Dípteros da família Blepharoceridae observados no Brasil*
Parte geral
Introdução
As Blepharoceridae são uma pequena família de nematóceros, encontrada tantono Velho como no Novo Mundo, e tanto em zonas quentes como em climas moderados e mesmo frios. O seu hábito (Fig. 111 e 113) lembra os tipulídeos menorespelo corpo alongado e glabro, as pernas muito compridas e as asas bastante longas, sem pêlos ou escamas. As cores principais são preto e amarelo variando do ocráceo até ao alaranjado; a coloração pode diferir de um sexo para outro. As antenas são filiformes, pouco compridas e geralmente quase glabras; os palpos são variáveis, com dois a cinco artículos; a tromba, maior que a cabeça, pode ser muito alongada. Os olhos, freqüentemente bipartidos, podem ser holotípicos ou dicotípicos, em ambos os sexos ou num só. Há sempre ocelos. As asas são bastante características, apresentando uma rede de dobras (mais ou menos apagadas, mas sempre perceptíveis) que não existem em outros dípteros. A asa é comprida, larga e muito destacada, como pedunculada, na base, sem lóbulo anal e calípteras; a margem posterior forma, perto da base, um ângulo anal saliente, apenas um pouco arredondado, e depois outro axilar em sentido oposto, que é marcado por um espessamento da margem. A nervatura varia um tanto, mas é sempre bastante simples. Não há célula discoidal. Os halteres têm a haste comprida e fina, com capítulo relativamente pequeno. As pernas são inermes ou têm na extremidade da tíbia posterior um a dois esporões. Os pés, na regra, não têm pulvillas livres e apenas um empódio rudimentar. Há unhas de forma variável, que podem diferir nos dois sexos. As larvas e as pupas são características para a família, podendo ser reconhecidas com a maior facilidade.
A biologia é a mesma em toda a família. Os primeiros estados vivem exclusivamente sobre pedras banhadas por águas que correm com muita força, sendo especialmente adaptados a este gênero de vida. Por esta razão as espécies limitamse a regiões montanhosas e são desconhecidas nas planícies. Os adultos são raras vezes observados, mesmo em lugares onde as larvas são freqüentes.
Pelos caracteres, observados nas várias espécies, esta família lembra muitas outras, mas na sua totalidade difere de todas as outras formando um grupo muito isolado. Para alguns autores ela caminharia rapidamente para uma extinção completa, mas, a meu ver, esta afirmação está longe de ser provada.
A primeira espécie foi descrita em 1842 por Westwood com o nome de Asthenia fasciata. Em 1843 MacQuart descreveu a Blepharicera limbipennis. O nome de MacQuart, depois emendado em Blepharocera, prevaleceu, por ser o nome Astheniajá ocupado. Refere-se ao fato de que as antenas neste gênero têm uma série de cílios. (Não é geral nesta família, que se distingue precisamente por antenas quase glabras.) Em 1866, Schiner descreveu a primeira espécie sul-americana, Paltostoma superbiens, que se distingue das nossas espécies principalmente pela probóscide muito comprida. Desde 1881 apareceram os trabalhos de Fritz Mueller sobre as espécies brasileiras, baseadas em larvas, pupas e imagos extraídas destas. Em 1893 Williston descreveu a primeira espécie, procedente do Rio de Janeiro, sob o nome Snowia rufescens, baseando-se apenas numa fêmea adulta.
Os autores que mais se ocuparam em resumir os conhecimentos sobre as Blepharoceridae são em primeiro lugar Loew e depois Osten-Sacken. Em 1907 Kellogg tratou deste assunto no Genera Insectorum, e em 1913 Bezzi publicou um trabalho em que trata especialmente das espécies italianas, mas também, de um modo mais geral, de todas as espécies publicadas, principalmente nas partes que se referem à bibliografia e sistemática. Depois do trabalho de Bezzi apareceram alguns artigos referindo-se a espécies e gêneros novos, mas não me consta ter sido publicado outro trabalho mais extenso.
História e classificação das espécies brasileiras
Antes dos meus estudos, o conhecimento das blefaroceridas brasileiras limitavase a um trabalho de Fritz Mueller e à descrição de uma fêmea adulta por Williston. O material de Mueller era colhido em Blumenau (Santa Catarina) e continha pelo menos quatro espécies que todavia foram reunidas em uma só, debaixo do nome Paltostoma torrentium; mais tarde o nome genérico foi substituído por Curupira. O autor estudou principalmente as larvas e pupas dando figuras e descrições detalhadas. Não conseguiu apanhar adultos, mas obteve imagos, mais ou menos maduras, extraindo-as dos casulos que lhe permitiram estudar os caracteres morfológicos principais. Repeti este estudo no material abundante que consegui reunir durante muitos anos nos estados: Rio de Janeiro, Minas e São Paulo e cheguei finalmente à conclusão de que as minhas espécies eram indubitavelmente diferentes, mas ofereciam caracteres genéricos iguais. Estas conclusões foram confirmadas mais tarde, quando consegui obter material dos próprios rios onde Fritz Mueller colecionou.1
De larvas que considerou variáveis, Mueller obteve um só tipo de macho e dois de fêmeas; incluiu todo o material observado em uma espécie, atribuindo a esta uma fêmea sanguessuga e uma outra melissuga. A primeira tinha mandíbulas serreadas (como os sugadores de sangue), hipofaringe com dentes laterais e unhas compridas; a segunda era destituída de mandíbulas, com o hipofaringe não dentado e as unhas curtas. Sem ter observado as imagos em estado livre, baseava-se nos caracteres anatômicos, para atribuir a estas fêmeas os diferentes modos de vida que ele designou pelos adjetivos sanguessuga e melissuga.
Como já salientamos em publicações anteriores, nunca encontramos uma blefarocerida entre muitos milhares de dípteros, apanhados no ato de picar pessoas ou animais domésticos, posto que muitas destas observações fossem feitas em lugares onde havia rios com muitas larvas e casulos de blefarocerídeos.
Também as fêmeas sanguessugas diferem das espécies que são conhecidas como sugadores de sangue por terem as maxilas reduzidas e muito mais curtas que as mandíbulas.
Assim pode-se considerar errônea a suposição que haja blefarocerídeos sugadores de sangue vermelho. A esta conclusão também chegaram Williston e Bezzi. Não admitiram que as duas fêmeas, bem distintas, pudessem corresponder a machos muito semelhantes, o que, todavia, é o caso, nem compreenderam bem os caracteres do gênero Curupira.
Por isso Williston estabeleceu logo um novo gênero quando descreveu, sob o nome de Snowia rufescens, um exemplar da coleção de H. H. Smith, rotulado: “Rio de Janeiro”. A definição de Williston nada contém de incompatível com o gênero Curupira, como já declarou Mick, com quem concordo, mesmo depois da contestação de Williston. (O nome Snowia, aliás, já estava sendo utilizado, razão por que foi mudado em Sackeniela. Pela mesma razão, este nome foi substituído por Kelloggina.) As descrições do gênero e da espécie são reproduzidas na nota 2.2
A descrição de Williston não permite reconhecer a espécie (tanto mais que falta indicação mais exata do lugar onde foi apanhada). Isto não é para admirar, visto que só dispunha de uma imago fêmea. O desenho do escudo nem sequer foi mencionado, mas as unhas grandes e nervura transversal entre a quarta e a quinta longitudinal caracterizam o gênero.
Para conhecer uma fauna local de Blepharoceridae é preciso procurar os primeiros estados que, com um pouco de prática, são facilmente encontrados nas lajes de águas encachoeiradas, onde muitas vezes existem em grande número. No Brasil, em lugares bem apropriados, a coexistência de duas ou mais espécies é a regra, o que dificulta consideravelmente o trabalho. Todavia, em todas as espécies encontradas, as larvas da última muda são facilmente discriminadas e por meio destas chega-se a distinguir os casulos ou pupas, o que já é um tanto mais difícil. As pupas maduras, que são encontradas em proporção relativamente grande, permitem a extração das imagos, como já fez Fritz Mueller. Não é muito difícil e fornece todos os caracteres anatômicos, mas as cores são apagadas, as asas são dobradas e as pernas sinuosas. Com o maior cuidado não se consegue endireitar perfeitamente as asas e as pernas. Assim, não se obtém uma boa idéia do hábito geral e a própria coloração difere muito da das imagos capturadas. Pode-se, todavia, distinguir as espécies.3
Trabalhando assim, vê-se que o número de espécies é bastante grande. No estado do Rio de Janeiro e na serra da Bocaina encontrei sete espécies, e no de Santa Catarina mais sete a oito, incluindo as de F. Mueller; as espécies do Sul procedem de um território cujo diâmetro mais comprido não alcança oitenta quilômetros.
Durante os meus estudos, que datam já de dez anos, examinei centenas de larvas e pupas de cerca de vinte lugares diferentes. Em todo este tempo não me foi possível, apesar de muitos esforços, obter uma imago capturada em condições naturais e recebi apenas duas que tinham saído espontaneamente de pupas, retiradas da água pouco antes. Uma delas dá uma boa idéia da aparência do díptero perfeitamente maduro. Há pouco, recebi uma série de machos e fêmeas maduras de uma espécie do Sul e uma fêmea perfeita de outra, apanhada no Rio de Janeiro.
