Métodos de Pesquisa/Research Methods

Traje contra mosquitos. Desenho publicado originalmente em Deux années au Brésil (1862), de François-Auguste Biard, apud A ciência dos viajantes: natureza, populações e saúde em 500 anos de interpretação do Brasil. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2002 (Catálogo de exposição). p.4.

Outfit against mosquito bites. Drawing first published in Deux années au Brésil (1862), by François-Auguste Biard, apud A ciência dos viajantes: natureza, populações e saúde em 500 anos de interpretação do Brasil. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2002 (Catálogo de exposição). p.4.

1903-1904

Técnica seguida nas experiências feitas com mosquitos*

Modo de apanhar as larvas

Estando as larvas dos mosquitos domésticos em tinas, barris, latas etc., pode-sedespejar a maior parte da água, tocando de vez em quando a superfície desta, oque faz com que as larvas se recolham ao fundo. A água muito reduzida é depoisapanhada por meio de uma cápsula de porcelana ou de alguma panela de fundoclaro, o que permite distinguir cada larva e despejá-la com água num receptáculoapropriado, como sejam: vidros de boca larga, leiteiras etc. Aproveitando sempreo fato de as larvas perturbadas ganharem o fundo das vasilhas, pode-se despejar denovo a maior parte dessa água e reunir todas as larvas num pequeno volumede líquido. O mesmo resultado pode se obter coando a água em gaze ou tecido de arame apropriado, que depois se lava em um pequeno volume d'água.

Esses processos bastam para colher as larvas dos Stegomyia, que são mosquitos domésticos e não costumam se desenvolver em águas de inundação, lagoas etc.

Quando são encontradas em poços ou cisternas, tira-se a água por meio de baldes, empregando depois os processos expostos.

Para espécies palustres, cujas larvas são encontradas em águas de inundação, lagoas, brejos etc., como as do anófeles, servem também as cápsulas de porcelana e panelas quando são encontradas em águas pouco profundas, onde se acham de preferência por serem mais protegidas dos peixes. Em lagoas mais fundas empregam- se redes apropriadas, de modelo semelhante ao usado pelos caçadores de borboletas.

Os mosquitos silvestres criam-se exclusivamente na água juntada na base de folhas de certas epífitas da família das bromélias, vulgarmente chamadas gragoatá. Para apanhar estas, destaca-se a planta e corta-se a extremidade das folhas mais compridas, de modo que toda a planta pode ser mergulhada num balde com água, onde é lavada depois de separar-se as folhas.

Um processo mais rápido, porém menos perfeito, consiste em despejar-se simplesmente a água contida nas plantas em cima de um pano impermeável, donde é recolhida em vidros apropriados no caso de conter as larvas procuradas.

Depois de transportadas para casa em vidros de boca larga podem as larvas demorar na mesma água, sendo os vidros munidos de tampas de gaze ou tela de arame, ou colocados debaixo de um mosquiteiro, ou num outro espaço fechado, onde os mosquitos saídos possam ser facilmente observados e apanhados. Para este fim colocam-se os vidros em caixas empapeladas ou pintadas de cor branca no quartinho de mosquitos a seguir descrito.

Preferimos empregar um modo mais seguro, embora dê um pouco mais de trabalho. Este consiste em separar as ninfas maduras, caracterizadas por sua cor escura e pela tendência de chegar à superfície. Assim não são perturbadas pelas larvas no momento crítico da eclosão e ficam livres dos ataques das espécies carnívoras. O instrumento mais apropriado para esse fim é uma colher com o cabo recurvado para cima.

Quando se empregam vidros cobertos de tela de arame ou gaze, deixa-se um espaço de ar bastante grande no vidro onde os mosquitos possam ficar depois de saírem das ninfas. Na gaze ou no tecido de arame abre-se um pequeno orifício que sirva para introduzir o tubo aspirador a seguir descrito. Esse orifício pode ser fechado por meio de rolha ou tampa de algodão.

