser subfamílias, podem ser consideradas tribos. Uma destas (as antigas Cuterebrinae) é formada pelos géneros indígenas da América, sendo caracterizados pelo parasitismo cutâneo e por seu volume considerável, que falta apenas no género Dermatobia, assaz diferente do resto.

Existe uma monografia detalhada e bem ilustrada das Oestrinae por Brauer, publicada em 1863. Outra, moderna e bastante completa, posto que muito curta, por Arminus Bau, apareceu nos Genera insectorum de Wytsman. Assim, temos a vantagem de não depender absolutamente dos artigos originais, muito espalhados e difíceis de se obter, que, todavia, convém consultar o mais possível. Há alguns artigos mais modernos de Austen, Brauer e Berg.

Recapitulando rapidamente os fatos já conhecidos, direi que as oestrinas são muscídeos ovíparos ou larvíparos que, pelos conhecimentos atuais, passam o período larval sempre em mamíferos, habitando ora a pele, ora o estômago, ora o nariz e os seus seios. Para lá chegam, seja diretamente, seja por migrações mais ou menos complicadas. As pupas não se formam no corpo do hospedador, mas no ambiente. O inseto alado vive principalmente para a propagação e geralmente não procura alimentar-se. O corpo é volumoso, a cabeça grande, em parte túmida, com olhos pouco volumosos e separados nos dois sexos. Há sempre ocelos. As antenas ocupam uma cova bastante funda. Os palpos faltam geralmente ou são atrofiados, raras vezes são desenvolvidos. O escudo é quase quadrangular, o tórax grosso, o abdome pouco destacado, sempre bastante grosso, sem ser comprido, faltando as macroquetas. Na fêmea pode haver um ooscapto. As asas sempre mostram finas dobras ou rugas; pelo resto seguem o tipo comum das Muscae calypteratae, como também as pernas.

Uma particularidade que merecia ser mais salientada consiste na grande semelhança, que a maior parte das espécies apresenta, com himenópteros aculeados; documenta-se na aparência geral, como também no modo de voar e zumbir, o que explica o terror que muitos animais maiores manifestam na sua presença.

As Oestrinae americanas diferem bastante das do Velho Mundo, tendo, todavia, algumas afinidades com o género Cephenomeia. As larvas de Dermatobia parecem-se bastante com as de Hypoderma.

A Dermatobia cyaniventris distingue-se facilmente de todas as outras espécies americanas pelo tamanho reduzido, ausência de pêlos, olhos testáceos (na vida), escudo estriado, asas hialinas e abdome azul-metálico. Parece ser a única espécie do género. Encontra-se num território extenso e tem uma grande lista de hospedadores, dos quais o boi, posto que, introduzido, é hoje o mais importante, garantindo a continuação da espécie em numerosos exemplares.

As outras oestrinas brasileiras são pouco numerosas em indivíduos, tendo uma vida bastante escondida. Todavia, o seu tamanho, extraordinário entre as Muscidae, e muitas particularidades no seu aspecto chamam logo a atenção do colecionador. Assim, dos outros géneros, Cuterebra tornou-se conhecido nos primeiros tempos da dipterologia sistemática; também foram descritos representantes dos géneros Rogenhofera e Pseudogametes, mas sem a distinção dos géneros, que foi muito posterior.

Aproveitando-me dos trabalhos já citados, dou em seguida uma chave dos géneros de Oestrinae, observados por mim em território brasileiro:

1 – Cabeça, embaixo, com fissura longitudinal profunda contendo a tromba (Cuterebra e outros gêneros indígenas) ……………………………..4
       Cabeça, embaixo, sem fissura profunda (Oestrinae typicae)…………………………………………………………………………………. 2

2 – Nervura transversal apical ausente; escâmulas pequenas (Gastricolae)……………………………………………………………………………….3

3 – Empódios e ocelos distintos……………………………………………….Gastrophilus Leach

4 – Arista penada………………………………………………………………. 5
       Arista nua. Rogenhofera Brauer

5 – Arista penada apenas em cima………………………………………… 6
       Arista penada dos dois lados……………………………………………..Pseudogametes Bischof

6 – Face com calos. Tarsos largos. Cuterebra Clark
       Face sem calos. Tarsos finos. Dermatobia MacQuart

Segue um catálogo das espécies sul-americanas:

1 –     Cuterebra ephippium Latr., 1817.
            Caienas

2 –     apicalis Guér., 1829-38
            Brasil

3 –     patagona
            Patagônia

4 –     analis. MacQ., 1843
            Brasil

5 –    caiennens MacQ., 1843
            Brasil

6 –     rufiventris
            Brasil

7 –     megastoma Brauer, 1863. América do Sul

8 –     funebris Austen, 1895
            Trinidad

9 –     nigricincta Austen, 1895
            Brasil

Há mais quatro espécies novas:

10 –     Cuterebra sarcophagoides n. sp.
            Brasil. Estado de São Paulo

11 –             nigricans n. sp.
                    Brasil, Estado de São Paulo

12 –             infulata n. sp.
                    Brasil, Estado do Rio de Janeiro

13 –             schmalzi n. sp.
                    Brazil, Estado de Santa Catharina

14 – Rogenhofera grandis Guér., 1829-38.?
                    Brasil, Argentina

15 –             trigonocephala Br., 1863
                    Brasil, Estado de Bahia

16 –             dassypoda Br., 1896.
                    Brasil, Estado do Espírito Santo.

17 –     Pseudogametes hermanni Br. & Bisch, 1900.
                    Brasil.

18 –             semiatra Wied., 1830
                    Brasil, Estado do Rio de Janeiro

19 –     Dermatobia cyaniventris MacQ., 1843
                    Brasil

20 –     Gastrophilus asininus Br., 1863.
                    Brasil. (Introduzido)

Das espécies citadas a C analis MacQ. é sinónima de apicalis Guér., como resulta da boa figura, acompanhada de descrição, deste autor. Podia também ser o caso com a espécie ephippium de Latreille, tratando-se de um exemplar que perdeu o tomento do escutelo. Esta forma não foi encontrada no Brasil, tampouco como patagona Guér., sendo a procedência de megastoma Brauer incerta; também cayennensis MacQ. e funebris Austen não parecem brasileiras, sendo a primeira mal diferenciada de apicalis. Assim ficam de Cuterebra apenas três espécies antigas: apicalis Guér., rufiventris Macq. e nigrocincta Aust., que devem ser consideradas indígenas.

Não possuo as duas últimas que parecem raras e de território limitado. Também não consta que tenham sido reencontradas. Por meu lado descreverei quatro espécies novas. Com mais duas espéciesde Rogenhofera, duas de Pseudogametes e uma Dermatobia chegamos a doze espécies indígenas.

Há mais um Gastrophilus, mas trata-se, indubitavelmente, de espécie importada.

Passo agora à parte descritiva, na qual darei a descrição dos géneros e espécies, deixando para o fim as minhas observações a respeito da morfologia e biologia das espécies descritas.

Parte descritiva

I. Género Cuterebra

O género Cuterebra, exclusivamente americano, é espalhado em numerosas espécies sobre todo o continente. As da América do Norte mostram geralmente um tipo assaz diferente do das brasileiras, às quais se limita este estudo. Encontra-se entre nós uma espécie relativamente comum e bastante espalhada, sendo as outras mais raras e limitadas a regiões mais restritas. Para acumular um material satisfatório de cuterebras precisa-se de muito tempo e numerosos colaboradores. A minha coleção parece pequena, mas é provavelmente a mais rica de espécies indígenas. Já data de muitos anos e, não havendo muita probabilidade de aumento maior, não quero demorar mais o estudo desta parte de fauna indígena de dípteros parasitários.

Brauer deu uma descrição muito minuciosa do género Cuterebra, da qual a parte mais importante se encontra na descrição de Bau que reproduzirei aqui:

Caracteres Cabeça grossa, geralmente mais larga do que o tórax, hemisférica, arredondada e abaulada. Vértice não ou apenas saliente, por trás reto e com margem bem definida. Fovea antenal escavada, cordiforme, simples ou dividida no meio por uma linha mais ou menos saliente.

Antenas conchegadas na base, pendentes, os dois primeiros artículos curtos, o terceiro curto ou alongado, em oval comprido. Arista na base da margem anterior, penada em cima. Boca formada, na face inferior da cabeça, uma fissura comprida e profunda.

Tromba grande, córnea geralmente retraída, com ângulo na base; a parte comprimida terminal do comprimento da fissura oral.

Face inferior muito inchada, sem depressão abaixo do olho. Na cabeça há calos preto-luzidios, ora lisos, ora rugosos.

Escudo quase quadrado ou mais longo que largo.