As espécies conhecidas de Blefarocerídeos são pouco numerosas, mas diferem muito entre si, o que deu origem a um número relativamente grande de gêneros. Vários autores, em último lugar Osten-Sacken, Kellogg e Bezzi, procuraram pôr ordem na sistemática. Não obstante o mérito destes esforços, eram evidentemente um tanto prematuros, visto que as informações sobre esta família são ainda muito deficientes. Isto aparece, principalmente, quando se procura classificar as espécies brasileiras por uma das chaves para determinação das imagos.
Assim Bezzi forma um Grupo II, caracterizado, em primeiro lugar, pela nervatura das asas; depois continua:
Tibie posteriori forniti di speroni bene sviluppati; unghie del maschio dela solita struttura e non diverse da quele dela femmina; corpo e piedi quasi completamente nudi; femmina munita di forti mandibole.
Ora desta definição apenas a parte grifada (por mim) tem valor para as espécies brasileiras. Nas tíbias pode faltar um dos esporões; as unhas sempre diferem nos dois sexos e as mandíbulas faltam às fêmeas de várias espécies. Depois Bezzi dá a seguinte definição que se aplica bem aos nossos gêneros:
Proboscide corta, lunga al massimo poco piu del capo nela femmina; palpi bene sviluppati.
Continua assim a sua chave:
Quarto e quinto nervo uniti di regola fra di loro presso la base de una nervura transversale di cui esiste almeno un rudimento; occhi distanti nei due sessi e non bisettati: Kelloggina Will.
Quarto e quinto nervi completamente liberi alle base; occhi congiunti e bisettati: Curupira Muell.
O primeiro destes caracteres, que é de verificação difícil nas imagos extraídas das pupas, não parece constante em espécies muito aproximadas. O segundo caráter da Kelloggina é baseado em suposição errônea e não existe em nenhuma espécie brasileira das muitas que examinei. Todas têm machos holópticos e fêmeas dicópticas e olhos bipartidos nos dois sexos.
Tendo já exposto os caracteres gerais dos Blefarocerídeos tratarei dos que se referem às espécies brasileiras; cito aqui os que distinguem os gêneros e espécies até hoje observados por mim:
Olhos do macho holópticos e bipartidos, os da fêmea dicópticos e bipartidos. Tromba de comprimento regular e aproximadamente igual ao dos palpos, que têm quatro ou cinco artículos e muitas vezes um órgão cupuliforme. Mandíbulas bem desenvolvidas ou completamente ausentes.
Corpo, pernas e asas quase glabros. Asas com a segunda e quinta nervura bifurcadas; entre a quarta e a quinta pode haver uma nervura transversal oblíqua, perto da base; a terceira nervura falta. Não existem nervuras interrompidas.
Tíbia posterior com um ou dois esporões de tamanho desigual. Unhas do macho pectinadas, as da fêmea sem pente.
Larvas com antenas curtas e seis a sete pares de fulcros. O último par, quando não falta, é mais ou menos rudimentar. Nos últimos instares o dorso é inerme ou munido de espinhos. O ventre tem apêndices branquiais ramificados na larva adulta; o último segmento tem de cada lado cinco a nove ramos e dois mais largos atrás da ventosa; os outros segmentos, menos o cefálico, têm de oito a nove ramos no lado externo das ventosas, geralmente em três grupos, raras vezes acumulados na parte anterior.
As pupas são, em parte, glabras, em parte cobertas de grânulos que podem assumir a forma de pequenos ou grandes espinhos; sua forma e disposição caracterizam as espécies. Têm quatro apêndices branquiais triangulares na parte anterior do dorso, dos quais dois podem ser unidos na base.
Reconheço apenas os gêneros Curupira e Dimorphotarsa que se distinguem do modo seguinte: nos dois sexos as unhas são compridas e o metatarso curto, munido de epicôndilo: Curupira.4
A fêmea com as unhas curtas, o quinto tarso mais comprido, sem epicôndilo: Dimorphotarsa.
Notas sobre a morfologia e biologia dos diferentes estados das espécies indígenas
Ovos. Os ovos dos blefarocerídeos exóticos são pouco conhecidos. Supõe-se que sejam depositados sobre a pedra úmida, ao lado dos córregos onde as larvas são encontradas. Nestas condições pode-se observar ovos de muitas espécies de insetos com larvas aquáticas, que só por uma comparação minuciosa podem ser identificados, a menos que contenham já larvas bastante desenvolvidas. Nunca observei ovos nestas condições favoráveis.
As fêmeas retiradas das pupas contêm ovos em diversos estados de evolução. Algumas vezes são numerosos e bastante desenvolvidos, mostrando um conteúdo granuloso dentro de uma casca lisa (31) ou granulosa (95), branca ou amarela, piriforme ou em oval alongado, geralmente um tanto achatado de um lado. Outras vezes são mais grossos e curtos, de cor branca, com a casca grossa, um tanto porosa e completamente cheia de uma massa granulosa. Talvez estas diferenças sejam em grande parte devidas ao tempo maior ou menor que a fêmea passou na pupa, mas, mesmo se fossem constantes, não corresponderiam a gêneros e apenas a espécies diferentes.
Larvas. Para comparar as espécies, convém escolher larvas que se acham no mesmo período e de preferência no último, que, além de ser mais diferenciado, é facilmente reconhecido, por mostrar por baixo da pele o aparelho branquial e a pele da pupa. O comprimento de mais ou menos um centímetro já indica as larvas da última muda.
Parece haver pelo menos quatro instares larvais. Há sempre seis segmentos, divididos por incisuras laterais bastante profundas. As partes mais largas dos segmentos têm processos subcônicos e troncados, formando a base de órgãos subcilíndricos que, nem morfologicamente, nem pela função, correspondem às pernas, verdadeiras ou falsas, de outras larvas. Creio que a sua função é de destacar as ventosas uma por uma e por isso proponho o nome alavancas ou fulcros (em latim fulcrum ou vectis, em grego mócpo). São bastante quitinizados e levam, geralmente, na face superior, algumas fileiras de pêlos finos; um feixe dos mesmos encontra-se no ápice ligeiramente afilado ou arredondado, que, no gênero Curupira, costuma ter algumas cerdas mais grossas, lembrando espinhos. Os segmentos da larva podem encurvar-se, de modo que os fulcros de um lado se tornam quase perpendiculares.
Algumas espécies do Sul mostram no dorso dos fulcros, mais perto da base, processos verticais da forma de espinhos curtos e grossos. Continuo a usar a designação espinho, introduzida por Fritz Mueller, mas saliento que os espinhos dos fulcros diferem muito dos outros porque não têm uma base definida e fazem corpo com o fulcro. A sua cor também o indica.
A parte anterior do segmento caudal e a posterior do segmento cefálico trazem um par de fulcros e correspondem a um segmento intermediário soldado a outros mais modificados.
No segmento caudal pode existir outro fulcro mais para trás, mas este é muito menor. Geralmente é reduzido a uma verruga ou uma papila carregando uma ou duas cerdas, que representam o último vestígio das cerdas apicais dos fulcros.
Do lado ventral, cada segmento traz uma ventosa que serve para a fixação. Do lado de fora desta acha-se o aparelho respiratório que consiste de três grupos de brânquias claviformes. Formam geralmente uma fileira; somente na primeira espécie descrita ocupam a margem anterior. Trata-se apenas de um caráter específico e não genérico. Na larva adulta, cada grupo é formado por dois a três ramos, chegando o total a oito ou nove (na espécie 1, a 7 ou 8). Nos instares anteriores estes grupos só têm um a dois ramos.
No segmento caudal há dois ou três grupos e, em redor da metade posterior da ventosa, existem brânquios mais largos que são os únicos observados no primeiro instar larval. Os brânquios têm uma pele fina e transparente e parecem brancos quando examinados em estado fresco, em álcool ou em solução de formol; nos líquidos mais refringentes tornam-se transparentes e indistintos.
Na parte anterior e dorsal do segmento cefálico há escudos cuja escultura difere do resto da pele.
Formam no meio um grupo de três, com contorno subquadrado, existindo mais dois afastados, um de cada lado. O tamanho varia um pouco na mesma espécie. Parece que tamanho pequeno e placas relativamente grandes caracterizam o sexo masculino e o inverso, o feminino. Na cabeça percebem-se também duas manchas pigmentadas que parecem ocelos e antenas curtas, formadas de dois segmentos, assim como uma papila basal. As partes bucais são pouco visíveis. Foram estudadas e figuradas por Fritz Mueller.
O corpo é achatado no plano inferior, arredondado nas extremidades e um tanto convexo no dorso, tanto no eixo longitudinal como no transversal. A pele de cima é grossa, coriácea e de cor opaca, pardo-olivácea ou enegrecida. Só a espécie n.1 apresenta manchas mais claras. Por meio de reativos (dos quais o fenol puro liquefeito é o melhor) obtém-se uma transparência que permite reconhecer a pele já formada do instar seguinte e compará-la com a atual. Assim se pode ver larvas lisas que mostram, dobrados debaixo da pele, espinhos que devem ficar livres na próxima muda, e reconhecer os pontos, granulações, pêlos e espinhos da pele pupal, o que é de sumo valor para a diferenciação das espécies, já que a criação no laboratório é quase impossível.
A pele dorsal das larvas mostra desenhos finos que, em pequena escala, lembram as linhas da epiderme humana que aparecem nas impressões digitais. Nos processos laterais (que servem de base aos fulcros) a pele parece escamosa, mostrando escamas maiores e isoladas que formam linhas marginais nos segmentos. Além destas, percebem-se tubérculos achatados ou cônicos, em grupos irregulares, situados no dorso.
