1921

Espécies pertencentes aos gêneros Stegomyia e Armigeres. 1. S. Notoscripta Skuse; 2 e 3. S. fasciata Fabr.; 4 e 5. S. Scutellaris Walk; 6 e 7. S. Gubernatoris sp. n.; 8 e 9. S. pseudotaeniata sp. n.; 10. larva da mesma espécie, menos ampliada; 11. Asa de Ar. ventralis Walk.; 12. Garras tarsais anteriores, medianas e posteriores da mesma ; 13. Asa de Ar. panalectoros sp. n.; 14. Cabeça e apêndices, e 15. Garras tarsais anteriores, medianas e posteriores da mesma. GILES, Lieut.-Col. Geo M. A handbook of the gnats or mosquitoes giving the anatomy and life history of the Culicidae. London: John Bale, Sons & Danielsson, Ltd. 1902, prancha XIV.

Species of the genera Stegomyia e Armigeres. 1. S. Notoscripta Skuse; 2 and 3. S. fasciata Fabr.; 4 and 5. S. Scutellaris Walk; 6 and 7. S. Gubernatoris sp. n.; 8 and 9. S. pseudotaeniata sp. n.; 10. larva of the same species, less amplified; 11. Wing of Ar. ventralis Walk.; 12. Fore, mid and hind tarsal claws of the same species/specimen; 13. Wing of Ar. panalectoros sp.n.; 14. Head and appendages, and 15. Fore, mia and hind tarsal claws of the same. GILES, Lieut.-Col. Geo M. A handbook of the gnats or mosquitoes giving the anatomy and life history of the Culicidae. London: John Bale, Sons & Danielsson, Ltd. 1902, plate XIV

Zoologia médica. Generalidades*

1 – Animais transmissores de moléstias do homem e dos animais domésticos

As relações entre a patologia do homem e dos outros entes vivos dependem principalmente do grau de afinidade que existe entre eles.

Os animais superiores têm um certo número de moléstias infecciosas em comum com o homem; podem ser infectados experimentalmente ou naturalmente com moléstias humanas e podem transmitir as suas, direta ou indiretamente, ao homem. A moléstia própria ao animal e excepcional no homem chama-se zoonose; no caso contrário, pode se falar em antroponose, reservando o termo antropozoonose às moléstias para as quais tanto um como o outro mostram bastante predisposição.

Os animais inferiores diferem tanto na sua fisiologia e biologia, que também a sua patologia é forçosamente muito diversa. Já as diferenças nas condições de temperatura, posto que menores nos países quentes do que nas zonas frias, explicam por que as moléstias infecciosas e epidemias dos animais invertebrados e mesmo dos vertebrados inferiores de temperatura variável nada têm em comum com aquelas dos mamíferos e das aves.

O mesmo parasito e o mesmo vírus podem ser encontrados no homem e nos invertebrados, seja em forma idêntica, seja em fase de evolução diferente; não produzem, contudo, sintomas idênticos e geralmente a tolerância dos animais inferiores é muito maior.

Quando uma moléstia é transmitida mais ou menos diretamente de outro vertebrado ao homem, trata-se, geralmente, de animais domésticos ou de espécies que se têm tornado domésticas, vivendo nas habitações humanas, como por exemplo os ratos e camundongos.

O contágio se faz por diferentes modos.

Um é o contato direto das superfícies cutâneas, quando o homem trata dos animais vivos ou lida com os mortos, como acontece na vacina, na febre aftosa, nas dermatomicoses, nas sarnas etc.; no carbúnculo a moléstia pode ser transmitida mesmo pelos couros e pêlos dos animais.

Os alimentos, a carne por exemplo, podem conter vários germes patogênicos, entre outros, os bacilos tifóides e paratifóides; o leite cru transmite a febre da malta, a febre aftosa, os cocos piogênicos etc.

As mordeduras de animais, pela inoculação da saliva, não transmitem somente germes piogênicos e sépticos, mas também a hidrofobia, a moléstia de mordedura de rato e a esporotricose.