Asas de cor escura, mas diáfanas, com veia transversal apical. Primeira célula da margem posterior aberta. Lobos anais grandes, geralmente mais escuros que o resto da membrana da asa, erguidas ao lado do escutelo. Escâmulas muito grandes.

Pernas fortes, curtas e grossas. Tarsos achatados, largos. Unhas ligeiramente curvadas, pulvillae largas, retangulares, mais curtas que as unhas.

Abdome grosso, cordiforme para globular. Último anel semilunar, no macho com chanfradura larga póstero-inferior, abraçando o anel genital largo, em forma de escudo chato, na fêmea com margem inferior angulosa, formando uma fissura triangular e quadrangular e incluindo o anel genital pequeno e semilunar.

Larvas: grossas, ovóides, com par de ganchos bucais no segmento cefálico. Antenas papiliformes, com dois anéis quitinosos lembrando ocelos. Estigmas anteriores em forma de fissura transversal, entre o anel cefálico e o seguinte. Corpo convexo em cima, côncavo em baixo, com sulcos longitudinais; do terceiro até o nono segmento três pares de convexidades laterais guarnecidos de espinhos fortes ou acúleos pontudos (Brauer), ou revestidos de escamas sem espinhos (Austen). Último anel do corpo glabro, podendo ser retraído no penúltimo, que forma assim uma cavidade estigmática, muito mais estreito e curto que os anteriores. Estigmas posteriores semilunares ou reniformes.

Os calos da face e outros, menores, situados nas pleuras e no abdome, são característicos no género Cuterebra, mas de pouco valor para diferenciar as espécies, seguindo a mesma disposição em todas elas. É verdade que o seu tamanho varia, mas isto se dá também em indivíduos da mesma espécie, sendo os seus limites dependentes do tomento caduco da face.

O tamanho e a forma das antenas variam um pouco, conforme as espécies, e têm algum valor sistemático.

A escultura da pele das larvas e pupas, quando conhecida, poderá ser aproveitada como caráter distintivo, porque parece diferir em 3 espécies que eu conheço.

O hospedador, sem dúvida, dá indicações importantes, sendo as espécies conhecidas bastantes especializadas no seu parasitismo, ao contrário do que se dá com a Dermatobia.

As aluías e escâmulas grandes chamam logo a atenção, sendo muito caracte rísticas, como também as finas dobras d encontradas todavia também em outras moscas.

Na Cuterebra apicalis, uma fita vermelha atravessa o olho escuro, como constatei primeiro numa fêmea viva. No inseto morto parece apagar-se depressa, tendo por isso ficado ignorada.

Passo à descrição das espécies observadas, dispensando uma chave, porque as figuras permitem reconhecer as espécies, descritas por mim; as outras descrições mal poderiam ser aproveitadas sem confronte com outros tipos.

1. Cuterebra apicalis Guérin

(Est.27, Fig.1, Est.29, Fig.1, Face da ♂, Fig.1 a do ♀)

Esta espécie não somente é a mais comum, mas é encontrada em mais exemplares do que todas as outras reunidas. É facilmente reconhecida pela estampa, mas fazemos algumas observações com o fim de evitar confusão com outras espécies, duvidosas ou muito semelhantes. O tamanho é medíocre; o meu exemplar maior (um macho) tem o comprimento total do corpo de 23, o da asa de 16mm, dimensões que no menor importam em 17 e 14, variando a do corpo mais que a da asa. A cor do fundo é castanho ou pardo-ferrugíneo, tanto no corpo como nas asas; no dorso do abdome torna-se quase preto, mas sempre com brilho azul de aço; nas pernas o fundo pode ser pardo-avermelhado escuro, mas nunca preto, sendo porém os pêlos destas preto e os calos frontais píceos. O tomento do escudo (que em exemplares bem conservados é denso e aveludado) geralmente é ocráceo, virando às vezes em esbranquiçado ou amarelo-ruivo; varia um pouco conforme a incidência da luz e devido à transparência do fundo, quando o tomento é mais escasso. Num exemplar de Joinville o fundo, por exceção, é tão escuro que o escudo parece enegrecido e o escutelo (cujo fundo em exemplares bem conservados devia ser escondido pelo tomento) aparece quase preto. Assim talvez a cayennensis represente apenas um exemplar escuro apicalis (que muito provavelmente ocorre em Caienne), sendo a sinonímia de ephippium Latr. mais duvidosa. As asas têm o fundo de amarelo-enegrecido bastante duvidoso. Na fêmea é mais escuro do que no macho e as aluías, dos dois sexos, são assaz mais escuras do que as asas. Os olhos das fêmeas (provavelmente também dos machos) têm durante a vida uma barra diagonal, cor de tijolo. O terceiro artículo antenal da fêmea tem na aresta dorsal, perto da ápice, uma fovéola profunda, representando provavelmente um órgão de senso e faltando no outro sexo.

Esta espécie é muito espalhada, chegando até o México. As larvas vivem em Holochilus vulpinus Licht. E provavelmente em outros murídeos americanos. Tenho exemplares dos estados Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina.

2. Cuterebra rufivenris Macquart

(Dipt. Exot. Suite, 3e. Subdiv., p.21, 178, 1843)

Thorace nigro. Abdomine rulo (Tab.2, Fig. 4)

Long. 9 1.♂ Face à duvet et poils d' un jaune blanchâtre; une petite tache arrondie, noire, nue, luisante, pointillée de chaque côté des joues, prés du bord des yeux; espace concave nu, à reflets blancs. Front mat, à petits poils noirs: un espace antérieur à petits poils jaunâtres; un autre espace, alongé, triangulaire, en avant des ocelles, d'un noir luisans; deux autres espaces arrondis, luisans, à petits poils noirs de chaque côté, au bord des yeux; I'un, fort pointillé, à la hauteur de I'insertion des antennes; I'autre, peu pointillé, un peu plus bas. Antennes d'un brun noirâtre; les deux premiers articles à petits poils jaunâtres; style à moitié antérieure noire, postérieure testacée, ainsi que les cils. Yeux bruns. Thorax d'un noir mat; deux bandes nues un peu grisâtres, peu distinctes au bord antérieur, ne dépassant pas la suture; côtés et poitrine à duvet jaunâtre; une tache, oblongue de duvet noir en avant de I'insertion des ailes, et un peu de duvet noir en avant de cette tache; écusson nu ettestacé en-dessous. Abdomen couvert d'un épais duvet; premier segment noir, à bord postérieut fauve; deuxième et troisième d'un fauve rougeàtre, quatrième d'un fauve jaunâtre. Pieds noirs; cuisses testacées au cote intérieur; pelottes jaunâtres. Cuillerons bruns, bordes de testacé. Ailes brunes, noiratres à la base et au bord extérieur.

Du Brésil aux euvirons de Pará.

Austen considera o exemplar de Macquart macho e descreve longamente uma fêmea, procedente do Equador da coleção de Edward Buckley. Registro apenas as dimensões: Compr. 23,5mm, larg. Do vértice 3 2 3, da cabeça 9 1 3, do tórax na base das asas 9, do abdome (segm. 2) 11, 5mm. Há uma figura não corada.

3. Cuterebra nigricincta Austen

Austen também dá descrição minuciosa e figura de uma nova espécie, colhida num exemplar por Bates no Pará. Trata-se de uma espécie fácil de reconhecer, a menos de bimorfismo sexual acusado; por isso limito-me a reproduzir as dimensões e a diagnose.

♂. Compr. 19½mm; largura do vértice 3, da cabeça 8, do tórax (raiz das asas) 8 2 3, abdome (segundo segmento) 10mm; compr. Da asa 16 1 2mm.

Preto; dorso do tórax, afora uma pequena área da margem anterior, com pêlos pretos; porção central das pleuras também revestida de pêlos pretos; abdome verde-bronzeado metálico, brilhante, densamente revestido de pêlos sedosos, amarelo-dourados, com cinta conspícua de pêlos pretos na margem posterior do terceiro segmento, a base também revestida de pêlos pretos.

4. Cuterebra infulata n. sp.

(Est. 27, Fig. 4. Est, 29, Fig. 4, face)

Nesta espécie, representada na figura 4, as partes claras são cobertas de pêlos amarelos arruivados. São estas a face, as margens laterais do escudo e do escutelo onde existe uma faixa de pêlos compridos, toda a face ventral, o lado interno das tíbias e uma grande parte dos fémures principiando na base. A fovea antenal e a fronte são fuliginosas, o tubérculo ocelar é preto luzidio. O fundo, castanho-amarelado ou arruivado, aparece, no escudo e escutelo, coberto de pêlos curtos e escassos. O dorso do abdome é ora preto, ora coberto com pêlos amarelos arruivados. O fundo das pernas é quase preto. As asas enegrecidas têm a base ferruginosa. Os calos frontais constam da figura.