Há pêlos isolados, às vezes aureolados, tanto no dorso como no ventre e na margem posterior. São mais abundantes na margem cefálica.
Ao lado destas estruturas constantes há outras que são limitadas aos últimos instares larvais de certas espécies. Consistem em espinhos de tamanho variável e, às vezes, extraordinário. São colocados no dorso do corpo e há também processos cônicos no dorso dos fulcros. Estas formações são dispostas dum modo característico em cada espécie. Faltam no primeiro período que mostra cintas dorsais de acúleos miúdos.
As larvas maduras alcançam um comprimento de 12mm, mas o tamanho varia conforme o indivíduo e a espécie. Geralmente é bastante menor. (A anatomia interna já foi cuidadosamente estudada por Mueller, embora se trate de objetos pouco favoráveis. Achou glândulas salivares em forma de tubos simples e cinco tubos de Malpighi.)
Encontram-se larvas completamente cobertas de diatomáceas que são aproveitadas como alimento, não exclusivamente como querem alguns autores, mas como qualquer objeto miúdo que pode ser facilmente engolido. As larvas dos Blefarocerídeos são encontradas apenas em águas bastante frias e claras que correm sobre pedras com grande velocidade. Limitam-se a córregos e rios pouco volumosos e faltam nas cataratas dos grandes rios. São muito mais raras do que os simuliídeos (que se encontram em condições semelhantes) e faltam freqüentemente, em condições que parecem favoráveis. Morrem logo quando retiradas as condições naturais, mas conservam-se algum tempo nas camadas superficiais de águas paradas ou pouco agitadas, o que parece devido ao acesso mais fácil do ar.
Pupas. A pupa é imóvel e tem a forma de um segmento de ovo, cortado em sentido longitudinal. A face inferior é uma membrana chata, composta de quitina dura, mas bastante fina e transparente; adere à pedra por meio de três pares de almofadas adesivas de forma ovalar. A face dorsal é formada por uma camada quitinosa castanho-avermelhada ou enegrecida, mais espessa e completamente opaca. Neste casulo se forma a imago dentro de uma bainha membranácea, que acompanha os apêndices da cabeça e os membros do tórax, como se pode perceber pela face inferior que se torna escura quando o mosquito está quase maduro. A pupa divide-se em uma parte anterior, que se pode chamar de cefalotórax, em que não há segmentos anulares, e uma parte posterior, no qual há indicação de anéis, pelo menos no dorso. O cefalotórax mostra, na região dorsal anterior de cada lado, um aparelho branquial com quatro lâminas quitinosas triangulares, dispostas como as folhas de um caderno, sendo a anterior e a posterior mais grossas e as internas mais finas. Pelo resto, é formado por alguns escudos grandes. Posteriormente há uma grande chapa dorsal, dividida por uma sutura mediana. Por diante se encaixa entre as duas metades uma chapa triangular, que forma a folha superior do tegumento da cabeça sendo a inferior clara e transparente. Por trás desta há um escudo esternal transparente, enfiado entre duas chapas claras, que cobrem as asas por baixo e continuam o escudo dorsal.
O cefalotórax em geral é liso, mas há algumas regiões onde se pode observar grupos de granulações, às vezes transformadas em espinhos duros. São estas a base dos apêndices branquiais e a margem ântero-inferior do cefalotórax. Na parte média posterior deste há quase sempre um grupo maior ou menor. A parte segmentada do dorso é sempre coberta de grânulos que podem ser substituídos por verrugas ou espinhos, maiores e menores, de quitina mais grossa e escura. Posto que um pouco variáveis, estas esculturas da pele permitem distinguir as espécies por sua forma e disposição.
A parte posterior ou abdominal da pupa mostra no dorso três escleritos que são encaixados na margem posterior do cefalotórax e não atingem os lados. No meio há cinco tergitos completos e no fim um esclerito caudal, chanfrado na parte posterior.
As granulações nele ocupam duas ou três zonas indicando a fusão do mesmo número de anéis.
Segundo Fritz Mueller, o primeiro dos tergitos estreitos e curtos corresponde ao metatórax da imago.
As pupas são encontradas nos mesmos lugares que as larvas, mas em número menor. às vezes são agrupadas em pequenas depressões da pedra onde a força da correnteza acha-se um pouco diminuída.
O período pupal, segundo uma experiência feita com uma espécie de Santa Catarina, não excede necessariamente de duas a três semanas. Pode haver várias gerações no mesmo ano. Em todos os meses encontram-se pupas e larvas de todos os tamanhos. A imago pode sair quando a pupa ainda está coberta pela água, mas parece esperar uma diminuição da correnteza que acompanha e abaixamento do nível. A ecdise se faz em menos de dez minutos.
Estas observações concordam com as indicações, dadas por Johannsen e Kellogg a respeito do gênero Blepharocera.
Imagos. O aspecto das imagos perfeitas consta das figuras 111 e 113; a morfologia geral já foi exposta. Falta apenas tratar de alguns pontos mais especiais.
A cabeça varia de forma de um sexo para outro. Nos machos os olhos são unidos e ocupam quase todo o espaço; são sempre divididos por uma linha fina em duas metades quase iguais, tendo a superior facetas maiores. Na fêmea os olhos são afastados; a parte inferior tem facetas menores e mais desenvolvidas, mas não é a única como pensam todos os autores. A parte de cima acha-se representada por um pequeno segmento, pouco aparente, mas constante. Em vez de serem maiores, as facetas são reduzidas e em conseqüência disso os pelinhos, que sempre dividem as facetas, são mais aproximados, o que se percebe bem em perfil. Trata-se de um órgão rudimentar que provavelmente perdeu as funções. Há, nos dois sexos, um tubérculo ocelífero que pode ser muito alto. No clípeo costuma haver um tufo de pelinhos.
Nas partes bucais distingue-se um labro munido de dois labelos, com pêlos disseminados. Nas fêmeas de Curupira podem afastar-se e deixar aparecer um órgão singular que se parece com uma cerda penada e bifurcada (Fig. 25). Mueller o chama de linguinha e figura-o com uma rigidez que não possui. O labro é bastante largo, pontiagudo e um pouco côncavo no lado inferior. O hipofaringe, caracterizado pelo canal que se abre perto da ponta, tem nas fêmeas de Curupira dentes lineares um pouco afastados que se dirigem para fora e para diante. Nas fêmeas de Dimorphotarsa é inerme; nos machos dos dois gêneros é munido de pêlos finos perto do ápice. As maxilas, sempre presentes, são lâminas pontiagudas, muito mais curtas que as outras peças. As mandíbulas existem apenas nas fêmeas de Curupira e talvez nem em todas as espécies. Têm a forma de uma serra com dentes lineares, um pouco virados para trás.
As antenas podem ter 15 artículos, mas geralmente há fusão de dois; o número de 14 pode mesmo ser reduzido a 13 por outra fusão. Nota-se ocasionalmente uma diferença entre a antena de um lado e a do outro. Os dois artículos basais costumam ser mais grossos e mais claros; os outros são geralmente quase iguais; apenas o último, às vezes, é mais comprido. Todos são ovalares e munidos somente de cílios finos, sem pêlos maiores.
Os palpos deviam ter cincos artículos, mas o basal se destaca mal dos outros; no terceiro pode haver um órgão cupuliforme perto do ápice; os últimos três são anelados. No gênero Dimorphotarsa os palpos das fêmeas são mais curtos e a segmentação é menos distinta. Esta redução dos palpos é acompanhada por falta de mandíbulas e tamanho menor da cabeça.
O desenho do torso do tórax, observado em imagos retiradas das pupas, varia nos gêneros e nas espécies. é muito distinto nesta ocasião, mas pode-se apagar quando aparecem as cores definitivas. A forma dos últimos segmentos abdominais dos machos e das fêmeas é bem visível nas nossas figuras. Não parece de grande valor para a distinção das espécies.
As unhas das fêmeas variam bastante nos gêneros e nas espécies de Curupira. Variam também na cor que é, em parte, mogno, em parte pardo-escuro. Para comparação desta só se poderia usar imagos bem maduras ou aquelas que já têm a coloração definitiva.
Das pupas, que já mostram uma coloração preta na face ventral, pode-se extrair imagos bastante perfeitas. A coloração, todavia, é defeituosa e não se consegue obter as asas e pernas bem estendidas.
Procurei, de dia e à noite, apanhar as imagos perto dos criadouros, mas nunca o consegui. Até hoje foi apanhada apenas uma fêmea e, na mesma ocasião, às 11 horas, um macho foi observado voando. Tenho, todavia, duas fêmeas, que saíram de pupas destacadas, e vários machos e fêmeas, obtidos por criação em condições que imitavam as naturais.
A coloração bastante brilhante e a observação citada indicam que se trata de espécies diurnas. Não são atraídas por luz artificial. A ecdise só se verificou de manhã.
Distinção das espécies brasileiras
Não pode haver a menor dúvida sobre a existência de muitas espécies brasileiras de blefarocerídeos e os tipos podem facilmente ser discriminados quando existem isolados no seu habitat. Verifica-se então que, não obstante a ocorrência de pequenas variações, observadas mesmo nos dois lados do mesmo indivíduo, há caracteres distintivos e satisfatórios. Mesmo quando há mistura de várias espécies, as formas que mais diferem podem facilmente ser distinguidas, mas as dificuldades aumentam quando se trata de formas estreitamente relacionadas, que podem facilmente ser confundidas numa espécie só; assim não parece supérfluo discutir rapidamente os caracteres mais importantes para a sistemática, que permitem caracterizar as espécies, sem que os adultos sejam perfeitamente conhecidos.