Os excrementos dos animais contêm freqüentemente germes patogênicos, transmissíveis direta ou indiretamente.

Sobre o modo de transmissão da psitacose faltam ainda observações exatas, mas esta moléstia, que produz pequenas epidemias muito mortíferas, está em relação direta com papagaios conservados em casa, ou se liga ao comércio com estes. Os diferentes vermes são em parte transmitidos pela carne, como as trichinas e a Taenia solium, devidas ao consumo de carne de porco mal cozida; de outro lado, a echinococose, é devida a contaminação com excremento de cão; entram todavia numa categoria especial, porque aqui a invasão é combinada com um desenvolvimento de outra fase evolutiva do parasito que, às vezes, nem pode ser formado em hospedador da mesma espécie. Também o capítulo da helmintologia deve ser tratado separadamente.

Entre os animais transmissores de moléstias há duas categorias que nestes últimos anos têm assumido uma importância capital na patologia geral e principalmente na dos povos que habitam as zonas quentes.

À primeira pertencem as espécies que são apenas portadoras ou veiculadoras de germes; enquanto que nos animais que pertencem à segunda há evolução de outra fase ou geração do parasito, e ao mesmo tempo uma multiplicação deste. Ambos compreendem animais inferiores principalmente artrópodes. Entre estes convém citar os ixodídeos, da classe dos aracnídeos, da ordem dos acaríneos e a classe dos insetos ou hexápodos com as ordens hemípteros, dípteros e afanípteros.

O problema mais simples da veiculação de germes dá-se nas moléstias bacterianas, nas quais o germe causador é eliminado em secreções e excreções, facilmente acessíveis a diferentes espécies de moscas que as procuram. De lá pode ser levado pelas patas ou pelos excrementos de moscas para os alimentos, penetrando com estes no tubo gastrintestinal de outros indivíduos ou sendo depositado sobre feridas ou mucosas acessíveis. Como exemplos de moléstias ocasionalmente (porém não exclusivamente) propagadas por estes processos pode-se mencionar o cólera, a febre tifóide, as diarréias infantis, de um lado, o tracoma, a conjuntivite epidêmica benigna de Koch-Weeks, as úlceras tropicais por simbiose fuso-espirilar e a bouba, de outro. A possibilidade e em alguns casos, a própria transmissão são comprovadas por numerosas observações e trabalhos experimentais, feitos nestes últimos anos. Outros parasitos intestinais, como amebas, flagelados, infusórios e mesmo alguns vermes podem ser transmitidos pelo mesmo processo.

O caso já se torna mais complexo, quando se trata de organismos, localizados no sangue da circulação. As hemorragias não sendo bastante freqüentes, é preciso que o inseto veiculador pertença à categoria, aliás bastante numerosa, dos suga dores de sangue. Estes extraem o sangue com os parasitos, por meio de uma picada e podem reinoculá-lo do mesmo modo, seja imediatamente, seja mais tarde.

No primeiro caso, que se dá somente quando o inseto for afugentado antes de estar repleto de sangue, a tromba age a modo de uma lanceta de vacinação; mas o processo é pouco seguro, porque as quantias reinoculadas são muito pequenas. Há todavia observações que indicam a ocorrência deste modo de transmissão, por exemplo no carbúnculo, e em certas tripanossomíases. Em outros casos o germe prolifera, antes de ser reinoculado por picada ou mesmo por meio dos excrementos, que o sugador de sangue depõe na pele da segunda vítima. Isto se dá, por exemplo, na peste bubônica e também em certas formas de febre recorrente e tripanossomíase e talvez na bouba. Acredito que também a lepra se propague unicamente por este modo.