O comprimento total do corpo um tanto curvado importa em 20, o da asas em 17mm. Corresponde ao maior exemplar de C. apicalis, sendo porém um tanto mais grosso.

O único exemplar foi apanhado perto de Petrópolis em 4 de novembro de 1909 pelo Sr. J. G. Foetterle.

A espécie é intermediária entre apicalis e schmalzi, bastante menor do que a última, mas aproximando-se pelo hábito geral e a cor dos pêlos.

5. Cuterebra nigricans n. sp.

(Est. 27, Fig. 2; Est. 29, Fig. 2, Face)

Esta espécie, à primeira vista, parece-se muito com a apicalis, mas um exame cuidadoso mostra diferenças. Tendo sido obtida apenas uma vez (e isso por meio de criação) é provável, tratar-se de espécies rara e pouco espalhada. Por isso não creio que se poderia identificar com a cayennensis, tanto mais, que as pernas não são verdadeiramente pretas. Da apicalis difere pelo seguinte. A fonte é vermelho-pardacenta, o tubérculo ocelar e os calos são pretos, sendo estas bastante diferentes das de apicalis, como se vê nas figuras 1, 1a e 2. Escudo e escutelo são pretos com pêlos fuliginosos; apenas na margem anterior do escudo há, em forma de meia-lua, pêlos de cor amarelada com brilho de seda, outros formam, nos lados do escudo, 2 faixas laterais, que se unem na ponta do escutelo. O dorso do abdome e a face ventral lembram C apicalis. As pernas, de castanho-avermelhado escuro, têm pêlos pretos; a face ventral dos fémures é mais clara. As asas diáfanas, mas muito mais escuras que no macho de apicalis; as aluías quase pretas. O ventre em cima é muito chato; no escudo há indicação de três estrias longitudinais mais escuras.

O tamanho importa em 21-22mm, o comprimento das asas em 17mm.

O único exemplar foi criado em Porto Martins, no estado de S. Paulo, de larva de rato indígena. Tem a data de 31-3-08. O casulo vazio parece com o de apicalis, sendo todavia muito mais escuro.

6. Cuterebra sarcophagoides n. sp.

(Est. 27, Fig. 5; Est. 29, Fig. 5, Face)

O nome foi dado porque a espécie na cor e no desenho lembra o género Sarcophaga, o que apareceu bem marcado em exemplares recentes, não obstante o seu tamanho muito superior às maiores sarcófagas. É menor que as outras espécies de Cuterebra, mas bastante grossa e com os tarsos muito largos, o que lhe dá um aspecto pesado. O lado ventral é branco-acinzentado e esta cor se estende até a margem superior da cova antenal, sobre as pleuras e até sobre o dorso do abdome, onde forma largas faixas basais, que, no primeiro anel, mostram uma interrupção larga, mais estreita e fraca nos seguintes. A cova antenal tem o fundo polvilhado de cinzento, sendo as margens pretas, em extensão variável; a fronte é grísea e o calo antenal, em forma de triângulo muito agudo, avermelhado por trás e preto por diante. Os calos faciais são pretos, os superiores sem brilho. Escudo e escutelo cinzentos, virando em avermelhado e tendo, na linha média, uma estria pardo-avermelhada e, de cada lado, mais quatro, menos distintas e em parte interrompidas; a exterior acompanha a margem. Conforme a incidência de luz aparecem enegrecidas ou avermelhadas.

As pernas são castanho-avermelhadas, o ápice da tíbia e dos tarsos com pelinhos pretos, sendo estes esbranquiçados no resto das tíbias e nos fémures. Asas pardo-sépia claro, translúcidas; ápice e margem anterior mais enegrecidos, base e veias mais avermelhadas; alula pardo-sépia; escâmula torácica um pouco mais clara e com margem clara.

Os dois exemplares, provavelmente, foram apanhados em Jacutinga, noroeste de São Paulo, em fins de Abril 1907, enquanto voavam em redor do tronco de uma árvore, a bastante altura do chão.

A descrição de megastoma Brauer lembra esta espécie, mas a estampa na monografia de Bau é muito diferente.

7. Cuterebra schmalzi n. sp.

(Est. 27, Fig. 3; Est. 29, Fig., Face)

Comprimento total acima de 26, da asa cerca de 20mm.

Face inferior da cabeça e do tórax com pêlos branco-amarelados, atingindo a extremidade superior da cova antenal e formando uma faixa estreita na margem do escudo. Fronte pardo-enegrecida com alguns espaços mais claros, calo ocelar luzidio. Fundo do escudo cinzento, virando por trás em pardo-avermelhado, como também se observa no escutelo; ambos sem pêlo comprido. Na linha mediana uma estria aveludada, larga, de cor mais escura, passando também sobre o escutelo sem alcançar o ápice. De cada lado há mais duas estrias escuras, porém mal definidas e mais breves, principalmente as interiores. Entre estas e a do meio há, na parte anterior, um triângulo bastante largo, a fundo de brilho branco; outras manchas semelhantes, porém mais curtas, existem entre as bases das estrias laterais. O resto dos espaços intermediários, com certa incidência da luz, também aparece mais claro, mas menos distintivamente. Abdome, em cima, densamente revestidos de pêlos sedoso, dourado-arruivados; o primeiro anel (nos dois exemplares) no meio com mancha basal escura, em forma de meia-lua, cuja convexidade excede um tanto a margem posterior; o segundo e terceiro, num exemplar, com larga faixa apical preto-aveludada, atravessando todo o dorso e terminando em ponta nas extremidades ventrais; no outro indivíduo existe apenas na margem apical do segundo anel uma mancha semilunar larga, com a convexidade virada para diante, que, na linha mediana (onde é mais larga), mal alcança a metade da largura do anel. Abdome muito grosso, abaulado em duas direções.

Pernas castanhas, virando para o vermelho, com cílios pretos e alguns pêlos curtos amarelos, limitados à base. Asas de pardo sépia diluído, a base mais avermelhada e as aluías mais escuras. A grande escâmula torácica parda, com margem mais clara, internamente tarjada de escuro. O indivíduo com as faixas escuras parece macho; tem os olhos apenas maiores, porém a cova antenal mais estreita, o último artículo das antenas sem covinha. Este artículo infelizmente falta no outro exemplar.

Esta espécie, muito conspícua, é dedicada ao falecido entomologista João Schmalz em Joinville que além destes, colheu mais dois exemplares. [Estes mais tarde também foram dados para a nossa coleção (Nota posterior)]

II. Género Rogenhofera

10. Rogenhofera dsypoda Brauer.

(Est. 28, Fig. 8)

Em 1863 Brauer estabeleceu o género Rogenhofera, dando nas "Verh. d. k. k. zool. Bot. Ges." Em Viena, uma caracterização minuciosa que foi reproduzida na sua monografia. Dispenso a reprodução, constando os caracteres da espécie, por nós observada, da descrição, também muito minuciosa, que abaixo dou em tradução. As espécies conhecidas são em número de três. A mais antiga e a grandis Guér, da Patagonia, colocada pelo autor no género Cephenomyia, donde foi tirada por Brauer. Carlos Berg, que julga ter observado a mesma espécie na República Argentina (perto da Capital), a considera Rogenhofera trigonophora, procedendo da Bahia; foi descrita e figurada por Brauer. Não parece ter sido encontrada outra vez. Mais tarde Brauer descreveu uma nova espécie, R. dasypoda, de Espírito Santo e deu a descrição que segue em tradução:

Espécie grande, toda preta, apenas com a arista vermelho-amarela e o lado inferior dos tarsos de trás com tomento de brilho pardacento. Vértice da largura da metade da cabeça (cerca de 3mm), coberto até a margem anterior com pêlos pretos, densos e curtos; as genae, desde do nível da base das antenas, quase glabras, luzidias, somente na margem dos olhos e por baixo com pêlos mais densos. Área ocelar distinta, com três ocelos amarelados, quase glabra e prolongada, até a fissura da vesícula frontal, em linha longitudinal glabra. Cova antenal nua, brilhante, com carena distinta. As cristas das vibrissas com tufos densos, quase formando bigode na margem um pouco saliente da boca.

Lunula profunda, antenas breves, o segundo artículo pouco maior do que o primeiro, todos os três formando um arco com concavidade para dentro. Arista nua, assaz fina e comprida, apenas na base com espessamento alongado, o segundo segmento curto. Bochechas largas e pouco pilosas, luzidios, da mesma altura que os olhos, apenas no lado posterior com pêlos mais compridos. Rudimento da tromba distinto, preto e piloso. Asas mais compridas que o abdome, achatadas neste ao descanso, inteiramente preto-azuis, apenas a margem anterior, o ápice a partir da terminação das veias 2 e 3, e as margens da veia transversal apical pardacento-hialinas. Alula bastante grande, preto-azul, escâmulas pardo-enegrecidos, halteres pretos, pequena veia transversal oblíqua situada antes do ápice da veia auxiliar. Veia auxiliar apical com ângulo reto, depois quase reta, o ângulo com dobra, mas sem apêndice.