Os ovos mostram apenas pequeno número de tipos, mas podem servir ocasionalmente para distinguir duas espécies, aliás bastante parecidas. As larvas variam durante o seu desenvolvimento e convém comparar apenas o último instar que se reconhece pelo tamanho e pela verificação dos apêndices respiratórios da pupa debaixo da pele. Assim, o maior número das espécies pode facilmente ser reconhecido. Há, todavia, pequenos grupos de espécies em que os caracteres mais salientes diferem. Por isso é preciso comparar também os outros estados. Quando as larvas provêm de lugares muito distantes, aumenta a probabilidade de tratar-se de mais de uma espécie.
As diferenças entre as pupas podem parecer muito pequenas, mas são bem acentuadas, mais do que as das imagos retiradas delas. Nestas notam-se certas diferenças do desenho no dorso do tórax que servem para distinguir alguns grupos. As unhas das fêmeas variam bastante em forma, comprimento e cor, mas nem sempre se apresentam bem para uma comparação exata. Os desenhos que acompanham podem ser consultados com confiança, porque foram feitos com aparelho de desenhar em condições iguais. Infelizmente, a nitidez perdeu bastante na reprodução.
Distinção dos sexos
As larvas adultas e pupas serão provavelmente de sexo masculino quando se escolhem os indivíduos menores; os maiores provavelmente pertencerão ao outro sexo; indivíduos de tamanho médio poderão ser machos ou fêmeas.
Os indivíduos extraídos das pupas distinguem-se facilmente pelos caracteres secundários dos olhos e das unhas. Quando estes não eram ainda bem conhecidos, a formação dos órgãos sexuais exteriores se prestava facilmente a erros, principalmente em indivíduos pouco maduros. A sua forma característica aparece claramente nas nossas figuras dispensando uma descrição bastante complicada. Não parecem oferecer diferenças acusadas de valor sistemático. Dessecando o corpo, ou tornando-o transparente, deve-se achar nas fêmeas os ovos ou pelo menos as três espermatecas. As unhas pectinadas pertencem exclusivamente aos machos e nunca faltam; distinguem-se já em imagos pouco maduras.
Descrição das espécies
Passo agora à descrição das espécies observadas, principiando com as do Rio de Janeiro e de regiões pouco distantes. As primeiras observações foram feitas na Serra da Bocaina e continuadas durante uma série de anos; as larvas foram colecionadas em oito córregos diferentes. As observações feitas sobre a primeira espécie foram muito posteriores. Só ultimamente a espécie 6 foi encontrada na vizinhança imediata da Capital Federal pelo desenhador das estampas. O material de Pacau foi descoberto pelo dr. Aragão, mas a localidade (que visitei depois) não é favorável. A colheita do material de Blumenau foi feita pelos srs. Arnaldo Luce e Rudolph Fischer, contribuindo também o sr. érico Gaertner. O material do Salto do Piraí foi colhido pelos mesmos senhores e pelo sr. Rudolph Schmalz. O material de São Bento foi recebido do colecionador Carlos Nahderer. Do Paraná tenho apenas uma espécie, procedente de Morretes, enviada pelo dr. Heráclides de Souza Araújo.
II. Parte sistemática 5
Blepharoceridae dos estados do Rio de Janeiro, Minas e São Paulo
1. Dimorphotarsa fascibranchia, n. gen., n. sp.
(Estampa 1, Figuras 1-13)
Esta espécie foi encontrada num pequeno rio muito encachoeirado que desce da serra da Estrela para a Estação Raiz da Serra da Companhia Leopoldina e no rio Macacu perto de Cachoeira na Estrada de Ferro de Nova Friburgo. No primeiro lugar o material era pouco abundante e no segundo muito escasso.
Ovo. Os ovos, contidos em fêmeas, retiradas das pupas, são brancos e da forma representada na Fig. 1. As larvas novas não se distinguem do tipo geral (Est. 4, Fig. 52).
Larva. As larvas do último instar (Fig. 2-4) conhecem-se facilmente pelas manchas claras no dorso que não existem em outra espécie conhecida, e pelos fulcros amarelos, pontudos e guarnecidos no lado dorsal, de pêlos finos e densos. O aparelho branquial dos segmentos intermediários mostra de cada lado sete a nove (geralmente oito) lóbulos que são acumulados na altura da margem anterior das ventosas, enquanto que as outras larvas observadas têm fileiras longitudinais de três grupos.
O tamanho das larvas varia, mas é sempre modesto. As chapas cefálicas mostram um tipo maior (? ♀) e menor (? ♂), o último representado na Fig. 2. As antenas têm uma chapa basal e dois segmentos alongados, sendo o segundo mais comprido. Em cada segmento do corpo existe uma área porosa elevada, um pouco adiante do centro do tergito.
Casulo. Os casulos, bastante pequenos, têm, às vezes, o par interno das lâminas branquiais unidas na base. Os grânulos, assaz grandes e um tanto elevados, são geralmente densos; no cefalotórax há, dos dois lados da sutura, um pequeno grupo apical e outros em frente e do lado exterior de cada apêndice branquial; aqui os grânulos tomam em parte a forma de espinhos curtos (Fig. 6).
Imago. O macho tem a cabeça grande com olhos holópticos e segmentados (7). No segmento de cima as facetas são maiores. Ocelos distintos em tubérculo saliente. Antenas com 14 artículos, os dois basais mais curtos e grossos. Palpos sem órgão, mais curtos do que a tromba, os três últimos segmentos pouco destacados. Tromba mais longa que a altura da cabeça; as maxilas curtas, o labro com pelinhos perto da ponta. Maxilas faltam (como sempre nos machos).
Na fêmea a cabeça é menor e os olhos são dicópticos. As facetas do mesmo tamanho como na parte inferior dos olhos do macho e muito reduzidas no pequeno segmento superior, que parece um órgão rudimentar sem função. Antenas como no macho, os dois últimos segmentos mal separados. Maxilas como no macho. Não há mandíbulas; o labro é pontiagudo, sem pelinhos.
As imagos, extraídas dos casulos, têm as pernas ocráceas e o corpo com desenho ocráceo sobre fundo branco-amarelado sujo. O do dorso tórax consta da Fig. 13, o do abdome é formado por cintas apicais pouco distintas.
A nervura transversal entre a terceira e quarta longitudinais parece faltar.
O macho tem dois esporões desiguais no ápice da tíbia de trás; na fêmea falta o maior. O último tarso de todas as pernas é típico no macho, com epicôndilo peludo curto e curvo e com as unhas pectinadas e compridas. Na fêmea é mais alongado e quase reto, sem epicôndilo; as unhas são curtas, grossas e mais curvadas, em parte cor de mel, na parte dorsal quase brancas.
Nesta espécie, como em todo o gênero, as fêmeas correspondem ao tipo melissuga de Fritz Mueller. A cor e os desenhos modificar-se-ão, sem dúvida, depois da ecdise.
2. Dimophotarsa bocainae, n. gen., n. sp.
Esta espécie foi obtida na serra da Bocaina. O material consiste em pequenos números de pupas e imagos extraídas, mas distingue-se claramente do anterior.
Ovo. Os ovos da fêmeas quase maduras têm o tipo da Fig. 14.
Larva. Da larva existe apenas um fragmento que já mostra a pele pupal. Não tem espinhos, nem fulcros supernumerários. Os fulcros são amarelos, cilíndricos, com extremidade romba e muitos pêlos finos. A pupa tem os folíolos branquiais do meio unidos da base, ainda mais que na espécie anterior. Também os grânulos são mais finos, porém o grupo apical do cefalotórax e os laterais são maiores. Nos últimos os grânulos são cônicos (16).
Imago. A fêmea tem o segmento superior do olho pequeno e pouco distinto, com facetas muito atrofiadas. Os esporões (19) do ápice da tíbia de trás são pequenos e pode faltar um. O último tarso tem a forma característica do gênero (18). O desenho do escudo da fêmea, contida na pupa, (20) difere do da espécie anterior.
A segunda nervura transversal parece faltar.
A cabeça é muito pequena. Os palpos são curtos e os segmentos unidos ou pouco destacados. Os dois últimos segmentos das antenas são unidos.
3. Curupira hirtipupa n. sp.
Esta espécie é abundante em vários córregos da Serra da Bocaina; existe também em Pacau (Serra da Mantiqueira), mas ainda não foi encontrada em outra parte. A pupa, extremamente característica, difere de todas as outras espécies conhecidas.
Ovo. O ovo, curto e grosso, é representado na Fig. 21.
Larva. é destituída de espinhos e do sétimo par de fulcros.
Tem a cor relativamente clara, pardo-olivácea e alcança 9,5mm de comprimento. No último instar os pêlos da pupa aparecem distintamente nas preparações e caracterizam a espécie. A larva, nestas condições (22), torna-se mais escura. Há um dimorfismo acusado no tamanho do corpo e das placas cefálicas.
Casulo (Fig. 24). Tem 4 a 8mm de comprimento. A cor marrom torna-se enegrecida e o aspecto hirsuto, em conseqüência dos numerosos espinhos ou cerdas enegrecidas que substituem a maior parte dos grânulos e formam tufos grandes no cefalotórax e no dorso do abdome.
Os adultos tirados das pupas têm os caracteres de Curupira. A nervura transversal entre a terceira e a quarta longitudinal existe.