Conservação, alimentação e manipulação dos mosquitos

Para apanhar os mosquitos adultos precisa-se de certas precauções, a fim de não machucá-los, como aconteceria empregando as mãos ou qualquer espécie de pinça.

O meio mais cômodo para tirá-lo dos vidros ou das caixas fechadas é por aspiração. Usamos um tubo de vidro curvado como uma sonda uretral, o que permite alcançar todos os pontos do interior dos vidros ou caixas depois de introduzidos pela pequena abertura central. A extremidade superior é fechada por um pouco de gaze, e nessa parte adapta-se um tubo de borracha comprido, cuja outra extremidade fica na boca do operador. Aproximando-se a extremidade livre do tubo ao mosquito pousado ou voando, basta uma aspiração rápida para fazê-lo entrar seguramente no tubo de vidro, onde pode ser examinado facilmente. Levado ao seu destino, definitivamente é expelido por um movimento de aspiração sem que o inseto, tão delicado, sofra com essa transportação pneumática.

As pequenas aberturas circulares nas telas de arame podem facilmente ser feitas sem cortar os fios, deslocando-as apenas pela introdução de um corpo cilindrocônico, como seja um lápis ou uma caneta, ou usando uma pinça ou tesoura fechada. A tela de arame deve ter 22 fios por polegada, a fim de impedir seguramente a passagem dos pernilongos.

Os mosquitos, pousados nas paredes ou procurando picar, podem também ser apanhados por meio de tubos de vidro feitos com provetas cortadas na extremidade superior, que se fecha com gaze ou tela de arame. Para segurar estas no vidro emprega-se emplastro adesivo de boa qualidade, sendo preferível o americano. Ele serve para fixar as tampas nos vidros maiores, sendo muito mais cômodo e seguro que qualquer ligadura de fio ou arame.

Os mosquitos apanhados nos tubos de vidro podem ser assoprados em qualquertubo maior ou vidro, fechado, havendo na tampa uma pequena abertura como já ficou descrito; podem também ser conservados no tubo, fechando o orifício inferior com algodão, gaze ou tela de arame.

O Stegomyia e muitas outras espécies são bastante ativas até durante o dia e não se deixam apanhar com tanta facilidade, como as espécies puramente noturnas.Para estas, pode-se também empregar uma rede de borboletas feita com gaze outarlatana muito leve e fina, para evitar qualquer pressão.

Os hematófagos podem ser facilmente apanhados no ato de morder. Atacam também os cavalos e cães e, se estes forem mansos, é fácil pegar os mosquitos pousados neles. Neste caso convém que o caçador se proteja por meio de um véu apropriado.

Para a criação e os trabalhos com os mosquitos recomenda-se o uso de umquartinho baixo e pintado de branco, permitindo ver e alcançar qualquer mosquito solto. As portas devem ser protegidas por cortinas e as janelas por vidros ou tecido de arame, evitando-se qualquer mobília que possa servir de esconderijo. Usamos agora um quarto de forma cúbica, constituído por quadros de madeira cobertos com pano branco, como se usa para fazer biombos, sendo a entrada protegida por uma espécie de cortina dupla. Não há janelas, porque o pano deixa passar ar e luz em abundância. Dentro desse quartinho fechado fazem-se todas as operações com os mosquitos, o que permite recuperar qualquer exemplar escapado por acidente, ou solto de propósito.

Para conservar presos por muito tempo os mosquitos, devem ser tomadas muitas precauções: primeiro, o mosquito não deve ser exposto ao ar muito seco; segundo, deve ser alimentado; terceiro, deve ser impedido de machucar-se, molharse ou ficar grudado pelas pernas ou pelas asas. Por isso, convém conservá-los em câmaras úmidas, mas a água não deve precipitar-se na parede das gaiolas. Sendo estas feitas de madeira ou papelão evita-se tal perigo, que existe principalmente nos frascos e tubos de vidro.