Nos casos citados o germe é introduzido na mesma forma, na qual foi extraído ou, quando muito, em forma de esporos ou conídios. Assim, muitas vezes, a moléstia pode também ser inoculada aos animais de experiência em qualquer período da incubação no transmissor, mas, em outros casos, este só se torna infeccioso depois de um certo período que pode durar mais de 10 dias. Este fato indica claramente, primeiro, que o organismo causador passa no organismo do transmissor por outras fases de evolução, que não são adaptadas às condições do corpo humano e, que, depois destas, são produzidas formas infecciosas, geralmente em número muito grande, o que favorece a reinoculação. Em certos casos, como na malária e nos hematozoários do mesmo grupo, este processo pode ser demonstrado por preparações microscópicas, evidenciando a evolução. Isto se dá com vários protozoários parasitos do sangue, como hemosporídios, piroplasmas etc.

Pode-se também citar o caso das filárias do sangue, nas quais o processo foi observado em primeiro lugar e se presta muito bem à demonstração.

Em outros casos, numerosos e importantes, o organismo causador é desconhecido, geralmente por ser ultramicroscópico. Mencionaremos a febre de Pappataci ou de três dias e o dengue. No caso do tifo exantemático e da febre das Montanhas Rochosas ainda há dúvida sobre a natureza do causador, mas está completamente verificado que o primeiro é transmitido por piolhos e a segunda por carrapatos.

Muitas moléstias de animais domésticos também entram nesta categoria.

Nas tripanoses o modo de transmissão é um tanto variável, mas uma parte delas, sem dúvida, deve ser incluída no mesmo grupo.

Os processos parasitários são de grande importância na patologia humana e ainda mais na dos animais domésticos.

Fazendo a revisão das moléstias particulares às zonas quentes, chegamos ao resultado que a parte mais importante da patologia tropical é constituída por moléstias transmitidas por sugadores de sangue. Se isto não se dá nas zonas frias, é porque não somente o número dos artrópodes hematófagos e o seu tempo de ação são muito mais restritos, mas também a temperatura mais baixa impede muitas vezes o desenvolvimento das formas intermediárias nos sugadores de sangue. Explica-se isto facilmente, considerando que as outras fases se adaptaram à temperatura do sangue humano.

Do que acabo de expor, resulta a grande importância do estudo dos sugadores de sangue, tanto com relação a sua distribuição, como principalmente com rela722 ção a sua biologia. Hoje este fato é geralmente aceito e compreendido, mas não era assim quando principiei os meus estudos sobre este assunto, há mais de vinte anos.

Ninguém acreditava, então, que poucos anos depois este assunto seria ensinado em cursos especiais, nem se previa a extensão da literatura que hoje existe sobre esta matéria.

Antes de tratar mais detalhadamente dos sugadores de sangue e das moléstias e parasitos por eles transmitidos, convém lembrar algumas datas para mostrar como em pouco tempo se estenderam os conhecimentos, a princípio muito limitados, deste assunto.

Enquanto os problemas da patologia tropical ainda estavam muito atrasados, a helmintologia tinha feito grandes progressos e familiarizado os médicos com certas idéias, que a princípio pareciam muito estranhas.

A evolução dos vermes parasitários em mais de um organismo, podendo um ser extremamente diferente do outro, a migração dentro do corpo do hospedador e os diferentes modos de abandoná-lo, o parasitismo no coração e nos vasos de sangue tornaram-se familiares pelo estudo dos vermes parasitos do homem e dos animais superiores. Assim foi também que se chegou a compreender o importante papel dos sugadores de sangue. Em estudos sobre as microfilárias do sangue humano, Manson em Hong-Kong descobriu a periodicidade destes, quer dizer, o aparecimento no sangue da circulação apenas nas horas noturnas. Esta observação dirigiu as suspeitas de funcionarem como hospedadores intermediários sobre os mosquitos noturnos, o que de fato foi demonstrado em 1877 pelo mesmo Manson.

O mérito de explicar a reinfecção, na ocasião da picada pelo mosquito, pertence contudo a Bancroft, que também descobriu a filária adulta.