O macho é holóptico com dois segmentos quase iguais nos olhos; o de cima tem facetas maiores. As antenas têm 14 artículos; os palpos, bastante compridos, têm o último artículo um tanto intumescido; tromba um pouco mais longa que a altura da cabeça; labro com pelinhos apicais; hipofaringe com ápice rombo. As unhas dos machos adultos são pretas com as pontas cor de mogno clara e têm um pente inferior com mais de dez dentes; nos pares anteriores são seguidos de pêlos curtos (26). Na fêmea não têm pente, mas três a quatro ondulações, marcadas principalmente no lado interno (28).
O desenho do escudo e do dorso do abdome, observado nas imagos tiradas das pupas, consta da Fig. 30.
A fêmea tem a cabeça (25) assaz grande. Os olhos são bastante afastados, o segmento inferior grande, o superior pequeno. As antenas têm 15 artículos dos quais o segundo é mais grosso.
Os palpos são bem desenvolvidos como também as mandíbulas; o labro é dentado no ápice. A figura mostra a linguinha.
4. Curupira granulipupa n. sp.
Esta espécie, até hoje encontrada somente na serra da Bocaina, caracteriza-se pelos grânulos relativamente enormes da pupa.
Ovos. O ovo, que se vê na Fig. 31, é grande alongado e um tanto assimétrico, de casca lisa e cor distintamente amarelada. Ao contrário do que se observa em outras espécies, nesta o número de ovos contidos no abdome de uma fêmea, extraída da pupa, era muito elevado.
Larva. A larva que referimos, com alguma dúvida, a esta espécie tem quatro fileiras longitudinais de espinhos compridos, entre os quais a pele mostra muito acúleos pequeninos.
Distingue-se de horrens pelas chapas de cabeça menores, como também o são as antenas e a base dos espinhos grandes.
Nesta espécie e na anterior os espinhos consistem, a princípio, de uma parte membranácea basal e de outra apical que é completamente quitinizada (Fig. 48-49). As suas partes distinguem-se ainda depois da quitinização completa.
Pupa (Fig. 41-43). Com grânulos pouco elevados e quase redondos, de tamanho descomunal, no dorso do abdome; há também um grupo muito extenso no ápice do cefalotórax e menores adiante das folhas branquiais e na margem inferior e lateral do dorso da parte anterior. No último tergito há apenas uma larga faixa semicircular, seguida de outra estreita. No dorso do abdome da pupa percebe-se bem uma série de manchas claras que indicam o lugar onde se achavam os espinhos interiores da larva. Obedecem nisso a uma regra geral.
Imago. A imago, obtida da pupa, tem os caracteres de Curupira. O desenho do escudo aparece na Fig. 45; o abdome, de cor sépia diluída, não mostra desenho especial. A cabeça segue o tipo de C. hirtipupa, nos dois sexos. A asa tem uma nervura transversal distinta entre a terceira e quarta longitudinais. As unhas participam do dimorfismo de Curupira e a tíbia posterior tem dois esporões desiguais.
5. Curupira horrens n. sp.
(Figuras 46-53)
Esta espécie foi encontrada apenas na serra da Bocaina, isolada ou no meio de outras espécies. é uma Curupira legítima.
Ovo. Os ovos pertencem ao tipo ovóide curto e grosso.
Reproduzimos uma larva novíssima nas Fig. 52-53.
A formação dos espinhos aparece nas Fig. 48-49. A larva estava na muda; a pele antiga foi completamente removida.
Larva. As larvas adultas ficam assaz grandes e têm muitas vezes uma cor pardoolivácea bastante clara. O sétimo par de fulcros é representado apenas por pequenos tubérculos carregando duas cerdas. Há quatro fileiras longitudinais de espinhos pretos, bastante compridos, cujo aspecto deu lugar ao nome da espécie. A base dos espinhos é muito larga e de cor mais clara, marrom. Na face dorsal há apenas um ou outro acúleo pequeno.
Casulo. Os casulos (Fig. 50-51) são grandes, castanho-escuros. Tergitos abdominais salpicados de grânulos arredondados e pouco salientes, muito menores que os de granulipupa. Na linha mediana invadem o cefalotórax, formando um grupo que se estende quase à altura dos apêndices branquiais. Nas margens ânterolaterais há de cada lado um pequeno grupo de grânulos mais salientes. No segmento anal existem dois grupos em forma de arco; o da base é três vezes mais largo do que o apical. O dorso também apresenta espaços claros e tubérculos maiores bem indicados (Fig. 50).
A imago tirada da pupa tem o occipício preto. O dorso do tórax de um macho pouco corado parece-se com o de C. mochlura. Também os espinhos, tarsos e unhas são parecidos.
Desta espécie não consegui achar larvas mostrando os apêndices branquiais da pupa por transparência, mas extraí os da Fig. 47 de uma larva adulta. Parecem ocupar uma posição menos visível. (O mesmo se pode dizer em relação à espécie anterior.)
6. Curupira mochlura n. sp.
Esta nova espécie foi encontrada perto do Rio de Janeiro (Corcovado, Serra da
Tijuca, Morin, perto de Petrópolis) e também na serra da Bocaina.
Ovos. Pouco desenvolvidos no período pupal, em oval curto e com a casca grossa e distintamente porosa.
Larva. A larva madura (Fig. 54-55) alcança 10mm; em estado adulto é geralmente de cor pardo-olivácea. é o tipo de um pequeno grupo de larvas que se distinguem facilmente por terem o segmento caudal munido de um segundo par de fulcros, distinto, posto que bastante reduzido. Nunca apresentam espinhos no dorso ou nos fulcros.
Pupa (Fig. 55-58). Tem grande parte dos grânulos transformados em espinhos, mas de um modo um pouco irregular e variável, tanto no dorso do abdome como no cefalotórax. No último segmento há três grupos: uma larga zona semicircular, outra muito mais estreita e uma de poucos grânulos no meio da margem posterior. No cefalotórax o grupo médio é menor do que em C. horrens; os laterais são maiores e têm os grânulos cônicos.
Imago. O adulto, tirado da pupa (64), tem desenhos ocráceos em fundo de branco sujo. A asa (65) mostra uma nervura transversal oblíqua, entre a base da quarta e quinta longitudinais. As imagos têm todos os caracteres de Curupira.
Desta espécie temos uma fêmea perfeita, apanhada no Corcovado, quando provavelmente ia desovar. Distingue-se perfeitamente da C. muelleri, criada em São Bento e cuja larva também tem sete pares de fulcros. A nossa fêmea difere muito do desenho da fêmea de C. muelleri e parece-se mais com o macho. Também não pode ser determinada como C. rufescens Will, porque as faixas transversais do abdome, em vez de estreitas, são largas e até dilatadas no meio, em forma de triângulo; além destas existem outras pequenas diferenças. Só na hipótese de se tratar de exemplar muito imperfeito poderia ser aceita esta identificação, favorecida pela procedência.
A descrição de C. rufescens é dada na nota 2, a da nossa fêmea segue aqui:
Os caracteres gerais são os do gênero Curupira. O hábito geral consta da Fig. 113 e o desenho do tórax e do abdome é reproduzido com maior aumento na Fig. 112. O fundo do occipício e a fronte são pretos, mas há um induto pruinoso branco, que aparece principalmente na margem interna dos olhos. A parte anterior da fronte, o clípeo e o resto da cabeça, incluindo o labro e os palpos, são castanhoescuro com pelinhos de brilho branco. A parte superior do olho é distinta, a parte principal mostra bem as facetas e os pelinhos alvacentos que as separam; os ocelos amarelados são bem visíveis e acham-se sobre um tubérculo bastante saliente.
Escudo e escutelo de cor alaranjada, o primeiro com algumas depressões e desenho pouco distinto (Fig. 112); o resto do tórax mais ocráceo. Asas com base alaranjada, o resto da membrana ligeiramente enfumaçada, a costa e as veias castanho-escuras; a veia transversal entre o quarto e o quinto nervo bem visível; halteres com a haste alaranjada; o capítulo triangular castanho-escuro.
Abdome um pouco claviforme, estreitado na base; o dorso com largas cintas apicais (dilatadas em forma triangular na parte central) mostrando o fundo mate, alaranjado enfuscado ou enegrecido; o resto é mais ocráceo e coberto de pruína nacarada. Ventre com cor misturada de pardo e alaranjado.
Coxas anteriores alongadas, ocráceas, as outras pernas ocráceas desde a base até perto do ápice dos fêmures, que é preto. As pernas, principalmente as posteriores, intumescidas na metade apical; o resto das pernas chocolate; as unhas bastante escuras.
Pernas posteriores alongadas, o fêmur e a tíbia medem 6-7, o pé 5-6mm.
Comprimento total do corpo cerca de 6, da asa de mais de 7mm.
7. Curupira incerta n. sp.
Na serra da Bocaina encontramos uma pupa que corresponde provavelmente a uma outra larva com sete fulcros. A comparação das Fig. 58 e 66 (que representam as extremidades laterais do terceiro tergito imperfeito) basta apara evidenciar a diferença das espécies.
C. incerta parece mais com C. garciana de Blumenau, a qual também tem sete pares de fulcros; ambas têm a base dos folíolos respiratórios internos um pouco mais aproximados da linha mediana. A margem anterior do cefalotórax da pupa mostra menos grânulos do que em C. mochlura e C. garciana. é provável que haja também uma diferença nos ovos, sendo os de C. incerta alongados.