Pernas fortes, as tíbias um tanto curvadas, fémures do último par espessados na base, com pêlos curtos e densos; a base dos últimos fémures porém com tufos densos e mais compridos e tíbias posteriores em todo o lado anterior, com exceção do quarto basal, com escova densa, formada por pêlos compridos. Os últimos quatro tarsos no primeiro e no segundo par alargados, o primeiro das pernas posteriores cerca de 2 vezes mais longo do que o segundo. Unhas e pulvilhas fortes e grandes. Abdome com pêlos densos e pretos, mais esparsos nas margens posteriores dos segmentos, onde estes são mais brilhantes; este brilho se estende na linha mediana, formando um desenho longitudinal, mas não triângulos como aparecem na trigonophora. O hipopígio é pequeno, encaixado numa cova circular, adiante da margem aguda do anel anterior, e parece formado de dois ou mais anéis, dispostos como num telescópio, podendo sair para baixo e um tanto para diante (♀) e ser incluídos na margem do quarto anel. Examinando a cabeça de baixo, vê-se a fossa antenal começar por trás dos ângulos das vibrissas em forma de goteira, e alargar-se por trás em cova oval profunda, do meio da qual sai o rudimento da tromba... Não se descobrem palpos.

Comprimento do corpo 18, até ao fim das asas aplicadas 22mm.

Comprimento das asas 16mm.

Espírito Santo, Brasil.

O exemplar figurado, apanhado pelo Sr. Foetterle em Petrópolis (1 XII 1908) indubitavelmente corresponde a esta espécie.

11. Rogenhofera trigonophora Brauer

(1863 Verh. d. k. k. zool. bot. Ges. Wien).

Da descrição extensa de Brauer limito-me a reproduzir as dimensões e a tradução da diagnose que bastam para reconhecer a espécie:

Preta, toda sedosa, com o tórax preto em cima, na sutura com poucos pêlos dourados; abdome preto, com triângulos glabros, luzidios na linha média; as margens dos segmentos com cintas de pêlos dourados; asas preto-pardacentas, com brilho violáceo. Largura do vértice apenas 3, da cabeça 7mm. Comprimento do corpo 17, da asa 14mm. Pátria: Bahia Recebida do Sr. A. Rogenhofer.

III. Género Pseudogametes Bischof

A respeito deste género acha-se no n.XII, p.131, do Anzeiger der kais. Akademie der Wissenschaften, Mathem. naturw. Abth., Jhrg. XXXVII. Wien 1900 o seguinte passo:

Prof. F. Brauer apresenta a seguinte comunicação do estudante em medicina Josef Bischof, com o título: "Característica preliminar de alguns novos géneros de muscarios". Segue o trecho a que se refere a Pseudogametes:

Pseudogametes n. gen. Difere de Cuterebra pela arista, penada em dois lados, como também de Rogenhofera Brau. e Bogeria Aust., que têm aristas nuas.

Tipo: hermanni n. sp. ♂ de Minas Gerais. Tamanho 16,8mm.

Parece-se em tudo com a Rogenhofera dasypoda, de modo que podia ser considerado o macho desta.

(Numa outra sessão (n.XV, p.155), Brauer apresentou um estudo do mesmo autor, com o título: "Alguns novos géneros de muscarios", mas não consta ter sido imprimido.)

Os tipos destes géneros acham-se no Wiener Hofmuseum; Pseudogametes foi remetido pelo Prof. Hermann em Erlangen.

Baseado em exemplares das duas espécies conhecidas, dou em seguida uma definição do género:

Moscas grandes, corpulentas, muito peludas, com pernas grossas, ciliadas e largas. Cabeça e abdome virados para baixo, de modo que, em aspecto lateral, o eixo do corpo aparece curvado. O perfil da face não é convexo, mas as margens da cova antenal, principalmente o inferior, formam saliências notáveis. A fronte peluda faz hérnia entre os olhos, quando vista de cima; o resto da face forma uma calosidade continua com pêlos compridos, mas isolados; genae et malae separadas por impressões em forma de goteira. Todo o corpo coberto por pêlos compridos, mas simples, principalmente o escutelo muito saliente. Asas escuras com grandes lóbulos, a célula apical, aberta; ângulo da veia transversal apical, às vezes, com apêndice curto, terminando por dobra da membrana; a quinta veia, muitas vezes, alcançando a margem, mas o pedaço por fora da veia transversal muito reduzido, às vezes, difícil de perceber e somente a base distinta. Cova antenal muito escavada, com crista mediana apagada; o fundo, na parte de cima, um pouco polvilhado, pelo resto brilhante, às vezes, um tanto rugoso. Terceiro artículo antenal sem covinha, muito mais comprido que os dois outros reunidos, apostos mas a arista saliente, penada, com pêlos de cima mais destacados.

Olhos pouco volumosos, mas muito convexos; na fêmea mais afastados, porém de tamanho igual.

Além de ter arista diferente, o género também difere de Rogenhofera pela forma da cabeça e a cova antenal.

12. Pseudogametes hermanni Bischof 1900

(Est.28, Fig.7)

Desta espécie possuo dois exemplares, cujo tamanho combina perfeitamente com a indicação de Bischof, como também a cor uniformemente preta. (Os outros caracteres resultam da descrição do género). Foram apanhados no Noroeste de São Paulo, numa árvore, a bastante altura do chão, tendo evidentemente hábitos semelhantes aos da espécie seguinte:

13. Pseudogametes semiater (Wied.)

(Musca semiatra Wied.)

Tradução da descrição original:

Cabeça de cor preta intensa: a fronte larga, abaulada na frente e saliente por cima das antenas, que são meio escondidas; os lados de preto luzidio. Face inferior muito deprimida por baixo das antenas, a margem anterior muito declive, os lados cobertos por pêlos pretos. Tórax com fundo e pêlos de preto intenso, escutelo densamente coberto de pêlos amarelo-arruivados. Dorso do abdome com pêlos densos, ruivo-amarelos; ventre intensamente preto. Asas pardo-negras. Pernas pretas. Do Dr. Lund.

Posto que Wiedemann considerasse esta mosca como representando provavelmente um género novo, não relaciona com Trypoderma (Cuterebra) ou outras Oestrinae. O seu exemplar, provavelmente macho, parece o único conhecido em coleções dipterológicas e talvez que Lund o colecionasse perto do Rio de Janeiro, onde esteve em 1826. Parece uma espécie rara, porque os meus numerosos exemplares foram colecionados em vários anos e todos num só lugar, com única exce-ção de um macho, que veio de Alegre, Espírito Santo.

A descrição de Wiedemann não deixa a menor dúvida sobre a identidade com os meus exemplares, nem precisa de muitos comentários. As fêmeas, que pouco aparecem, são maiores, com abdome mais largo, as asas mais escuros e pêlos corados mais amarelos e menos ruivos.

A espécie está bem representada na figura, que acompanha nosso estudo.

Esta espécie foi descoberta em Petrópolis, pelo Sr. Foetterle que se dedica ao estudo dos lepidópteros. No correr de alguns anos foram colecionados mais de cem exemplares, quase todos machos, e, com exceção de 2 ou 3, todos num pequeno espaço do tronco da mesma árvore, 3-4 metros acima do chão. Apareciam somente nos meses de verão (principalmente fevereiro), os primeiros quase exatamente às 9 horas da manhã; sentavam-se na casca onde demoravam-se durante horas, geralmente singelos e nunca em maior número.

As espécies de Pseudogametes por todo o aspecto de seu corpo volumoso, tanto se assemelhavam às Oestrinae americanas, especialmente Rogenhofera, que quase todos os dipterologistas, que as examinaram, não hesitaram em considerá-las como tais. Apenas Wiedemann, que tinha pouco conhecimento deste grupo, usou o nome Musca e Townsend julga que o género seja vizinho de Mesembrina. Posto que na semiatra uma vida parasitária em vertebrados seja difícil de supor, me parece que devem, por ora, ser consideradas Oestrinae, representando talvez uma forma mais primitiva, que possa fornecer indicações filogenéticas.

IV. Género Dermatobia

O género Dermatobia foi separado de Cuterebra por Brauer em 1 860. Parece conter uma única espécie que, pela propriedade, deve chamar-se D. hominis Say, posto que os nomes cyaniventris (MacQ. 1843) e noxialis (Goudot 1845) sejam mais conhecidos. Limitar-me-ei a poucas observações sobre esta espécie que já tem uma bibliografia extensa. As figuras existentes desta mosca deixam um pouco a desejar: por isso incluo uma nas minhas estampas.