Estas observações dirigiram a atenção sobre os mosquitos como transmissores eventuais do impaludismo. Ross, inspirado por Manson, estudou esta questão e conseguiu demonstrar em 1899 que um mosquito transmitia um hematozoário de pássaro, muito parecido ao do homem; mas só Grassi, depois de Ross, determinou que os transmissores da malária eram anofelinos e descreveu a evolução do hematozoário humano, que é idêntica à do aviário que tinha sido estudada por Ross.

Esta descoberta já tinha sido precedida pela observação de Smith e Kilborne, feita nos Estados Unidos, que os piroplasmas bovinos eram transmitidos por carrapatos.

Também a observação, feita em 1895 por Bruce, que a mosca tsé-tsé não matava os animais domésticos pela inoculação de um veneno, mas era transmissora de uma tripanose fatal, era anterior de alguns anos.

A transmissão da febre amarela pela Stegomyia foi demonstrada em 1900.

Alguns anos depois também se verificou a transmissão da Spirocheta das galinhas por um argas.

Daqui para diante o número de fatos aumentou rapidamente, como mencionaremos falando das espécies hematófagas. Convém entretanto salientar que, muitas vezes, o povo já tinha noções perfeitamente corretas sobre a transmissão de certas moléstias, quando a ciência ainda não tinha chegado a nenhum resultado positivo.

Quanto ao papel de moscas hematófagas na transmissão do carbúnculo e de processos purulentos, já era admitido por muitos autores, tempos antes da demonstração do papel dos mosquitos na filariose e na malária.

2 – Classificação e propriedades gerais dos sugadores de sangue.

Entre os sugadores de sangue que podem funcionar como transmissores de moléstias predominam os invertebrados.

Aos vertebrados pertencem apenas alguns morcegos cujo tamanho é muitas vezes superior ao de todos os outros hematófagos.

O seu papel na patologia humana parece sem importância, mas não se pode afirmar que seja também assim em relação aos animais domésticos. Numa epidemia que reinou entre o gado de santa Catarina, apresentando sintomas parecidos com os da hidrofobia, foram acusados de agir como transmissores, e esta hipótese, posto que não provada experimentalmente, parece perfeitamente admissível.

Os invertebrados hematófagos incluem um certo número de vermes. Deixando de lado os endoparasitos, que geralmente não estão em condições de transmitir moléstias de um indivíduo para outro da mesma classe, apenas os hirudíneos sugam o sangue de mamíferos. Não há evidência que transmitam parasitos destes mas sabe-se que inoculam flagelados e peixes e anfíbios, depois de servir de hospedadores intermediários.

A grande maioria de sugadores de sangue pertence ao grupo dos artrópodes, sendo dividida entre os aracnídeos e insetos. Só excepcionalmente o seu comprimento alcança alguns centímetros, geralmente fica inferior ou pouco superior a um centímetro; muitos medem apenas alguns milímetros mas todos são perfeitamente visíveis a olho nu.

Dos aracnídeos apenas os ixodídeos se alimentam com sangue de mamíferos. Há contudo muitos acarinos que infestam o homem e os animais domésticos, alimentando- se com líquidos orgânicos, o que indica a possibilidade da transmissão dos parasitos que porventura neles existem. Assim a febre fluvial do Japão é inoculada por larvas de um Microtrombidium.

Os insetos incluem o maior número de espécies hematófagas. O seu número na América do Sul alcança ou excede quatrocentos. Entre os insetos, os hematófagos limitam-se às ordens que têm partes bucais pungitivas e suctórias. São estes os hemípteros e dípteros, aos quais se filiam os piolhos e pulgas já muito adaptados ao parasitismo que é geral.

Nos hemípteros e dípteros a porcentagem de espécies adaptadas ao hematofagismo é muito pequena, o que não impede que o número absoluto das mesmas seja considerável. Entre os hemípteros, que têm a metamorfose incompleta, todos os estados sugam sangue; nos dípteros o hematofagismo se limita aos adultos, ou as larvas no caso muito especial de algumas larvas de Muscídeos.

O papel mais importante na transmissão de moléstias humanas cabe aos dípteros hematófagos que por isso devem ocupar-nos em primeiro lugar.