Espécies do Estado de Santa Catarina
8. Dimorphotarsa tetrasticha n. sp.
Esta espécie, que ocorre no rio Garcia, perto de Blumenau, já foi observada por Fritz Mueller e desenhada na Est. IV (Fig. 1, 2, 4, 6, 7, 10) e Est. VIII (Fig. 1 e 8) do primeiro volume dos Archivos do Museu do Rio de Janeiro.
Os ovos são alongados com a casca granulosa (como na Fig. 95).
As larvas adultas (Fig. 68-69) têm geralmente o comprimento de 11-11,5mm; raras vezes têm 12 ou um pouco mais. O exemplar figurado já mostra por transparência os apêndices respiratórios e a pele da pupa. Existem quatro fileiras de espinhos, ocupando os fulcros e o dorso; aquelas são curtas e estas pouco compridas, em número variável (de 4 a 6) em cada fileira, porque podem faltar no segmento cefálico ou no caudal, mais raramente nos dois ou em um dos outros segmentos.
Minhas observações confirmam as já feitas por Fritz Mueller, sobre a existência destas irregularidades que não têm maior importância. Na fase anterior (71-72) não há espinhos livres, mas percebem-se, mesmo antes da muda, por transparência, as fileiras medianas, já formadas por baixo da pele e dirigidas para diante e para dentro.
Os apêndices branquiais (70) têm a disposição normal da Curupira.
Os fulcros reduzem-se a seis pares.
O casulo (Fig. 73, metade direita vista de cima) mostra as manchas claras que costumam corresponder aos espinhos larvais. Os grânulos são pequenos, não acuminados e faltam no cefalotórax. O par interno dos folíolos respiratórios é um pouco recuado.
Imago. Os adultos retirados da pupa têm os caracteres de Dimorphotarsa; a fêmea corresponde à fêmea melisugga de F. Mueller. Em exemplares tirados da pupa parece-se com a D. bocainae pelo dorso do tórax (76).
A asa não tem nervura transversal oblíqua. Os esporões e o último tarso da fêmea vêm representados nas Fig. 74 e 75.
O órgão palpal existe nos dois sexos.
9. Curupira disticha n. sp.
(Figuras 77-87)
Ovos de tipo curto, arredondado.
Larva adulta. No dorso existem duas fileiras submedianas de espinhos pouco compridos, mas os fulcros são sempre inermes. Os espinhos não são limitados ao último instar, mas aparecem mais cedo, como se vê nas Fig. 79-80. Representam uma larva nova, já munida de espinhos livres e mostrando, por baixo da pele, os da muda seguinte em disposição diferente dos da Fig. 71. Na Fig. 77 a larva adulta já mostra a pele pupal.
O número normal de espinhos é de 12, mas há irregularidades. No segmento cefálico e caudal um dos espinhos pode faltar ou ser muito reduzido; isso se dá mesmo nos segmentos intermediários, porém raramente.
Observa-se também o dimorfismo sexual. A maior larva observada (do Rio Paulo- Mirim, Hansa), tinha 9,5, a menor (do Rio Paulo), 7,5mm de comprimento. Na pupa as manchas dorsais claras parecem inconstantes. Os grânulos (Fig. 81-82) são pequenos. No cefalotórax há um grupo médio-posterior de forma um tanto variável, mas sempre pequeno, e de cada lado um pequeno grupo ântero-lateral. No segmento caudal há três cintas de grânulos diminuindo em largura da base ao ápice.
Imago. A Fig. 87 mostra o aspecto dorsal de uma fêmea, retirada da pupa. Esporões e tarsos posteriores de ambos os sexos aparecem nas Fig. 83-86. Pelo resto correspondem ao tipo de Curupira, tendo a fêmea mandíbulas.
10. Curupira pluripunctata n. sp.
Outra Curupira, que denominei pluripunctata, foi colhida em Hansa (nos rios Paulo e Paulo-Mirim) e no salto do Piraí, perto de Joinville. Não foi notada por F. Mueller e falta em nosso material de Blumenau.
Larva. Na Fig. 88 o aspecto dorsal de uma larva adulta mostra por transparência o tegumento da pupa. A larva é pequena e bastante parecida com a de C. disticha, mas as fileiras submedianas de espinhos estão substituídas por pontos escuros. Entre estes há mais dois pontos areolados que aparecem também no desenho da disticha (77).
A seção (Fig. 89) não mostra espinhos. Nas larvas adultas os brânquios são, como de costume, em número de oito a nove, dispostos em três grupos por fora das ventosas; nas mais novas existem apenas seis ou menos e dois pontos dorsais (em vez de quatro) em cada segmento. As incisuras são profundas.
Pupa. As pupas parecem-se com aquelas de C. disticha, mas faltam as manchas claras; aquelas do salto do Piraí têm os grânulos do cefalotórax um tanto mais numerosos.
Na imago, tirada da pupa, o dorso do tórax (Fig. 90) tem o desenho parecido com o de brevivectis (105); os tarsos posteriores são do mesmo tipo que na C. disticha (83-85).
11. Curupira spinivectis n. sp.
Nos Rios Paulo e Paulo-Mirim, perto de Hansa, ocorre uma larva de Curupira tendo espinhos curtos nos fulcros, mas o dorso inerme (91-93). A Fig. 91 mostra a larva madura com transparência do tegumento pupal. Os espinhos dos fulcros fazem parte destes; têm a mesma cor e são bem acentuados no último período larval; nos anteriores são menores ou faltam completamente.
Pupa. O casulo tem o caráter distintivo de faltar o grupo médio-posterior do cefalotórax como se vê na Fig. 94. Faltam também manchas claras nos segmentos. Pelo resto parece-se com C. tetrasticha.
12. Curupira muelleri n. sp.
Nos rios Garcia e Jordão (Blumenau) existe uma larva bastante vizinha da anterior que, sem dúvida, já foi observada por Fritz Mueller (Est. IV, Fig. 5; Est. VI, Fig. 3). Da comparação da larva adulta de spinivectis (91) com a de muelleri (96) resulta que esta não somente é muito maior, mas também difere na forma do segmento anterior e ainda mais na do posterior, cuja incisura é menos profunda e aguda.
O casulo (97) distingue-se por ter um pequeno grupo de grânulos na região médio-posterior do cefalotórax.
A Fig. 95 representa um ovo de tipo alongado que atribuo a esta espécie e que parece com o desenhado por F. Mueller.
Algumas fêmeas examinadas continham grande número de ovos semelhantes, mas com a massa vitelina enchendo toda a casca. A cor dos ovos é distintamente amarelada.
13. Curupira brevivectis n. sp.
Esta espécie foi colhida no Salto do Piraí perto de Joinville e no Rio dos Bugres perto de São Bento.
A larva madura (98-99) não tem espinhos, nem fulcros supernumerários. Distinguese, principalmente, pelos fulcros curtos e dirigidos para baixo (98) que não aparecem no aspecto dorsal. Este caráter é constante.
A pupa (100-101) é bem caracterizada pelos grânulos chatos ou cônicos que invadem o cefalotórax em número descomunal, formando grandes áreas ânterolaterais e médio-posterior. O tipo cônico prevalece principalmente nas margens.
As Figuras 104 e 105 mostram o corpo de um macho e o tórax de outro em aspecto dorsal. O desenho no último mostra ligeiras diferenças, mas o tipo é o mesmo.
As Figuras 102 e 103 representam as cabeças de um macho e de uma fêmea. O primeiro mostra pequenas diferenças entre o palpo direito e esquerdo. O órgão palpal aparece na extremidade do antepenúltimo segmento. A fêmea tem nos olhos um segmento superior bem visível.
As asas mostram sempre a nervura transversal entre a quarta e quinta longitudinal.
As unhas são parecidas com as de C. disticha, mas o epicôndilo nas fêmeas é menos saliente do que nos machos.
14. Curupira garciana n. sp.
Esta espécie é encontrada nos Rios Garcia e Jordão (Blumenau), no Salto do Piraí e perto de São Bento. A larva (Fig. 106) tem de cada lado sete fulcros, o último bastante reduzido. Parece-se nisso com mochlura, mas a comparação dos adultos mostra claramente que se trata de outra espécie. é típica do estado de Santa Catarina e já foi desenhada por F. Mueller (Est. IV, Fig. 3-13) que, todavia, diz ter encontrado só um exemplar com estes caracteres, aos quais não atribui valor específico.
A pupa parece-se com aquela de mochlura. O grupo médio-posterior dos grânulos de cefalotórax é ilustrado por desenhos, tirados de exemplares do Rio Jordão (107) e do Salto do Piraí (108). Não obstante uma pequena diferença, o tipo é o mesmo.
O dorso do tórax de exemplares extraídos da pupa parece-se com aquele de mochlura, mas os exemplares bem coloridos (109-111) mostram coloração diferente. Na asa existe a nervura transversal oblíqua, entre a quarta e quinta longitudinal.
Tendo recebido maior número de machos e fêmeas adultos, criados a meu pedido por um colecionador do nome de Nahderer, dou abaixo a descrição dos dois sexos. Nota-se que a fêmea de mochlura se parece assaz com o macho de garciana, sendo bastante diferente da fêmea desta espécie.
Os exemplares foram conservados em álcool fraco e depois em solução de formol. Antes da descrição foram levados outra vez para álcool e secados depois. O hábito geral consta da Fig. 111, o desenho do dorso do tórax e do abdome das Fig. 109 e 110.