Os caracteres de espécies coincidem neste caso com os do género. Resumo os que me parecem mais evidentes. "Tamanho pequeno, como de Calliphora. Asas hialinas, os lóbulos pouco desenvolvidos. Pernas finas e glabras, com tarsos menos largos. Escudo não metálico, estriado. Abdome azul metálico, glabro".

Brauer dá uma definição muito detalhada do género e Bau a mesma mais resumida, que segue em tradução, com algumas adições minhas em parênteses:

"Cabeça mais larga que o tórax, hemisférica. Olhos pequenos. Fronte larga, formando forte saliência cónica. Cova antenal profunda, em oval alongado. Cresia divisória rudimentar no meio. Antenas conchegadas na base, inclinadas. Primeiro e segundo artículo curtos, o terceiro mais que duas vezes mais longo que os dois primeiros, em forma de sarrafo (subcilíndrico como uma aresta dorsal) na base alargado para trás, no ápice mais estreito. Arista (nascendo por dentro da aresta) destacada em direção latero-horizontal, penada no lado dorsal. Fissura bucal bastante larga. Tromba retraída. Face inferior um tanto vesicular. Escudo quase quadrado. Pernas finas. Tarsos finos, não achatados. Unhas finas, um tanto mais compridas que os empódios. Asas bastante compridas, com o lóbulo alongado, hemisférico. Veia transversal apical presente: primeira célula da margem posterior aberta. Quarta nervura longitudinal sem apêndice, escâmula grande. Abdome cordiforme, achatado, acuminado atrás. Tergitos dorsais dobrados para baixo, metálicos, os abdominais pequenos, sem brilho.

14. Dermatobia cyaniventris MacQuart

Não conheço a descrição de Say. A de Macquart segue aqui:

Cuterebra cyaniventris, Nob

Long. 5 ½ 1. ♀. Face jaune. Front noir, à duvel grisâtre et base testacée. Antennes jaunes; troisième article quatre fois plus long que le deuxième; style une paraissant cilie qu'en dessus. Thorax d'un noir bleuâtre, à léger duvet gris et poi Is noirs serres. Abdomen deprime, d'un beau bleu metal lique, un peu violet. Pieds d'un fauve clair. Cuillerons et ailes un peu brunâtres.

Du Brésil. Museum.

A descrição, dada por Goudot na sua comunicação importante, é um pouco mais detalhada:

Longeur 17 mm; antennes jaunes, le premier article ayant à son extrémité une petite houppe de poils noirs courts, le troisième á lui seul au moins aussi long que les deux autres, le style un peu brun, n'ayant de cils qu'en dessus; yeux bruns avec une bande noirâtre au milieu; front avance, obtus, brun, à poils noirâtres; à face et cavité frontale fauves, couvertes de petits poils formant duvet, Qui font paraitre ces parties d'un blanc soyeux; thorax brun nuancé de bleuâtre, tacheté de gris et noir formant des zones longitudinales, couvert de poils três courts noirs; écusson comme le thorax; abdomen chagriné, d'un beau bleu, couvert de três petits poils noirs, avec son premier anneau, et lebord antérieur du second d'un blanc sale, ayant des poils de la même couleur; pattes fauves, à poils fauves; ailes brunes. Individu male.

Habitation: la Nouvelle-Grenade.

Os olhos nos exemplares vivos são vermelhos de tijolo, sem desenho: as cores do fundo variam um pouco na face e nas pernas; pelo resto os nossos exemplares combinam perfeitamente com a descrição e trata-se, sem dúvida, da mesma espécie.

Não quero entrar na discussão das larvas, que variam bastante de um período larval para outro; por isso suprimi as partes relativas às larvas (e aos casulos) nas descrições reproduzidas.

O escudo não se acha propriamente descrito. Os desenhos variam com a incidência da luz (como nas sarcófagas) e desaparecem facilmente em exemplares antigos, mas a nossa estampa dá uma boa ideia do seu aspecto mais comum.

Examinei grande número de exemplares, apanhados e criados, de vários estados, não achando diferença de espécie. Há já grande lista de hospedadores conhecidos, se pode juntar ainda o Grison vittatus, em que o Dr. Travassos encontros uma larva, que pode examinar.

V. Género Gastrophilus Leach

As Oestrinae do género Gastrophilus, cujas larvas vivem no estômago de equídeos, facilmente serão introduzidos com estes em países distantes. Assim verifiquei a presença de um espécie, que ataca o cavalo, na ilha de Oahu (Havaí), onde estes animais eram desconhecidos, antes da chegada dos brancos. Um outro fato desta ordem foi por mim constatado entre nós, pela determinação da espécie representada na figura 9 e que, até hoje, só era conhecida do norte da África. Tive informações da existência de uma mosca semelhante no estado do Maranhão, mas não foi possível obter um exemplar. Por ora não conheço outras observações de oestrinas importadas entre nós, mas parece que no Rio da Prata já foi constatada uma espécie de Rhinoestrus em carneiros e talvez também já existia em território brasileiro.

Brauer deu descrições muito detalhadas do género Gastrophilus e das suas espécies. Limito-me a reproduzir as indicações fornecidas por ele para a determinação do género e das espécies equi e asininus:

Gastrophilus Leach

Asas sem veia transversal apical, a quarta terminando na margem posterior.

Abdome séssil; arista antenal nua; escâmulas pequenas, geralmente com cílios compridos, não cobrindo os halteres; partes bucais muito pequenas, palpos pequenos, esféricos, bem por dentro da pequena depressão bucal. Tromba soldada à membrana que cobre a depressão bucal, não extensível".

Gastrophilus equi Fabr.

Veia transversal posterior sempre presente e imediatamente atrás da pequena. Asas hialinas, com faixa transversal enfumaçada no meio e, na ponta, com mancha alongada ou dois pontos enfumaçados. Fêmea com ovipositor grosso, assaz comprido, virado para baixo. Trocanteres, no macho em baixo com gancho comprido e curvo, na fêmea com tubérculo, ambos com chanfradura correspondente na face inferior dos fémures. Abdome amarelo-pardo, variegado. Compr. do corpo 13-16mm. Espécie testácea com manchas fuscas e pêlos amarelo-acinzentados; tórax depois da sutura com cinta interrompida de pêlos negros, mais raramente só com pêlos rufos.

15. Gastrophilus asininus Brauer

(Est. 28, Fig. 9)

Falando de duas moscas, criadas por Bilharz, no Egito, de larvas evacuadas por um asno, Brauer diz:

O seu aspecto é muito diferente de todos os meus exemplares de G. equi e tanto o Sr. Winnertz, como o Prof. Westwood declaravam, depois de examiná-los, que podia tratar-se de espécie nova. Distinguem-se por ter os pêlos do escudo de cor uniforme pardo-arruivada, o abdome quase sem manchas e as asas mais largas, com uma faixa parda, muito mais larga no meio que na margem posterior; o pardo se estende para trás da quinta veia longitudinal. Um exemplar muito semelhante, da Núbia, se acha na cole-ção de Winthem ... Se ficar provado que os indivíduos africanos pertencem a outra espécie, muito parente de G. equi, proponho o nome de G. asininus.

O meu exemplar combina perfeitamente com a descrição de Brauer e se distingue claramente dos exemplares do legítimo G. equi que tenho na coleção. Não duvido tratar-se de outra espécie e por isso aceito o nome proposto por Brauer.

O meu exemplar é fêmea, mostrando bem o ovipositor. Foi apanhado no Sul de Minas. Pode-se considerar quase certo que a espécie foi introduzida por jumento, destinado a criação de mulas.

(Nota posterior. O Dr. Espiridião Queiroz observou no Pará, num cavalo recém chegado da Europa, a saída de grande número de larvas de moscas que, provavelmente, eram de espécie de Gastrophilus).

Sobre o parasitismo das oestrinas americanas

A Dermatobia hominis é observada num território vasto e em grande número de hospedadores, muito diferentes entre si. Entre estes, hoje, o boi é de muito o mais importante e garante a propagação ativa da espécie, sendo incapaz de livrar-se do parasito. Os cães de caça são frequentemente atacados e o parasitismo na pele do homem não se pode considerar fato raro. De outro lado o cavalo goza de imunidade quase absoluta, na qual os muares participam, posto que em degrau menor. O fato, que se podia compreender por uma ação defensiva em caso de infecção direta, não admite esta explicação na transmissão indireta.