A alimentação pode ser feita de diversos modos, seja com sangue, o que muitas vezes não convém, seja com outros alimentos. Os primeiros, recomendados por Bancroft, consistem em bananas frescas, que se prestam bem para certas espécies, mas estragam-se facilmente. O mesmo pode-se dizer da melancia e de outras frutas, que experimentamos como alimento.

As tâmaras secas, que foram mais tarde recomendadas pelo mesmo autor, também oferecem vantagens, mas nem sempre estão à mão. Por isso, experimentamos outros alimentos, como água açucarada, caldo de cana, e, finalmente, encontramos um alimento muito bom – mel de abelha diluído e esterilizado pelo calor. Este é muito atrativo para os pernilongos presos, que não se demoram em procurálo com toda a regularidade.

Para fazer uma mamadeira apropriada, na qual os mosquitos possam chupar sem ficarem grudados, embebemos um pouco de algodão hidrófilo ou pedaços de esponja. Estes são embrulhados em tela de arame fina, que se enxuga completamente do lado de fora por meio de papel mata-borrão. O mosquito pousado na tela de arame introduz a tromba por uma das malhas e sem molhar-se absorve facilmente o líquido, como se verifica pela distensão do seu abdome, que se torna transparente. Quando os mosquitos estão em tubos fechados, os alimentos são colocados pelo lado de fora sobre as tampas de gaze ou de tela de arame.

Os Stegomyia não são muito delicados. Precisam de pouco ar e espaço e quase dispensam a luz, conservando-se vivos por vários dias nos tubos fechados, em caixas de madeira, com a condição de achar alimento; por isso podem facilmente fazer longas viagens. Numa caixa das de charutos vinda do Rio de Janeiro econservada fechada durante três dias, os mosquitos contidos em provetas, sem alimentação, nada sofreram, por terem sido alimentados antes. Sendo, porém, a temperatura alta e o ar seco, morrem depressa, havendo falta de alimento. Mesmo nas melhores condições são rapidamente dizimados depois de poucos dias de temperatura superior a 25o, de modo que apenas se pode calcular com a sobrevivência de uma pequena fração do número inicial, quando se trata de períodos prolongados, como sucede nas experiências da transmissão da febre amarela.

Os anófeles são muito mais delicados, e estes e os culicídeos domésticos rarasvezes chegam vivos em casa quando o ar for seco e a distância um tanto grande. Certas espécies bebem avidamente gotas de orvalho, ou de qualquer água pura.

Tratando-se de experiências com os Stegomyia infeccionados com sangue de doente de febre amarela, devem-se empregar precauções extraordinárias para evitar que qualquer mosquito escape. Neste caso, colocam-se os mosquitos recémsaídos das ninfas em gaiolas pequenas, ou tubos completamente fechados e munidos, pelo menos de um lado, de tecido de arame. Dessas gaiolas não saem mais enquanto estiverem vivos. Para deixá-los morder, aplica-se o tecido de arame na pele do doente e a alimentação se faz pelo lado de fora, do mesmo modo.

Os mosquitos usados em experiências devem estar em jejum, o que se conhece pelo fato de estarem com a barriga vazia. Esta se distende na ocasião de chupar, aumentando enormemente o seu volume.

Só o mosquito que tiver chupado bem pode ser considerado infeccionado. De outro lado, para levar à infecção, o mosquito não precisa chupar o sangue; basta ter picado e injetado a sua saliva, o que se conhece pela formação da pápula característica.

Para amadurecer os germes do impaludismo ou da febre amarela em tempoque não seja excessivo os mosquitos precisam de uma temperatura elevada, por isso convém conservá-los em estufa regulada quando a temperatura do ambientenão for bastante alta. Empregamos uma temperatura de 27o para 28o e mantemos o ar sempre bastante úmido.