Cabeça e apêndices visíveis chocolate, a metade superior dos olhos e os palpos mais claros, os pelinhos alvacentos. Tubérculo ocelar elevado, quase cilíndrico.
Tórax em cima de um alaranjado pálido com desenhos pardacentos, mais ou menos acentuados (Fig. 109 representa o extremo); embaixo pardo-ocráceo diluído.
Abdome claviforme com fundo enegrecido, margem posterior dos segmentos e um triângulo mediano (com base na mesma) mates, o resto com brilho de antracito.
Ventre ocráceo-pardacento, enfuscado em direção ao ápice. (Nos líquidos também o dorso aparece pardo-ocráceo). Os apêndices genitais como de costume.
Asas com estreita zona basal alaranjada, a membrana enfumaçada, nervuras chocolate. Halteres apenas com a base da haste ocrácea, o resto e o capítulo cor de chocolate.
Pernas chocolate ou enegrecidas apenas a base ocrácea, nos pares anteriores até a base, no posterior até perto do ápice do fêmur. Unhas enegrecidas, apenas o ápice um pouco mais claro. As pernas são compridas, principalmente o par posterior cujo comprimento excede 2cm (fêmur 7, tíbia 7, pé 6mm).
O comprimento total do corpo alcança 9mm.
Na fêmea a face é pardo-ocrácea, como também o lábio; o tubérculo ocelar é mais baixo. O corpo todo tem a cor de couro amarelo ou mogno claro; os desenhos no escudo são avermelhados, os do dorso do abdome enegrecidos. A haste dos halteres é toda ocrácea. O abdome é menos estreitado perto da base; a extremidade segue o tipo das outras fêmeas. As asas e as pernas correspondem às do macho (veja o Apêndice).
Várias fêmeas examinadas não mostravam ovos formados, talvez porque neste caso o período pupal era muito curto (veja o Apêndice).
15. Dimorphotarsa tetragonura n. sp.
Desta nova espécie só tenho larvas, mas estas são tão características que podem ser reconhecidas à primeira vista.
Os caracteres indicam que se trata, muito provavelmente, de uma Dimorphotarsa. O material foi colhido no rio dos Bugres, perto de São Bento. As larvas não têm espinhos, nem fulcros supernumerários; os fulcros são amarelos, um pouco afilados e guarnecidos em cima com grande número de pêlos, que parecem finalmente penados e se impregnam facilmente com qualquer impureza contida na água.
A parte posterior do segmento caudal é quase quadrangular. Tem os lados retilineares e apenas a margem posterior ligeiramente arqueada. Com a parte anterior forma um ângulo reto.
A pele da pupa, visível na larva madura, mostra uma ausência completa de granulações cônicas ou espinulosas no dorso do abdome. Os grânulos são chatos, bastante apertados, de cor escura e de tamanho médio. Há, em cada segmento, algumas manchas claras, mas são muito pequenas e devem corresponder aos tubérculos chatos da pele larval. Faltam as manchas maiores que, geralmente, correspondem a espinhos dorsais.
Tenho uma fêmea de Dimorphotarsa, tirada da pupa, marcada estado de Santa Catarina, que tem ovos amarelados, parecidos com os de tetrasticha, mas nos palpos não há órgão cupuliforme. Talvez seja uma imago de tetragonura.
16. Dimorphotarsa lorenzi
Ovo. Uma postura, feita numa rolha, contém cerca de sessenta ovos, colocados um ao lado do outro e formando um grupo irregularmente triangular. A casca, inteiramente cheia de massa vitelina sem organização, é granulosa, de forma oval alongada e menos grossa do que a que se vê na Fig. 1. No resto esta dá uma boa idéia do ovo de D. Lorenzi, cujo comprimento é 0,44 e a largura 0,16mm.
Larva. De cor olivácea escura, sem espinhos ou tubérculos maiores, com 12 fulcros pretos, um tanto afilados. Nos segmentos intermediários há de cada lado um ponto escuro assaz pequeno. Estes pontos formam duas fileiras submedianas. Há também pequenos tubérculos disseminados, mais numerosos na parte estreita dos segmentos. No resto o fundo é coberto de linhas finas e sinuosas com alguns pêlos muito diminutos. As brânquias seguem o tipo de Curupira. A incisura caudal é pouco profunda. O comprimento da larva madura é 5-6mm.
Casulo. De 5-6mm em comprimento, com os grânulos de tamanho médio, chatos, podendo ter algumas pontas curtas; nunca são cônicos. O primeiro tergito estreito mostra apenas cerca de vinte grânulos disseminados e o grupo médio802 posterior do tórax falta completamente. (Esta combinação basta para caracterizar a espécie.) Os outros grupos de grânulos torácicos também parecem faltar.
Imago. Recebi quatro machos e uma fêmea conservados em álcool. Trata-se de uma Dimorphortarsa típica com todos os caracteres do gênero. O tamanho do corpo não excede 6mm, as pernas posteriores alcançam 10mm. Para a descrição os exemplares foram secados.
♂ – No escudo o desenho é preto sobre fundo revestido de pruína branca. No abdome há faixas apicais, com triângulo superposto no meio do dorso, cuja cor é preto aveludado. O resto do fundo, ocráceo misturado com cor de salmão muito diluída, mostra ligeira pruína prateada, mais acentuada do lado ventral. Pernas ocráceas na base incluindo os dois quintos superiores do fêmur; o resto preto com brilho prateado; as unhas quase negras. Na cabeça o fundo é preto com brilho prateado. As asas têm as nervuras castanho-escuras, a base ocrácea e a membrana ligeiramente enfuscada.
♀ – Com caracteres sexuais do gênero, a cor geral mais escura que a do macho, pardo-ocrácea, mais ou menos enegrecida. Contém grande número dos ovos acima descritos.
O estado de conservação das imagos não favoreceu a descrição, porque a desidratação deformou muito os tecidos ainda moles.
Esta espécie me foi fornecida pelo sr. Hans Lorenz, morador em Blumenau e neto de Fritz Mueller. Na sua fábrica no Encano foi posto a seco o muro de uma represa pelo qual corria, há anos, um jato de água contínuo e rápido. Apareciam logo tricópteros, simuliídeos e blefarocerídeos, estes últimos todos da mesma espécie, descrita acima. Os casulos, expostos ao sol, depois de uma hora, produziram as imagos. A ecdise foi rápida durando poucos minutos e o mosquito voava logo. Depois de algumas horas havia muitos mosquitos que voavam e eram perseguidos pelas andorinhas. Gostavam dos lugares onde a água corrente respingava. A postura dos ovos já começava, como foi também verificado na fêmea capturada
Esta observação sugere que no gênero Dimorphotarsa o adulto se comporta como as efeméridas, vivendo só pouco tempo. é única no seu gênero e explica que as imagos de Dimorphotarsa nunca cairão nas mãos dos colecionadores. Ao autor desta observação fica dedicada a nova espécie, que foi encontrada a apenas 15 quilômetros da praça central de Blumenau, mas não aparece no trabalho de Fritz Mueller.
Convém notar que esta espécie só foi recebida quando o presente trabalho estava concluído, sendo já impresso o texto em português. Consegui, todavia, encaixar aqui a descrição rápida.
Apêndice
Método de colher e examinar as Blepharoceridae
As larvas de Blepharoceridae podem ser obtidas, debaixo da água corrente, esfregando com a mão as pedras em que são fixadas, sem usar muita força. Assim elas largam a pedra e agarram-se à mão, o que permite examinar e colher as diferentes espécies e tamanhos; todavia o valor principal deste método consiste em verificar sua presença quando não podem ser diretamente percebidas. Com alguma prática consegue-se também destacar e segurar os casulos debaixo da água, mas este processo é pouco satisfatório. O melhor é desviar a corrente, o que se pode fazer por meio de diques ou sacos que se enchem com musgo, capim, folhas etc. Geralmente será preciso que o colecionador combine um banho com o processo de colher o material. Pode assim derivar a água por meio do próprio corpo. Aplica-se então uma rede ou um saco na pedra, abaixo do lugar onde se destacam larvas e pupas, raspando a pedra por meio de um canivete. A pequena quantidade de água, que quase fatalmente passa, leva os objetos destacados para a rede ou o saco de onde são retirados depois. Assim consegue-se obter em pouco tempo muito material. Não é indispensável, mas de grande vantagem, que o colecionador tenha um assistente.
O material pode ser conservado em álcool, solução de formol ou, de preferência, numa mistura de álcool, água e glicerina em partes iguais, adicionada de benol (2%).
O material, examinado em água ou solução de formol, é muito opaco. Na luz, incidente de cima, mostra bem certas estruturas, como principalmente os brânquios. A transparência necessária obtém-se por meio de glicerina ou ácido fênico puro que é superior. Este líquido congela e permite fazer os cortes, necessários para examinar melhor a face superior e inferior da larva e pupa, dividir esta e a imago em duas metades por um corte longitudinal e estudar a cabeça da imago em diferentes vistas.
As preparações podem ser incluídas em gelatina glicerinada, glicerina pura ou bálsamo-do-canadá, usando lâminas escavadas ou qualquer forma de célula. O fenol desidrata muito bem. Antes de fechar no bálsamo, se passam as peças por xilol ou essência de terebintina.