Quanto aos outros géneros e espécies de oestrinas indígenas o parasitismo é limitado a roedores. Brauer diz que examinou larvas de Cuterebra, encontradas por Natterer em Ipanema em Sciurus aestuans e Didelphis philander, mas nesta última observação parece tratar-se de fato excepcional. Ainda menos é permitido citar estes pequenos marsupiais como hospedadores de Rogenhofera como faz Bau. Num período de 35 anos nunca obtive entre nós confirmação desta observação e, nestes últimos vinte anos, todas as indagações neste sentido deram resultados negativos.

Nos próprios roedores o número de espécies parasitadas é muito pequeno, o que prova uma grande especialização. Os mais afetados são os murídeos indígenos, dos quais obtive duas espécies de Cuterebra e Berg uma Rogenhofera. Em certos lugares, principalmente no litoral, há muitos esquilos (Sciurus aestuans, vulgo caxinguelê ou serelepe) com larvas, que se distinguem da de C. apicalis, principalmente pela cor mais enegrecida, semelhante à de C nigricans. Na América do Norte, as lebres são perseguidas por espécies de Bogeria e Cuterebra, mas o Lepus brasiliensis parece escapar às larvas da pele. É curioso que todos os grandes roedores como a capivara, a paca e as cutias, parecem completamente indenes; o mesmo se dá provavelmente com os murídeos introduzidos. Entre os muitos milheiros de ratos examinados quando dirigia o Instituto Bacteriológico de São Paulo, e pertencentes ao Musdecumanus (ou albiventris ?), não apareceu um exemplar infectado, quando entre os raríssimos outros ratos, que os acompanhavam, se encontraram 2 exemplares infectados de Holochilus vulpinus. Qualquer que seja o modo de infecção, parece evidente que as larvas não se podem desenvolver em todo o roedor, mas só em espécies muito escolhidas.

Posto que a larva possa adquirir o tamanho de cabeça do hospedador, o parasitismo é bem suportado, porque não se acha livre no tecido subcutâneo, mas dentro de um saco, formado provavelmente pela dilatação de uma glândula sebá-cea ou outro folículo da pele. Como se observa na Dermatobia, a larva, munida de espinhos ou escamas ásperas, provoca uma secreção seropurulenta, com a qual se alimenta. Removida a larva, esta secreção para logo e antes de haver uma verdadeira cicatrização. A existência de fleimões, observada às vezes em crianças no couro cabeludo, é devida a condições anormais, não observadas em animais com pele frouxa e que não procuram livrar-se dos parasitas por meios violentos. Não creio provável, que as larvas de Cuterebra, observados no escroto dos esquilos norte-americanos sejam capazes de produzir a castração. Se os testículos não são simplesmente deslocados para o abdome, é provável que tenham sido removidos por outro macho da mesma espécie, como isto se observa, com alguma frequência, nos coelhos domésticos. O desenvolvimento das larvas cutâneas é lento e, se não fosse bem suportado, a propagação do parasito seria prejudicada em primeiro lugar.

Não quero entrar na descrição das larvas e casulos, porque o material, para um estudo destes é muito escasso e geralmente mal conservado, com exceção das larvas de Dermatobia, já bastante estudadas. Hoje nem se pode determinar com certeza o género das outras larvas. Sabe-se que Cuterebra, Bogeria e Rogenhefera todos são parasitas cutâneos roedores. Quanto a Pseudogametes, o fato nunca foi demonstrado e não conheço na zona de observação da espécie (Petrópolis) um hospedador com larvas subcutâneas, que dificilmente poderia escapar à observação, visto a relativa frequência da espécie num lugar muito conhecido e o tamanho que as larvas devem alcançar.

Distinção dos sexos nas oestrinas americanas. Notas biológicas.

A determinação do sexo em nossas oestrinas é muito difícil, tratando-se de exemplares secos. O tamanho e o afastamento dos olhos não fornecem dados seguros, principalmente quando há apenas um sexo. As antenas de alguns exemplares são muito curtas, mas isso não parece uma diferença de sexo, sendo antes devido à distensão imperfeita. Como as asas se desenvolvem só depois da saída do casulo, assim também as antenas, logo depois da ecdise, são pequenas e murchas). Em C apicalis, as fêmeas mostram no artículo terminal das antenas uma fovéola que falta aos machos, mas este caráter talvez não se obteve em outras espécies. No Ps. Semiater, a fêmea tem o abdome mais volumoso e todo o tamanho um pouco superior, mas a diferença não é sempre bastante marcada, nesta e em outras espécies.

Nas nossas oestrinas, os escleritos ventrais são completamente reduzidos e os dorsais passam por baixo do ventre, de modo que as membranas laterais se tornam ventrais. Nos exemplares secos, estas são retraídas e com elas a extremidade posterior do abdome, de modo que os apêndices genitais são escondidos. Em exemplares recém-transformados, o abdome é distendido por líquido e mostra, direta-mente ou por meio de uma pressão bem aplicada, os segmentos que mais tarde serão retraídos. Então é fácil de reconhecer a dermatobia ♀, que tem um ovipositor, e o ♂, que tem uma armação sexual de quitina escura, bem visível e bastante complicada. A fêmea também exsere o ovipositor, quando voa em redor de animais.

Em exemplares secos pode-se retirar os últimos anéis abdominais reconhecendo-se então facilmente os sexos ou se procura um pouco do conteúdo abdominal, que na fêmea consiste quase só em ovos. Empregando os dois métodos, reconheci que também em Cuterebra e Pseudogametes existe um ovipositor, posto que muito curto: nos machos há também uma armação genital bem desenvolvida. Compa-rando-se os órgãos com os da mosca doméstica, encontra-se muita analogia. Os ovos têm sempre a forma de banana, com tampa numa das extremidades. Numa dermatobia achei acima de 900 ovos maduros e Neiva observou uma média de 750 a 800. Numa espécie de Cuterebra Townsend calcula os ovos maduros em cerca de 10 mil e são de fato muito pequenos, em relação ao tamanho do animal.

Em geral parece que das dermatobias e cuterebras se apanhe mais fêmeas. Em Pseudogametes os machos aparecem muito mais, pelo menos na espécie semiater.

As moscas voam perfeitamente, mas são bastante indolentes e conservam-se durante muito tempo quietas e sentadas. Verifiquei que a Dermatobia absorve líquidos por meio da tromba e parece que não há copulação nos primeiros dias da ecdise. Todas as moscas produzem um zumbido que numa Cuterebra, fechada em vidro de criação, lembra um Bombus.

Assisti várias vezes a ecdise da Dermatobia e o processo foi mesmo registrado em fita cinematográfica. Para destacar a tampa, que se acha numa extremidade do casulo, a mosca faz violentos esforços por meio da vesícula frontal, que assume um tamanho igual ao da cabeça da mosca, entrando e saindo em movimento rítmico. Pode ser observada ainda bastante tempo depois da ecdise, aplicando pressão. A marcha é ativa logo depois da saída; as asas levam um pouco de tempo para se encher de ar e secar; o resto do corpo também requer algum tempo para secar e assumir consistência e cores naturais.

Como em muitos outros dípteros a ecdise raras vezes tem lugar no escuro. Esperando o tempo necessário, que na dermatobia importa em 33 a 37 dias na observação de Neiva (que confirmei muitas vezes, pode-se obter rapidamente a ecdise, expondo ao sol o casulo retirado de lugar escuro ou mesmo abrindo a tampa e assoprando um pouco na imagem contida, como indicou Brauer. Na Cuterebra apicalis, que criei uma vez, o estado de pupa, se não me engano, durou 80 dias, na Rogenhofera grandis Berg observou 43 dias.

A dermatobia foi criada por várias vezes de larvas de animais, entre nós por Schmalz, Lutz, E. Young, Neiva e outros. Obtém-se facilmente, a condição de achar as larvas depois de abandonar o hospedador ou no ato mesmo, e retirando dos animais larvas contemporâneas. Em serragem, que prefiro para criação, elas se afundam logo e o casulo exterior se produz pela dessecação da pele no espaço de alguns dias; transformam-se mesmo completamente expostas, a condição de não secar demais. As cuterebras e géneros aliados não parecem oferecer mais dificuldade, quando se tem a ventura de obter larvas no último período ou hospedadores vivos, que permitem esperar para o amadurecimento da larva.

Falta agora dizer algumas palavras sobre a postura das nossas oestrinas que, até hoje, nunca foi observada diretamente; nem mesmo ovos ou larvas recém postos têm sido observados. Pode-se afirmar todavia que as espécies são ovíparas e o exame de muitos exemplares, em parte apanhados por mim perto de animais e com o ovipositor estendido, não permite dúvidas neste ponto. No abdome das moscas nunca se acham larvas dentro ou fora da casca do ovo. Não é muito comum encontrar-se dermatóbias voando de dia. Todavia no correr dos anos recebi mais de uma dúzia de exemplares, apanhados juntos com mutucas em cavalos. Eu mesmo as observei, voando em redor de cavalos e uma vez do homem, e colhi três exemplares sentados num touro preto, muito manso, contrastando a cor de tijolo dos olhos com a pele do animal. Todos estes exemplares continham ovos desenvolvidos, mas sem larvas formadas.

Segundo Gonçalez Rincones e Surcouf os ovos seriam depositados em folhas, de onde passariam por aderência na barriga de mosquitos e infeccionariam os animais picados por este. Vi, no Welcome Institute de Londres, um exemplar de lanthinosoma lutzi e, como antecipei, este dava a impressão que a postura tinha sido feita no próprio inseto. Não se distinguia de posturas que, bastante tempo antes da publicação citada, tinha observado por três vezes nas costas de Anthomyia heydeniiW\ed, sentados em cavalos. Conservei um exemplar, picado em alfinete, mas não constatei a saída de larvas e hoje o exemplar não pode mais ser encontrado. Os ovos nestas posturas eram muito apertados e tão pequenos que podiam ter sido postos por outra mosca da mesma espécies, mas o fato se explica de outro modo. Numa fazenda, onde o Dr. Aragão passava as férias, se tinha observado que dermatóbias capturadas perto dos animais conservavam entre as patas, solidamente abraçados, outros dípteros menores e, na ocasião de uma visita que lá fiz, ele me demonstrou o fato. Se estes ovos são realmente ovos de dermatóbia, como as observações citadas tendem a provar, devem ser postos por estas moscas direta-mente em insetos hematófagos ou lambedores de suor, como a Anthomya citada. Procuram-nos em cima de cavalos e bois, onde se deixam apanhar facilmente, e por meio do ovipositor, curvado para diante, grudam os ovos diretamente na parte mais acessível. Isto explicaria, porque o povo atribui as larvas não somente a mosquitos, mas também a outras moscas.

Possuo mais duas observações já bastante antigas que se referem a esta questão. Uma é de um colecionador meu que, no mato, sentiu distintamente uma picada num lugar da pele, onde três dias depois foi extraído o "berne" menor, que observei até hoje. Outra refere-se a um doente que, durante o tempo que estava num hospital com febre tifóide bastante grave, teve dois bernes na região sacro-lombar. Contou-me que uma vez, arranjando a cama, com bastante surpresa se tinha encontrada uma grande mosca azul esmagada.

Os fundos deste hospital, onde houve o caso de berne numa emergência, davam para terrenos não cultivados, servindo em parte de pasto, e as janelas estavam sempre abertas, não obstante o grande número de mosquitos que entravam por estes lados.

No primeiro caso a transmissão provavelmente foi feita por um mosquito, no segundo pela mosca. Talvez até que se tratasse de dermatóbia carregando postura de outra fêmea.

É completamente evidente que a postura direta em insetos, apanhados em animais, para os quais devem voltar frequentemente, dá outra garantia para um destino favorável dos ovos que uma postura em folhas, visitadas principalmente por insetos que não procuram animais maiores.

Também era preciso que os ovos fossem grudados nas folhas com a extremidade cefálica, para fixarem-se no mosquito com a extremidade caudal, o que tem pouca probabilidade e nenhuma analogia.

Achar-se assim reivindicada a afirmação de Morales em Guatemala que a postura seja feita diretamente nos insetos, o que é também a opinião de Townsend.

Quanto à postura das espécies de Cuterebra, nada se acha na literatura. Como declara Townsend, o grande número de ovos não é compatível com a postura direta no hospedador. Fiz, há muitos anos, a experiência de guardar uma fêmea de Cuterebra apicalis com um rato branco, muito manso, mas não somente deixei de obter a postura, como também perdi a mosca que, sem dúvida, foi comida pelo rato. Outra vez experimentei também obter ovos pela expressão do abdome de uma fêmea da mesma espécie, empregando nisso bastante força, sem obter um só ovo. Fechei depois a mosca viva numa pequena gaiola. No dia depois encontrei as paredes, feitas de tecido de arame, cobertos por grande número de pequenos ovos. Eram solidamente guardadas com base nos fios metálicos e já mostravam a cor enegrecida. Foram observadas durante algum tempo sem que se observasse a saída de larvas. A peça figurou em duas exposições, mais hoje infelizmente não pode mais ser encontrada.

Adicionamento. O presente trabalho já se acha concluído há muito tempo. Ultimamente tive ocasião de fazer algumas observações sobre a postura e o desenvolvimento dos ovos da Dermatobia, como também sobre a existência entre nós do Oestrus (Rhinoestrus) ovis. Dou estas em seguida para completar o que já ficou exposto.

Na tarde de 7 de setembro de 1916 estive numa fazenda perto de Juiz de Fora e com um bom binóculo consegui ver duas dermatóbias em alguns bezerros que se achavam na borda de um mato. Pouco depois passaram aos cavalos do trolley e foram apanhadas. Uma delas continha grande quantidade de ovos. Em seguida notei uma mosca com alguns ovos de berne do lado esquerdo do abdome. Andava ora sobre os cavalos, ora em redor das pessoas e foi apanhada depois de várias tentativas. Era um macho pequeno de Synthesiomya brasiliana Br. & Berg.

Os ovos eram em número de dez, solidamente grudados e com a tampa para baixo. A mosca foi colocada num tubo com um pedacinho de banana, mas morreu o dia depois. Foi picada num pedacinho de pita de Fatsia papyrifera, de modo a permitir observar os ovos e aproximá-los da pele de um animal. Todos os dias foram examinados, depois de terem sido expostos ao hálito quente da boca para imitar as condições encontradas na vizinhança de um animal a sangue quente: outras vezes foram mesmo aproximadas da pele.

No dia 11 os ovos eram mais escuros e a tampa muito mais distinta, o que parecia indicar o desenvolvimento da larva. No dia 12, depois de assoprar algumas vezes na mosca, observou-se debaixo do microscópio uma tampa levantada e a cabeça de uma larva saindo do ovo. Aproximada da pele do meu antebraço, depois de alguma hesitação, passou nela onde foi observada pelo microscópio binocular. Caminhava bastante rapidamente, sem mostrar inclinação a entrar. A parte anterior, cerca de 3,7 era densamente guarnecida de espinhos maiores e menores, os 4,7 posteriores eram completamente inermes. A forma já era típica das larvas novas de Dermatobia. Aproximando a mosca do braço de outra pessoa, obteve-se a saída de outra larva que fazia algumas tentativas de penetração. Bastante mais tarde obteve-se a passagem de mais uma larva na pele de terceira pessoa, mas principiou a secar antes de ter penetrado.

Raspada a pele das costas de um cão foram transferidas as duas primeiras larvas e a mosca aproximada da pele. Imediatamente saíram 4 ou 5 larvas quase completamente fora do ovo e passaram na pele do cachorro, onde se demoraram, sem todavia conseguir entrar imediatamente. Algum tempo depois tinham desaparecido.

A experiência parece provar que a pele não suada do cão tem mais atração para as larvas novas do que a pele humana, nas mesmas condições.

As larvas apenas parcialmente saídas dos ovos podem recolher-se outra vez e a tampa pode fechar-se atrás delas.

Das duas dermatóbias apanhadas uma morreu logo: a outra foi fechada com uma mosca, que apanhou algumas vezes, sem desovar nela. Parecia já enfraquecida e morreu pouco tempo depois. Em ambas as moscas de berne foram encontrados ovos bastante desenvolvidos.

Às quatro horas da tarde do mesmo dia deixei passar mais uma larva na minha pele, que não quis penetrar e foi retirada servindo mais tarde para preparação.

No dia seguinte, às 8 ½ da manhã, havia ainda um ovo com larva, que, aproximada da pele do meu antebraço, passou logo e andou durante muito tempo, quase a modo de larva de geometrida, sem querer entrar. Estes movimentos não eram percebidos. Dobrando a pele por cima dela, percebeu-se logo um ardume fraco e verificou-se que a larva estava penetrando, o que fazia em direção quase horizontal. Levou muito tempo para entrar com os primeiros anéis e uma hora para penetrar até o último quarto, que ficou horizontal e visível de fora, apenas coberto pela camada córnea. A penetração da larva provocava uma dor levemente cáustica, não lembrando uma picada. Depois de acabada a penetração não senti mais nada.

O dia depois a pele do cão não apresentava alteração. O braço mostrava uma ligeira injeção no lugar da penetração, onde ainda aparecia o último quarto da pele da larva, aparentemente vazia e sugerindo uma muda. Do meio-dia para a tarde sentia-se uma ligeira comichão.