A ecdise dos blefarocerídeos tem sido observada algumas vezes, mas Curupira garciana é a primeira espécie criada de larvas. Carlos Nahderer, que colecionava por minha conta e sob a minha direção, referiu que colecionou uma porção de larvas grandes, num rio pouco distante. Voltando de sua casa, colocou-as sobre uma pedra molhada onde se fixaram. Sobre a pedra projetou um jato de água por meio de um tubo de bambu, aproveitando um riacho perto da sua casa. As larvas transformaram-se logo, umas nas primeiras 24 horas, o resto nos primeiros cinco dias. Depois de duas semanas verificou que alguns dos casulos estavam pretos do lado ventral. Colocou então a pedra numa caixa, onde era irrigada por uma fraca corrente de água. Quando apareciam os mosquitos levava a caixa para sua casa, onde foram apanhadas; depois voltava a caixa para a água.
Assim, em alguns dias, apanhou muitas imagos dos dois sexos. A ecdise só se dava de manhã cedo até ao meio-dia e durava cerca de cinco minutos. A imago, às vezes, era arrastada pela água, mas, chegada a um lugar mais calmo, voava logo. Nessas condições a coloração era bem viva e lembrava a da fêmea de mochlura, apanhada em condições naturais.
Bibliografia
BEZZI, MARIO
1913 Blefaroceridi italiani. Bull. della Soc. Entom. 1912. Firenze. Contém uma bibliografia até 1912.
EDWARDS, F. W.
1915 On Elporis etc. from South Africa. Ann. and Mag. of Nat. Hist., v.XVI.
GRUENBERG, K.
1910 Diptera 1 – Brauer Suesswasserfauna Deutschl. Heft 2A, p.98-108, Jena.
JOHANNSEN, O. A.
1903 Aquatic nematocerous Diptera. State Museum Bull., New York, 68, p.332- 336.
KELLOGG, V. L.
1899 The mouthparts of the Nematocerous Diptera. I-V. Psyche, VIII.
KELLOGG, V. L.
1907 Blepharoceridae.
WYTSMAN, Genera insectorum, Fasc. 56.
KERTéSZ
1902 Catalogus dipterorum. Mus. Nat. Hung. Leipzig, Wilheim Engeimann, v.I.
LAMB, C. G.
1913 On two Blepharocerids from New Zealand. Transactions of the New Zealand Institute, v.XLV, 1912, p.70-5.
LOEW
1877 Schl. Zeitschr. f. Ent. Revision der Blepharoceridae.
LUTZ, A.
1912 Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, IV, 1919, p.81-3, 75-8.
MACQUART, J. M.
1843 Description d'un nouveau genre d'insectes diptères. Ann. de la Soc. Entom. de France, 2, n.1, p.59-63, e 2, n.11.
MUELLER, FRITZ
1879 A metamorphose de um insecto díptero. Arch. do Mus. Nac. do Rio de Janeiro, v.IV, 1879-81, p.47-85.
OSTEN-SACKEN
1912 Contribution to the study of the Liponeuridae Loew. Berl. Ent. Zeitschr., p.148- 51, 351-5.
SCOTT, HUGH
1915 The early stages of Paltostoma Schineri. Ann. and Mag. of Nat. Hist. Ser. 8, v.XV.
WESTWOOD, J. O. G.
1842 Asthénie, Asthenia Westwood. Mag. de Zool. etc. par M. F. E. Guérin-Méneville XII, Insectes, texte et pl. n.94.
WILLISTON, S.
1896 “On the Diptera of St. Vincent”. Trans. Entom. Soc., London, p.253 (Description of Paltostoma Schineri).
WILLISTON, S.
1907 “Dipterological Notes”. Journal of the New York Entom. Soc., v.XV, n.1.
Explicação das figuras
Estampa I
Dimorphotarsa fascibranchia (Figuras 1-13)
1. Ovos X 20.
2. Larva madura X 10.
3. Corte de larva X 10.
4. Vista ventral dos últimos segmentos de uma larva X 10.
5. Mesotórax, metatórax e primeiro segmento abdominal da pupa X 12.
6. Protórax e metatórax visto de lado X 12.
7. Cabeça do macho X 24.
8. Cabeça da fêmea X 24.
9-10. Unhas e esporões da tíbia posterior do macho X 60.
11-12.Unhas e esporão da tíbia posterior da fêmea X 60.
13. Dorso de tórax de fêmea extraída da pupa X 12.
Dimorphotarsa bocainae (Figuras 14-20)
14. Ovo X 60.
15. Parte média da ninfa, vista de cima X 12.
16. A mesma, de lado X 18.
17. Cabeça de fêmea X 24.
18-19. Unhas e esporões da tíbia posterior de uma fêmea X 60.
20. Tórax de adulto, tirado da pupa X 12.
Estampa II
Curupira hirtipupa (Figuras 21-30)
21. Ovo X 60.
22-23. Larva madura e corte da mesma X 10.
24. Pupa X 4.
25. Cabeça da fêmea X 24.
26-27. Unhas e esporões da tíbia posterior do macho.
28-29. Idem da fêmea X 60.
30. Corpo do macho, retirado da pupa X 12.
Curupira granulipupa (Figuras 31-35)
31. Ovo X 60.
32-33. Unhas e esporões da tíbia posterior do macho X 60.
34-35. Idem da fêmea X 60.
Estampa III
Curupira granulipupa (Figuras 36-45)
36. Larva madura X10.
37. Corte da larva X 10.
38. Larva nova antes da muda mostrando a forma e coloração dos espinhos X 10.
39. A mesma em corte X 10.
40. Larva vista de lado X 6.
41. Pupa de lado X 4.
42-43. Parte média do dorso da pupa, de cima e de lado X 12.
44. Antena com fusão dos dois últimos segmentos X 40.
45. Dorso do tórax de um macho extraído da pupa X 12.
Curupira horrens (Figuras 46-49)
46. Larva madura X 10.
47. Aparelho respiratório da pupa tirado de larva madura X 10.
48. Larva nova, antes da muda, com a pele exterior removida mostrando a forma ção dos espinhos X 10.
49. Corte da mesma X 10.
Estampa IV
Curupira horrens (Figuras 50-53)
50. Pupa X 4.
51. Parte média da pupa de lado X 8.
52-53. Larva novíssima (espécie incerta) e corte da mesma X 32.
Curupira mochlura (Figuras 54-65)
54-55. Larva madura e corte da mesma X 10.
56. Pupa, lado esquerdo visto de cima X 8.
57. Pupa, parte média do dorso X 12.
58. Pupa, parte lateral do tergito 3 da parte segmentada X 60.
59-60. Unhas e esporões da tíbia posterior do macho.
61-62. Idem da fêmea X 60.
63. Macho tirado da pupa. Corpo visto de cima X 12.
64. Imagem tirada da pupa, vista de baixo, mostrando a posição e os invólucros membranáceos X 8.
65. Asa X 6.
67. Mostra a metade direita da pupa de outra espécie com sete pares de fulcros na larva C. garciana do estado de Santa Catarina para comparação com a Fig. 56.
Curupira incerta (Figura 66)
66. Parte lateral do tergito 3 da pupa X60.
Estampa V
Dimorphotarsa tetrasticha (Figuras 68-76)
68-69. Larva madura e corte da mesma X 10.
70-71. Vista central dos últimos segmentos X 10.
72. Larva nova, perto da muda, com os espinhos já formados debaixo da pele, e corte da mesma X 10.
73. Pupa metade X 8.
74-75. Esporões e tarso posterior da fêmea X 60.
76. Dorso do tórax de uma fêmea extraída da pupa X 12.
Curupira disticha (Figuras 77-87)
77-78. Larva madura e corte da mesma X 10.
79-80. Larva nova e corte da mesma. Vê-se debaixo da pele os espinhos que ficarão livres na muda próxima.
81. Vista parcial do dorso da pupa X 12.
82. Cefalotórax em vista lateral X 12.
83-84. Esporões e último tarso do macho.
85-86. Idem. da fêmea X 10.
87. Corpo de fêmea tirada da pupa X 60.
Estampa VI
Curupira pluripunctata (Figuras 88-90)
88-89. Larva madura e corte da mesma X 10.
90. Macho tirado da pupa X 12.
Curupira spinivectis (Figuras 91-94)
91-92. Larva madura e corte da mesma X 12.
93. Fulcro X 40.
94. Parte do aspecto dorsal da pupa X 12.
Curupira muelleri (Figuras 95-97)
95. Ovo atribuído a esta espécie X 60.
96. Larva madura ? X 10.
97. Parte do aspecto dorsal da pupa X 12.
Estampa VII
Curupira brevivectis (Figuras 98-105)
98-99. Larva madura e corte da mesma X 10.
100. Parte do aspecto dorsal da pupa X 12.
101. Cefalotórax da pupa em vista lateral X 12.
102-103. Cabeças do macho e da fêmea X 24.
104. Macho tirado da pupa X 20.
105. Aspecto dorsal do tórax de outro exemplar, procedente do rio dos Bugres X 20.
Curupira garciana (Figuras 106-111)
106. últimos segmentos da larva em aspecto ventral X 10.
107. Parte do aspecto dorsal da pupa X 12.
108. A mesma duma pupa do salto do Piraí X 12.
109 e 110. Corpo de macho e fêmea depois da ecdise espontânea X 10.
111. Vista lateral de um macho depois da ecdise espontânea X 2.
Curupira mochlura (Figuras 112-113)
112. Fêmea apanhada perto do Rio de Janeiro (aspecto dorsal do corpo) X 10.
113. A mesma em aspecto dorsal X 2.
Detalhe da arte final que deu origem à página impressa com a estampa 1.
BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa iconografia.