Na manhã do dia seguinte no cachorro não se verificavam sinais de infecção. No lugar de penetração no meu braço havia uma escama seca. Afastada esta apareceu um orifício finíssimo, do qual se podia exprimir uma gotinha de soro. Debaixo do microscópio percebia-se o movimento produzido pela extremidade da larva. Removido o líquido esta extremidade era retraída. De tarde observaram-se os mesmos fenómenos, outra vez e ainda mais distintamente. Depois cuidadosamente raspada a pele do cachorro, apareceram vários orifícios dos quais saía soro, às vezes misturado com bolhas de ar. A extremidade caudal era bastante retraída e difícil de ver.

No dia depois (que era o 17 de setembro) havia, no meu braço, uma pápula hiperêmica bem caracterizada, com um ponto central em forma de crosta seca. Removida esta podia se exprimir facilmente uma gotinha de líquido seroso. De tarde me lembrei de cobrir a gotinha no braço com uma lamínula.

Viu-se então o tubo respiratório, que é ainda completamente fino e quase sem cor, projetado e com movimento distinto. No cão logrei pelo mesmo processo ver a extremidade posterior de outra larva, muito fina e sem cor.

No dia depois (19) procurei obrigar a larva do meu pescoço, que fazia ligeira coceira, a sair da pele, cobrindo-a com gelatina e ágar. Observou-se ela projetando a parte posterior do corpo, mas não conseguiu sair e imobilizou-se depois de algum tempo. Foi então espremida com bastante custo, ficando um tanto machucada no processo. Mostrava quase o mesmo aspecto com no primeiro dia, não tendo aparentemente mudado de pele. De manhã, no cão, só se conseguiu perceber uma das larvas, parecendo bem maior.

A pele das larvas era inteira mas estava eviscerada. As vísceras foram apanhadas separadamente.

No dia 20 as larvas do cão já mostravam os orifícios traqueais e a parte posterior do abdome muito mais grossos.

Conseguiu-se obter duas larvas que tinham oito dias completos, uma inteira e outra em fragmentos. Tinham mudado de pele e eram muito mais compridas; a parte posterior era principalmente aumentada em todos os sentidos. A inteira, tendo sido exposta durante algum tempo à temperatura do ambiente, não dava sinal de vida. O comprimento era de cerca de 7mm. A secreção do quisto parasitário continha uma mistura de pus.

No dia 22 observou-se mais uma larva, que não se conseguiu extrair, mesmo depois da incisão do saco. Tampando a abertura, o dia depois obteve-se a larva inteira. A parte espinhosa do corpo é muito mais curta do que os últimos segmentos, que são muito alongados. As extremidades posteriores das grandes traquéias aparecem com cor amarela. O comprimento é de um centímetro, o que faz pensar que a parte mais grossa e espinhosa deve ficar ao nível do tecido subcutâneo.

Pouco depois o desenhador das estampas apanhou, numa fazenda da Serra da Bocaina, uma mosca, na qual tinha reconhecido a mancha característica, produzida pelos ovos da Dermatobia. Tratava-se de uma Anthomyia que procura frequentemente animais ou pessoas para lamber suor; parece corresponder à espécie lindigii de Schiner. Carregava sobre o abdome, no meio da região lateral e inferior esquerda, um grupo de 17 ovos. Foi conservada viva durante um dia, morrendo depois. Nos ovos não se observou sinal de vida; a sua cor pardacenta acentuou-se mais e tornavam-se murchos. Consegui verificar que continham larvas que tinham morrido, provavelmente por não ter encontrado ocasião para passar sobre um hospedador apropriado. De fato o lugar, onde a mosca foi apanhada, estava longe dos pastos, mas perto da água. Conservo separadamente a mosca e os ovos.

A ocorrência do Oestrus ovis no Rio de Janeiro e nos estados vizinhos

Em 30 de setembro 1916 recebi do Sr. Arnaldo Luce uma mosca apanhada na Rua São Francisco Xavier. Reconheci uma oestrida e, sabendo que na vizinhança havia carneiros, comparei-a logo com a descrição minuciosa que Brauer deu do Oestrus (hoje Rhinoestrus ovis). Verifiquei que se tratava indubitavelmente da mesma espécie. Mais tarde observei no mesmo lugar dois carneiros que morreram com sintomas que costumam ocorrer em casos graves de myiase oestrosa, mas não se encontraram larvas. A infecção provavelmente foi importada de uma fazenda na Serra da Bocaina, onde os descendentes de animais de raça, importados da Europa, apresentavam os mesmos sintomas.

Procurei larvas nos matadouros. No do Rio não foram encontradas naquela ocasião, mas obtive algumas de Petrópolis, encontradas em carneiros nacionais, comprados na vizinhança. Ultimamente também recebi algumas do Dr. Espiridião Queiroz, médico em Três Corações (Minas).

Que o Rhinoestrus ovis foi importado é certo e não pode ser estranho. É comum nos carneiros que vêm do Rio da Prata e conhecido do pessoal dos matadouros, que todavia não sabe nada a respeito da mosca correspondente.

Brauer dá também o Brasil como habitat do Oestrus ovis. Referiu-se talvez ao Rio Grande, porque nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro a ocorrência deste parasito nunca se tornou notória e a mosca não era representada na minha coleção por exemplar indígena. Hoje todavia deve se contar com a existência do parasito em vários pontos. O exemplo da Capital Federal mostra que não se limita às zonas montanhosas e menos quentes, mas invade também as regiões tropicais.

Bibliografia

A literatura até o ano de 1906 encontra-se nas duas monografias seguintes:

BRAUER FR. Monographie der Oestriden. Wien, 1863.

BAU ARMINIUS Diptera, Fam. Muscaridae, subfam. Oestrinae.

WYTSMAN. Genera Insectorum. Fase. 42, Bruxellas, 1906.

Trabalhos posteriores ou tratando de espécies mencionadas neste estudo:

BERG CARLOS Entom. Zeit. Stett., Bd. 37, p.268, 1876; Bd. 42, p.45, 1881. Stettin. Trata da Rogenhofera grandis.

AUSTEN E. On the specimens of the genus Cuterebra etc. Annals and Mag. of Nat. Hist., (6), XV, p.337-96, 1895.

Da extensa literatura sobre Dermatobia só mencionamos:

BLANCHARD, R. Bulletin de la Soe. Entom. de France, v.LXV, 1899, p.641.

SURCOUF JACQUES La transmission du Ver macaque par un moustique. C. R. Ac. Sc. 1913 T 156, n.18, p.1406.

SAMBON L. W. Observations on the Life-history of Dermatobia hominis etc. Rept. Advis. Commitee, Trop. Dis. Res. Fund. For 1914, London, 1915, p.119-50.

TOWNSEND CHARLES On the reproductive... habits of Cuterebra and Dermatobia, Science, v.XLII, n.1077, p.252.

Os últimos trabalhos se referem especialmente à transmissão dos ovos de Dermatobia

Referem-se também à Dermatobia quatro trabalhos brasileiros e outro comunicando observações, feitas em Joinville:

MAGALHÃES PEDRO S. Subsídio ao Estudo das Myiases. Rio de Janeiro, 1892.

NEIVA, ARTHUR Contribuição ao estudo da Dermatobia cyaniventris MacQ. Rio de Janeiro, 1908

Algumas informações sobre o berne. Chácaras e Quintais, v.II, n.10, julho 1910. Informações sobre o berne. Memórias do Inst. O. Cruz, t.vi, fase. Ill, 1914.

SCHMALZ J. B. Zur Lebensweise der Brasil. Dasselfl. (D. cyaniv) Insekten Boerse, Boerse, Jahrg. 18, n.28, p.220, 1901.

Explicação das figuras

Estampa 27

Fig. 1 Cuterebra apicalis Guérin

Fig. 2 Cuterebra nigricans n. sp.

Fig. 3 Cuterebra schmalzi n. sp.

Fig. 4 Cuterebra infulata n. sp.

Fig. 5 Cuterebra sarcophagoides n. sp.

Estampa 28

Fig. 6 Pseudogametes semiatra (Wiedemann)

Fig. 7 Pseudogametes hermanni Bischof

Fig. 8 Rogenhofera dasypoda Brauer

Fig. 9 Gastrophilus asininus Brauer

Fig. 10 Dermatobia cyaniventris MacQuart

Estampa 29

Fig. 1 Face de Cuterebra apicalis

Fig. 1a Face de Cuterebra apicalis

Fig. 2 Face de Cuterebra nigricans

Fig. 3 Face de Cuterebra schmalzi

Fig. 4 Face de Cuterebra infulata

Fig. 5 Face de Cuterebra sarcophagoides

Fig. 6 Abdome de Dermatobia hominis Say

Fig. 7 Abdome de Gastrophilus asininus Br., ♀.